quinta-feira , 25 abril 2024
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Direito Agrário

Instalação de linhas de transmissão de energia elétrica em imóveis rurais e a justa indenização

por Frederico Buss e Roberto B.  Fagundes Ghigino.

 

A instalação de linhas de transmissão de energia elétrica em imóveis rurais vem aumentando consideravelmente nos últimos tempos e assumindo papel importante para o desenvolvimento do setor energético, fomentando, por consequência, o progresso social e econômico.

A instalação das mencionadas linhas pelas concessionárias de energia está diretamente relacionada ao direito de servidão administrativa, previsto constitucionalmente, que segundo o magistério de Maria Sylvia Zanella di Pietro[1], assim está conceituado:

“(…)

Servidão administrativa é o direito real de gozo, de natureza pública, instituído sobre imóvel de propriedade alheia, com base em lei, por entidade pública ou por seus delgados, em favor de um serviço público ou de um bem afetado a fim de utilidade pública.

(…)”.

 Ainda, o aludido instituto, segundo lição de Juarez Freitas[2], assim está definido:

 

“(…)

No intuito de bem compreender a servidão administrativa no rol das quase-desapropriações, força é recordar que a regência e a caracterização do instituto são marcadas teleologicamente pela superioridade do interesse público, razão pela qual também exorbita do direito comum o seu regime jurídico, uma vez que se trata de manifestação interventiva própria, unilateral e privativa do Poder Público, que se traduz por uma instituição de ônus real de uso sobre propriedade particular, móvel ou imóvel, à medida que tal se apresentar preferível em lugar do despojamento compulsório, da requisição, da ocupação temporária ou, quiçá, do mero exercício do poder de polícia administrativa, institutos afins, mas rigorosamente inconfundíveis.

(…)”.

Deste modo, é visto que a concessão de servidão administrativa, além de estar constitucionalmente prevista, é de extrema relevância para o desenvolvimento, prescindindo a vontade do proprietário do imóvel, uma vez que o interesse público é predominante.

No entanto, a instalação de linhas de transmissão acaba por impor restrições à utilização do imóvel rural, ocasionando a perda de parte da autonomia do proprietário. Acarreta, ainda, sérias consequências de ordem econômica não só no valor do imóvel, mas igualmente na produtividade e nos rendimentos originados das atividades desenvolvidas no local.

Em face de tais circunstâncias, o proprietário que tiver seu imóvel rural atingido pela passagem de linhas de transmissão deve ser indenizado adequadamente com base não somente nos impactos patrimoniais sobre o valor do bem, como também nos demais prejuízos causados pela implantação, decorrentes da diminuição do efetivo aproveitamento do imóvel, tendo em vista que, em decorrência da implantação das linhas, há a restrição de diversas práticas na propriedade com a consequente perda de rendimentos.

Nessa linha, importar registrar a lição do saudoso administrativista Hely Lopes Meirelles[3], no tocante à indenização de servidão administrativa:

A indenização da servidão faz-se em correspondência com o prejuízo causado ao imóvel. Não há fundamento algum para o estabelecimento de um percentual fixo sobre o valor do bem serviente, como pretendem alguns julgados. A indenização há que corresponder ao efetivo prejuízo causado ao imóvel, segundo sua normal destinação. Se a servidão não prejudica a utilização do bem, nada há que indenizar; se a prejudica, o pagamento deverá corresponder ao efetivo prejuízo, chegando, mesmo, a transformar-se em desapropriação indireta com a indenização total da propriedade, se a inutilizou para sua exploração econômica normal.

A fim de mitigar estas perdas, o Decreto-Lei n.º 3.365/41 assegura o direito à justa indenização, sendo ainda recorrente a majoração do valor a ser indenizado pelo Poder Judiciário, após a realização de perícia técnica.

Nesse sentido é o entendimento do Tribunal de Justiça do RS, vejamos:

 APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. IMPLANTAÇÃO DE LINHA DE TRANSMISSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. LT 230KV ITAÚBA – SANTA CRUZ 1. JUSTA INDENIZAÇÃO. 1. Servidão administrativa é direito real de uso, estabelecido em favor da Administração Pública ou de seus delegados, incidente sobre a propriedade particular. 2. Laudo pericial realizado judicialmente que não apresenta irregularidades, devendo ser utilizado para fins de arbitramento da indenização pelos prejuízos sofridos pelo proprietário do imóvel serviente. 3. Avaliação do prejuízo sofrido na área remanescente: a desvalorização do imóvel não decorre apenas da diminuição do aproveitamento da área em que instalada a linha de transmissão, mas afeta em certo grau toda a propriedade, o que deve ser considerado para fins de justa indenização. 4. Honorários advocatícios fixados em 5% sobre o valor da diferença entre o valor da condenação e o ofertado, patamar máximo observado com base no art. 27, parágrafo 1º, do Decreto-Lei nº 3.365/41. NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO[4]. – Grifou-se.

 Diante do exposto, para que o proprietário do imóvel consiga exercer adequadamente o seu direito, percebendo a justa e adequada indenização em decorrência das perdas sofridas na propriedade, ocasionadas pela própria desvalorização do imóvel, bem como pelos rendimentos que deixaram de serem auferidos, em razão da impossibilidade de exercício pleno das atividades desenvolvidas no imóvel a priori da instalação das linhas, se faz indispensável a realização de adequada perícia técnica, que deverá ser realizada por profissional com experiência e devidamente habilitado.

