quinta-feira , 25 abril 2024
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Direito Agrário - foto: Maurício Gewehr

Contratos de Parceria Agrícola: Direito de preferência e Renovação automática

por José Roberto Reis da Silva.

No Brasil, os produtores rurais que não sejam proprietários de imóveis rurais precisam celebrar contratos de arrendamento rural ou parceria agrícola para terem acesso à terra.

Apesar das várias semelhanças entre eles, o direito de preferência do parceiro outorgado na compra do imóvel e renovação do contrato, e também quanto à ocorrência, ou não, da renovação contratual automática caso o parceiro outorgante/proprietário não envie a notificação extrajudicial 06 meses antes do termo final ainda fomenta divergências doutrinárias e jurisprudenciais.

Vejamos!

O artigo 95, IV do Estatuto da Terra, que disciplina os contratos de arrendamento agrícola dispõe sobre a necessidade da notificação extrajudicial enviada pelo arrendante, com pelo menos 06 meses de antecedência, caso ele pretenda retomar o imóvel para exploração própria ou descendentes, ou em caso de propostas de terceiros, sob pena de ocorrer a renovação automática do contrato em favor do arrendatário, mantendo-se as mesmas bases comerciais.

Já o artigo 96 da mesma lei, que trata dos contratos de parceria agrícola dispõe que:

Art. 96. Na parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, observar-se-ão os seguintes princípios:

II – expirado o prazo, se o proprietário não quiser explorar diretamente a terra por conta própria, o parceiro em igualdade de condições com estranhos, terá preferência para firmar novo contrato de parceria;

VII – aplicam-se à parceria agrícola, pecuária, agropecuária, agro-industrial ou extrativa as normas pertinentes ao arrendamento rural, no que couber, bem como as regras do contrato de sociedade, no que não estiver regulado pela presente Lei. (grifei)

Assim, para que as regras do arrendamento sejam subsidiariamente aplicadas à parceria agrícola é preciso analisar a compatibilidade com as normas e princípios desta classe contratual, o que nem sempre é fácil.

O direito de preferência para a renovação do contrato não inspira maiores dúvidas, pois ele é expressamente garantido também ao parceiro outorgado, por força do próprio inciso II do artigo 96.

As dúvidas e discussões são maiores quando a proposta do terceiro envolve a implantação de outra cultura ou lavoura, sendo prudente e necessário, neste caso, uma avaliação e adequação financeira para que o atual produtor possa manifestar sua decisão.

Mas esta calmaria não ocorre quanto à preferência do parceiro outorgado na compra do imóvel e também quanto à renovação automática.

Sobre a preferência na compra do imóvel, chamada de preempção, o Estatuto da Terra trata do assunto no artigo 92, §§ 3º e 4º, dispondo que:

Art. 92. A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, nos termos desta Lei.

§ 3º No caso de alienação do imóvel arrendado, o arrendatário terá preferência para adquiri-lo em igualdade de condições, devendo o proprietário dar-lhe conhecimento da venda, a fim de que possa exercitar o direito de perempção dentro de trinta dias, a contar da notificação judicial ou comprovadamente efetuada, mediante recibo.

§ 4° O arrendatário a quem não se notificar a venda poderá, depositando o preço, haver para si o imóvel arrendado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar da transcrição do ato de alienação no Registro de Imóveis.

Pese o caput mencione sua aplicabilidade à posse exercida a partir de contratos de arrendamento e parceria agrícola, atualmente os nossos tribunais, notadamente o Superior Tribunal de Justiça, entendem que o direito de preferência na compra é garantido apenas para os arrendatários, por força da redação do § 3º do mencionado artigo legal. Abaixo alguns julgados que corroboram esse entendimento:

“CIVIL. PARCERIA AGRÍCOLA. DIREITO DE PREFERÊNCIA. O direito de preferência que se confere ao arrentadário rural não alcança o contrato de parceria. Precedentes.” Recurso conhecido pelo dissídio, mas improvido. (STJ – RECURSO ESPECIAL N° 264.805 – MG (2000/0063311-9) – Quarta Turma – Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha – Julgamento: 21/03/2002). 

“PARECERIA AGRÍCOLA – Preempção.

O contrato de parceria agrícola não atribui ao parceiro o direito de preferência na aquisição do imóvel.

O disposto no art. 92. § 3° do Estatuto da Terra aplica-se ao contrato de arrendamento. Precedente.

Recuso conhecido e provido.” (STJ – RECURSO ESPECIAL N° 97.405 – RS (REG. 96.350019) – Quarta Turma – Relator: Ministro Rui Rosado Aguiar – Julgamento: 15/10/1996). 

