terça-feira , 30 abril 2024
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Direito Agrário - foto: Albenir Querubini

Uma Política Pública para os Recursos Genéticos para a Alimentação e Agricultura

por Márcio Mazzaro.

 

Mesmo sendo advogado e não pesquisador, trabalhei com o tema de recursos genéticos e biodiversidade por mais de 20 anos da minha vida profissional, em especial com aqueles recursos utilizados para a alimentação e agricultura. Foram muitas as lutas não só para demonstrar a importância desse acervo genético para a agricultura brasileira, como para implantar meios e soluções técnicas e jurídicas de modo a consolidar e ampliar a segurança desses recursos genéticos.

A conservação de recursos genéticos é uma atividade estratégica para a sustentabilidade da agricultura de uma nação e sua cultura alimentar, sendo de grande relevância para o Brasil, um país possuidor de uma biodiversidade privilegiada, e que tem no agronegócio um dos alicerces do seu desenvolvimento. Os Recursos Genéticos se constituem na matéria prima básica da qual o país depende para garantir todas as atividades relacionadas a alimentação, agricultura, pecuária, silvicultura, aquicultura e agroindústria. Conservar, caracterizar e usar a diversidade genética de plantas, animais e microrganismos na alimentação e na agricultura, sejam estes nativos ou exóticos, vem garantindo opções para responder aos desafios atuais e futuros, sobretudo para dar sustentação à produção de alimentos para a crescente população mundial e para o enfrentamento das mudanças climáticas em curso.

Nesse sentido, tive uma satisfação enorme ao saber da notícia veiculada esta semana, no Instagran da Ministra Teresa Cristina, da Agricultura, em ação conjunta com o Ministro Marcos Pontes, da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação. Primeiro por saber que ela comprou mesmo a proposta entregue por um grupo de trabalho técnico que tive a honra de coordenar e que se desdobrou para construir essa necessária e fundamental política pública para garantir a segurança alimentar do país e do mundo. E, segundo, por humildemente atestar que essa iniciativa se constitui não só como um significativo passo para a segurança alimentar, como para a própria segurança nacional, ante a sua importância estratégica para um país grande produtor agrícola, como o faz seu grande concorrente, os EUA.

E porque fizemos, no início do mandato da Ministra, esta proposta? É fato que a conservação dos recursos genéticos no país encontra-se vulnerável, já de muitos anos, seja pela ausência de uma política nacional que regulamente e apoie as ações com recursos genéticos, pela insuficiência e ausência de garantia de suporte orçamentário adequado para a manutenção das coleções desses recursos genéticos, infraestrutura dos centros de pesquisa públicos antiga e, em alguns casos, já nem existentes mais, comprometendo a conservação e a pesquisa, instalações de alto custo e inadequadas, por carência de investimentos por longos anos; insuficiência de material humano especializado; baixa sensibilização da sociedade e do setor produtivo quanto a importância de adquirir, manter, conservar e caracterizar os recursos genéticos adquiridos pelo País há décadas; reduzido conhecimento sobre esses recursos disponíveis no País; e, não menos importante, pela fragilidade da integração das instituições de pesquisa e desenvolvimento envolvidas na conservação e uso sustentável dos recursos genéticos, muitas vezes com trabalhos duplicados, triplicados, sem propósito público, como deveria ser.

Somado a isso, a vulnerabilidade das ações de conservação e disponibilização de recursos genéticos coloca em risco a segurança alimentar, nutricional, tecnológica e a garantia de sustentabilidade da agricultura brasileira, impactando, inclusive, e por que não, a própria segurança nacional. Sendo o Brasil um grande protagonista no agronegócio mundial, sua economia depende de resultados positivos. Para manter esta condição, garantindo a constante produção de alimentos e contribuindo para a segurança alimentar e demais usos, é imprescindível construir uma base sólida de conservação e uso sustentável dos recursos genéticos, além de uma plataforma de informações sobre os estoques das coleções públicas e privadas. Estas informações são imprescindíveis para o direcionamento inteligente de recursos para a pesquisa. Um país que apresenta tão rica biodiversidade deve investir na conservação e conhecimento de seus recursos naturais nativos, uma vez que podem representar um nicho importante da bioeconomia com potencial de uso. Os bioinsumos, programa também lançado com pompas pela Ministra Teresa Cristina em 2020, do qual também tive o privilégio de trabalhar e coordenar, são um retrato bem fiel disso, pois não só usa o potencial da biodiversidade brasileira como busca sustentabilidade garantida com a aplicação de insumos biológicos, sejam fertilizantes ou defensivos, fugindo da dependência de importação de produtos químicos.

Espero, assim, que a proposta tenha seu encaminhamento concluído, como agora anunciado por dois importantes ministros, seja através da edição de um Decreto Presidencial, que nivelaria as ações dos entes públicos federais, ou mesmo os estaduais e municipais, até mesmo os privados, na medida em que se prevê estímulos para a adesão à Política pública, ou, principalmente, por uma proposta legislativa.

A proposta, como pensada, tem por objetivo fomentar, promover e regulamentar as diversas atividades que envolvem os recursos genéticos (plantas, animais e microrganismos) utilizados para alimentação e agricultura, de forma a garantir seu uso sustentável e sua conservação in situ, ex situ e on farm, além de promover a caracterização e identificação de suas potencialidades. Objetiva, também, oferecer maior segurança jurídica a todos os envolvidos na conservação, pesquisa, desenvolvimento e inovação de novos produtos e serviços e que utilizem recursos genéticos como a base de suas atividades, buscando, também, disseminar conceitos e mostrar a importância dos recursos genéticos para a população brasileira.

A principal iniciativa estruturante se constitui da implementação de uma Plataforma Nacional de Recursos Genéticos para Alimentação e Agricultura, com objetivo de aperfeiçoar a gestão e o uso racional e sustentável desses recursos no país, por meio da organização das informações em uma plataforma única, proporcionando, assim, maior eficiência na atuação governamental em ações nacionais de apoio à sustentabilidade dos bancos de germoplasma existentes.

Parabéns Ministros.

Márcio Mazzaro – Pós-Graduado em Direito Processual; Especializado em Direito Ambiental, em Propriedade Intelectual e Inovação do Agronegócio, além de Direito e Processo Disciplinar; Procurador Estatal da CONAB, tendo exercido diversos cargos de direção, gestão e assessoramento em áreas jurídicas e técnicas no Governo Federal; Conselheiro no CONAMA, CONABIO, CGEN, CCZEE e outros, Delegado Brasileriro em Convenções e Fóruns Internacionais de Biodiversidade, Biossegurança e Bioética, membro e ex-Diretor Regional da UBAA. Coordenador da equipe do Programa Nacional de Bioinsumos e do GTT da Política Nacional de Recursos Genéticos para a Alimentação e Agricultura.

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