por Evaldo Martins.
Em 12 de dezembro de 2019, a Lei de Regularização Fundiária foi sancionada pelo chefe do Poder Executivo estadual e publicada no Diário Oficial. A nova norma vigente (Lei nº 7.294/2019), é pauta muito aguardada pelos produtores e por toda sociedade, que se beneficiará com as novas diretrizes trazidas por esse dispositivo legal. Dentre as novidades, o texto atual da Lei nº 7.294/2019 revoga alguns dispositivos da Lei nº 6.709/2015 e acrescenta outros novos.
É bom dizer que a aprovação dessa lei contou com a participação dos movimentos sociais, tais como, a Aprosoja, a OAB-PI – representada pela Comissão de Direito Agrário e Agronegócios, do Instituto de Terras do Piauí – INTERPI e outros, para que a proposta pudesse atender a sociedade piauiense como um todo.
A importância desse avanço legislativo está na valorização do agronegócio e, consequentemente, em uma maior segurança jurídica para os produtores e empresários que decidirem investir em solos piauienses. Não se pode deixar de citar também a situação de várias famílias que vivem em assentamentos irregulares e terão sua propriedade regulamentada. Além disso, a regularização fundiária viabiliza o acesso a créditos rurais, mecanismo financeiro de suma importância para o desenvolvimento da produtividade agrícola e geração de renda no campo.
Em que pese a lei aprovada pelo legislativo estadual tenha dividido opiniões entre os operadores do direito, principalmente no sentido de que teria priorizado a regularização de assentamentos irregulares situados em terras públicas em detrimento da regularização de áreas produtivas do cerrado piauiense, é louvável a disposição dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) em promover a resolução dos problemas de falta de documentação das terras, pois essas questões representam um grande entrave ao acesso de benefícios econômicos e sociais ao estado do Piauí.
Quanto às especificidades do projeto de lei aprovado, merece destaque o art. 14 da Lei nº 7.294/2019, ao qual determina o seguinte: “Não serão regularizadas ocupações exercidas sobre áreas objeto de demanda judicial na qual sejam parte o Estado, a União ou entes da administração pública estadual ou federal indireta, até o trânsito em julgado”.
Apesar do parágrafo único do mesmo artigo esclarecer que “a vedação não se aplica nos casos cujo objeto da demanda não impeça a análise, pela administração pública, dos requisitos para regularização da ocupação, bem como hipótese de acordo judicial”, há, sem dúvidas, um privilégio – e não uma prerrogativa, desproporcional da Fazenda Pública em face os particulares, sem qualquer justificativa plausível para tanto.
Isso porque, já existe súmula do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o ente público detém legitimidade e interesse para intervir, incidentalmente, na ação possessória entre particulares, podendo deduzir qualquer matéria defensiva, inclusive se for o caso, o domínio (Súmula n. 637). Logo, não há, atualmente, qualquer critério para a intervenção da Fazenda Pública nos processos fundiários e analisando a referida súmula com o dispositivo aprovado na Lei nº 7.294/2019, percebe-se que o legislativo não irá atingir os objetivos que diz buscar com a aprovação da lei, já que demandas judiciais em que não exista a participação do ente público será exceção e não a regra. Consequentemente, quase todas as terras que estão sendo objeto de litígio judicial no Piauí só serão regularizadas após o trânsito julgado. Só para se ter noção, segundo o CNJ, no Piauí a sentença demora em média 04 anos para ser prolatada.
Outro artigo que também merece realce é o art. 15, segundo o qual: “Em caso de conflito nas regularizações de ocupações incidentes em terras devolutas ou públicas estaduais de que trata este Capítulo, o Estado priorizará a regularização em benefício das comunidades locais, definidas no inciso X do art.3º, da Lei nº 11.284, de 2006, se o conflito for entre essas comunidades e particular, pessoa física ou jurídica”.
