quinta-feira , 19 setembro 2024
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Direito Agrário - foto: Mariana Dadalto

Impactos da Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público Federal acerca da Declaração de Limpeza de Área no Estado do Mato Grosso

por Mariana Mocci Dadalto e Albenir Querubini.

 

 

  1. Introdução

 

O Estado de Mato Grosso tem se consolidado como um dos principais polos do agronegócio brasileiro, com relevância tanto no cenário econômico nacional quanto internacional. No entanto, a coexistência entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental é uma pauta sensível, principalmente em regiões que possuem uma vasta extensão territorial e biodiversidade. A recente sentença que declarou a nulidade da Instrução Normativa SEMA/MT n.º 12/2016, por considerá-la inconstitucional e ilegal, trouxe à tona um importante debate sobre o impacto econômico e as ações de controle do desmatamento no estado.

A referida Instrução Normativa foi editada com o objetivo de regulamentar o processo de limpeza e reforma de áreas consolidadas e das áreas desmatadas com autorização ou regularizadas em propriedades rurais do Estado de Mato Grosso. A norma permitia que proprietários rurais, sem necessidade de licenciamento ambiental prévio, pudessem realizar a supressão de vegetação nativa em estágio inicial de regeneração, desde que a atividade fosse acompanhada de um laudo técnico particular com anotação de responsabilidade técnica e a Declaração de Limpeza de Área fosse protocolada junto à Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA-MT).

Neste artigo, abordaremos, de forma crítica, a ação civil pública nº 0016583-03.2016.4.01.3600 promovida pelo Ministério Público Federal (MPF) e a sentença judicial que julgou procedente a ação, ponderando o impacto econômico sobre o setor rural e as inconsistências apresentadas pelo órgão na argumentação inicial. Além disso, analisaremos a atuação de Mato Grosso como referência no combate ao desmatamento ilegal e na adoção de tecnologias de monitoramento ambiental.

Por fim, é importante destacar que este artigo foi redigido após a prolação da sentença pelo juízo de primeira instância, salientando que ainda cabe recurso da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) para reverter a decisão. Assim, o debate permanece aberto, com potenciais desdobramentos tanto no âmbito jurídico quanto no cenário ambiental e econômico do Estado.

 

  1. O objeto da ação civil pública nº 0016583-03.2016.4.01.3600

 

A ação civil pública nº 0016583-03.2016.4.01.3600, ajuizada pelo Ministério Público Federal, foi distribuída na data de 30/09/2016, tramitando perante a 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Mato Grosso, tendo como parte ré o Estado de Mato Grosso.

Em sua inicial, o MPF narra que teria sido constatado aumento do desmatamento (sem indicar se tratar de desmatamento lícito ou ilícito) no período compreendido entre agosto de 2014 e julho de 2015. Justifica que esses índices de desmatamento teriam sido decorrentes de “alterações legislativas recentemente publicadas que flexibilizaram a legislação existente e fragilizaram o conteúdo das medidas de proteção previstas, como razão (ou uma das razões) para o aumento significativo dos índices de desmatamento”.

Na concepção do MPF, a Instrução Normativa n° 012/2016 da SEMA/MT, que regulamentando os procedimentos administrativos a serem observados para a realização de limpeza de áreas em imóveis rurais localizados no Estado de Mato Grosso, citando opinião do IBAMA, teria contribuído para o aumento do desmatamento verificado no Estado de Mato Grosso. Argumentou que infratores ambientais passaram a elaborar laudos de estágio sucessional da vegetação para acobertar desmatamento ilegal de vegetação nativa, informando sobre a lavratura de autos de infração em razão da elaboração de laudos ambientais falsos em procedimentos administrativos de reforma e limpeza de área.

