O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no julgamento do agravo de instrumento nº 4014705-33.2016.8.24.0000, reconheceu a impenhorabilidade de imóvel rural com área de 35,5 hectares, localizado no município de Abelardo Luz/SC.
A cooperativa de crédito agravante ajuizou ação de execução de dívida originária de “contrato de empréstimo rural”, firmado com os agravados e, no ano de 2014, realizou a penhora do imóvel. O imóvel encontra-se em condomínio onde 3 (três) agricultores são proprietários – pai e filhos – mas somente um deles reside no local.
O Juízo da Comarca de Abelardo Luz reconheceu a impenhorabilidade do imóvel, mas, inconformada, a cooperativa interpôs recurso perante o Tribunal de Justiça do Estado.
Ao decidir, destacou o Des. Relator que tanto a Constituição Federal, no seu art. 5º, XXVI, quanto o art. 833, VIII, do Código de Processo Civil asseguram a impenhorabilidade absoluta da pequena propriedade rural, como tal definida em lei, desde que trabalhada pela família, sem restrição de números de módulos.
O Juízo reconheceu que a propriedade é trabalhada pelos agravados, qualificados como agricultores, e que conforme previsão do art. 4º, II, a, da Lei 8.629/93 a pequena propriedade rural é aquela que possui área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais.
Destacou, ainda, que conforme Instrução Especial/INCRA nº 20, de 28.5.1983, o módulo fiscal para o município de Abelardo Luz é de 20 (vinte) hectares. Logo, a pequena propriedade é compreendida entre 20 ha (vinte hectares) – um módulo fiscal – e 80 ha (oitenta hectares) – quatro módulos fiscais.
Portanto, consideraram os julgadores que o imóvel rural em condomínio não ultrapassa o limite referido, sendo considerada pequena propriedade trabalhada pelo grupo familiar. Logo, garante-se a ela a proteção constitucional da impenhorabilidade.
Além disso, o fato de o bem ter sido dado em hipoteca não importa em renúncia à sua impenhorabilidade, não se fazendo necessária nem mesmo a demonstração de que a dívida está relacionada à atividade produtiva derivada e desenvolvida na propriedade. Assim, foi mantida a decisão agravada que reconheceu a impenhorabilidade do imóvel.
Atuaram como advogados dos agravados Paulo Roberto Kohl e Sérgio Dalben.
Confira a íntegra da decisão:
Agravo de instrumento n. 4014705-33.2016.8.24.0000
Relator: Des. Jânio Machado
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA DEVEDOR SOLVENTE. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA DA PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. ARTIGO 5º, INCISO XXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGO 4º, § 2º, DA LEI N. 8.009, DE 29.3.1990, E ARTIGO 833, INCISO VIII, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. CONCEITUAÇÃO DE PEQUENA PROPRIEDADE RURAL QUE É DADA PELA LEI N. 8.629, DE 25.2.1993. MÓDULO FISCAL ESTABELECIDO PELA INSTRUÇÃO ESPECIAL/INCRA N. 20, DE 28.5.1980. REJEIÇÃO DA ALEGAÇÃO DE QUE A ENTREGA DO IMÓVEL EM GARANTIA HIPOTECÁRIA IMPLICA EM RENÚNCIA AO BENEFÍCIO LEGAL. RECURSO DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de instrumento n. 4014705-33.2016.8.24.0000, da comarca de Abelardo Luz (Vara Única), em que é agravante Cooperativa de Crédito Rural de Abelardo Luz – Sulcredi e, agravados, Nédio José Zorzo e outros:
A Quinta Câmara de Direito Comercial decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Custas legais.
O julgamento, realizado no dia 28 de setembro de 2017, foi presidido pelo desembargador Cláudio Barreto Dutra, com voto, e dele participou a desembargadora Soraya Nunes Lins.
Florianópolis, 2 de outubro de 2017.
Jânio Machado
RELATOR
RELATÓRIO
Cooperativa de Crédito Rural de Abelardo Luz – SULCREDI/CREDILUZ interpôs recurso de agravo de instrumento contra a decisão que, nos autos da execução de título extrajudicial n. 0001234-54.2012.8.24.0001, ajuizada contra Marcos Antonio Zonatto, Armindo Félix Zorzo e Nédio José Zorzo, acolheu a exceção de pré-executividade e declarou a impenhorabilidade do imóvel matriculado sob o n. 3.497 do Cartório de Registro de Imóveis da comarca de Abelardo Luz (fls. 61/63). Sustentou, em resumo: a) a existência da decisão proferida no agravo de instrumento n. 2014.064277-7, já transitada em julgado, declarando a possibilidade de penhora do imóvel objeto deste recurso; b) não estarem preenchidos os requisitos da impenhorabilidade da pequena propriedade rural e; c) a renúncia ao direito de impenhorabilidade como decorrência da hipoteca.
Em juízo de admissibilidade, o digno magistrado Luiz César Schweitzer limitou-se a determinar o processamento do recurso (fl. 205).
Com a resposta dos agravados (fls. 208/224), os autos vieram conclusos.
VOTO
A agravante ajuizou ação de execução por quantia certa contra devedor solvente n. 0001234-54.2012.8.24.0001 sob o fundamento de que é credora da quantia de R$30.927,10 (trinta mil, novecentos e vinte e sete reais e dez centavos), suportada pelo “Contrato de Empréstimo Rural n. 2900-2011-272-1” firmado com Marcos Antonio Zonatto em 17.1.2011, constando como fiadores Armindo Félix Zorzo e Nédio José Zorzo (fl. 83).
