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Direito Agrário - Foto: Maurício Fernandes.

Medidas jurídicas para evitar o perecimento do direito dos produtores rurais na quarentena

por Rodrigo Figueira Jobim.

 

Diante da crise mundial pelo surto pandêmico causado pelo novo coronavírus, a maioria dos países está aderindo à paralisação geral, determinando o trancamento de diversas atividades para evitar o agravamento da situação. Nesse contexto, as atividades próprias do agronegócio não podem parar, haja vista a essencialidade de que estão revestidas. Assim, o fechamento dos cartórios extrajudiciais pode trazer prejuízo aos agropecuaristas, caso não se adote as medidas acautelatórias adequadas. O presente artigo tem por base sintetizar algumas das ideias debatidas a partir de live realizada no Instaram do Portal Agrolei (@agrolei) que abordou aspectos práticos das demandas agrárias em face da pandemia de Covid-19, na qual foram expositores os professores Francisco Torma, Albenir Querubini e Wellington Gabriel Zuchetto Barros.

A Lei 13.979/2020, autorizou as autoridades do poder público a adotarem as medidas necessárias ao enfrentamento da pandemia que se alastra, que incluem desde o isolamento de pessoas e objetos contaminados, restrição de atividades e fechamento de rodovias, portos e aeroportos, dentre outras medidas, a fim de evitar a contaminação e a propagação do novo coronavírus. Muitos estados determinaram o fechamento de serviços não essenciais, como foi o caso do Estado do Rio Grande do Sul, por meio do Decreto estadual n° 55.128/2020.

Entretanto, apesar da determinação de paralisação geral das atividades de diversos setores, o Decreto Federal n° 10.282/2020 regulamentou quais as atividades são consideradas essenciais, que não podem ser limitadas pela quarentena, por serem indispensáveis ao atendimento das necessidades mais básicas da população. Com isso, a atividade de produção agropecuária, comercialização e distribuição de produtos do agronegócio, assim como as atividades de fiscalização fitossanitária necessárias para o controle de qualidade, bem como o fornecimento de insumos utilizados na cadeia produtiva, foram consideradas atividades essenciais, não podendo ser objeto de paralisação promovido pelo poder público, de acordo com o art. 3°, incisos XII, XV, XVI, XVII e XVIII, e § 2°, daquele decreto.

Ademais, em consonância com o decreto federal, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento editou a Portaria 116/2020, que dispõe sobre os serviços, atividades e produtos assessórios à produção de alimentos e bebidas, essenciais para garantir o abastecimento e a segurança alimentar da população. Dentre essas atividades colaterais indispensáveis às cadeias produtivas do agronegócio estão o transporte coletivo e individual de funcionários, o transporte de carga, produção e distribuição de combustíveis. Portanto, a atividade agrária não pode parar, e sua continuidade é essencial para evitar o desabastecimento alimentar da população.

Outrossim, com base no art. 4° do mesmo decreto regulamentador dos serviços essenciais, as outras esferas de poder, como o Poder Judiciário, definiriam as suas próprias normativas sobre o assunto. Com isso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Recomendação n° 45/2020, autorizando as corregedorias dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal a adotarem medidas preventivas para a redução dos riscos de contaminação da população pela COVID-19. Igualmente foi editado o Provimento n° 94/2020, que suspendeu o atendimento ao público e a circulação de pessoas no âmbito dos serviços dos cartórios de registros de imóveis, cabendo às corregedorias regionais regulamentar o funcionamento das respectivas serventias em regime de plantão.

No caso do Estado do RS, o Provimento n° 9/2020, da CGJ/RS, determinou que todas as serventias notariais e registrais ficassem fechadas até o dia 31 de março de 2020, podendo este prazo ser prorrogado, de acordo com a evolução da situação de calamidade que se instala no país.

Contudo, ao que tudo indica, o prazo de vigência das medidas aplicadas pela corregedoria estadual, na suspensão dos serviços relativos aos cartórios extrajudiciais, será prorrogado, haja vista a imprevisibilidade da melhora desse quadro.

Nesse contexto, em meio à paralisação, como agir em eventual necessidade da utilização dos serviços públicos no âmbito das serventias extrajudiciais, como no caso da necessidade de elaboração de ata notarial para a produção de provas ou da notificação extrajudicial?

É necessário salientar que, apesar do fechamento dos serviços notariais e registrais, o Provimento n° 9/2020, da CGJ/RS, previu que os cartórios deveriam manter regime de plantão ininterrupto, destinado a atender as demandas urgentes. Contudo, se a situação alegada pelo requerente não for considerada urgente pelo titular do cartório, o requerimento pode ser submetido à apreciação ao magistrado plantonista da comarca, a fim de que, constatada a urgência, este determine a prática do ato.

Persistindo a negativa, é possível que o produtor rural adote, alternativamente, outras medidas acautelatórias para evitar o perecimento do seu direito.

Da produção antecipada de provas

Na agricultura, depara-se muitas vezes com situações temporárias em que a produção de laudos ou a coleta de elementos probatórios demandam urgência. Esse pode ser o caso de quem sofreu a quebra de safra decorrentes de eventos climáticos danosos, a turbação ou esbulho da posse com a consequente a danificação de lavoura, ou mesmo a aplicação de defensivos em propriedade vizinha em desacordo com as normas técnicas regulamentares, refletindo na produtividade do próprio imóvel. Esses eventos podem gerar prejuízos irreversíveis, se ao produtor faltar a postura preventiva e acautelatória adequada e eficaz.