Segundo a alegação do MPF, “a publicação da Instrução Normativa SEMA/MT n. 12/2016 causou efeito mais concreto, qual seja, permitir que com um simples ato declaratório, sem qualquer análise da propriedade pelo órgão ambiental, o proprietário rural possa realizar supressão de vegetação nativa sob pretexto de suposta limpeza de Area, uma vez que não há nenhum exame, processo ou licença ambiental realizados pelo órgão ambiental competente para confirmação das informações prestadas pelo interessado”. Sintetiza argumentando que a respectiva instrução normativa “desonera o proprietário rural dos deveres inerentes à proteção das florestas e constitui evidente violação à Constituição Federal, à Lei n. 6.938/81 (art. 10), à Lei n. 12.561/2012 (art. 26, §§ 30 e 4° e também arts. 4°, § 6°, inciso III; 11-A, § 1°, inciso III e §§ 2° e 40; 31, caput; 36, caput; 37; 38, § 1° e 56, caput) e à Resolução n. 237/97 do CONAMA, na medida em que elimina a necessidade de licenciamento, ainda que simplificado, para o exercício de atividades agropastoris.”

Nos seus pedidos, o MPF requereu a concessão de antecipação dos efeitos da tutela para que fosse suspensa a Instrução Normativa SEMA/MT nº 12/2016, para que o Estado se abstenha de emitir autorizações ou licenças através de ato declaratório, fiscalize as áreas em que houve a declaração de limpeza e proceda licenciamento ambiental das atividades de limpeza e/ou reforma de área independentemente do estágio de regeneração da vegetação. Quanto ao mérito da demanda, requereu a declaração de inconstitucionalidade da Instrução Normativa SEMA/MT nº 12/2016 e requereu a condenação do Estado de Mato Grosso em obrigação de não fazer, consistente em se abster de permitir a prática da limpeza e/ou reforma de área sem o prévio licenciamento ambiental, independentemente do estágio de regeneração. Também requereu que o Estado de Mato Grosso fosse condenado na obrigação de não fazer, consistente em não editar atos normativos que instruam autorizações ou licenças ambientais, bem como para que passe na proceder o licenciamento ambiental das atividades de limpeza e/ou reforma de áreas, bem como a obrigação de monitorar e fiscalizar os imóveis que tenham protocolado declaração de limpeza perante a SEMA/MT.

É importante mencionar que o juízo de primeiro grau deferiu a medida liminar requerida pelo MPF, a qual foi suspensa pela Presidência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nos autos do processo de suspensão de liminar ou antecipação de tutela nº 0048859-86.2017.4.01.0000/MT, conforme decisão proferida pelo Desembargador Federal Hilton Queiroz, na data de 11 de outubro de 2017, ressaltando em sua fundamentação “a grave lesão à ordem administrativa e à economia pública que está a sofrer por força da decisão” impugnada.

Após o seu trâmite, a ação civil pública nº 0016583-03.2016.4.01.3600 foi sentenciada pelo Juiz Federal Cesar Augusto Bearsi em 22/08/2024, que julgou procedente a ação para:

“a) declarar incidentalmente a nulidade da Instrução Normativa SEMA/MT n. 12/2016, diante da sua inconstitucionalidade/ilegalidade, abrangendo todas as suas modificações feitas no curso da demanda;

b) condenar o Estado de Mato Grosso na obrigação de não fazer, consistente em se abster de permitir o exercício de atividades de limpeza e/ou reforma de área sem o prévio licenciamento ambiental, independentemente do estágio de regeneração da vegetação;

c) condenar o Estado de Mato Grosso na obrigação de não fazer, consistente em não editar atos normativos que instituam autorizações ou licenças ambientais concedidas através de mero ato declaratório do interessado sem análise criteriosa do órgão ambiental competente, para quaisquer das atividades cujo exercício seja admitido somente após licenciamento ambiental, nos termos das normas gerais editadas pela União;

d) condenar o Estado de Mato Grosso na obrigação de fazer, consistente em proceder ao licenciamento ambiental das atividades de limpeza e/ou reforma de área independentemente do estágio de regeneração da vegetação, nos termos das normas gerais editadas pela União e das Leis Complementares Estaduais n. 38/1995 e 343/08, considerando que tais atividades são potencialmente poluidoras, devendo ser precedidas de análise criteriosa do órgão ambiental competente;

e) condenar o Estado de Mato Grosso na obrigação de fazer, consistente em monitorar e fiscalizar os imóveis cuja Declaração de Limpeza tenha sido protocolada junto a SEMA/MT, para verificação dos dados fornecidos pelo particular no Laudo Técnico e, caso sejam constatadas incongruências, impeça o início da atividade ou, se iniciada/finalizada, aplique as sanções civis e administrativas cabíveis.”