Sabe-se que, mesmo que essas comunidades mereçam proteção legal por parte do Estado, não se pode priorizar sem critérios objetivos ou requisitos legais a regularização de terras desse grupo em benefício dos particulares, sob pena de violação do princípio da isonomia.
A nova lei também inovou nas questões relativas à participação, controle social e acompanhamento da política de regularização fundiária. Isso se deve a previsão do art.6º da Lei nº 7.294/2019, na qual o INTERPI apresentará semestralmente relatório dos imóveis regularizados ao Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural e Política Agrícola – CEDERPA e à Assembleia Legislativa do Piauí, informando, no mínimo, os beneficiários, as áreas regularizadas e os valores arrecadados.
Essa novidade trazida é digna de congratulação, visto que consagra o princípio da informação e da transparência no processo de regularização, fato que contribui diretamente para uma maior segurança jurídica para aqueles que se beneficiarão das novas regras trazidas pela lei.
Por fim, a lei esclarece, no seu art. 11, quais são as áreas que serão passíveis de regularização. Nesse sentido, poderão ser regularizadas as ocupações incidentes em terras discriminadas, arrecadadas e registradas em nome do Estado do Piauí, salvo aquelas enquadradas como indisponíveis, as reservadas para a administração militar federal ou a outras finalidades de utilidade pública ou de interesse social a cargo do Estado ou da União, as florestas públicas, unidades de conservação ou que sejam objeto de processo administrativo voltado à criação de unidades de conservação, as que contenham sessões ou benfeitorias estaduais e federais e aquelas que estejam em imóveis pertencentes à Marinha.
Também não serão passíveis de regularização, de acordo com a lei, terras remanescentes de núcleos de colonização ou de projetos de reforma agrária que tiverem perdido a vocação agrícola e se destinem à utilização urbana.
Diante do que foi dito, fica evidente que a aprovação da Lei nº 7.294/2019 tem como intuito principal, muito mais a arrecadação de valores para o Estado, do que a própria tentativa de regularização das terras. Mesmo assim, é notório que a lei proporcionará aos pequenos, médios e grandes produtores, maior segurança jurídica para investir em solos piauienses e, consequentemente, valorizará terras que antes eram irregulares. Espera-se que com isso, o estado do Piauí possa avançar para o segundo ciclo do agrarismo[1] e a partir daí se torne vanguardista em temas atinentes ao Direito Agrário.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
QUERUBINI. Albenir. Os ciclos do agrarismo e o Direito Agrário brasileiro. Disponível em: < https://direitoagrario.com/os-ciclos-agrarismo-e-o-direito-agrario-brasileiro/>.
PIAUÍ. Lei nº 7.294 de 10 de dezembro de 2019. Diário Oficial do Estado do Piauí. Disponível em: < http://www.diariooficial.pi.gov.br/>.
PIAUÍ. Governo do Estado. Nova Lei de regularização fundiária é sancionada e entra em vigor. Disponível em: < https://www.pi.gov.br/noticias/nova-lei-de-regularizacao-fundiaria-e-sancionada-e-entra-em-vigor/>.
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Nota:
[1] O Direito Agrário brasileiro vive hoje a fase do segundo ciclo do agrarismo, o qual é marcado pela dinâmica das cadeias produtivas e dos complexos agroindustriais, por conta do contexto do chamado agronegócio. Em que pese ainda existam problemas jurídicos de ordem fundiária a serem resolvidos Brasil, observamos que o estudo e o ensino do Direito Agrário voltado para temas como reforma agrária já não fazem mais sentido, razão pela qual o agrarista deve se voltar sua atenção para o enfrentamento de temas correlatos ao atual estágio de desenvolvimento da atividade agrária, apresentando soluções aos problemas jurídicos observados na dinâmica das cadeias produtivas e dos complexos agroindustriais, englobando não apenas a produção, mas também a industrialização e a comercialização dos produtos agrícolas, em atenção as exigências dos mercados consumidores e da legislação correlata, a exemplo da legislação ambiental e fitossanitária. Ressalta-se que o estudo do Direito Agrário sempre deve ser técnico, lembrando que participam do agronegócio os pequenos produtores rurais (qualificados como agricultores familiares – nos termos agora definidos pela Lei nº 11.326/2006 – ou não), médios e grandes produtores, cada qual atuando no seu respectivo nicho de mercado (produção de commodities, produtos convencionais, agroecologia, orgânicos, etc).
