sexta-feira , 19 abril 2024
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Direito Agrário

Arrendamento rural: ajuizamento de ação para exercício do direito de preferência na venda do imóvel arrendado não necessita o imediato depósito do preço

“Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão que, em ação de preempção (direito de preferência) sobre imóvel rural vendido a terceiro, declarou a inépcia da petição inicial por falta do depósito do preço.

A decisão foi fundamentada no artigo 92 do Estatuto da Terra (Lei 9.504/64), que estabelece que ‘o arrendatário a quem não se notificar a venda poderá, depositando o preço, haver para si o imóvel arrendado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar da transcrição do ato de alienação no registro de imóveis’.

No caso apreciado, a inicial foi ajuizada dentro do prazo de seis meses, mas o depósito judicial no valor da alienação deixou de ser feito porque, apesar de o arrendatário ter requerido a expedição da guia para o depósito do preço, esse pedido deixou de ser apreciado pelo juiz.

Direito de aguardar

O arrendador alegou a inépcia da inicial, mas a sentença considerou que, apesar de o autor ter o dever de efetuar o depósito, independentemente do consentimento do magistrado, seria seu direito aguardar o deferimento ou indeferimento do pedido, uma vez solicitada a manifestação do juízo.

O Tribunal de Justiça, entretanto, reformou a decisão de primeiro grau por entender que a prova do depósito do preço para a adjudicação do bem é condição de procedibilidade da ação, o que implica a inépcia da inicial.

No STJ, o relator, ministro Moura Ribeiro, reconheceu que o ajuizamento da ação no prazo de seis meses e o depósito do preço são requisitos legais para o reconhecimento do direito de preferência do arrendatário, mas, segundo ele, o caso apreciado era “especialíssimo”, pela falta de apreciação do pedido de depósito feito na inicial.

‘Diante das peculiaridades do caso e sopesando o alto grau de proteção conferido ao arrendatário rural, aliado à mora do Judiciário na entrega da prestação jurisdicional, é o caso de se dar provimento ao recurso especial do arrendatário para restabelecer a decisão de primeiro grau que afastou a alegação de inépcia da inicial’, concluiu o relator”.

Fonte: STJ, 15/09/2016.

 Direito Agrário

Confira a íntegra da decisão:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.566.006 – RS (2015/0284951-4)

RELATOR : MINISTRO MOURA RIBEIRO

RECORRENTE : WASHINGTON UMBERTO CINEL

ADVOGADOS : CLÓVIS DE GOUVÊA FRANCO

FÁBIO LUIZ GOMES

MIGUEL SILVA NETO

CLARISSA PORTO ALEGRE SCHMIDT

EDUARDO GOMES TEDESCO

RECORRIDO : MIGUEL GIORGIO DA SILVA

RECORRIDO : FÁBIO GIORGIO DA SILVA

ADVOGADOS : ANTÔNIO GUILHERME TANGER JARDIM

DIOGO FERNANDES PERES

FABIO DE CAMPOS ALMEIDA

VINÍCIUS ANCINELLO GINDRI

AGRAVANTE : FÁBIO GIORGIO DA SILVA

AGRAVANTE : MIGUEL GIORGIO DA SILVA

ADVOGADOS : DIOGO FERNANDES PERES E OUTRO(S)

FABIO DE CAMPOS ALMEIDA E OUTRO(S)

VINÍCIUS ANCINELLO GINDRI E OUTRO(S)

AGRAVADO : WASHINGTON UMBERTO CINEL

ADVOGADOS : FÁBIO LUIZ GOMES MIGUEL SILVA NETO

CLARISSA PORTO ALEGRE SCHMIDT

INTERES. : JOAL GIORGIO DA SILVA

ADVOGADO : MARA L M DA SILVEIRA

INTERES. : RENATO GIORGIO DA SILVA

INTERES. : NELY TEREZINHA GIORGIO DA SILVA

ADVOGADOS : JOSÉ BERNARDO RAMOS BOEIRA

VINICIUS MACIEL STEDELE

CASSIANE ARAÚJO BOEIRA

INTERES. : JCF ALUGUEIS DE IMOVEIS LTDA.