Desta forma, conforme sintetizado, a sentença acolheu integralmente os pedidos formulados pelo MPF em sua inicial. Como consequência jurídica, a sentença acaba afetando a perda da suspensão liminar deferida no agravo de instrumento, cabendo ao Estado do Mato Grosso interpor recurso de apelação, postulando o efeito suspensivo junto ao TRF da 1ª Região.

Em que pese o cabimento de recursos, é certo que a decisão acabou provocando debates sobre a burocratização sobre o setor produtivo agrícola do Estado de Mato Grosso, especialmente diante da imposição da exigência de licenciamento para a realização de limpeza e/ou reforma de áreas.

 

  1. A Instrução Normativa SEMA/MT nº 12/2016

 

A Instrução Normativa SEMA/MT nº 12/2016 foi criada com o objetivo de estabelecer procedimentos claros, práticos e juridicamente seguros para a limpeza e reforma de áreas em propriedades rurais localizadas no Estado de Mato Grosso. A norma responde à necessidade de reduzir a burocracia enfrentada pelos produtores rurais, permitindo a continuidade das atividades agrícolas e pecuárias sem comprometer a fiscalização e a proteção ambiental.

Assim, o foco central é garantir que o manejo das áreas consolidadas e das áreas desmatadas com autorização ou regularizadas, ocorra de forma eficiente e de acordo com as normas ambientais. Portanto a simplificação dos procedimentos administrativos é um ponto crucial da normativa.

O art. 2º da IN SEMA/MT nº 12/2016 define de maneira objetiva o conceito de “limpeza de área”, restringindo o tipo de vegetação que pode ser removida. A remoção é limitada a plantas oportunistas ou invasoras em regeneração natural, com até 50 indivíduos por hectare e Diâmetro à Altura do Peito (DAP) de até 10 centímetros. Essa delimitação evita a supressão de árvores adultas e protege o meio-ambiente de intervenções mais agressivas que favoreçam desmatamento ilegal, sem, no entanto, impedir o uso econômico da terra.

A normativa também impõe limites claros quanto ao uso das áreas. O produtor só pode realizar a limpeza em áreas consolidadas, ou seja, áreas abertas e utilizadas antes de 22 de julho de 2008, ou em áreas que foram regularizadas posteriormente junto aos órgãos ambientais. Esse ponto é essencial para garantir que a vegetação nativa remanescente não seja prejudicada e que apenas áreas já exploradas sejam objeto de intervenções. Em relação às áreas abandonadas, a norma especifica o prazo de até 5 anos de pousio, ou 3 anos em áreas de pousio mais curto, após os quais a intervenção será permitida, desde que se mantenha a regularidade ambiental.

Além disso, visando garantir a conformidade ambiental, o art. 3º da IN SEMA/MT nº 12/2016 estabelece que o proprietário ou possuidor rural deve protocolar uma Declaração de Limpeza antes de iniciar qualquer atividade. A declaração serve para comunicar oficialmente a intenção de realizar a limpeza e possibilitar o monitoramento e a fiscalização por parte dos órgãos competentes. Os incisos I, II e II do referido artigo, dispõem os anexos que devem acompanhar a declaração:

Art. 3º. (…)

I – laudo elaborado pelo engenheiro responsável, com ART quitada, contendo a indicação da localização exata do polígono onde será feito a limpeza, acompanhada do arquivo digital (shapefile) desse polígono;

II – imagem de satélite demonstrando que a área objeto da limpeza foi convertida antes de 22 de julho de 2008, no caso das áreas consolidadas;

III – cópia das autorizações de desmatamento emitida pelo órgão ambiental competente, nos casos em que a área a ser limpa não se tratar de área consolidada.

