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Direito Agrário

Pedido de Recuperação Judicial de produtor rural exige prova do exercício regular da atividade rural

Decisão paradigmática proferida pelo Ministro Raul Araújo, da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, manteve a suspensão de pedido de recuperação judicial requerida por produtor rural do Estado de Mato Grosso em razão da ausência de prova do exercício regular da atividade agrária.

 O Ministro Raul Araújo destacou que “embora seja possível a comprovação do exercício regular de atividade rural anterior ao registro, nos termos do entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça”, no caso dos autos “não restou demonstrado do referido exercício, para efeito de implementação do período de dois anos de atividade empresarial rural”.

Com efeito, a decisão reafirma a necessidade da prova do exercício regular da atividade rural pelos produtores rurais requerentes de pedido de recuperação judicial. Em outras palavras, reforça-se o caráter profissional exigido por quem explora a atividade agrária.

 

Confira a íntegra da decisão:

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1905565 – MT (2020/0301950-0)

RELATOR: MINISTRO RAUL ARAÚJO

RELATOR: MINISTRO RAUL ARAÚJO

RECORRENTE: CLAUDIO ROBERTO BRATZ

RECORRENTE: LAURA VIVIANE DANTAS BALCEIRO

ADVOGADO: MARCO AURÉLIO MESTRE MEDEIROS – MT015401

RECORRIDO: ANA PAULA JUNQUEIRA VILELA CARNEIRO VIANNA : ANA LUIZA JUNQUEIRA VILELA VIACAVA

ADVOGADOS: RENATO MAURÍLIO LOPES – SP145802

SORAYA SAAB – SP288060

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto por CLÁUDIO ROBERTO BRATZ e LAURA VIVIANE DANTAS BALCERO, com arrimo nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra v. acórdão prolatado pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, assim ementado:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – PRODUTORES RURAIS – EMPRESÁRIO INDIVIDUAL – DESCUMPRIMENTO DO ART. 48, CAPUT, DA LEI 11.101/2005 REGISTRO PÚBLICO DE EMPRESAS EFETUADO DOIS MESES ANTESDO PEDIDO DE RJ – BIÊNIO LEGAL NÃO COMPROVADO – NATUREZA CONSTITUTIVA DA INSCRIÇÃO PARA O EMPRESÁRIO RURAL – EXIGÊNCIA CONTIDA NO ART. 971 DO CC – DOCUMENTOSELENCADOS NO ART. 51 DA LERF – REQUISITO OBJETIVO – LIVRO-CAIXA EM DESCONFORMIDADE COM A LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA – TRANSPARÊNCIA E PUBLICIDADE DOS DADOS DOS DEVEDORES – IMPRESCINDIBILIDADE – RECURSO PROVIDO.

O art. 971 do CC faculta ao empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, requerer o Registro Público de Empresas Mercantis, situação em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os fins, ao empresário sujeito a registro, sendo constitutiva a natureza dessa inscrição. Para postular a Recuperação Judicial, a Lei 11.101/2005 exige do devedor (art. 1o) a comprovação de que após o registro na Junta Comercial exerceu atividade empresarial, seja ela rural ou não rural, deforma organizada e regular por pelo menos dois anos anteriores ao pedido(art. 48 da LREF). Além do preenchimento dos requisitos do art. 48 da LREF, a inicial do postulante à RJ deve observar os critérios elencados no artigo 51da Lei 11.101/05, que são eminentemente objetivos.

Conforme arts. 1o e 5o da Recomendação no 57/2019 do CNJ, o deferimento do processamento da Recuperação Judicial deve ser precedido de constatação da regularidade e completude dos documentos apresentados pela devedora e de suas reais condições de funcionamento. Além disso, caso não observados os pressupostos legais, o julgador poderá indeferir a inicial, sem convolação em falência.

A Recuperação Judicial, por constituir importante meio para a superação da situação de crise econômica do devedor (art. 47 da Lei11.101/2005), envolver o interesse de credores e da sociedade, demanda que os princípios datransparência e da publicidade guiem todos os atos realizados no processo, e cabe aos devedores fornecer todos os dados sobre a sua situação econômico-financeira e quanto à sua parte administrativa.” (fls. 1.496/1.497)

No recurso especial aponta-se, além de divergência pretoriana, violação aos arts. 1o, 47, 48, 51, V, da Lei n. 11.101/2005 e aos arts. 966 e 971 do Código Civil, ao argumento, entre outros, de que nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, para o deferimento da recuperação judicial, não seria necessária a comprovação do registro perante a Junta Comercial pelo período de dois anos que antecedem o pedido, podendo ser comprovado o biênio legal por outras formas.