Conheça a íntegra da nova Lei de Regularização Fundiária do Piauí:
Lei nº 7.294, de 10 de dezembro de 2019
Dispõe sobre a política de regularização fundiária no Estado do Piauí, revoga dispositivos da Lei nº 6.709, de 28 de setembro de 2015.
O Governador do Estado do Piauí,
Faço Saber que o Poder Legislativo decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I – DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Seção I – Do Objeto da Lei e dos Conceitos
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a política estadual de regularização das ocupações exercidas sobre terras públicas e devolutas pertencentes ao Estado do Piauí.
Art. 2º O Instituto de Terras do Estado do Piauí – INTERPI, autarquia estadual, é a entidade competente para a gestão das terras públicas e devolutas estaduais, cabendo a ela a execução da política fundiária, nos termos da Lei Estadual nº 3.783, de 16 de dezembro de 1980.
Parágrafo único. O INTERPI poderá criar escritórios de apoio no interior do Estado, denominados Escritórios de Governança Fundiária, visando dar celeridade à realização de seus objetivos.
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
I – ocupação direta: aquela exercida pelo ocupante e sua família;
II – ocupação indireta: aquela exercida somente por interposta pessoa;
III – exploração direta: atividade econômica exercida em imóvel rural e gerenciada diretamente pelo ocupante com o auxílio de seus familiares, de terceiros, ainda que sejam assalariados, ou por meio de pessoa jurídica de cujo capital social ele seja titular majoritário ou integral;
IV – exploração indireta: atividade econômica exercida em imóvel rural e gerenciada, de fato ou de direito, por terceiros, que não sejam os requerentes;
V – cultura efetiva: exploração agropecuária, agroindustrial, extrativa, florestal, pesqueira, de turismo ou outra atividade similar que envolva a exploração do solo ou que viabilize a exploração de outro imóvel, servindo de reserva legal na forma da Lei nº 12.651 , de 25 de maio de 2012;
VI – ocupação mansa e pacífica: aquela exercida sem oposição e de forma contínua;
VII – concessão de direito real de uso – CDRU: cessão de direito real de uso, onerosa ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, para fins específicos de regularização fundiária;
VIII – alienação: doação ou venda, direta ou mediante licitação, nos termos da Lei nº 8.666 , de 21 de junho de 1993, do domínio pleno das terras públicas; e
IX – imóvel rural: o prédio rústico de área contínua, seja qual for a sua localização, que se destina à exploração agropecuária, agroindustrial, extrativa, florestal, pesqueira, de turismo ou outra atividade similar que envolva a exploração do solo;
X – territórios tradicionais: os espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que dispõem o art. 231, da Constituição Federal , e o art. 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias , e demais regulamentações.
Seção II – Da Política de Destinação de Terras Públicas
Art. 4º O Estado do Piauí promoverá medidas que permitam a utilização racional e econômica das terras públicas de seu domínio, assegurando àqueles que preencham os requisitos legais a oportunidade de acesso à propriedade individual ou coletiva, sempre com o fim de atender aos princípios de justiça social, do desenvolvimento econômico sustentável e da função social da propriedade.
Art. 5º A destinação das terras públicas deverá observar as seguintes prioridades:
I – regularização dos territórios tradicionais;
II – assentamento de trabalhadores rurais;
III – regularização fundiária;
IV – proteção dos ecossistemas naturais e preservação de sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, espeleológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º A inalienabilidade temporária prevista nesta Lei não impedirá o gravame do imóvel rural em decorrência de financiamentos cujos recursos sejam destinados à exploração econômica do imóvel.