 

Essa formalidade dá maior previsibilidade e segurança ao produtor, ao mesmo tempo em que permite às autoridades o controle adequado da atividade, evitando abusos e irregularidades.

O rigor na apresentação dos documentos se reflete na responsabilização legal. O art. 4º da IN SEMA/MT nº 12/2016 determina que, caso sejam encontradas inconsistências ou falsificações nas informações prestadas, tanto o proprietário/possuidor quanto o responsável técnico poderão ser responsabilizados administrativa, civil e penalmente. Isso reforça a seriedade do procedimento e busca impedir irregularidades no processo de limpeza e reforma das áreas.

Além de todas as exigências previstas na norma, ao realizar a declaração no site da Secretaria de Meio Ambiente do Estado, o declarante deve cumprir pré-requisitos para avançar com o protocolo. É necessário declarar que possui o Cadastro Ambiental Rural ativo e a Autorização Provisória de Funcionamento (APF), já que a DLA só é emitida para áreas com APF, o que confirma a regularidade da área que será realizada a limpeza.

Outro ponto importante diz respeito a validade da Declaração de Limpeza, que é de apenas 180 dias a partir da data de seu protocolo. Isso significa que o produtor deve efetuar a limpeza dentro desse prazo. Extrapolado o prazo, o proprietário/possuidor deverá protocolar nova declaração e, caso realize a limpeza com a declaração vencida, estará sujeito às sanções impostas pela legislação.

Como visto, a IN SEMA/MT nº 12/2016 visa promover o uso racional das áreas produtivas, respeitando a legislação vigente, buscando um equilíbrio entre a necessidade de desburocratizar procedimentos e a necessidade de fiscalizar e proteger o meio ambiente, especialmente em relação às áreas consolidadas e àquelas abertas legalmente e as que foram regularizadas após o marco temporal de 2008, promovendo o desenvolvimento sustentável no setor agrícola do Estado de Mato Grosso e garantindo a continuidade das atividades produtivas no estado.

Portanto, a alegação do Ministério Público Federal de que a IN SEMA/MT nº 12/2016 facilita fraudes é infundada, pois a norma prevê a exigência de laudos técnicos assinados por profissionais qualificados, além de estabelecer a responsabilidade solidária entre o produtor e o técnico pelas informações fornecidas, formando um sistema robusto de controle e verificação. É importante salientar que é a população mato-grossense como um todo é quem acaba sofrendo os prejuízos advindo da burocratização administrativa ambiental, não apenas o setor produtivo rural.

 

  1. O impacto econômico da sentença

 

O Mato Grosso é uma potência agrícola no Brasil, sendo o maior produtor de soja, milho e algodão. De acordo com dados do IBGE (IBGE, 2024), o Estado representou mais de 28% da produção de grãos do país em 2023. Já a pecuária, no mesmo ano, liderou o ranking de abatimento de bovinos, com o maior rebanho entre os estados brasileiros. Essas atividades são cruciais para a economia estadual e nacional.

Assim, a decisão de anular a IN SEMA/MT nº 12/2016 impõe uma série de restrições às atividades agropecuárias, principalmente em relação à limpeza e reforma de áreas que já se encontravam consolidadas. Ao exigir o prévio licenciamento ambiental para qualquer atividade de manejo de vegetação, independentemente do estágio de regeneração, a sentença acaba por aumentar a burocracia e os custos operacionais para os produtores rurais.

Além disso, a imposição de novas etapas burocráticas, poderá impactar principalmente os pequenos e médios produtores, que possuem menor capacidade financeira de arcar com as despesas administrativas e técnicas decorrentes do processo de licenciamento. Grandes propriedades, ainda que também impactadas, podem ter maior capacidade de absorver esses custos por meio de economias de escala.

