A 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) decidiu, por unanimidade, em um julgamento ocorrido em 19 de fevereiro de 2025, afastar a alienação fiduciária sobre uma pequena propriedade rural, reafirmando a impenhorabilidade do bem que serve de sustento à família rural.
A decisão reconheceu a nulidade da cláusula de alienação fiduciária em um contrato de crédito rural, argumentando que a pequena propriedade rural não pode ser penhorada para o pagamento de dívidas decorrentes de atividade produtiva.
O caso envolveu uma ação anulatória de alienação fiduciária, em que os autores questionaram a validade da cláusula de garantia vinculada ao imóvel localizado no Município de Machadinho (RS). A propriedade era utilizada pela família para sua subsistência, o que, segundo o entendimento do Tribunal, a enquadrava como impenhorável, conforme os artigos 5º, inciso XXVI, da Constituição Federal, e 833, inciso VIII, do Código de Processo Civil (CPC), além do artigo 4º da Lei nº 8.629/1993.
A decisão do TJRS foi firmada com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, invocando o Tema 961 da repercussão geral, que afirma que pequenas propriedades rurais, quando utilizadas pela família para sua subsistência, são impenhoráveis, não podendo ser comprometidas para satisfazer dívidas relacionadas à atividade produtiva. O Tribunal também destacou que, embora o imóvel tenha sido oferecido como garantia real em uma operação de crédito, isso não afasta a proteção à função social da propriedade rural familiar.
A Corte ressaltou que a impenhorabilidade da pequena propriedade rural está garantida pelo artigo 4º da Lei nº 8.009/1990 e pelo artigo 5º, inciso XXVI, da Constituição Federal, que visam proteger a subsistência das famílias rurais. Para o Tribunal Gaúcho, permitir a penhora ou a alienação fiduciária sobre tais propriedades violaria os direitos constitucionais e sociais do proprietário rural.
A decisão do TJRS, ao reconhecer a impenhorabilidade da pequena propriedade rural e declarar nula a alienação fiduciária, reafirma a proteção da terra como um bem essencial à sobrevivência das famílias que dela dependem para sua subsistência.
O julgado segue a lógica da proteção da família enquanto instituto de direito agrário, cuja proteção é reconhecida pela Constituição Federal e pela legislação agrária, conforme destacado no artigo “A família enquanto instituto de Direito Agrário“, de autoria de Albenir Querubini.
A decisão ainda cabe recurso.
A notícia se refere à Apelação Cível nº 5000420-28.2024.8.21.0127/RS, 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Rel. Desembargadora Carla Patrícia Boschetti Marcon, julgado em 19/02/2025.
Atuou como advogado dos autores o Dr. Guilherme Medeiros (@advogadorural).
Principais pontos da decisão para o estudo jurídico:
- Os autores alegaram que a cláusula de alienação fiduciária sobre a pequena propriedade rural era inválida, com base na impenhorabilidade do bem de família, prevista pela Constituição Federal (art. 5º, XXVI).
- Defenderam a nulidade da garantia de alienação fiduciária em razão da utilização do imóvel para a subsistência da família, o que justificaria sua impenhorabilidade.
- O imóvel foi reconhecido como pequena propriedade rural, utilizado pela família para sua subsistência, o que conferiu ao bem a proteção da impenhorabilidade.
- A proteção se aplica conforme o artigo 833, inciso VIII, do Código de Processo Civil (CPC), que determina a impenhorabilidade de bens necessários à subsistência da família.
- A decisão foi alinhada à jurisprudência do STF, Tema 961 da repercução geral, que estabelece que pequenas propriedades rurais utilizadas pela família para sua subsistência são impenhoráveis.
- A Corte ressaltou que, mesmo que o imóvel tenha sido oferecido como garantia de crédito, a impenhorabilidade prevista não pode ser afastada.
- A decisão reconheceu que a proteção da pequena propriedade rural não pode ser afastada pela autonomia da vontade das partes, ou seja, a possibilidade de estabelecer garantias contratuais, uma vez que a Constituição e as leis garantem a proteção da subsistência familiar sobre interesses de natureza patrimonial.
- Ao declarar nula a cláusula de alienação fiduciária contida no contrato de crédito rural, o Tribunal concluiu que a impenhorabilidade da pequena propriedade rural não poderia ser comprometida, mesmo com a utilização do imóvel como garantia.