“(…) EMBARGOS DE TERCEIRO Penhora de bem imóvel. Contrato de parceria – Direito de preferência na aquisição do bem. Inexistência. Distinção do contrato de parceria com o contrato de arrendamento rural. O arrendatário se encontra em situação de fragilidade, ao assumir todos os riscos da atividade, enquanto que o parceiro atua em condições de igualdade com o outro parceiro, pois divide os frutos e os riscos com ele.

 Dispositivos protetivos do Estatuto da Terra aplicam-se apenas ao arrendatário, não se estendendo ao contrato de parceria rural.

Precedentes do STJ. Embargos de terceiro improcedentes.

Recurso desprovido.” (TJ-SP – APEL.Nº: 0048949-46.2009.8.26.0000 – 20ª Câmara de Direito Privado – Relator: Des. Álvaro Torres Júnior – Julgamento: 27/08/2012)

 

Vemos que, diferente do que diz o censo comum, não é liquido e certo o direito de preferência de compra do parceiro outorgado, ressalvado, no entanto, se o referido direito estiver previsto em contrato.

Já sobre a renovação automática, ainda vemos profunda divergência jurisprudencial, com decisões em ambos sentidos, tanto pelos Tribunais de Justiça, quanto pelo STJ.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, enquanto algumas turmas reconhecem a renovação automática se não houver a notificação prévia (0001290-03.2013.8.26.0614 e 0001073-07.2011.8.26.0136), semelhante aos contratos de arrendamento; outras afastam a aplicação do art. 95, IV aos contratos de parceria, dispensando o envio de notificação prévia (0001073-07.2011.8.26.0136 e apelação nº 9220669-25.2009.8.26.0000).

Para a corrente que dispensa a notificação, entendendo que o contrato de parceria agrícola findará no prazo estipulado pelas partes independente da notificação, o inciso II do artigo 96 deixa claro que após o termo final do contrato, o direito do parceiro outorgado consiste na preferência com terceiros ou, na falta destes, celebrar um “novo contrato”, que passa pelo ajuste de vontades com o proprietário.

Embora não haja muitos julgados de mérito recentes no Superior Tribunal de Justiça, nota-se que há semelhante divergência entre as suas decisões, bem como entre elas e as decisões do Tribunais inferiores.

Ou seja, sobre os contratos de parceria agrícola gravita uma enorme insegurança jurídica, notadamente quanto à renovação automática ou não, o que recomenda, fortemente, que eles sejam redigidos com destreza e preveja, claramente, a vontade das partes sobre as regras, prazos e procedimentos a serem observados em caso de alienação durante a vigência do contrato e também no momento da extinção, rescisão ou renovação, tais como:

  1. se o parceiro outorgado terá direito de preferência em caso de alienação do imóvel;
  2. se haverá renovação automática ou não;
  3. se a notificação prévia será possível e/ou necessária;
  4. se for necessária, qual prazo e forma para envio (cartório, carta simples ou e-mails);
  5. se houver proposta de terceiros, quais informações da proposta comercial deverão ser obrigatoriamente informadas na notificação;
  6. se a proposta do terceiro envolver lavoura distinta da atual, como ficará o exercício do direito de preferência, etc.

Quanto mais claras as regras, sem frases dúbias ou cláusulas subjetivas menores as chances de conflito entre o as partes e riscos para negócio.

A vale lembrar, por fim, que os contratos em vigor andamento podem ser aditados a qualquer momento, de forma que as partes estabeleçam e incluam as suas regras para o momento da sua rescisão, extinção ou renovação.

Espera-se ter contribuído em algo, pois o assunto é recorrente no ambiente do Agronegócio, permanecendo à disposição para opiniões distintas.

José Roberto Reis da Silva – Advogado com atuação no agronegócio (OAB/SP 218.902), Coordenador da Comissão de Gestão de Departamentos Jurídicos e Membro da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SP (Ribeirão Preto). Especialista em Direito e Processo do Trabalho (UNIDERP), em Gestão Empresarial (FGV), em Direito Processual Civil (ESD) e Compliance (INSPER). Professor de Direito Civil e de Direito Processual Civil.

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Leia também:

– Contratos Agrários Agroindustriais: análise à luz da teoria dos contratos atípicos (PortalDireitoAgrário.com, 26/11/2017)

– A redação dos contratos agrários (PortalDireitoAgrário.com, 08/10/2017)

–  O contrato de parceria rural: frutos e despesas  (Portal DireitoAgrário.com, 13/07/2017)

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