ADVOGADO : ROSENI NOGUEIRA DA MOTA

 

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO (Relator):

 

 WASHINGTON UMBERTO CINEL (ARRENDATÁRIO), na condição de arrendatário do bem litigioso, ajuizou ação de preempção objetivando assegurar seu direito de preferência sobre imóvel rural vendido a terceiro, JCF ALUGUÉIS DE IMÓVEIS LTDA. (COMPRADORA), por Carta de Alienação de Bens por Iniciativa Particular do Credor da execução movida pela instituição financeira Banrisul S.A. contra MIGUEL GIORGIO DA SILVA, arrendador e comodatário (ARRENDADOR). A ação também foi ajuizada contra FABIO GIORGIO DA SILVA, RENATO GIORGIO DA SILVA, JOAL GIORGIO DA SILVA, NELY TEREZINHA GIORGIO DA SILVA e ROSA NELY GIORGIO DE LIMA E SILVA (COMODANTES).
A defesa alegou em preliminar a inépcia da inicial diante da falta do depósito do preço, que não foi acolhida pelo Juízo de primeiro grau sob o fundamento de que o pedido para efetuar o depósito do valor da compra e venda formulado na inicial deixou, por um lapso, de ser apreciado pelo Juízo. Na oportunidade, determinou a intimação do ARRENDATÁRIO para efetuar o depósito judicial do valor devido no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
O Tribunal a quo reformou a decisão por entender que a prova do depósito do preço para a adjudicação do bem é condição de procedibilidade da ação, o que implica a inépcia da inicial. Veja-se a ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATOS AGRÁRIOS. AÇÃO DE PREEMPÇÃO. DEPÓSITO JUDICIAL DO PREÇO DOIMÓVEL. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. INÉPCIA DA INICIAL. EXTINÇÃO DA AÇÃO.
1. Nos termos do disposto no art. 92, § 4º, do Estatuto da Terra (Lei nº 9.504/64), “O arrendatário a quem não se notificar a venda poderá, depositando o preço, haver para si o imóvel arrendado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar da transcrição do ato de alienação no Registro de Imóveis.”
2. Por outro lado, conforme já decidiu o STJ, “A prova do depósito do preço para adjudicação do bem, na petição inicial, é condição de procedibilidade da ação” (REsp 824.023/MS).
3. No caso, o autor/agravado ajuizou a ação de preempção sem efetuar o depósito judicial do preço do imóvel, o que implica a inépcia da inicial e a consequente extinção da ação sem resolução do mérito.
AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO. (e-STJ, fl. 83)
O ARRENDATÁRIO interpôs recurso especial com fundamento no art. 105, a e c, da CF, firme na tese de que foi violado o art. 92, §§ 3º e 4º da Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra) porque (1) ao ajuizar a ação de preempção, requereu expressamente a expedição de guia para o depósito do valor respectivo; (2) o depósito foi efetivado tempestivamente; (3) o Estatuto da Terra não prevê, necessariamente, a comprovação do depósito do preço do imóvel no momento da distribuição da demanda; e, (4) a mens legis do Estatuto da Terra é proteger o trabalhador rural. Sustentou, por fim, a existência de dissídio jurisprudencial.
Por sua vez, o ARRENDADOR e o COMODANTE FABIO GIORGIO interpuseram recurso especial com fundamento no art. 105, a e c, da CF, alegando violação do art. 20, §§ 3º e 4º do CPC, porque os honorários advocatícios foram fixados em montante irrisório, no valor de R$ 9.456,00, o que corresponde a 0,42% do valor da causa (R$ 2.278.885,23), além de sustentarem divergência jurisprudencial. Pleiteiaram sua majoração para patamar não inferior a 5% sobre o valor da causa, mais juros e correção monetária na forma da lei (e-STJ, fls. 97/113).
O recurso especial do ARRENDATÁRIO foi admitido na origem. Porém, o recurso do ARRENDADOR e do COMODANTE FABIO GIORGIO não foi admitido sob o fundamento de que a distribuição do ônus da sucumbência enseja a análise de provas, procedimento vedado pela Súmula nº 7 do STJ (e-STJ, fls. 319/327).
O ARRENDADOR e o COMODANTE FABIO GIORGIO interpuseram agravo em recurso especial sustentando que houve negativa de vigência à lei federal, além de ser possível a revisão pelo STJ do valor arbitrado pelo Tribunal de origem a título de honorários advocatícios (e-STJ, fls. 330/343).
A contraminuta ao agravo em recurso especial apresentada pelo ARRENDATÁRIO afirmou que não é possível rever o entendimento do órgão julgador estadual diante do óbice da Súmula nº 7 do STJ, uma vez que os honorários advocatícios foram fixados com base no grau de zelo profissional, no lugar de prestação do serviço e na natureza e importância da causa, considerando-se o trabalho exigido pelo advogado e o tempo despendido para o seu serviço (e-STJ, fls. 163/172).