- Como efeito prático da decisão, o Tribunal desconstitui os atos preparatórios de consolidação da propriedade em nome da credora, restabelecendo o status quo ante, ou seja, o estado anterior à operação de crédito.
Leia também:
– A família enquanto instituto de Direito Agrário
– A impenhorabilidade da pequena propriedade rural
– Impenhorabilidade da pequena propriedade rural familiar abrange a garantia hipotecária para financiamento da atividade produtiva, decide o TRF4
– Alienação fiduciária de bens imóveis
Confira a íntegra da decisão:
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000420-28.2024.8.21.0127/RS
RELATORA: DESEMBARGADORA CARLA PATRICIA BOSCHETTI MARCON
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto por MARCIANO ANTONIO DOS SANTOS, Maria Salete dos Santos, e Aldo Alves dos Santos em face da sentença de lavra do eminente magistrado Dr. Victor Matheus Bevilaqua que julgou improcedente a ação anulatória de cláusula de alienação fiduciária de pequena propriedade rural cumulada com levantamento do gravame, ajuizada em desfavor de COOPERATIVA DE CRÉDITO E INVESTIMENTO COM INTERAÇÃO SOLIDÁRIA CONFIANÇA – CRESOL CONFIANÇA. O dispositivo restou assim redigido (evento 105, SENT1):
Diante do exposto, com fulcro no artigo 487, I, do Código de Processo Civil1, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por MARCIANO ANTONIO DOS SANTOS, MARIA SALETE DOS SANTOS e ALDO ALVES DOS SANTOS, em face de COOPERATIVA DE CRÉDITO E INVESTIMENTO COM INTERAÇÃO SOLIDÁRIA CONFIANÇA – CRESOL CONFIANÇA.
Sucumbente a parte autora, condeno-a ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte adversa, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa. Suspensa a exigibilidade em face da gratuidade da justiça deferida (evento 16, DOC1).
Publicação e intimação automáticas.
Os embargos de declaração opostos pelos autores foram desacolhidos.
Em suas razões, alegaram a invalidade da alienação fiduciária da pequena propriedade rural. Insurgiram-se em face da interpretação conferida à cláusula de alienação fiduciária. Acusaram afronta à norma constitucional que protege a pequena propriedade rural, visando garantir a subsistência e a continuidade da atividade produtiva familiar. Salientaram a boa-fé dos pequenos produtores rurais que tiveram sua situação financeira agravada por problemas climáticos. Aduziram proibição legal de renunciar a proteção constitucional conferida à pequena propriedade familiar. Referiram que a cláusula de alienação fiduciária burla a regra de impenhorabilidade. Citaram entendimento jurisprudencial que assegura a impenhorabilidade da pequena propriedade rural mesmo quando oferecida em garantia fiduciária. Postularam a declaração de nulidade da cláusula de alienação fiduciária e o reconhecimento de impenhorabilidade da pequena propriedade rural, bem como a inversão da sucumbência. Requereram provimento (evento 116, APELAÇÃO1).
Com contrarrazões, vieram-me os autos conclusos para julgamento.
Outrossim, após a inclusão do processo em pauta de sessão virtual, a parte apelante manifestou oposição ao julgamento virtual, postulando a redesignação para sessão presencial ou telepresencial, para sustentação oral de seu procurador – evento 8, PET1.
É o relatório.
VOTO
Eminentes Colegas.
De início, reputo prejudicada a objeção da apelada ao julgamento virtual – evento 8, PET1, pois já minutada proposta de voto, sendo-lhe favorável.
Conheço do recurso porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.
Insurgiram-se os autores em face da sentença que julgou improcedente o pedido de anulação de cláusula de alienação fiduciária c/c com declaração de impenhorabilidade da pequena propriedade rural e desconstituição de gravame. Em síntese, defendem a invalidade do pacto de alienação fiduciária sobre pequena propriedade rural, diante da garantia constitucional de impenhorabilidade do bem de família.
Trata-se de ação anulatória de cláusula de alienação fiduciária de pequena propriedade rural, na qual sustentaram os autores terem firmado com a ré a cédula de crédito bancário n.º 2002036-2021.000022-6, cujo objeto foi o financiamento de um trator agrícola, estabelecendo como garantia a área rural, matriculada sob o n.º 3.230, da Comarca de São José do Ouro/RS, com área de 5,210700 hectares, composto do lote rural n.º 76, da secção Coqueiros, Município de Machadinho/RS, sem benfeitorias – evento 1, OUT9.