Nesses casos a realização de uma ata notarial pode ser eficaz, resguardando-se o direito de provar a existência de fatos que podem ser atestados ou documentados, inclusive com a reprodução de sons, imagens e arquivos eletrônicos, mediante a lavratura do tabelião de notas. Essa é uma atribuição exclusiva dos tabeliães, podendo servir-se das diligências necessárias para a lavratura do ato, a constatação e narrativa de fatos, coleta de declaração dos interessados, dentre outros.

Porém, a fim de resguardar-se dos riscos mencionados, diante da negativa e impossibilidade de elaboração de uma ata notarial, é possível realizar o procedimento judicial de produção antecipada de provas, previsto no art. 381 e seguintes, do CPC/15, requerendo-se ao Juiz plantonista na comarca a urgência na produção da prova desejada, justificando a sua necessidade e pertinência. Esse procedimento é autônomo, podendo ser realizado nos casos em que: I – na demora da ação, os fatos sejam difíceis ou impossíveis de serem constatados; II – a prova a ser produzida sirva para realização de acordo entre as partes; e III – o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação futura. A motivação da produção da determinada prova pode ser o simples conhecimento da verdade, sem caráter contencioso, não havendo contraditório e tampouco a valoração da prova pelo juízo. Entretanto, diante da prova produzida, é facultado às partes interessadas a sua utilização em ação futura, intentar a realização de autocomposição com a outra parte, ou mesmo a permanecer na inércia. O objetivo precípuo desse procedimento é prevenir-se da perda da prova, diante do seu perecimento no decurso do tempo.

Da notificação judicial

Caso o proprietário de imóvel arrendado deseje retomar o imóvel, tanto para uso próprio ou de sua família, quanto para o arrendamento de terceiros, ressalvado o exercício do direito de preferência do arrendatário, a notificação deve ser realizada com antecedência mínima de 6 meses do fim do contrato, sob pena de prorrogação automática, conforme o art. 22, caput e §2°, do Decreto 59.566/66.

Na impossibilidade de realização de notificação extrajudicial via cartório, e diante da urgência pelo iminente término do prazo contratual, é possível que se utilize outro meio que garanta a ciência inequívoca do arrendatário. Nesse caso, a notificação via carta com AR é uma alternativa válida, porém, para evitar futuro prejuízo em eventual ação de despejo, a forma mais segura a se realizar a notificação é pela via judicial, a ser pleiteada ao magistrado em regime de plantão na comarca.

A notificação judicial encontra cabimento no art. 726, do CPC/15, servindo como meio inequívoco da manifestação da vontade do notificante sobre assunto juridicamente relevante para as partes. Ademais, de acordo com a interpretação dada pela Súmula n° 106 do STJ, ajuizada a notificação no prazo previsto, a demora da citação pela não localização do notificado ou por motivos inerentes ao exercício da jurisdição, não pode justificar a prescrição ou decadência do direito do notificante.

Assim, o direito de retomada do imóvel pelo proprietário estará resguardado se a notificação judicial for proposta de forma tempestiva, independentemente da data em que o arrendatário achar-se notificado. Esse também é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do RS, colacionado a seguir:

CONTRATOS AGRÁRIOS. AÇÃO DE DESPEJO. RETOMADA DO IMÓVEL PARA USO PRÓPRIO. PRELIMINAR DE DESERÇÃO DO RECURSO ADESIVO ACOLHIDA. PEDIDO DE AJG NAS RAZÕES DE RECURSO. AUSÊNCIA DE PREPARO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. DIREITO DE RETENÇÃO DESACOLHIDO. Pedido de assistência judiciária gratuita formulado no curso da ação – art. 6º da Lei 1.060/50 – reclama prova da alteração da situação financeira da parte, devendo, ademais, ser formulado em autos apartados. Ausência de preparo do recurso. Deserção que se decreta. Para a verificação do implemento, ou não, da prescrição, há que se considerar, in casu, a data do ajuizamento da notificação judicial, e não a data em que o requerido veio a ser efetivamente notificado – Súmula 106 do STJ. Se a parte que alega o direito de retenção não comprova, por qualquer meio, a realização da obra, havendo, ainda, no contrato de arrendamento cláusula expressa regulando a hipótese, desassiste razão ao demandado relativamente ao pleito. Apelação não-provida. Recurso Adesivo não-conhecido. Unânime.(Apelação Cível, Nº 70014634489, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em: 09-11-2006)

Portanto, as medidas alternativas a serem adotadas, diante da paralisação das serventias extrajudiciais, podem abranger o ajuizamento de procedimentos indispensáveis para serem apreciados no plantão judicial, dentre eles a produção antecipada de provas e a notificação judicial, fim de resguardar os proprietários e produtores de futuros prejuízos ocasionados pelo perecimento do seu direito no tempo.

Rodrigo Figueira Jobim – Advogado especialista em Direito Agrário e Ambiental aplicado ao Agronegócio pela parceira I-Uma/UNIP. Membro da da União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU.

 

Direito Agrário

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