§ 2º Os ocupantes de áreas inferiores à fração mínima de parcelamento terão preferência como beneficiários na implantação de novos projetos de reforma agrária no Estado do Piauí.
Seção III – Do Acompanhamento e Controle Social do Programa de Regularização Fundiária
Art. 6º O INTERPI apresentará, semestralmente, relatório dos imóveis regularizados ao Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural e Política Agrícola – CEDERPA e à Assembleia Legislativa do Estado do Piauí, informando, no mínimo, os beneficiários, as áreas regularizadas e os valores arrecadados.
Art. 7º O INTERPI, observados os prazos e condições previstas em regulamento, instituirá sistema de registro eletrônico de títulos.
Parágrafo único. Os atos praticados e os documentos arquivados anteriormente à vigência desta Lei deverão ser inseridos no sistema eletrônico.
CAPÍTULO II – DO PATRIMÔNIO FUNDIÁRIO ESTADUAL
Seção I – Das Serras Estaduais
Art. 8º Pertencem ao Estado do Piauí, além dos imóveis rurais devidamente registrados em seu nome, as terras devolutas existentes em seu território, excluídas as da União, na forma do art. 26, IV, da Constituição Federal.
§ 1º O INTERPI promoverá, administrativa ou judicialmente, a discriminação das terras devolutas, incorporando-as formalmente ao patrimônio do Estado do Piauí, na forma da lei e do regulamento.
§ 2º Os títulos de domínio emitidos anteriormente pela Companhia de Desenvolvimento do Piauí – COMDEPI e pelo Instituto de Terras do Piauí – INTERPI não serão objeto de arrecadação, desde que comprovados a regular emissão do título e o efetivo pagamento, quando for o caso.
Seção II – Das Terras Indisponíveis e Reservadas
Art. 9º São indisponíveis as terras públicas e devolutas necessárias:
I – à instituição de unidade de conservação ambiental e à proteção dos ecossistemas naturais;
II – à preservação de sítios de valor histórico, paisagístico, ecológico e científico, ressalvadas aquelas ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos e tradicionais;
III – à proteção de mananciais indispensáveis ao abastecimento público.
Art. 10. São terras públicas e devolutas reservadas:
I – as necessárias à fundação de povoados, de núcleos coloniais e de estabelecimentos públicos federais, estaduais ou municipais;
II – as adjacentes às quedas d’águas passíveis de aproveitamento industrial em instalações hidráulicas;
III – as que contenham minas e fontes de água minerais e termais passíveis de utilização industrial, terapêutica ou higiênica, bem como as áreas adjacentes necessárias à sua exploração;
IV – as que constituem margens de rios e de lagos navegáveis, nos termos da legislação federal pertinente;
V – as necessárias à consecução de qualquer outro fim de interesse público.
Parágrafo único. As terras públicas e devolutas reservadas serão assim declaradas por decreto do Poder Executivo, o qual mencionará a localização georreferenciada, a natureza, as confrontações, os objetivos e as demais especificações da área.
Seção III – Das Terras Destinadas à Regularização Fundiária
Art. 11. Serão passíveis de regularização, mediante a transferência de domínio ou concessão de direito real de uso, as ocupações incidentes em terras:
I – discriminadas, arrecadadas e registradas em nome do Estado do Piauí, salvo se:
a) enquadradas como indisponíveis;
b) reservadas à administração militar federal e a outras finalidades de utilidade pública ou de interesse social a cargo do Estado ou da União;
c) se tratarem de florestas públicas, nos termos da Lei nº 11.284 , de 2 de março de 2006; de unidades de conservação ou que sejam objeto de processo administrativo voltado à criação de unidades de conservação, conforme regulamento; ou que contenham acessões ou benfeitorias estaduais e federais;
d) abrangerem parte ou a totalidade de terrenos de marinha, terrenos marginais ou reservados, seus acrescidos ou outras áreas insuscetíveis de alienação, nos termos do art. 20 da Constituição Federal;
II – abrangidas pelas exceções dispostas no parágrafo único do art. 10 , do Decreto-Lei nº 2.375 , de 24 de novembro de 1987;
III – remanescentes de núcleos de colonização ou de projetos de reforma agrária que tiverem perdido a vocação agrícola e se destinem à utilização urbana.