Consoante dispõe o art. 5º, inc. XXVI, da Constituição Federal, é vedada a penhora da pequena propriedade rural, desde que trabalhada pela família, o que vem reiterado no art. 833, inc. VIII, do Código de Processo Civil, in verbis:
Art. 833. São absolutamente impenhoráveis:
(…)
VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;
O conceito de pequena propriedade rural é definido nos termos do art. 4º da Lei n.º 8.629/93 que dispõe:
Art. 4º. Para efeitos desta lei, conceituam-se:
(…)
II – Pequena propriedade – o imóvel rural:
a) de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais;
No caso, verifica-se que o imóvel objeto da penhora possui área de 5,210700 hectares (evento 1, MATRIMÓVEL10), isto é, inferior a 1 módulo fiscal, que no Município de Machadinho é de 20 hectares1. Assim, impenhorável seria apenas a área superior a 80 hectares (equivalente a 4 módulos fiscais).
Desse modo a condição de pequena propriedade rural, resta evidente, porquanto o imóvel em tela consiste em pouco mais que 5 hectares, e portanto compreendido no limite entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais da região (20 hectares), conforme os parâmetros trazidos pelo artigo 4º da Lei nº 8.629/93.
Importante destacar que, no julgamento do ARE 1038507, com repercussão geral reconhecida (Tema 9612), o STF decidiu que as pequenas propriedades rurais, desde que trabalhadas pela família, não podem ser penhoradas para pagamento de dívidas decorrentes de atividade produtiva.
Estando o imóvel enquadrado como pequena propriedade rural e somando ao fato de estar comprovado que a área é explorada pela família para sua subsistência – por meio das notas fiscais de produtor rural em nome do apelante Marciano Antônio dos Santos (evento 1, OUT15, evento 1, OUT16, evento 1, OUT17 e evento 1, OUT18) – concebível reconhecer a impenhorabilidade do imóvel.
Ademais, o fato do imóvel ter sido oferecido em garantia real não afasta a proteção à pequena propriedade rural, uma vez que foi comprovada a utilização para a subsistência da família. Conforme o Egrégio Tribunal de Justiça:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO DE PENHORA DOS BENS DADOS EM GARANTIA REAL. APLICAÇÃO DO ARTIGO 835, §3º, DO CPC. PREFERÊNCIA LEGAL QUE DEVE RECAIR SOBRE OS BENS DADO EM GARANTIA. IMPENHORABILIDADE DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL REJEITADA. DECISÃO AGRAVADA REFORMADA. I. Nos termos do previsto no §3º do artigo 835, do Código de Processo Civil Na execução de crédito com garantia real, a penhora recairá sobre a coisa dada em garantia, e, se a coisa, pertencer a terceiro garantidor, este também será intimado da penhora. II. Tratando-se de imóvel rural com área inferior ao módulo rural da Região, com comprovação de que se trata de imóvel trabalhado pela família, deve ser declarada sua impenhorabilidade. Art. 5°, XXVI, regulamentado pela Lei n°8.629/93. Art. 833, VIII do Novo Código de Processo Civil. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça o ônus da comprovação de que se o imóvel se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural recai sobre o pequeno proprietário, executado, recaindo sobre a exequente o ônus de comprovar que a terra não é explorada pelo núcleo familiar, ou de que dela não depende o seu sustento. Precedentes desta Corte. III. Decisão agravada reformada para determinar, primeiramente, a penhora sobre os bens dados em garantia real, nos termos do previsto no artigo 835, §3º, do CPC e acolher o incidente de impenhorabilidade da pequena propriedade rural, determinando a imediata desconstituição da penhora realizada sobre o imóvel sob o 10.179 do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Uruguaiana/RS. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 70084974591, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em: 01-12-2021)
APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS AGRÁRIOS. EMBARGOS À PENHORA. IMPENHORABILIDADE DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. RECONHECIDA. CONCEITO DE MÓDULO RURAL. IDENTIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE A TERRA NÃO É LABORADA PELA FAMÍLIA. ÔNUS QUE RECAI SOBRE O EXEQUENTE. EQUIPARAÇÃO À GARANTIA REAL HIPOTECÁRIA. DESCABIMENTO. Impenhorabilidade da pequena propriedade rural. O imóvel rural, identificado como pequena propriedade e utilizado para subsistência da família, é absolutamente impenhorável, não se exigindo que o imóvel seja utilizado para moradia. Art. 5º, XXVI, da CF/88. Módulo Rural. Definição legal disposta pelo art. 4º, da Lei nº 8.629/93, o qual preceitua que é a área de até quatro módulos fiscais, respeitada a fração mínima de parcelamento. Impenhorabilidade. Entendimento do STJ. Recai sobre o pequeno proprietário, executado, o ônus da comprovação de que o seu imóvel se enquadra nas dimensões da pequena propriedade rural, recaindo sobre o exequente o ônus de comprovar que a terra não é explorada pelo núcleo familiar, ou de que dela não depende o seu sustento. Garantia hipotecária. Sendo o bem uma pequena propriedade rural, cuja impenhorabilidade encontra-se garantida constitucionalmente, a exceção prevista em lei ordinária não pode afetar direito reconhecido pela Constituição, nem pode ser afastada por renúncia, por se tratar de princípio de ordem pública que visa à proteção da entidade familiar. DERAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 70080543655, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giovanni Conti, Julgado em: 21-02-2019)
Logo, sendo o imóvel destinado à agricultura familiar e se enquadrando no conceito de pequena propriedade rural, impõe-se reconhecer a impenhorabilidade da área dada em garantia.
A proteção conferida à pequena propriedade rural pelo artigo 4º, da Lei n. 8.009/90 em conjunto com o artigo 5º, XXVI, da Constituição Federal, mitiga a autonomia da vontade, resguardando a propriedade que sirva de sustento à entidade familiar. Ademais, há de se sopesar que as instituições financeiras dispõe de meios para averiguar antecipadamente, a situação dos bens nomeados em garantia fiduciária, podendo recusar imóveis notoriamente albergados pela proteção constitucionalmente conferida ao bem de família.
Destarte, diante da impenhorabilidade do bem sobre o qual recaiu a garantia, impõe-se reconhecer a nulidade da cláusula de alienação fiduciária, desconstituindo-se, por conseguinte, eventual consolidação da propriedade ou seus atos preparatórios, de modo a restabelecer o status quo ante.
No mesmo sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO ANULATÓRIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. AVALISTA QUE OFERECE PEQUENA PROPRIEDADE RURAL EM GARANTIA HIPOTECÁRIA. IMPENHORABILIDADE. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO FEITO DESCONSTITUÍDA. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS. A PEQUENA PROPRIEDADE RURAL, DESDE QUE TRABALHADA PELA FAMÍLIA, É IMPENHORÁVEL (ART. 5º, XXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 833 DO CPC/2015), AINDA QUE OFERECIDA EM GARANTIA HIPOTECÁRIA. HIPÓTESE EM QUE, COMPROVADA A CONDIÇÃO DO IMÓVEL DADO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA COMO PEQUENA PROPRIEDADE RURAL TRABALHADA PELA FAMÍLIA, MOSTRA-SE IMPERIOSA A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA INCIDENTE SOBRE O BEM, COM RETORNO DAS PARTES AO STATUS ANTERIOR À CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE EM NOME DA CREDORA. APELAÇÃO PROVIDA.(Apelação Cível, Nº 50016274120198210029, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Beatriz Iser, Julgado em: 28-04-2021)
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO ANULATÓRIA DE CONSOLIDAÇÃO DE PROPRIEDADE. ILEGITIMIDADE ATIVA AFASTADA. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL DADA GARANTIA DE CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. IMPENHORABILIDADE RECONHECIDA. É ENTENDIMENTO DO STJ E DESTE COLEGIADO QUE A PEQUENA PROPRIEDADE RURAL TRABALHADA PELA FAMÍLIA É IMPENHORÁVEL, AINDA QUE TENHA SIDO OFERECIDA EM GARANTIA, FULCRO NO ART. 5, XXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ART. 833, VIII, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. TRATANDO-SE O IMÓVEL EM QUESTÃO DE PEQUENA PROPRIEDADE RURAL TRABALHADA PELA FAMÍLIA, PROTEGIDO, POIS, PELA IMPENHORABILIDADE, NÃO MERECE REPAROS A SENTENÇA QUE DECLAROU A NULIDADE DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA, COM O RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE À CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível, Nº 50000518820208210122, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Luiz Pozza, Julgado em: 18-03-2021)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. IMPENHORABILIDADE DE IMÓVEL. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. O FATO DE TEREM OFERECIDO O BEM EM GARANTIA, POR SI, NÃO AFASTA A SUA IMPENHORABILIDADE. O ARTIGO 3º, INCISO V, DA LEI Nº 8.009/90. DEVE SER INTERPRETADO DE FORMA SISTEMÁTICA, CONFORME A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 5º, INC. XXVI DA CF. E EM CONSONÂNCIA COM O ART. 833, VIII DO CPC/15 E § 2º DO ART. 4º DA LEI 8.009/90. NÃO HÁ COMO COGITAR DA HIPÓTESE DE UM PACTO PRIVADO SOBREPOR-SE À NORMA CONSTITUCIONAL, QUANDO COMPROVADO QUE SE TRATA DE PEQUENA PROPRIEDADE RURAL SOB EXPLORAÇÃO PARA GARANTIA DA SOBREVIVÊNCIA DOS EXECUTADOS. APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação Cível, Nº 50018396520208210049, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Heleno Tregnago Saraiva, Julgado em: 19-11-2020)
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO ANULATÓRIA, QUE VISA DESCONSTITUIR A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL DADO EM GARANTIA DE CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. MITIGAÇÃO DA AUTONOMIA DA VONTADE POR INCIDÊNCIA DO ARTIGO 4º, §2º DA LEI 8.009/90 E DO ARTIGO 5º, XXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARGUIÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO. CONDIÇÕES DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA EM AVALIAR, ANTECIPADAMENTE, A SITUAÇÃO DO BEM DADO EM GARANTIA. Revendo posicionamento até aqui adotado, ainda não consolidado por este Colegiado sobre o tema relativo, especificamente quanto à impenhorabilidade da pequena propriedade rural, estou em manter a sentença proferida. Isso porque a incidência do artigo 4º, da Lei 8.009/90 em conjunto com o artigo 5º, XXVI, da Constituição Federal, mitiga a autonomia da vontade, na medida em que impõe proteção ao patrimônio pessoal com este perfil, objetivando resguardo e garantia à propriedade que sirva de sustento e abrigo à entidade familiar. Em se tratando de contratação com instituições financeiras, calha referir que estas possuem estrutura suficiente a investigar, antecipadamente, a situação do bem nomeado em garantia fiduciária. Nesse prisma, o que se tem é uma nova teoria obrigacional, calcada não apenas na autonomia da vontade – que segue sendo curial às obrigações-, mas também na função social destas obrigações e, ao reavaliar o dispositivo legal que rege a impenhorabilidade dos bens de família quanto à pequena propriedade rural, deve ser levada em consideração as circunstâncias expostas supra, impondo-se a manutenção da decisão recorrida. RECURSO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70082451154, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Deborah Coleto Assumpção de Moraes, Julgado em: 12-12-2019)
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO ANULATÓRIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. IMPENHORABILIDADE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO. Sentença extra petita. Nulidade. Inocorrência. Pretendendo os autores a declaração de nulidade da alienação fiduciária incidente sobre o bem, não se mostra extra petita a decisão que, reconhecendo a impenhorabilidade e a nulidade da garantia, determina o retorno das partes ao status quo ante, desconstituindo a consolidação da propriedade. Pequena propriedade rural. A pequena propriedade rural, desde que trabalhada pela família, é impenhorável (art. 5º, XXVI, da Constituição Federal e art. 833 do CPC/2015), ainda que oferecida em garantia hipotecária. Considera-se pequena propriedade rural o imóvel rural cuja extensão é inferior ou igual a quatro módulos fiscais. Hipótese em que, comprovada a condição do imóvel penhorado como pequena propriedade rural trabalhada pela família, mostra-se correta a sentença que declarou a nulidade da alienação fiduciária incidente sobre o bem, com retorno das partes ao status anterior à consolidação da propriedade em nome da credora. PRELIMINAR REJEITADA. APELO DESPROVIDO.(Apelação Cível, Nº 70080256696, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em: 28-03-2019)
Deve-se dar provimento ao recurso, para JULGAR PROCEDENTE a ação, a fim de reconhecer a impenhorabilidade do imóvel registrado sob a matrícula n.º 3.230 do Ofício de Registro de Imóveis do Município de Machadinho (evento 1, DOC10), declarar nula a garantia de alienação fiduciária atrelada à operação de crédito n.º 2002036-2021.000022-6, e desconstituir atos preparatórios de consolidação da propriedade à credora.