As contrarrazões apresentadas pelo ARRENDADOR e pelo COMODANTE FABIO GIORGIO sustentaram que não houve o prequestionamento das normas legais tidas por violadas, além da pretensão esbarrar no óbice da Súmula nº 7 do STJ porque o recurso pretende rever fatos e provas (e-STJ, fls. 173/185).
A contraminuta ao agravo em recurso especial interposto pelo ARRENDADOR e pelo COMODANTE FABIO GIORGIO apresentada pela COMPRADORA afirmou que é o caso de se conhecer do agravo e dar provimento ao apelo nobre porque os honorários advocatícios foram arbitrados em quantia irrisória, em evidente atentado contra o exercício profissional do advogado (e-STJ, fls. 187/201).
A COMPRADORA, em suas contrarrazões ao recurso do ARRENDATÁRIO, alegou preliminarmente sua intempestividade. No mérito, afirmou que as conclusões da Corte de origem resultaram da análise das provas dos autos, inviabilizando a análise do recurso na instância especial (e-STJ, fls. 243/264).
Após a distribuição do recurso especial no STJ, RENATO GIORGIO DA SILVA e SANDRA HELENA FONSECA DA SILVA juntaram petição nos autos noticiando fato superveniente e prejudicial à ação de preferência, consistente em acordo celebrado entre os COMODANTES em ação anulatória ajuizada contra a COMPRADORA, em que ela se obrigou a pagar a quantia de R$ 1.458.000,00 (um milhão e quatrocentos e cinquenta e oito mil reais), em complementação à alienação por iniciativa particular que originou a ação peremptória (e-STJ, fls. 411/424).
Diante da notícia do fato novo, as partes foram intimadas a se manifestar sobre os documentos (e-STJ, fls. 426/427).
JOAL GIORGIO DA SILVA afirmou não concordar com nenhuma transação envolvendo o conluio entre a COMPRADORA e o ARRENDADOR que se utilizaram do Judiciário para chancelar uma operação atípica, já que o valor noticiado no pedido de alienação por iniciativa das partes não corresponde ao da transação. Na oportunidade declarou que não está de acordo com a transação e espera o provimento do recurso do ARRENDATÁRIO (e-STJ, fls. 430/433).
O ARRENDATÁRIO se manifestou no sentido de que remanesce seu interesse no julgamento do apelo nobre, até mesmo porque um dos autores da ação anulatória, JOAL GIORGIO DA SILVA, não concordou com os termos da transação. Além disso, efetuou o depósito judicial do valor constante no acordo celebrado entre as partes da ação anulatória (R$ 1.458.000,00) (e-STJ, fls. 434/441).
O ARRENDADOR e o COMODANTE FABIO GIORGIO afirmaram que o único interesse de RENATO e SANDRA HELENA é tumultuar o processo, uma vez que os demais coautores não participaram da transação. Além disso, o acordo nem sequer foi homologado em juízo (e-STJ, fls. 433/452).
A COMPRADORA informou que o acordo firmado na ação anulatória não interfere no julgamento do recurso especial, até mesmo porque tudo indica que a transação não se consumará em razão da desistência de alguns autores e não concordância dos réus (e-STJ, fls. 447/449).
O ARRENDATÁRIO peticionou novamente nos autos, se insurgindo contra a alegação da COMPRADORA de que o valor de venda do imóvel na verdade perfazia o montante de R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais). Segundo ele, ocorreu um conluio entre o ARRENDADOR, a COMPRADORA e o COMODANTE FABIO GIORGIO para validar em juízo a alienação do imóvel rural por um valor inferior ao pactuado entre as partes, com a finalidade de prejudicar seu direito de preferência e burlar a lei fiscal (e-STJ, fls. 452/528).
É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO (Relator):
Vale pontuar que o presente recurso especial foi interposto com fundamento no CPC/73, razão pela qual devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, com a interpretação dada pelo Enunciado nº 2 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2006:
Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/73 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
De início, afasta-se a preliminar de intempestividade do apelo nobre alegado nas contrarrazões apresentadas pela COMPRADORA.
O acórdão recorrido foi disponibilizado no Diário da Justiça Eletrônico aos 27/3/2015 (sexta-feira) e publicada aos 30/3/2015 (segunda-feira), iniciando-se a contagem do prazo aos 31/3/2015 (terça-feira). O termo final do prazo de 15 (quinze dias) para a interposição do recurso ocorreu aos 14/4/2015 (terça-feira). Portanto, como o recurso especial do arrendatário foi interposto aos 14/4/2015, tornou-se descabida a alegação da COMPRADORA de que o prazo se findou no dia 13/4/2015 (e-STJ, fl. 133).