Poderá também desacelerar a expansão sustentável das áreas já consolidadas, afetando a produtividade e competitividade do estado no mercado global. Isso porque muitas das áreas que necessitam de limpeza ou reforma já foram anteriormente desmatadas e consolidadas para uso agrícola, não havendo necessidade de tratá-las com o mesmo rigor destinado a áreas de floresta primária.

Na prática, caso os produtores tenham que se submeter a um processo de licenciamento mais rigoroso para a limpeza de áreas consolidadas, com a morosidade no processo de licenciamento ambiental não só será afetada a competitividade do agronegócio local, mas também criará incertezas jurídicas para proprietários rurais que seguem as normas em vigor. O setor, já pressionado por custos elevados e mercados competitivos, poderá sofrer com paralisações ou atrasos nas operações, o que teria reflexos em toda a cadeia produtiva, desde insumos até exportações.

Ademais, cabe ressaltar que após a IN SEMA/MT nº 12/2016, tivemos a edição superveniente da Lei da Liberdade Econômica (Lei Federal nº 13.874, de 20 de setembro de 2019)  e, considerando o tempo de vigência e os aspectos positivos do modelo implantado pela SEMA/MT (uma vez que a grande maioria dos produtores não cometeram desmatamento ilegal e os poucos vieram a ser autuados), caberia ao MPF a responsabilidade de apresentar Análise de Impacto Regulatório – AIR e não apenas limitar a demanda a sorte da demanda à simples e pobre retórica jurídica desvinculada da realidade dos fatos.

Além disso, considerando que o Estado do Mato Grosso tem sua base econômica associada à exploração da atividade agrária, é evidente que os demais setores da economia mato-grossense, a exemplo do comércio, indústria e serviços também acabem sendo reflexamente prejudicados com a imposição de expedientes burocráticos que acabam desestimulando ou impedindo os empreendimentos agropecuários. Tudo isso, sem contar da insegurança jurídica causada a partir da respectiva ação civil pública e da imposição de burocracias desnecessárias especialmente quando o Estado do Mato Grosso já desenvolveu mecanismos de medidas de fiscalização ambiental (comando e controle) mais eficientes no combate do desmatamento ilegal e da promoção da sustentabilidade ambiental para as cadeias produtivas.

 

  1. Mato Grosso: um modelo de sustentabilidade

 

Embora o MPF alegue que o Estado de Mato Grosso teria flexibilizado indevidamente normas ambientais, a análise detalhada dos instrumentos normativos, como a Instrução Normativa nº 12/2016, demonstra que essas legislações não eximem o proprietário rural de suas responsabilidades ambientais. Pelo contrário, a referida norma estabelece a exigência de laudos técnicos assinados por engenheiros e a utilização de tecnologias de monitoramento por satélite para acompanhar as atividades. A crítica do MPF parece desconsiderar a estrutura tecnológica e o sistema de fiscalização que Mato Grosso desenvolveu, colocando-o como referência no combate ao desmatamento ilegal.

Ademais, o MPF falha ao não reconhecer que a Declaração de Limpeza de Pastagem é limitada a áreas consolidadas – terras já desmatadas e usadas para atividades produtivas há décadas antes do marco temporal de 22 de julho de 2008, trazido pelo novo Código Florestal. Essas áreas estão devidamente cadastradas no sistema GEOPORTAL da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA), que permite um acompanhamento contínuo e transparente das atividades. Ignorar esse ponto é desconsiderar a modernização do estado no controle ambiental e sugerir, sem fundamentos concretos, que as normas favorecem fraudes generalizadas.

Historicamente o Estado de Mato Grosso vem diminuindo a taxa de desmatamento. No ano de 2004 o estado implementou o Plano para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm) e, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), após a implementação do plano o desmatamento no estado entre os anos de 2004 a 2014, houve variação de -91% na taxa de desmatamento (INPE, 2024), conforme tabela abaixo:

 

O mesmo Instituto apontou redução de 51% nos alertas de desmatamento a corte raso no Bioma Amazônico de Mato Grosso de agosto de 2023 a julho de 2024, apontando ainda que em relação à média histórica dos últimos oito anos a redução foi de 40% (INDEA, 2024).

