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Direito Agrário

Direito agrário, produção agrícola e meio ambiente – por Darcy Walmor Zibetti

Realizou-se no dia 11 de agosto de 2016, data em que se comemora o Dia do Advogado, o evento  “Direito, produção agrícola, proteção ambiental e qualidade: o papel do direito na promoção da produção alimentar com sustentabilidade e a segurança dos alimentos“, referente à Aula Inaugural do Curso de Direito da Universidade de Caxias do Sul  – 2º semestre/2016. O  respectivo evento foi organizado pelo Prof. Dr. Airton Berger Filho e contou com a participação dos Professores Wellington Pacheco Barros e Albenir Querubini, representando a União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU (saiba mais clicando aqui).

Infelizmente, por motivos de saúde, o Prof. Dr. Darcy Walmor Zibetti não pode se fazer presente no evento. No entanto, o Prof. Zibetti encaminhou o texto referente a sua exposição no evento, o qual publicamos abaixo.

Direito Agrário

Direito agrário, produção agrícola e meio ambiente

PREZADAS SENHORAS E PREZADOS SENHORES

1. É sobremaneira honroso, como convidado estar , hoje,aqui para compartilhar a reflexão com o mundo acadêmico da Universidade de Caxias do Sul sobre a Carta de Lei assinada por D. Pedro  em 11 de agosto de 1827, criando os cursos de Ciências Jurídicas e Sociais em São Paulo e Olinda-Recife. Sabemos , pela historia, que os cursos jurídicos criados formaram nomes ilustres da nossa sociedade e cultura em todas as esferas dos poderes da Nação. Para exemplificar, temos Júlio Prates de Castilhos, diplomado em São Paulo e que exerceu influência singular na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, inclusive no País porquanto adotou a doutrina positivista de Augusto Conte, baseada na História e na Ciência. Já , de Olinda e Recife saíram personagens como Tobias Barreto de Menezes, Joaquim Nabuco, Castro Alves e Clóvis Bevilaqua entre outros. Cabe lembrar, também, o nome do gaúcho de Vacaria, Raymundo Faoro,descendente de imigrantes italianos, que, chegou à presidência da OAB Nacional e foi membro da Academia Brasileira de Letras. Ficou famoso pelo seu livro  com o título “Os Donos do Poder-Formação do Patronato Brasileiro” ( 5ª. Edição, Editora Saraiva, 2012), através do qual faz uma análise crítica do País em diversas dimensões até o governo Getúlio Vargas, ressaltando sempre a questão do patrimonialismo.

Na data do Dia do Advogado, torna-se  imperioso lembrar  o nome do maior dos advogados brasileiros que foi o baiano Ruy Barbosa.Estudou em São Paulo e Olinda-Recife. Participou ativamente da criação do estado laico no Brasil, separando a Igreja do Estado. Participou de campanhas eleitorais com a luz da estrela do bom caminho, todavia sua estrela foi ofuscada pelos holofotes patrimonialistas de que fala Raymundo Faoro. Ressalte-se todavia, o seu famoso discurso de  formatura pronunciado nas Arcadas de São Paulo, representado na “Oração aos Moços” que é uma cartilha de orientação cuja leitura é recomendável  a todo o estudantado da área jurídica do País.

 2-   Feitas estas considerações preambulares a respeito de 11 de agosto, Dia do Advogado, como agrarista trago à memória fatos e leis que dizem respeito ao Direito Agrário e Fundiário aplicado no Brasil para sua formação  e de ocupação territorial.

2.1- Segundo o agrarista Messias Junqueira, o que ocorreu no Brasil foi um paradoxo,  tendo em vista que  antes mesmo de ser descoberto em 1500, já havia sido dividido entre Portugal e Espanha pelo Tratado de Tordesilhas chancelado por Bula Papal.