Assim, apenas após a realização da devida perícia técnica é que será possibilitada a perfectibilização da correspondente e devida indenização ao proprietário pela instituição de servidão para passagem de linhas de transmissão, sendo para tanto considerada a fração atingida e todas as demais restrições impostas ao imóvel, além de outros fatores, tais como fator de risco e incômodo (depreciação causada pelos riscos e transtornos ocasionados pela instalação das linhas de transmissão); e o fator posição da linha de transmissão em relação ao imóvel (danos causados pelo “corte” que a linha de transmissão ocasionar ao imóvel), os quais devem ser levados em conta na aferição do quantum indenizatório.

Outro fator que deve ser levado em consideração é a desvalorização da área remanescente do imóvel, isto é, o impacto da instituição da servidão na área remanescente da propriedade, pois a área ao redor da servidão também sofre desvalorização, e esta desvalorização deve ser aferida e adicionada ao valor indenizatório.

As restrições impostas às áreas utilizadas para pecuária, e agricultura, por exemplo, a limitação para estrutura de irrigação e a impossibilidade de utilização de aviões agrícolas, bem como quaisquer outras atividades econômicas que possam ser desenvolvidas no local igualmente devem ser quantificadas, assim como o valor pela ocupação temporária do imóvel.

Nessa linha, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem decidindo:

 APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDÃO ADMINISTRATIVA. LINHA DE TRANSMISSÃO DE INTERLIGAÇÃO DE SUBESTAÇÃO. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA INCONTROVERSA. JUSTA INDENIZAÇÃO – ART. 40, DO DECRETO LEI N° 3.365/41. LAUDO PERICIAL JUDICIAL. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA – ART. 27, §1°, DO DECRETO LEI N° 3.365/41. I – A par da relevância do interesse público na melhoria das condições técnicas da transmissão e fornecimento de energia elétrica, e ampliação de novas cargas, com vistas ao fomento do desenvolvimento regional e social, bem como os benefícios em favor da coletividade, tal não dispensa a justa indenização, com base em avaliação atual, correspondente com a realidade do mercado. II – Sobre o valor da indenização, não obstante a não adstrição do Juiz ao laudo pericial, evidenciada a adoção de procedimento técnico para quantificação da depreciação da área remanescente, observadas as peculiaridades da região; preço médio de mercado, bem como; e, especialmente a imposição de restrição da prática de aviação agrícola, indispensável para cultura de arroz irrigado, a justificar o coeficiente de 63%. Nesse sentido, a segurança do método comparativo de dados, tendo em vista a diferença de valorização imobiliária do metro quadrado, conforme o tamanho total do imóvel e a aptidão comercial respectiva, notadamente com vistas à indenização da restrição parcial havida, nos termos do art. 15-A, §§ 1º e 3º, do Dec.-Lei nº 3.365/41. Precedentes deste TJRS. III – De outra banda, o ônus de sucumbência por parte da empresa concessionária apelante, tendo em vista o decaimento situado na fixação da indenização superior ao preço ofertado, na forma do art. 27, §1°, do Decreto Lei n° 3.365/41 Apelação desprovida[5]. – Grifou-se.

 Outrossim, além da indenização pelas perdas na valorização da propriedade e pelos rendimentos inviabilizados, todos os prejuízos e danos causados no imóvel durante a execução dos trabalhos para a instalação das linhas de transmissão, como, por exemplo, estragos no solo pela movimentação e trânsito inadequado de maquinário, avarias em cercas, porteiras e demais benfeitorias, devem ser apurados e indenizados ao proprietário.

Deste modo, não restam dúvidas acerca do direito do proprietário do imóvel que tenha sua propriedade parcialmente inviabilizada pela instalação de linhas de transmissão, ser indenizado de forma justa e adequada, incluindo para tanto todas as perdas sofridas, desde a desvalorização do bem, os rendimentos perdidos em virtude da parcial inviabilidade de exercício pleno de atividades agropecuárias, bem como pelos prejuízos ocasionados no período de instalação das linhas, desde que devidamente fundamentado em laudo pericial, conforme entendimento jurisprudencial.

Notas:

[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23. ed, São Paulo: Atlas, 2010, p. 152.

[2] FREITAS, Juarez. Estudos de Direito Administrativo. 2. ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 110.

[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, Editora Malheiros, 30ª Ed., 2005, p. 609.

[4] Apelação Cível, Nº 70080574585, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Matilde Chabar Maia, Julgado em: 28-03-2019.

[5] Apelação Cível, Nº 70081387011, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Delgado, Julgado em: 31-05-2019.

Frederico Buss -Advogado no Escritório Hein, Buss & Sampaio Advogados Associados, com atuação no Direito Agrário e aplicado ao Agronegócio. Consultor Jurídico da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul – Farsul.

Roberto B. Fagundes Ghigino – Advogado no Escritório Hein, Buss & Sampaio Advogados Associados. Especializado em Direito Público, Agrário e Ambiental. Autor do Livro “O Contrato de Pastoreio Pecuário – Teoria e Prática”, LEUD, 2020.

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