Parágrafo único. Serão destinadas às comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais as terras públicas e devolutas estaduais por elas ocupadas coletivamente, as quais serão regularizadas de acordo com as normas específicas, aplicando-se-lhes, no que couber, os dispositivos desta Lei.
CAPÍTULO III – DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
Seção I – Dos Requisitos
Art. 12. Para a regularização de ocupação exercida sobre terras de propriedade do Estado do Piauí, nos termos desta Lei, o ocupante e seu cônjuge ou companheiro deverão atender os seguintes requisitos:
I – ser brasileiro nato ou naturalizado;
II – praticar cultura efetiva;
III – comprovar o exercício de ocupação e exploração diretas, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores ocupantes de boa-fé a qualquer título, anteriores à 1º de outubro de 2014;
IV – não ter sido beneficiado com título de domínio em programa de reforma agrária ou de regularização fundiária de área rural, ressalvadas as situações expressamente justificadas pelo dirigente máximo do INTERPI.
§ 1º Fica vedada a regularização de ocupações em que o ocupante, seu cônjuge, companheiro ou parente de primeiro grau exerçam cargo, emprego ou função pública no INTERPI.
§ 2º É vedado aos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do ocupante ou de seu cônjuge ou companheiro, a obtenção dos benefícios previstos neste artigo, salvo nos casos de comprovado exercício autônomo e direto de cultura efetiva no imóvel pretendido, obedecidos os demais requisitos previstos neste artigo.
§ 3º Somente será permitida a regularização da área efetivamente explorada pelo ocupante, acrescida da reserva legal, no limite da lei.
Seção II – Dos Instrumentos Legais
Art. 13. Preenchidos os requisitos previstos no artigo anterior, o INTERPI poderá regularizar as áreas ocupadas mediante alienação, gratuita ou onerosa, ou concessão de direito real de uso, dispensada a licitação.
§ 1º Ressalvadas as alienações ou as concessões de terras públicas estaduais para fins de reforma agrária, as ocupações incidentes em áreas superiores a 2.540 ha (dois mil e quinhentos hectares) somente serão regularizadas mediante prévia autorização do Congresso Nacional, na forma do art. 188, § 1º, da Constituição Federal.
§ 2º No caso do parágrafo anterior, não havendo autorização prévia do Congresso Nacional, será possível a titulação parcial até o limite de 2.500 ha (dois mil e quinhentos hectares), na forma desta Lei, desde que haja a desocupação da área excedente.
§ 3º Resolve-se de pleno direito a concessão de direito real de uso sempre que o concessionário der ao imóvel destinação diversa da estabelecida no instrumento contratual ou termo, ou por descumprimento da cláusula resolutória de ajuste, perdendo, neste caso, o direito à indenização das benfeitorias de qualquer natureza que, porventura, tenham sido introduzidas no imóvel durante a vigência da concessão.
§ 4º O instrumento de concessão de direito real de uso será registrado no Cartório de Registro de Imóveis competente, após o que o concessionário fruirá plenamente do imóvel para os fins a que foi destinado, tornando-se responsáveis pelos encargos civis, administrativos e tributários que incidam ou venham incidir sobre o imóvel.
§ 5º A concessão de direito real de uso será nominal e intransferível, salvo por sucessão hereditária ou mediante autorização expressa e prévia do concedente.