2.2- Cumpre lembrar, também, que em 1750 foi assinado entre Portugal e Espanha o Tratado de Madrid fundado no instituto jurídico do “ uti  possidetis”, ou seja, usucapião internacional, através do qual o Rio Grande do Sul passou a também ser território brasileiro.

3- Cartas de Sesmaria. A Coroa Portuguesa iniciou a ocupação e a colonização através de concessão de Cartas de Sesmaria com áreas superiores a  dez mil hectares, cujo donatário tinha três condições a cumprir: a) medi-las e demarcá-las; b) explorá-las; c) pagar o dízimo à Coroa de Cristo, eis que, à época vigorava o vínculo de união entre o Estado e a Igreja. Evidentemente que houve o aproveitamento da escravatura na exploração das terras. O sesmeiro foi utilizado pela Coroa Portuguesa na defesa não só da monarquia mas também do território nacional, historicamente cobiçado por países estrangeiros.

3.1-Segundo opinião abalizada do consagrado jurista Ruy Cirne Lima as Sesmarias introduziram no Brasil o latifundiarismo. No entanto, a política adotada na colonização por imigração, alemã, italiana e  outras etnias foi conceder,  por venda, pequenas e médias  propriedades, aliás, existentes na Itália e  em outros países europeus. Segundo levantamento estatístico, as pequenas e  médias propriedades agrárias perfazem um percentual de 80% dos imóveis agrários no Rio Grande do Sul e no País. Cabe uma pergunta: A quem compete, fundamentalmente e  primordialmente o abastecimento através  de  produtos que compoems a cesta básica  brasileira? A resposta: da pequena e  média  propriedade. Essa é sua função social.

3.2- Todavia, em 17 de  julho de 1822 sua Majestade o Príncipe Regente D.Pedro I houve por  bem  suspender a concessão das Cartas de Sesmaria.

3.3- Período da posse. Com a suspensão das Cartas de Sesmaria, iniciou-se um longo período chamado regime da posse, ou poder-se-ia chamar de “limbo jurídico”.

3.4- Lei nº 601/1850. Depois de muitos debates no mundo administrativo e jurídico junto à Coroa, foi expedida a primeira lei de terras do Brasil e que  tomou o nº 601/1850. Esta lei pôs fim ao regime da posse até então existente. Estabeleceu que todas as terras públicas e ou devolutas deveriam ser vendidas. Estabeleceu regras para validar as Cartas de Sesmaria que haviam cumprido as condições da concessão. Declarou em comisso as concessões que descumpriram as condições impostas, sendo suas terras, portanto, devolvidas, razão pela qual se chamam terras devolutas. Estabeleceu  mais que , também eram devolutas  as terras não ocupadas com algum serviço público. Finalmente, esta importante  lei autorizou o governo a providenciar a imigração estrangeira para ocupação territorial e promover seu desenvolvimento. A expedição da lei 601/1850, coincidiu  com a Lei Euzébio de Queiroz que  proibiu o tráfico de escravos no País.Esta lei criou, também, a Repartição Geral de Terras órgão semelhante ao atual INCRA.

3.5-  A  política de  imigração  perdurou até  o Governo Getúlio Vargas que, em 1954, criou  o INIC – Instituto Nacional de Imigração e Colonização. Tal órgão teve vigência curta. Eis que, surgiu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra- o MST e as Ligas Camponesas do Nordeste, lideradas por Francisco Julião,  que provocaram a criação da SUPRA – Superintendência da Política da Reforma Agrária, em 1962, sendo absorvida pelo INCRA criado pelo  Estatuto da Terra, Lei nº 4.504/1964. Ademais, o Regime Militar, por razões de Segurança Nacional editou o Ato Complementar nº 45/1969 e a Lei nº 5.709/1971, limitando, restringindo e condicionando a venda de terras aos estrangeiros. Houve, portanto, política inversa, ao que adotado no Período Imperial.