É incontestável que o Estado de Mato Grosso é amplamente reconhecido por seus esforços no monitoramento ambiental. O estado investe continuamente em tecnologias de ponta, como o uso de imagens de satélite para mapear e monitorar áreas florestais, sendo o pioneiro na implementação do Sistema Mato-grossense de Cadastro Ambiental Rural (SIMCAR).

Um exemplo claro de inovação tecnológica no combate ao desmatamento ilegal no Mato Grosso é o Dashboard, uma ferramenta desenvolvida pela empresa brasileira SCCON Geospatial. Esse sistema permite a análise de mapas e dados geográficos detalhados sobre a vegetação do estado.

Desde 2019, o Governo de Mato Grosso utiliza esse sistema para monitorar a cobertura vegetal, com imagens capturadas diariamente por mais de 130 satélites da constelação Planet Scope, que fornecem imagens de alta resolução espacial. Essas informações são precisas e constantemente atualizadas, permitindo que os órgãos de fiscalização e controle, como a Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) e outras instituições parceiras, realizem um monitoramento eficiente.

Além disso, o compromisso do estado com a sustentabilidade foi reforçado em 2015, quando Mato Grosso firmou o “Compromisso pelo Desmatamento Ilegal Zero” durante a COP 21. Desde então, o estado vem implementando políticas voltadas à produção sustentável, conciliando a preservação ambiental com o desenvolvimento do agronegócio.

 

  1. Aprimoramento contínuo e fiscalização rigorosa

 

O Estado de Mato Grosso não se limitou a implantar um sistema de monitoramento; também aprimora continuamente suas ferramentas de fiscalização. O sistema SIMCAR, por exemplo, cruza dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) com imagens de satélite em alta resolução, possibilitando a detecção rápida de irregularidades e a autuação de proprietários que desrespeitam as normas ambientais. Apenas no primeiro bimestre deste ano as operações ambientais resultaram na aplicação de R$ 234 milhões por crimes ambientais, e no embargo de 16 mil hectares, segundo dados da própria SEMA (SECOM/MT, 2024).

Além disso, o estado trabalha em colaboração com órgãos federais e internacionais para garantir a integridade de suas florestas. A criação de corredores ecológicos e a implementação de projetos de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) são exemplos de ações que conciliam a preservação ambiental com incentivos econômicos.

Por isso, não se justifica a declaração de inconstitucionalidade da IN SEMA/MT nº 12/2016, com a finalidade velada de querer impor aos mato-grossenses expedientes burocráticos, sob a alegação infundada de permitir desmatamento ilegal, prejudicando a população como um todo, ao invés de punir os poucos que comprovadamente cometeram práticas ilícitas de desmatamento. Igualmente, cabe também apertar o cerco aos profissionais técnicos que emitiram anotação de responsabilidade técnica em desconformidade com a IN SEMA/MT nº 12/2016.

  1. Considerações final

 

A tentativa do Ministério Público Federal de vincular a Instrução Normativa nº 12/2016 a um aumento do desmatamento no Mato Grosso ignora as complexidades e os avanços feitos pelo estado na última década. Ao declarar a referida instrução normativa inconstitucional, o Ministério Público Federal e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região comprometem a economia do Estado do Mato Grosso e prejudica a confiança no sistema de fiscalização já estabelecido. Embora a preservação do meio ambiente seja uma prioridade constitucional e deva ser levada em consideração, é essencial que as medidas adotadas para alcançar esse objetivo considerem também a viabilidade econômica das atividades produtivas.

A dispensa de licenciamento para a limpeza de áreas, com a participação dos profissionais da Engenharia, mediante Anotação de Responsabilidade Técnica, é medida de autocontrole e não significa ausência de cumprimento da proteção ambiental tampouco isenção de fiscalização ambiental. Portanto, não está correta a afirmação do MPF de que a Instrução Normativa SEMA/MT nº 12/2016 teria desonerado os proprietários rurais dois deveres inerentes à proteção de florestas, até porque não se pode culpar a totalidade dos produtores rurais em razão do comportamento ilegal de poucos.