Seção III – Das Situações Conflituosas
Art. 14. Não serão regularizadas ocupações exercidas sobre áreas objeto de demanda judicial na qual sejam parte o Estado, a União ou entes da administração pública estadual ou federal indireta, até o trânsito em julgado da decisão.
Parágrafo único. A vedação prevista no caput deste artigo não se aplica nos casos cujo objeto da demanda não impeça a análise, pela administração pública, dos requisitos para a regularização da ocupação, bem como na hipótese de acordo judicial.
Art. 15. Em caso de conflito nas regularizações de ocupações incidentes em terras devolutas ou públicas estaduais de que trata este Capítulo, o Estado priorizará a regularização em benefício das comunidades locais, definidas no inciso X do art. 3º, da Lei nº 11.284, de 2006, se o conflito for entre essas comunidades e particular, pessoa natural ou jurídica.
Parágrafo único. O INTERPI notificará ao Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural e Política Agrícola – CEDERPA, ou outro que o substitua, às Defensorias Públicas e ao Ministério Público as áreas e situações conflituosas.
Seção IV – Da Ocupação Individual
Art. 16. O processo de regularização fundiária poderá ter início de ofício ou a requerimento da parte interessada, cabendo ao dirigente máximo do INTERPI ordenar a tramitação dos processos de regularização fundiária, na forma do decreto regulamentar e das normas internas.
Seção V – Da Identificação do Imóvel
Art. 17. No processo de regularização fundiária, a identificação do imóvel a ser destacado do patrimônio público será obtida a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites do imóvel rural, georreferenciadas de acordo com o Sistema Geodésico Brasileiro.
Parágrafo único. O memorial descritivo de que trata o caput será elaborado nos termos do regulamento.
Art. 18. A certificação do memorial descritivo do imóvel não será exigida no ato da abertura de matrícula baseada em título de domínio emitido em procedimento de regularização fundiária massiva, por varredura, promovida pelo Estado, nos termos desta Lei.
Parágrafo único. Os atos registrais subsequentes deverão ser feitos em observância ao art. 176 , da Lei nº 6.015 , de 31 de dezembro de 1973.
Seção VI – Dos Valores e do Pagamento
Art. 19. Na ocupação de área contínua de até quatro módulos fiscais, a alienação e a concessão de direito real de uso dar-se-ão de forma gratuita, dispensada a licitação, desde que o beneficiário esteja inscrito no Cadastro único do Ministério do Desenvolvimento Social ou que se enquadre no art. 3º da Lei nº 11.326 de 24 de julho de 2006.
Art. 20. Nas ocupações não enquadradas no artigo anterior, a alienação ou a concessão de direito real de uso dar-se-ão de forma onerosa, dispensada a licitação.
§ 1º O preço do imóvel será estabelecido por decreto do Poder Executivo Estadual, observando, como parâmetros a atividade econômica, a extensão e território de desenvolvimento.
§ 2º Serão acrescidos ao preço do imóvel os custos relativos à execução dos serviços topográficos, se executados pelo poder público, exceto quando se tratar de ocupação cuja área não exceda quatro módulos fiscais.
§ 3º Os pagamentos realizados para emissão de contrato ou título definitivo deverão ser corrigidos monetariamente e abatidos do valor a ser cobrado pelo Estado do Piauí, desde que haja a efetiva comprovação de recolhimento aos cofres públicos.
Art. 21. Na alienação onerosa, o valor do imóvel será pago pelo beneficiário da regularização fundiária na forma do decreto regulamentar.
§ 1º Sobre o valor fixado incidirão encargos financeiros na forma estabelecida em regulamento.
§ 2º É permitido ao adquirente, em nome próprio, alienar fiduciariamente em garantia o imóvel objeto da regularização a instituição bancária regularmente habilitada pelo Banco Central do Brasil, em caso de financiamento obtido para esse fim ou para obtenção de crédito rural.