O pedido de tutela provisória, formulado com a finalidade de atribuir efeito suspensivo ao recurso especial, foi indeferido, nos termos da decisão de fls. 2.262/2.267, motivando a interposição de agravo interno.

É o relatório. Passo a decidir.

Na espécie, o eg. TJMT indeferiu, em sede de agravo de instrumento, o pedido de recuperação judicial dos aqui recorrentes, assentando que estes não comprovaram que exerciam atividade rural, em razão da inconsistência da documentação apresentada, exigida pelo art. 48, § 3o, da Lei 11.101/2005.

Essa circunstância, aliás, não escapou ao aguçado olhar da Subprocuradoria-Geral da República, que assim se pronunciou:

“Nada obstante, sobreleva anotar que, embora a data do registro não seja determinante no processamento da recuperação judicial do empresário rural,este não é dispensado de comprovar o exercício regular de sua atividade, o que pode ser feito por meio de livro caixa, registros contábeis ou declaração do imposto sobre renda, conforme previsão do art. 48, §3o2, da Lei 11.101/2005.
[…]
No caso, o Tribunal de Justiça assinala a existência de inúmeras irregularidades na escrituração contábil do recorrente:

Além de demonstrar o preenchimento dos requisitos do art. 48 da LREF, a inicial do postulante à RJ deve observar os critérios elencados no artigo 51da Lei 11.101/05, que são eminentemente objetivos.

Nestes autos, apesar de o perito atestar que tais exigências foram cumpridas (id no33280465 – Pág. 4 , 1o grau), as observações contidas no auto de constatação lançam fundada dúvida a respeito de os Livros- Caixas anexados ao feito refletirem a realidade contábil dos devedores,especialmente em razão da ausência de inúmeros lançamentos detransações com valores elevados que não foram registrados ali.

Isso porque, segundo o auto de constatação prévia, com relação à agravada foi assinada a suposta omissão de receita ao fisco estadual (março/2018 de R$ 146.581,66) e a ausência de registro no Livro- Caixa de duas operações(março/2019, NF de R$ 1.219.999,50, e novembro/2019, de R$ 31.067,40)

No que tange ao agravado, no seu Livro-Caixa consta que em março/2018vendeu R$ 327.221,00, supostamente omitidos nos registros fiscais dos documentos de saídas de mercadorias e prestação de serviços (EFD-ICMS/IPI) no mesmo período; em outubro de 2018 não há lançamento no Livro-Caixa, e no EFD-ICMS/IPI foi de R$ 4.500,00; em fevereiro 2019aparece no Livro-Caixa um total de vendas de R$ 414.200,00 e no EFD-ICMS/IPI R$ 1.012.700,00; em março de 2019 o Livro-Caixa mostrou vendas de R$ 1.079.200,00 e no EFD- ICMS/IPI as operações dessa natureza foram de R$ 3.982.000,00.

Em agosto de 2018 supostamente omitiu ao fisco estadual a venda de R$89.308,38; não assentou no Livro-Caixa operações de NF de R$598.500,00 de fevereiro de 2019; em março/2019 não declarou no Livro-Caixa duas emissões de NF de R$2.601.900,00 e R$ 300.900,00. (…)

Assim, identificadas inconsistências, impõe-se o indeferimento do pedido de Recuperação Judicial (art. 5o), para evitar tramitação de processos absolutamente inviáveis, que apenas causariam prejuízo aos credores e ao interesse público em geral.

Além do mais, a lista de credores não foi produzida de forma individualizada e não especifica a dívida de cada um dos agravados. Ainda que defendam a existência de um grupo econômico de fato, essa informação deve ser trazida na inicial, pois os credores precisam ter conhecimento do nível de endividamento de cada um deles.

Há também incongruências quanto ao número de empregados, visto que na inicial os agravados indicaram que seria 09 (id no 31679551 – Pág. 30) mas na lista de relação de empregados informaram número inferior (04 registrados por Cláudio – id no31680221 – Pág. 1, e 01 por Laura – id no 31680221 – Pág. 2).