4- Por sua vez, a Itália era formada por reinos, ducados e estados pontifícios. No entanto, surgiu o ideário do Risorgimento ou da Unificação da Itália que adotava a língua de Dante. Finalmente, houve a Unificação com o Rei Vitor Emanuel, em 1861. Giuseppe Garibaldi, Camilo Benso-Conde de Cavour entre outros participaram  nas guerras pelo Risorgimento. Pelo Tratado de Latrão, assinado em 1929, entre a Santa Sé e o fascista Benito Mussolini, foi criado o Estado do Vaticano.

Empobrecidos e cansados da guerra os italianos, procuraram a emigração para a América, terra do Novo Mundo. Por acordo entre Brasil e Itália houve a primeira leva de imigrantes por volta de 1875, sendo seus destinos São Paulo e Rio Grande do Sul. Caxias, só pode ser colonizada pelos italianos, após os “Bugreiros” conseguirem liquidar com os índios Caigangues e Guaranis que habitavam a região.

4.1- Por uma questão afetiva, vou falar sobre a Colonia Italiana Conde D’Eu, transformada em município em 1890 com o nome de Garibaldi, herói dos dois mundos. Em Marcorama, Distrito de Garibaldi, adquiriu um lote, Giuseppe Zibetti, meu avô. Lá nasceram meu pai e seus irmãos que permaneceram na região. Hoje, a irmandade está espalhada por toda a grande região de Caxias do Sul cujos municípios adotaram nomes da nossa história gaúcha como Garibaldi, Bento Gonçalves, Flores da Cunha, Carlos Barbosa, etc. Segundo depoimentos familiares, os imigrantes passaram muito trabalho e sacrifício. O que os mantinham de pé, era a fé, a esperança e o amor ao trabalho e à família. E, o atributo pejorativo de que eram anarquistas, fato utilizado pelo governo de descumprir promessas de apoio, na verdade o espírito anarquista, eventualmente manifestado, era o espírito empreendedorista que estava latente e que despertou. E, hoje, temos uma região desenvolvida com Festa da Uva, Festa do Vinho, Festa da Vindima, Festa do Kiwi, Festa do Champanhe, etc. E, a canção “Mérica, Mérica” é cantada em todos os eventos relembrando o sonho de “fare l’America”, vale dizer, fazer fortuna.

5- Em 13 de maio de 1888 houve a libertação dos escravos  ela Princesa Isabel, a qual começou a redigir a Lei da indenização dos escravos. Tal atitude provocou a antecipação da proclamação da República que ocorreu em 15 de novembro de 1889. Os escravos, analfabetos, passaram a ficar em estado de “abandono”.

6- Em 1891 houve a aprovação da primeira Constituição Republicana que atribuiu aos Estados Federados a propriedade e a incumbência da regularização das terras devolutas, os          quais, despreparados, não conseguiram realizar. O longo período da confusão jurídica que iniciou com o regime da posse e perpassou pela República velha, prolongou-se até a assunção ao poder do Regime Militar, em 1964 que cria o Direito Agrário e edita o Estatuto da Terra, o qual criou o IBRA, logo transformado no atual INCRA. Este órgão de forma direta e indireta através de convênio com os Estados Federados, com alteração da Lei Discriminatória, promoveu, no País, a mais ingente tarefa da Nação que foi a regularização fundiária e agrária das terras devolutas. O Estado, o Poder Público, como um todo, conforme o artigo 10 do Estatuto da Terra só poderia ter terras para fins de pesquisa, educação e fomento. Tudo o mais deveria ser passado à iniciativa privada.

7- Função social da propriedade- É fato inegável que o Planeta Terra exerce uma função econômica, social e ambiental. Da mesma forma cada  propriedade agrária é uma espécie de  micro planeta que também exerce as mesmas funções. Aliás, o Papa Francisco na sua Encíclíca – “Louvado Seja” considera o Planeta nossa  Casa Comum.

