por Guilherme Medeiros.
O ano de 2023 encerrou de forma desafiadora para o agronegócio brasileiro. Como se não bastasse o ambiente político-institucional controverso e cada vez mais hostil, um velho e conhecido inimigo deu suas caras de forma bastante abrupta: a adversidade climática.
As localidades mais produtivas do país sofreram intempéries profundas. No Sul, enchentes que destruíram cidades inteiras, e no Cerrado brasileiro, a pior estiagem dos últimos 24 anos, causando prejuízos estratosféricos na economia de diversos municípios, e sendo ainda mais grave para os módulos rurais de pequenas propriedades e da agricultura familiar.
A certeza de que a normalidade climática não promete ser restaurada nos anos vindouros deveria servir de alerta para o produtor brasileiro sobre duas necessidades cruciais: a importância do seguro agrícola para sua lavoura e de uma assessoria eficaz na renegociação de contratos de custeio rural. Com a crescente influência de fenômenos climáticos adversos, o produtor precisa estar cada vez mais preparado para interagir com as instituições financeiras nestes casos – especialmente em períodos de severa estiagem.
O Manual de Crédito Rural, estabelecido pelo Banco Central do Brasil, fornece diretrizes e orientações sobre as condições e procedimentos para a renegociação desses contratos.
Como renegociar?
Antes, é fundamental uma avaliação detalhada da situação da propriedade rural, considerando os impactos da estiagem na produção, na renda e na capacidade de pagamento do agricultor. É essencial coletar informações sobre as perdas sofridas, a produtividade alcançada e a disponibilidade de recursos para honrar os compromissos financeiros.Logo em seguida, é imprescindível dialogar com o credor (instituição financeira) responsável pelo contrato de custeio rural. Informando a situação e colocando-se à disposição para renegociar os débitos, sempre de forma aberta, transparente e de boa-fé.
Em situações contratuais, é muito importante embasar a renegociação em documentos sólidos. Na hora de reunir a documentação para comprovar a situação, lembre-se de ter à mão:
3.1. Relatórios técnicos (laudo de frustração de safra),
3.2. Laudos de órgãos de assistência técnica (ex.: Emater, Irga, Aprosoja, etc.),
3.3. Registros de precipitação pluviométrica,
3.4. Decretos de situação de emergência ou calamidade pública,
3.5. Laudo de capacidade de pagamento,
3.6. Outros documentos que evidenciem a ocorrência da estiagem e seus impactos na produção agrícola (reportagens, vídeos, fotos, etc).
A partir daí, é o momento do credor realizar a análise técnica do pedido de renegociação com base na documentação apresentada e nas diretrizes do Manual de Crédito Rural.
É importante destacar que o Manual de Crédito Rural prevê condições específicas para a renegociação em casos de eventos climáticos adversos, como a estiagem.
A prorrogação deve ser realizada através de simples termo aditivo, mantendo-se os encargos financeiros já previstos em situação de normalidade, isto é, sem o aumento de juros, cobrança de multas ou inclusão de outros encargos mais onerosos ao produtor. Ou seja: o banco não pode exigir a assinatura de novo contrato de financiamento ou de crédito pessoal com encargos maiores. Lembrando que é nula a novação em matéria de crédito rural.
O Manual de Crédito Rural, é o principal instrumento legislativo que estabelece normas gerais relativas ao crédito rural, passou por algumas singelas, porém profundas, mudanças.
Entre tantas outras, uma tem interferência direta e imediata no objeto do presente artigo: o alongamento do crédito rural.
O Manual de Crédito passou por algumas alterações e, em especial, o item 2.6.9 transformou-se no item 2.6.4, passando, assim, a estabelecer:
“MCR 2.6.4 — Fica a instituição financeira autorizada a prorrogar a dívida, aos mesmos encargos financeiros pactuados no instrumento de crédito, desde que o mutuário comprove a dificuldade temporária para reembolso do crédito em razão de uma ou mais entre as situações abaixo, e que a instituição financeira ateste a necessidade de prorrogação e demonstre a capacidade de pagamento do mutuário:
a) dificuldade de comercialização dos produtos;
b) frustração de safras, por fatores adversos;
c) eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações”.
De início, percebe-se a primeira alteração: a palavra “devida” foi substituída pela palavra “autorizada”.
Outra alteração substancial diz respeito à sua parte final, que, assim, passou a dispor: “E que a instituição financeira ateste a necessidade de prorrogação e demonstre a capacidade de pagamento do mutuário”.
Na prática, esta alteração confere ao credor o poder de, constatando insuficiência de razões técnicas, não prorrogar a dívida. Todavia, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), na Súmula 298, consolidou o entendimento de que “o alongamento de dívida originada de crédito rural não constitui faculdade da instituição financeira, mas, direito do devedor nos termos da lei”.
Após chegar a um acordo sobre as novas condições, é necessário formalizar a renegociação por meio de um aditivo contratual assinado por ambas as partes e contendo as alterações acordadas, e aqui, novamente frisamos: não aceite novação.
Vale frisar a necessidade de protocolar o requerimento de prorrogação, com amparo no Manual de Crédito Rural, de preferência, com a máxima antecedência possível do vencimento.
Seguindo estas recomendações, o produtor seguramente terá êxito na renegociação do seu custeio, evitando a contingência da inclusão do seu nome em cadastros restritivos e também perdas patrimoniais, que eventualmente sucedem com produtores por falta de informação ou assessoria jurídica adequada. Em qualquer situação de crise, o diálogo e a serenidade, junto com uma competente juntada de documentos, é indispensável para uma renegociação bem-sucedida.