Feitas essas considerações iniciais, se faz necessário um breve relato do contexto fático em que inserido o caso sob análise.
WASHINGTON UMBERTO CINEL, arrendatário do imóvel rural localizado em Uruguaiana/RS (Estância Santa Zélia), ajuizou ação de preempção fundada no art. 92, §§ 3º e 4º da Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra), porque foi preterido na alienação do imóvel objeto de arrendamento, adquirido por terceiro, JCF ALUGUÉIS DE IMÓVEIS LTDA., por Carta de Alienação de Bens por Iniciativa Particular do Credor tirada aos 4/10/2013 da execução movida pela instituição financeira Banrisul S.A. e averbada no Cartório de Registro de Imóveis de Uruguaiana aos 11/10/2013 (e-STJ, fls. 79 e 82 do apenso 1).
Na inicial, ajuizada aos 6/2/2014, dentro do prazo de decadência de 6 (seis meses) previsto no art. 92, § 4º, do Estatuto da Terra, o ARRENDATÁRIO requereu a expedição de guia para depósito judicial no valor da alienação, acrescida das despesas com o ITBI e emolumentos, além da correção monetária e juros legais, no valor total de R$ 2.278.885,23 (dois milhões, duzentos e setenta e oito mil, oitocentos e oitenta e cinco reais e vinte e três centavos) – e-STJ, fls 1/22 do apenso 1.
Após a juntada das contestações, o ARRENDATÁRIO, em petição protocolada aos 8/9/2014, ratificou o pedido de expedição de guia para o depósito judicial do valor do imóvel (e-STJ, fl. 223 do apenso 2).
O juízo de primeiro grau deixou de acolher a preliminar de inépcia da inicial, formulada pela defesa, diante da falta do depósito prévio para o ajuizamento da ação sob o fundamento de que o autor tinha o dever de efetuar o depósito da quantia, independentemente do consentimento do magistrado, entretanto, uma vez solicitada a manifestação do Juízo, é direito da parte aguardar o deferimento/indeferimento do seu pedido (e-STJ, fl. 15). Na oportunidade, foi determinada a intimação do ARRENDATÁRIO para efetuar o depósito judicial no prazo de 48 horas, corrigido monetariamente desde a efetivação do negócio. Ainda constou que havendo divergências de valores, nada impede que o depósito seja complementado (e-STJ, fl. 16).
O depósito foi efetuado pelo ARRENDATÁRIO aos 17/9/2014, no valor de R$ 2.418.687,77 (dois milhões, quatrocentos e dezoito mil, seiscentos e oitenta e sete reais e setenta e sete centavos).
O Tribunal de origem reformou a decisão de primeiro grau por entender que a prova do depósito do preço para a adjudicação do bem é condição de procedibilidade da ação, o que implica a inépcia da inicial.
Na instância especial, as partes noticiaram a existência de acordo firmado na ação anulatória ajuizada para desconstituir a venda do imóvel rural à COMPRADORA, o que em nada interfere no julgamento do apelo nobre porque não foram todos os interessados que anuíram ao acordo que nem sequer foi homologado na instância ordinária.
Passa-se, portanto, à análise do recurso especial manejado pelo ARRENDATÁRIO, alegando violação ao art. 92, §§ 3º e 4º da Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra), que merece ser acolhido.
(1) Recurso especial – Direito de Preferência – art. 92, §§ 3º e 4º, da Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra)
Quanto ao art. 92, § 3º, da Lei nº 4.504/64, a falta de notificação do arrendatário rural não foi objeto de apreciação do acórdão recorrido, carecendo do necessário prequestionamento (Súmula nº 282 do STF).
O direito de preempção tem por objetivo a permanência do arrendatário no exercício de sua atividade rural, proporcionando a aquisição da terra por quem nela trabalha, tornando-a produtiva. Atende-se, desse modo, ao princípio da função social da propriedade.
A norma sob análise está prevista no art. 92, § 4º, da Lei nº 4.504/64 (Estatuto da Terra):
Art. 92. A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, nos termos desta Lei.
(…)
§ 4° O arrendatário a quem não se notificar a venda poderá, depositando o preço, haver para si o imóvel arrendado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar da transcrição do ato de alienação no Registro de Imóveis.
Consoante se extrai do texto legal, são exigidos dois requisitos para o arrendatário de imóvel rural não notificado da venda do imóvel exercer seu direito de preferência: o ajuizamento da ação no prazo de seis meses a contar do registro da alienação no cartório imobiliário e o depósito do preço.