Cabe destacar que a Lei é clara e expressa ao impor o cumprimento de todos os critério contidos nos arts. 48 e 51, pois é imprescindível que os devedores demonstrem sua capacidade técnica e econômica de ser e organizarem, fls. (e-STJ) 1508/1515

Como se vê, identificadas relevantes inconsistências nas demonstrações contábeis do produtor rural, tendentes a omissão de receitas ao Fisco, s. m. j., forçoso concluir que não restou comprovado o exercício regular de atividade econômica, impedindo, por consequência, o processamento de sua recuperação judicial.” (fls. 1.784/1.786)

Com efeito, é de bom alvitre ressaltar que, embora seja possível a comprovação do exercício regular de atividade rural anterior ao registro, nos termos do entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, de acordo com o v. acórdão estadual, não restou demonstrado do referido exercício, para efeito de implementação do período de dois anos de atividade empresarial rural.

O mencionado paradigma trata-se do REsp n. 1.800.032/MT, que possui a seguinte ementa:

“RECURSO ESPECIAL. CIVIL E EMPRESARIAL. EMPRESÁRIO RURAL E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REGULARIDADE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO DO EMPREENDEDOR (CÓDIGO CIVIL, ARTS. 966, 967, 968, 970 E 971). EFEITOS EX TUNC DA INSCRIÇÃO DO PRODUTOR RURAL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL (LEI 11.101/2005, ART. 48). CÔMPUTO DO PERÍODO DE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. O produtor rural, por não ser empresário sujeito a registro, está em situação regular, mesmo ao exercer atividade econômica agrícola antes de sua inscrição, por ser esta para ele facultativa.

2. Conforme os arts. 966, 967, 968, 970 e 971 do Código Civil, com a inscrição, fica o produtor rural equiparado ao empresário comum, mas com direito a ‘tratamento favorecido, diferenciado e simplificado (…), quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes’.

3. Assim, os efeitos decorrentes da inscrição são distintos para as duas espécies de empresário: o sujeito a registro e o não sujeito a registro. Para o empreendedor rural, o registro, por ser facultativo, apenas o transfere do regime do Código Civil para o regime empresarial, com o efeito constitutivo de “equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro”, sendo tal efeito constitutivo apto a retroagir (ex tunc), pois a condição regular de empresário já existia antes mesmo do registro. Já para o empresário comum, o registro, por ser obrigatório, somente pode operar efeitos prospectivos, ex nunc, pois apenas com o registro é que ingressa na regularidade e se constitui efetivamente, validamente, empresário.

4. Após obter o registro e passar ao regime empresarial, fazendo jus a tratamento diferenciado, simplificado e favorecido quanto à inscrição e aos efeitos desta decorrentes (CC, arts. 970 e 971), adquire o produtor rural a condição de procedibilidade para requerer recuperação judicial, com base no art. 48 da Lei 11.101/2005 (LRF), bastando que comprove, no momento do pedido, que explora regularmente a atividade rural há mais de 2 (dois) anos. Pode, portanto, para perfazer o tempo exigido por lei, computar aquele período anterior ao registro, pois tratava-se, mesmo então, de exercício regular da atividade empresarial.

5. Pelas mesmas razões, não se pode distinguir o regime jurídico aplicável às obrigações anteriores ou posteriores à inscrição do empresário rural que vem a pedir recuperação judicial, ficando também abrangidas na recuperação aquelas obrigações e dívidas anteriormente contraídas e ainda não adimplidas.

6. Recurso especial provido, com deferimento do processamento da recuperação judicial dos recorrentes.”

(REsp 1800032/MT, Rel. p/ acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 10/02/2020 – g. n.)

Com efeito, conforme mencionado, o eg. Tribunal de Justiça sustenta não haver comprovação do exercício da atividade empresarial rural pelos ora recorrentes. E esse aspecto, relativo à ausência de comprovação de atividade rural pelo período mínimo necessário, não é sindicável em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ.

Diante do exposto, com base no art. 255, § 4o, II, do RISTJ, nego provimento ao recurso especial.

Publique-se.

Brasília, 28 de setembro de 2021.

Ministro RAUL ARAÚJO

Relator

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