Diante da solução ora endereçada, vai invertida a sucumbência, recaindo sobre a parte ré o pagamento da totalidade das despesas judiciais, além de honorários advocatícios de sucumbência ora arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa, na forma do artigo 85, §11, do CPC.
Oportuno advertir as partes de que a oposição de embargos manifestamente protelatórios está sujeita às sanções do art. 1.026, §2º, do CPC.
Por derradeiro, com relação aos dispositivos legais citados na inconformidade, consideram-se desde já prequestionados, a fim de evitar a oposição de embargos declaratórios com tal finalidade. Registre-se que o julgador não está obrigado a se manifestar expressamente acerca de todos os artigos de Lei citados pelas partes, bastando que a decisão esteja fundamentada, na forma dos artigos 489, IV e 1.025, do Código de Processo Civil.
Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO ao recurso para JULGAR PROCEDENTE a ação, a fim de reconhecer a impenhorabilidade do imóvel registrado sob a matrícula n.º 3.230 do Ofício de Registro de Imóveis do Município de Machadinho, declarar nula a garantia de alienação fiduciária atrelada à operação de crédito n.º 2002036-2021.000022-6, e desconstituir atos preparatórios de consolidação da propriedade à credora. Diante da solução ora endereçada, condeno a parte ré ao pagamento da totalidade das despesas judiciais, além de honorários advocatícios de sucumbência, ora arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa, na forma do artigo 85, §11, do CPC.
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DOS AUTORES.
1. Insurgiram-se os autores em face da sentença que julgou improcedente o pedido de anulação de cláusula de alienação fiduciária c/c com declaração de impenhorabilidade da pequena propriedade rural e desconstituição de gravame. Em síntese, defendem a nulidade da garantia de alienação fiduciária sobre a pequena propriedade rural, diante da impenhorabilidade do bem de família.
2. Estando o imóvel enquadrado como pequena propriedade rural e somando ao fato de estar comprovado que a área é explorada pela família para sua subsistência, concebível reconhecer a sua impenhorabilidade – art. 5º, inc. XXVI, da Constituição Federal; art. 833, VIII, do CPC e art. 4º da Lei n.º 8.629/93.
3. Consoante entendimento firmado pelo STJ a partir do Tema 961, as pequenas propriedades rurais, desde que trabalhadas pela família, não podem ser penhoradas para pagamento de dívidas decorrentes de atividade produtiva. O fato do imóvel ter sido oferecido em garantia real não afasta a proteção à pequena propriedade rural, uma vez que foi comprovada a utilização para a subsistência da família.
4. A proteção conferida à pequena propriedade rural pelo artigo 4º, da Lei n. 8.009/90 em conjunto com o artigo 5º, XXVI, da Constituição Federal, mitiga a autonomia da vontade, resguardando a propriedade que sirva de sustento à entidade familiar.
5. Diante da impenhorabilidade do bem sobre o qual recaiu a garantia, impõe-se reconhecer a nulidade da cláusula de alienação fiduciária, desconstituindo-se, por conseguinte, eventual consolidação da propriedade ou seus atos preparatórios, de modo a restabelecer o status quo ante.
6. Sentença reformada para julgar procedente a ação. Sucumbência invertida. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul decidiu, por unanimidade, DAR PROVIMENTO ao recurso para JULGAR PROCEDENTE a ação, a fim de reconhecer a impenhorabilidade do imóvel registrado sob a matrícula n.º 3.230 do Ofício de Registro de Imóveis do Município de Machadinho, declarar nula a garantia de alienação fiduciária atrelada à operação de crédito n.º 2002036-2021.000022-6, e desconstituir atos preparatórios de consolidação da propriedade à credora. Diante da solução ora endereçada, condeno a parte ré ao pagamento da totalidade das despesas judiciais, além de honorários advocatícios de sucumbência, ora arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa, na forma do artigo 85, §11, do CPC, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que integram o presente julgado.
Porto Alegre, 19 de fevereiro de 2025.