Na hipótese dos autos, a averbação no registro de imóveis ocorreu aos 11/10/2013 e o ARRENDATÁRIO ajuizou a demanda dentro do prazo legal, aos 6/2/2014. No entanto, o depósito do preço ocorreu após o decurso de onze meses do registro imobiliário, aos 17/9/2014, em cumprimento à decisão judicial autorizando o depósito do valor de R$ 2.278.885,23 (dois milhões, duzentos e setenta e oito mil, oitocentos e oitenta e cinco reais e vinte e três centavos).
O precedente da Terceira Turma é no sentido de que a prova do depósito do preço para a adjudicação do bem, na petição inicial, é condição de procedibilidade da demanda:
RECURSO ESPECIAL. ARRENDAMENTO DE IMÓVEL RURAL. ART. 92, § 4º, DO ESTATUTO DA TERRA. AÇÃO DE PREEMPÇÃO. REQUISITOS. DEPÓSITO DO PREÇO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE DA AÇÃO.
1.- O artigo 92, § 4º, da Lei n. 4.504/64 submete o exercício do direito de preferência do arrendatário de imóvel rural não notificado a dois requisitos, o depósito do preço e que a a ação seja ajuizada no prazo de seis meses a contar do registro da alienação no cartório imobiliário.
2.- A prova do depósito do preço para adjudicação do bem, na petição inicial, é condição de procedibilidade da ação.
3.- Recurso Especial improvido.
(REsp 824.023/MS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Terceira Turma, julgado em 18/5/2010, DJe 18/6/2010)
Apesar do precedente acima colacionado, o caso sob análise é especialíssimo.
O ARRENDATÁRIO ajuizou a ação de preempção no prazo legal e permaneceu no aguardo da decisão do juízo de origem para efetuar o depósito do valor devido.
O Juízo de origem, em que pese tenha ressalvado que é dever do arrendatário efetuar o depósito sem necessidade de manifestação judicial, reconheceu a demora do Judiciário ao analisar o pedido, deferindo-o em montante considerável, que atinge quase dois milhões e meio de reais.
A demora na prestação jurisdicional não pode ensejar a perda do direito do arrendatário à preferência estabelecida em lei de alto teor protetivo como é o Estatuto da Terra, que tem por objetivo o cumprimento da função social da propriedade rural.
O Juízo de primeiro grau reconheceu que não se poderia atribuir ao autor as nefastas consequências da inépcia da inicial, quando o que houve nos autos foi uma falta de apreciação do seu pedido de depósito, haja vista que a inicial foi recebida como se tratasse de corriqueira ação ordinária (e-STJ, fls. 15/16).
Esta Terceira Turma já decidiu que a parte não pode ficar à mercê da mora judicial, pois não é providência que se coaduna com os postulados legais, nem mesmo com os princípios da justiça, estando entre eles o da razoabilidade como balizador (RHC nº 61.492/CE, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, julgado em 24/5/2016, DJe 6/6/2016).
A preferência é um direito pessoal concedido a determinada classe de indivíduos para que tenham prioridade na aquisição de bens em virtude da relação jurídica já estabelecida com o bem alienado. No arrendamento rural, essa proteção está revestida de intensa carga social, pois visa a preservação do trabalhador no campo e a continuidade da produção agrícola.
A mens legis do Estatuto da Terra visa garantir a máxima proteção e preservação do trabalhador no campo, conforme ressaltado em acórdão da relatoria do Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, no REsp nº 1.148.153/MT:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE PREFERÊNCIA. ARRENDAMENTO RURAL. ALIENAÇÃO JUDICIAL DO IMÓVEL. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 92, §§ 3º E 4º, DO ESTATUTO DA TERRA EM CONSONÂNCIA COM OS SEUS PRINCÍPIOS. SOBRELEVO DO CARÁTER SOCIAL DA RELAÇÃO PROPRIETÁRIO-TERRA-TRABALHADOR. PROTEÇÃO DO ARRENDATÁRIO RURAL. POSSIBILIDADE DE MANIFESTAÇÃO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA INCLUSIVE QUANDO A ALIENAÇÃO É JUDICIAL. DESNECESSIDADE DO REGISTRO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO.
1. Consoante o pacificado entendimento desta Corte, não se faz necessário o registro do contrato de arrendamento na matrícula do imóvel arrendado para o exercício do direito de preferência. Precedentes.
2. As normas trazidas à interpretação, buscando a preservação da situação do trabalhador do campo por intermédio do direito de preferência, estão insertas em estatuto de remarcada densidade social, superior, inclusive, àquele próprio da lei de locações de imóveis urbanos (Lei nº 8245/91).
3. Interpretação de seus enunciados normativos, seja gramatical, seja sistemático-teleológica, direcionada à máxima proteção e preservação do trabalhador do campo, não se podendo, por uma interpretação extensiva, restringir a eficácia do direito de preferência do arrendatário rural.
