Decisão proferida pela Juíza de Direito Surami Juliana dos Santos Heerdt, da 1ª Vara Cível da Comarca de Xanxerê/SC, declarou impenhorável uma propriedade rural de 48 hectares localizada no Município de Rio Brilhante/MS.
O referido imóvel agrário pertence a uma família de agricultores que sofreu penhora por uma dívida comercial contraída com uma empresa de sementes localizada em Xanxerê/SC.
Segundo o Advogado agrarista Pedro Puttini Mendes, consultor jurídico em questões do agronegócio, que atuou no respectivo processo, “a 1ª Vara Cível de Xanxerê/SC confirmou tese levantada pela P&M Advogados Associados de que o referido imóvel rural enquadrada-se como pequena propriedade rural de até 04 (quatro) módulos fiscais, uma vez que o módulo fiscal de Rio Brilhante é de 30 hectares. Além disso, restou demonstrado nos autos que a exploração da respectiva área pela família garante o deferimento da impenhorabilidade prevista no art. 833, inciso VIII do novo Código de Processo Civil“.
Confira a íntegra da decisão:
Autos n° 0000056-62.1991.8.24.0080/01
Ação: Execução de Sentença/PROC
Exequente: Agroeste Sementes S/A
Executado: Ildo João Meazza e outro
Vistos etc.
Cuida-se de Execução de sentença movida por Agroeste Sementes S/A em desfavor de Ildo João Meazza e Outro, todos qualificados nos autos.
O executado Biaggio Meazza veio aos autos (fls. 319/324) sustentando a prescrição e que o imóvel penhorado à fl. 183 se trata de pequena propriedade rural, onde trabalham seus filhos para o sustento da família.
O exequente, embora devidamente intimado, permaneceu inerte (fl. 389).
Os autos vieram-me conclusos.
Decido.
De início, a alegação de ocorrência de prescrição intercorrente deve ser rejeitada.
A prescrição intercorrente somente ocorre por desídia da parte interessada, quando o processo fica paralisado por tempo correspondente ao prazo da prescrição do direito postulado (10 anos – antigo Código Civil, art. 177).
A execução foi ajuizada em 17 de dezembro de 1997.
Determinou-se o arquivamento administrativo do feito, ante a não localização de bens passíveis de constrição em nome do executado, em março de 2005 (fl. 124), restabelecendo-se o curso do processo em julho de
2008, quando o exequente requereu a penhora de ativos financeiros. Em novembro de 2008 o feito foi novamente arquivado (fl. 173) e retomado em julho de 2012 (fl. 313). Evidente que não decorreu prazo suficiente à prescrição, tampouco se infere desídia do exequente, de modo que a execução deve prosseguir.
Passo à análise do pedido de impenhorabilidade.
Consoante termo de fl. 183, foi penhorado o seguinte imóvel de propriedade do executado: “uma gleba de terras com 48 ha. e 2.196 metros quadrados. Denominado Estância Santa Rita de Cássia dentro das seguintes confrontações (…)”.
A impenhorabilidade alegada pode ter por fundamento o art. 1º. da Lei 8.009/90 (bem de família legal) ou o art. 833, inciso VIII do CPC/2015 (pequena propriedade rural).
Para que se verifique a impenhorabilidade com base no art. 1º. da lei 8.009/90 é indispensável demonstrar que o imóvel serve de residência para a entidade familiar:
Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.
Vê-se que o imóvel se localiza na Estância Santa Rita de Cássia, interior do Município de Rio Brilhante-MS (fls. 330/332). O endereço do executado, indicado na manifestação de fls. 319/324, é na Rua Sidney Coelho Nogueira, 1771, Centro, Rio Brilhante-MS, a indicar que não reside no imóvel penhorado.
Contudo, entendo provada a impenhorabilidade prevista no art. 833, inciso VIII do CPC/2015, vejamos.
A declaração da impenhorabilidade da pequena propriedade rural exige a demonstração de que família nela trabalhe e dela retire seu sustento.
Nesse sentido:
“O art. 4º da Lei 8.629/93 define a pequena propriedade rural para tais fins, fixando-a como o imóvel rural de área compreendida entre 1 e 4 módulos fiscais.
(…)
….de sinalar que para que se aperfeiçoe a definição, não se exige que a família rural nela resida, mas que simplesmente dela retire seu sustento e nela trabalhe.” (TJRS – Apelação Cível nº 71001439694, Terceira Turma Recursal Cível, Relator: Eugênio Facchini Neto. Julgado em 18/12/2007).
Os requisitos, pois, são dois, e cumulativos: (a) o imóvel deve se adequar à conceituação legal de “pequena propriedade rural”; e (b) o bem deve ser explorado pela família.
Os documentos de fls. 325/326 e 339/385, aliados à inércia do exequente, do que se deduz concordância com os argumentos, comprovam o preenchimento do segundo requisito.
Quanto ao primeiro, a definição de “pequena propriedade rural” é dada pelo art. 3º, V e parágrafo único, da Lei n. 12.651/12 (Código Florestal):
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
[…]
V – pequena propriedade ou posse rural familiar: aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária, e que atenda ao disposto no art. 3o da Lei no 11.326, de 24 de julho de 2006;
[…]
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, estende-se o tratamento dispensado aos imóveis a que se refere o inciso V deste artigo às propriedades e posses rurais com até 4 (quatro) módulos fiscais que desenvolvam atividades agrossilvipastoris, bem como às terras indígenas demarcadas e às demais áreas tituladas de povos e comunidades tradicionais que façam uso coletivo do seu território. (grifei).
Consoante documento de fl. 329, o Módulo Rural no Município de Rio Brilhante-MS, é de 30 ha (trinta hectares), de modo que para se enquadrar como pequena propriedade rural, o imóvel deve ter, no máximo, 120 ha (cento e vinte hectares).
A propriedade do executado possui 48 ha, adequando-se à definição de “pequena propriedade rural”. Portanto, preenchidos os requisitos do art. 833, inciso VIII, do CPC/2015, o imóvel é impenhorável.
Em casos semelhantes colhe-se entendimento jurisprudencial:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECURSO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERE A DECLARAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DE IMÓVEL. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. BEM
COM ÁREA INFERIOR A 4 MÓDULOS FISCAIS EXPLORADA PELA FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA.
É absolutamente impenhorável (art. 649, VIII, do CPC) o imóvel rural com área de até quatro módulos fiscais explorada pela família, porque constitui-se em pequena propriedade rural (art. 3º, V e parágrafo único, da Lei n. 12.651/12). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(TJSC. Agravo de Instrumento n. 2013.024675-4, de Criciúma, em 11/07/2013).
Ante o exposto, DECLARO IMPENHORÁVEL o imóvel de propriedade do executado e torno sem efeito a penhora sobre ele promovida à fl. 183.
Intimem-se.
Oficie-se nos autos da carta precatória em trâmite na Comarca de Rio Brilhante-MS, com cópia da presente decisão.
Após, intime-se a parte executada para, no prazo de 10 dias, indicar bens à penhora, sob pena de aplicação de multa de até 20% sobre o débito executado.
Vindo ou não aos autos a manifestação, intime-se o exequente para, no prazo de 10 (dez) dias, dar prosseguimento ao feito, sob pena de suspensão e arquivamento.
Caso silencie, arquive-se administrativamente, após suspensão do feito, que deverá ocorrer pelo período de 01 ano (art. 921, §2º do CPC/2015).
Xanxerê (SC), 15 de agosto de 2016.
Surami Juliana dos Santos Heerdt
Juíza de Direito