Seção VII – Das Cláusulas Resolutivas
Art. 22. Nos casos de regularização mediante alienação onerosa, o adquirente cumprirá, pelo prazo de 5 (cinco) anos, a contar da quitação integral do preço, as seguintes condições resolutivas, as quais deverão constar expressamente no título de domínio:
I – não alienar, no todo ou em parte, o imóvel;
I – manter a destinação agrária, por meio de prática de cultura efetiva;
II – observar a legislação ambiental, em especial quanto ao cumprimento do disposto no Capítulo VI da Lei nº 12.651 , de 25 de maio de 2012;
III – não explorar mão de obra em condição análoga à de escravo.
Parágrafo único. Aplicam-se as cláusulas previstas neste artigo às concessões de direito real de uso onerosas, no que couber.
Art. 23. Nos casos de regularização mediante alienação gratuita, o adquirente cumprirá, pelo prazo de 10 (dez) anos, a contar da assinatura do título, as seguintes condições resolutivas, as quais deverão constar expressamente no título de domínio:
I – não alienar, no todo ou em parte, o imóvel;
II – manter a destinação agrária, por meio de prática de cultura efetiva;
III – observar a legislação ambiental, em especial quanto ao cumprimento do disposto no Capitulo VI da Lei nº 12.651, de 2012;
IV – não explorar mão de obra em condição análoga à de escravo.
Parágrafo único. Aplicam-se as cláusulas previstas neste artigo às concessões de direito real de uso gratuitas, no que couber.
Art. 24. As condições resolutivas apostas no título de domínio deverão constar do respectivo registro do imóvel e somente serão extintas após o decurso do prazo de inalienabilidade e, nas alienações onerosas, a quitação integral do preço.
Parágrafo único. O proprietário resolúvel deverá requerer do alienante a respectiva declaração de adimplemento de todas as cláusulas resolutivas apostas no título, para fins de averbação junto ao competente Cartório de Registro de Imóveis, devendo o INTERPI se manifestar no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o requerimento do proprietário.
Art. 25. O descumprimento, pelo titulado, das condições resolutivas implica resolução de pleno direito da propriedade ou da concessão, a ser declarada em processo administrativo, assegurados os princípios da ampla defesa e do contraditório.
Parágrafo único. O descumprimento das obrigações pelo titulado durante a vigência das cláusulas resolutivas deverá ser demonstrado nos autos do processo administrativo por meio de prova material ou documental.
Seção VIII – Da Sucessão de Ocupações
Art. 26. A cessão, pelo ocupante original, dos direitos relativos a posse, titulo de domínio ou CCDRU anteriormente expedidos em seu favor somente aproveitará ao atual ocupante, ou seus antecessores, para fins de comprovação da ocupação do imóvel e sucessão de posse.
§ 1º O cessionário mencionado no caput deste artigo somente poderá regularizar a área efetivamente ocupada por ele.
§ 2º Os imóveis que não puderem ser regularizados, na forma desta Lei, serão revertidos, total ou parcialmente, ao patrimônio do Estado.
Art. 27. O ocupante que renunciar ou ceder a terceiros o seu direito à regularização de ocupação exercida sobre terra pública ou devoluta estadual não poderá valer-se, posteriormente, dos benefícios desta Lei.
Seção IX – Dos Territórios de Povos e Comunidades Tradicionais
Art. 28. São considerados povos e comunidades tradicionais, para os efeitos desta Lei, grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.
Art. 29. O Estado, por intermédio do INTERPI, procederá à identificação e ao mapeamento das comunidades de que trata esta Lei, devendo desenvolver e manter sistema integrado de informações, envolvendo os órgãos e as entidades da administração direta e indireta do Estado.
Parágrafo único. O INTERPI poderá efetivar convênios com outras instituições para proceder à identificação das comunidades tradicionais.