4. Sem ter o legislador restringido as formas de alienação das quais exsurgiria o direito de preferência, inviável excluir do seu alcance a alienação coativa ou judicial.
5. Reconhecimento da incidência da regra do art. 92 da Lei 4.505/64 a qualquer das espécies de alienação, desde que onerosa, tendo em vista inserir-se, dentre os seus requisitos, o adimplemento do preço pago pelos terceiros.
6. Razoabilidade da interpretação alcançada pelo acórdão recorrido.
7. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(REsp 1.148.153/MT, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Terceira Turma, julgado em 20/3/2012, DJe 12/4/2012)
A proteção conferida pelo Estatuto da Terra ao trabalhador do campo também foi enfatizada em acórdão da Quarta Turma, de relatoria do Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ARRENDAMENTO RURAL. VENDA E COMPRA DO IMÓVEL POR TERCEIROS. FALTA DE NOTIFICAÇÃO AO ARRENDATÁRIO. DIREITO DE PREFERÊNCIA. LEI N. 4.504/1964, ART. 92, § 4º. DIVERGÊNCIA ENTRE O VALOR CONSTANTE EM CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA E NA ESCRITURA PÚBLICA REGISTRADA EM CARTÓRIO DE IMÓVEIS. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DESTA. PRESERVAÇÃO DA LEGÍTIMA EXPECTATIVA. BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Apesar de sua natureza privada, o contrato de arrendamento rural sofre repercussões de direito público em razão de sua importância para o Estado, do protecionismo que se quer dar ao homem do campo e à função social da propriedade e ao meio ambiente, sendo o direito de preferência um dos instrumentos legais que visam conferir tal perspectiva, mantendo o arrendatário na exploração da terra, garantindo seu uso econômico.
2. O Estatuto da Terra prevê que: “O arrendatário a quem não se notificar a venda poderá, depositando o preço, haver para si o imóvel arrendado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar da transcrição do ato de alienação no Registro de Imóveis” (art. 92, § 4° da Lei 4.504/1964).
3. A interpretação sistemática e teleológica do comando legal permite concluir que o melhor norte para definição do preço a ser depositado pelo arrendatário é aquele consignado na escritura pública de compra e venda registrada no cartório de registro de imóveis.
4. Não se pode olvidar que a escritura pública é ato realizado perante o notário e que revela a vontade das partes na realização de negócio jurídico, revestida de todas as solenidades prescritas em lei, isto é, demonstra de forma pública e solene a substância do ato, gozando seu conteúdo de presunção de veracidade, trazendo maior segurança jurídica e garantia para a regularidade da compra.
5. Outrossim, não podem os réus, ora recorridos, se valerem da própria torpeza para impedir a adjudicação compulsória, haja vista que simularam determinado valor no negócio jurídico publicamente escriturado, mediante declaração de preço que não refletia a realidade, com o fito de burlar a lei, pagando menos tributo, conforme salientado pelo acórdão recorrido.
6. Na hipótese, os valores constantes na escritura pública foram inseridos livremente pelas partes e registrados em cartório imobiliário, dando-se publicidade ao ato, operando efeitos erga omnes, devendo-se preservar a legítima expectativa e confiança geradas, bem como o dever de lealdade, todos decorrentes da boa-fé objetiva.
7. Recurso especial provido.
(REsp 1.175.438/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, julgado em 25/3/2014, DJe 5/5/2014)
Em suma, diante das peculiaridades do caso e sopesando o alto grau de proteção conferido ao arrendatário rural, aliado à mora do Judiciário na entrega da prestação jurisdicional, é o caso de se dar provimento ao recurso especial do arrendatário para restabelecer a decisão de primeiro grau que afastou a alegação de inépcia da inicial.
(2) Agravo em recurso especial – honorários advocatícios irrisórios – art. 20, §§ 3º e 4º do CPC/73
O agravo em recurso especial interposto pelo ARRENDADOR e pelo COMODANTE FABIO GIORGIO pretendia a análise de violação do art. 20, §§ 3º e 4º do CPC/73, porque os honorários advocatícios foram fixados em montante irrisório na decisão que extinguiu o feito por inépcia da inicial.
Diante do provimento do recurso especial interposto pelo ARRENDATÁRIO, fica prejudicada a análise do agravo em recurso especial.
Nestas condições, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso especial do ARRENDATÁRIO para restabelecer a decisão de primeiro grau e JULGO PREJUDICADO o agravo em recurso especial interposto pelo ARRENDADOR e por FABIO GIORGIO.