O equilíbrio entre a proteção ambiental e o desenvolvimento econômico deve ser buscado por meio de políticas que promovam a sustentabilidade sem comprometer a competitividade do agronegócio, que é um dos pilares da economia de Mato Grosso e do Brasil. Uma regulação ambiental que impõe custos elevados e cria incertezas pode prejudicar tanto os pequenos quanto os grandes produtores, afetando negativamente o desenvolvimento regional e a posição do Brasil no mercado global de commodities agrícolas.

Em vez de penalizar o setor produtivo com mais burocracia, é essencial fortalecer as iniciativas de combate ao desmatamento ilegal já em curso e reconhecer o esforço do estado em se tornar uma referência global em sustentabilidade. Cabe à população mato-grossense como um todo combater os excessos burocráticos, razão pela qual se espera, havendo recurso de apelação pelo Estado do Mato Grosso, que as entidades (sindicatos rurais, municípios, órgão representantes do comércio, serviços e indústria) venham a ingressar na respectiva demanda como amicus curiae junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a fim de que não fiquem alheias ao processo decisório que lhes afeta e prejudica, inclusive requerendo e exigindo a realização de audiências publicas para que o Judiciário ouça a população, lembrando que a participação popular em matéria ambiental é também um princípio a ser observado no presente caso.

Por fim, o ajuizamento da presente ação civil pública com o objetivo velado de impor licenciamento ambiental para a limpeza de áreas previstas pela  Instrução Normativa nº 12/2016 da SEMA/MT, postulando aumento de burocracia administrativa ambiental pela obrigatoriedade de licenciamento ambiental, é um exemplo que se amolda na mensagem sintetizada por Theodore Schultz, Nobel de Economia de 1979, na frase: “A produção rural parece fácil quando a sua enxada é uma caneta e você está a milhares de quilômetros da lavoura”.

  1. Referências 

 

ABES. Plataforma de Monitoramento da SEMA – MT, referência de solução no combate ao desmatamento ilegal. Notícia publicada em 29 jun. 2021, disponível em: <https://abes.com.br/plataforma-de-monitoramento-da-sema-mt-referencia-de-solucao-no-combate-ao-desmatamento-ilegal/>.

IBGE. Em março, IBGE prevê safra de 298,3 milhões de toneladas para 2024. Notícia publicada em 11 mar. 2024, disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/39736-em-marco-ibge-preve-safra-de-298-3-milhoes-de-toneladas-para-2024>. Acesso em 06 set. 2024.

INDEA. Inpe aponta redução de 51% em um ano no desmatamento na Amazônia Legal de MT. Notícia publicada em 09 ago. 2024, disponível em: <https://www.indea.mt.gov.br/web/mt/w/inpe-aponta-redu%C3%A7%C3%A3o-de-51-em-um-ano-no-desmatamento-na-amaz%C3%B4nia-legal-de-mt >.

INPE. INPE apresenta taxa de desmatamento consolidada do PRODES 2014. Notícia publicada em 14 ago. 2024, disponível em: < http://www.inpe.br/noticias/noticia.php?Cod_Noticia=3944>.

SECOM/MT. Operações ambientais resultaram na aplicação de R$ 234 milhões por crimes ambientais no primeiro bimestre. Notícia publicada em 31 mar. 2024, disponível em: <https://www.secom.mt.gov.br/w/opera%C3%A7%C3%B5es-ambientais-resultaram-na-aplica%C3%A7%C3%A3o-de-r-2-3-milh%C3%B5es-por-crimes-ambientais-no-primeiro-bimestre>.

Mariana Mocci Dadalto – Advogada, Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela ATAME; Direito Agrário e Agronegócio pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul (FMP) e Direito do Agronegócio pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Albenir Querubini – Advogado (www.wba.adv.br). Especialista em Direito Ambiental Nacional e Internacional e Mestre em Direito pela UFRGS. Membro da UBAU. Professor no Curso de Especialização em Direito do Agronegócio da UFMT.

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