Esta concepção foi institucionalizada pelo Direito Agrário brasileiro. Assim, o Estatuto da Terra – Lei nº 4.504/1964, regulamentou o princípio da função social da propriedade agrária previsto na Constituição de 1946. Tal regulamentação foi elevada à categoria constitucional conforme artigo 186 da Carta Cidadã de 1988. Dispõe de forma clara e expressa, que, o principio social da propriedade agrária, deve preencher de forma concomitante os requisitos econômicos, sociais e ambientais de forma indissociável.

O conceito constitucional e legal da função social da propriedade agrária abrange os três aspectos de forma simultânea.

Acreditamos que no Brasil, o período crítico das questões de Direito Agrário fundiário já foi superado. É evidente que, ainda, existem questões  pontuais previstas na Constituição de 1988, tais como desapropriações e regularização de áreas indígenas e quilombolas, cujas áreas de  posse deverão ser as existentes à época da promulgação constitucional, segundo decisão da Suprema Corte do País.

8- Agora, estamos vivendo a época da teoria do agronegócio, concebida na Universidade de Harvard, ou seja, produção e sustentabilidade ambiental, fato que dá origem ao II Ciclo do Direito Agrário brasileiro.

A ciência, a biotecnologia, a biogenética, a tecnociência e a inovação tecnológica propiciam aumento de produção e de produtividade, salvaguardando o meio ambiente.

9- As Conferências das conferências das Nações Unidas de Estocolmo, da Eco/Rio/92 e, atualmente, a COP 21 e a Agenda 2030 do PNUD induzem a caracterizar-se o Desenvolvimento Sustentável como “uma nova ordem econômica que visa à melhoria de vida e renda de todos a população, preservando o meio ambiente para as presentes e futuras gerações”. É visível e notório o desequilíbrio ambiental planetário, com a emissão de gás carbônico que causa  o efeito estufa e as mudanças climáticas. Muitas causas deste desequilíbrio ambiental são provocadas pela mão do produtor rural, através do desmatamento e não reposição florestal e, também, não obediência ao Código Florestal, além, do uso intensivo de agrotóxicos que contamina o solo e o lençol freático, os rios, os cursos d’água e os  mares. Acresce-se a não proteção das margens das vertentes e nascentes, as margens dos rios e lagos e cursos d’água. Fica pontificado que as margens das vertentes e nascentes são das margens das vertentes e nascente, As margens dos rios, são dos rios, as margens dos lagos e reservatórios são  dos lagos e reservatórios e terrenos de marinha são dos mares.

A ganância exploratória sem obedecer ao freio ambiental pode causar danos não só ao ganancioso, mas a toda  população com a reação da natureza que se manifesta através de secas, enchentes e vendavais, chuvas de granizo e  outros malefícios, por vezes  insuperáveis.

10- Finalmente, gostaria de falar sobre a UBAU – União Brasileira dos Agraristas Universitários, fundada para construir e estruturar o II Ciclo do Direito Agrário Brasileiro, com visão científico-produtivista e sustentável, baseada no empreendedorismo e profissionalização.

A sua meta é promover o estudo do Direito Agrário, vale dizer, o Direito Agrário moderno e o agronegócio com suas cadeias produtivas. Aliás, o agronegócio é o corpo senão a espinha dorsal do Direito Agrário Não há como não caracterizar a agricultura familiar dentro da concepção do agronegócio.

Está nas metas da UBAU incentivar as instituições de ensino superior a adotarem a disciplina do Direito Agrário e que tenham um professor de Direito Agrário no sentido de formar na alma acadêmica uma consciência agrarista e conhecer a riqueza da realidade agrária brasileira com sua imensa  biodiversidade que deve ser explorada sob  os ditames das Nações Unidas  em termos de desenvolvimento sustentável.

Porto Alegre, 11 de agosto de 2016.

Prof. Darcy Walmor  Zibetti

Presidente da  UBAU

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