Art. 30. Compete ao Estado, por intermédio do INTERPI, a regularização dos povos e comunidades tradicionais identificados nas terras públicas e devolutas estaduais através de procedimento administrativo a ser regulamentado em decreto.
CAPÍTULO IV – DAS ÁREAS URBANAS
Art. 31. Os imóveis rurais estaduais compreendidos nas zonas urbanas ou de expansão urbana, devidamente declaradas por ato da autoridade municipal competente, serão identificados e transferidos aos municípios, preferencialmente por meio de doação.
§ 1º Efetuada a transferência de que trata este artigo, os municípios, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, iniciarão o competente processo de regularização fundiária nos respectivos imóveis.
§ 2º Fica autorizada a celebração de convênio entre o INTERPI e os municípios objetivando o apoio, pela autarquia, no processo de regularização fundiária das áreas a que se refere os parágrafos anteriores, bem como entre o INTERPI, a Corregedoria do Tribunal de Justiça e os cartórios ou sua entidade de classe visando a gratuidade ou modicidade das taxas cartorárias referentes ao registro das pequenas propriedades regularizadas por esta Lei.
CAPÍTULO VIII – DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 32. Fica o Diretor-Geral do INTERPI autorizado a compor e transigir, na via administrativa, com o fim de prevenir e terminar litígios, obedecidos os parâmetros desta Lei e do respectivo regulamento.
Parágrafo único. As composições, nos processos judiciais, serão de competência da Procuradoria Geral do Estado do Piauí, na forma do art. 57, I, da Lei Complementar nº 56, de 1º de novembro de 2005.
Art. 33. Fica o Estado isento do pagamento de taxas, emolumentos, custas e outros serviços cartorários, para os efeitos desta Lei.
Art. 34. O laudo de vistoria necessário para fins de titulação terá validade por 2 (dois) anos.
Art. 35. Os Cartórios de Registro de Imóveis deverão fornecer toda e qualquer informação e as certidões necessárias ao cumprimento do disposto nesta Lei, que lhes forem requisitadas pelo INTERPI, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de aplicação das sanções cabíveis.
Art. 36. Incumbe ao dirigente máximo do INTERPI, em conjunto com o Governador do Estado, adotar as medidas administrativas necessárias à execução desta Lei.
Art. 37. Fica autorizado o poder executivo a suplementar o orçamento do INTERPI com recursos necessários ao cumprimento desta Lei.
Parágrafo único. Do valor arrecadado em decorrência da aplicação desta Lei, será destinado ao INTERPI o percentual de 15% (quinze por cento) para fins de estruturação, manutenção e investimento.
Art. 38. A presente Lei aplica-se a todos os processos em curso, respeitados o ato jurídico perfeito e o direito adquirido.
Art. 39. O procedimento previsto no art. 195-B, da Lei Federal nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, poderá ser adotado pelo Estado para o registro de imóveis rurais de sua propriedade, observado o disposto nos §§ 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, do art. 176, da Lei Federal nº 6.015, de 1973.
Art. 40. É nulo de pleno direito o título de domínio emitido em processo de regularização sem a satisfação dos requisitos estabelecidos nesta Lei.
Parágrafo único. O reconhecimento de nulidade será precedido de processo administrativo, garantindo ao interessado o contraditório e ampla defesa, e aplicando-se, no que couber, a legislação sobre processo administrativo a nível estadual e, supletivamente, a nível federal.
Art. 41. O Estado do Piauí poderá ceder o uso de imóveis rurais, no todo ou em parte, para fins de instalação de equipamentos públicos, na forma do art. 18, I, da Constituição Estadual.
Art. 42. Ficam revogados os arts. 1º ao 6º e os arts. 23 a 61 da Lei Estadual nº 6.709 , de 28 de setembro de 2015.
Art. 43. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
PALÁCIO DE KARNAK, em Teresina (PI), 06 de dezembro de 2019.
GOVERNADOR DO ESTADO
SECRETÁRIO DE GOVERNO