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. ARRENDAMENTO DE IMÓVEL RURAL. ART. 92, § 4º, DA LEI Nº 9.504/64 (ESTATUTO DA TERRA). AÇÃO DE PREEMPÇÃO. ARRENDATÁRIO NÃO NOTIFICADO DA VENDA DO IMÓVEL. CASO ESPECIALÍSSIMO. PEDIDO DO DEPÓSITO DO PREÇO DO IMÓVEL FEITO NA INICIAL. DEMORA NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. PROTEÇÃO DO ARRENDATÁRIO RURAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR IRRISÓRIO. RECURSO PREJUDICADO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL PREJUDICADO.
1. Inaplicabilidade do NCPC ao caso ante os termos do Enunciado nº 2 aprovado pelo Plenário do STJ na Sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
2. Quanto ao art. 92, § 3º, da Lei nº 4.504/64, a falta de notificação do arrendatário rural não foi objeto de apreciação do acórdão recorrido, carecendo do necessário prequestionamento (Súmula nº 282 do STF).
3. O direito de preempção tem por objetivo a permanência do arrendatário no exercício de sua atividade rural, proporcionando a aquisição da terra por quem nela trabalha, tornando-a produtiva.
4. A demora na prestação jurisdicional não pode ensejar a perda do direito do arrendatário à preferência estabelecida em lei de alto teor protetivo como é o Estatuto da Terra, que tem por objetivo o cumprimento da função social da propriedade rural.
5. Recurso especial provido para restabelecer a decisão de primeiro grau, prejudicada a análise do agravo em recurso especial que pretendia a majoração dos honorários advocatícios.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, em dar provimento ao recurso especial interposto por WASHINGTON UMBERTO CINEL e julgar prejudicado o agravo em recurso especial interposto por FÁBIO GIORGIO e Outro, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi.
Dr(a). CLÓVIS DE GOUVÊA FRANCO, pela parte RECORRENTE: WASHINGTON UMBERTO CINEL
Dr(a). ROSENI NOGUEIRA DA MOTA, pela parte INTERES.: JCF ALUGUEIS DE IMOVEIS LTDA.
Brasília (DF), 13 de setembro de 2016(Data do Julgamento)
MINISTRO MOURA RIBEIRO
Relator

Direito Agrário

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