Em 24.3.2014, foi realizada a penhora do imóvel registrado no cartório de Registro de Imóveis da comarca de Abelardo Luz sob a matrícula n. 3.497 (fl. 85), com as seguintes especificações:
“Área de terras de cultura, sem benfeitorias, sita na Fazenda São Pedro, com a superfície de 355.480 m², Matrícula 3.497, do CRI de Abelardo Luz – SC, sendo os proprietários Armindo Feliz Zorzo, com 177.740 m² e Nédio José Zorzo e Mauri Alaor Zorzo com 177.740 m²”.
O artigo 5º, inciso XXVI, da Constituição Federal, assim como o artigo 833, inciso VIII, do Código de Processo Civil de 2015, asseguram a impenhorabilidade absoluta da pequena propriedade rural, como tal definida em lei, desde que trabalhada pela família, sem restrição a número de módulos (na redação originária, o artigo 649, inciso X, do Código de Processo Civil de 1973 limitava a impenhorabilidade ao imóvel de até um módulo fiscal).
A Constituição Federal assim prevê:
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;”.
E o artigo 833, inciso VIII, do Código de Processo Civil de 2015, remete o tema à lei própria, o que está em conformidade com o texto constitucional transcrito:
“Art. 833. São impenhoráveis:
(…)
VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;”
O bem dado em garantia do negócio firmado entre as partes e que foi objeto de penhora na ação de execução conta com área de 355.480m² (trezentos e cinquenta e cinco mil, quatrocentos e oitenta metros quadrados) (fl. 184) ou 35,5 ha (trinta e cinco vírgula cinco hectares).
O imóvel é trabalhado pelos agravados, que são qualificados como agricultores (fls. 28 e 35) e as notas fiscais de fls. 50/57 indicam compras em cooperativas agroindustriais em seus respectivos nomes.
Ademais, os agravados afirmaram exercer a atividade agrícola para a própria sobrevivência e o sustento do grupo familiar, constando que Nédio José Zorzo e sua família residem no local (declarações de fls. 58/59).
O conceito de pequena propriedade rural, ainda que para os efeitos de reforma agrária, a partir dos dispositivos inseridos nos artigos 184 a 191 da Constituição Federal (tratam da política agrícola e fundiária e da reforma agrária), foi dado pela Lei n. 8.629, de 25.2.1993:
“Art. 4º. Para os efeitos desta Lei, conceituam-se:
I – Imóvel Rural – o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial;
II – Pequena Propriedade – o imóvel rural:
a) de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais;
b) (Vetado);
c) (Vetado).
III – Média Propriedade – o imóvel rural:
a) de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais;
b) (Vetado).
Parágrafo único. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária a pequena e a média propriedade rural, desde que o seu proprietário não possua outra propriedade rural.”.
O conceito de módulo rural não é o mesmo de módulo fiscal, ambas expressões utilizadas em vários dispositivos legais. No sítio do INCRA são encontrados esclarecimentos acerca de uma e outra expressão:
“O que é Módulo Rural: O conceito de módulo rural é derivado do conceito de propriedade familiar, e, em sendo assim, é uma unidade de medida, expressa em hectares, que busca exprimir a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e condições do seu aproveitamento econômico. Definir o que seja Propriedade Familiar é fundamental para entender o significado de Módulo Rural.
(…)
O que é Módulo Fiscal: Unidade de medida expressa em hectares, fixada para cada município, considerando os seguintes fatores: tipo de exploração predominante no município; renda obtida com a exploração predominante; outras explorações existentes no município que, embora não predominantes, sejam significativas em função da renda da área utilizada; e conceito de propriedade familiar.”.
O Decreto n. 84.685, de 6.5.1980, que regulamentou a Lei n. 6.746, de 10.12.1979 (trata do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR), estabeleceu em seu art. 4º:
“O módulo fiscal de cada Município, expresso em hectares, será fixado pelo INCRA, através de Instrução Especial, levando-se em conta os seguintes fatores:
a) o tipo de exploração predominante no Município:
I – hortifrutigranjeira;
II – cultura permanente;
III – cultura temporária;
IV – pecuária;
V – florestal;
b) a renda obtida no tipo de exploração predominante;
c) outras explorações existentes no Município que, embora não predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da área utilizada;
d) o conceito de “propriedade familiar” constante do art. 4º, item II, da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964.
§ 1º. Na determinação do módulo fiscal de cada Município, o INCRA aplicará metodologia, aprovada pelo Ministro da Agricultura, que considere os fatores estabelecidos neste artigo, utilizando-se dos dados constantes do Sistema Nacional de Cadastro Rural.
§ 2º. O modulo fiscal fixado na forma deste artigo, será revisto sempre que ocorrerem mudanças na estrutura produtiva, utilizando-se os dados atualizados do Sistema Nacional de Cadastro Rural.”.
A Instrução Especial/INCRA n. 20, de 28.5.1980, estabeleceu o módulo fiscal para o município de Abelardo Luz em 20 ha (vinte hectares). Logo, a pequena propriedade é compreendida entre 20 ha (vinte hectares) – o que corresponde a um módulo fiscal – e 80 ha (oitenta hectares) – que representa quatro módulos fiscais.
No caso concreto, trata-se de propriedade rural em condomínio, com área total que não ultrapassa o limite antes referido.
A Instrução Especial/INCRA n. 20, de 28.5.1980, estabeleceu o módulo fiscal para o município de Abelardo Luz em 20 ha (vinte hectares). Logo, a pequena propriedade é compreendida entre 20 ha (vinte hectares) – o que corresponde a um módulo fiscal – e 80 ha (oitenta hectares) – que representa quatro módulos fiscais.
No caso concreto, trata-se de propriedade rural em condomínio, com área total que não ultrapassa o limite antes referido.
O ministro Marco Aurélio, em decisão monocrática, deixou assentada a possibilidade de fazer-se uso da Lei n. 8.629, de 25.2.1993, para o efeito de delimitação do que seja pequena propriedade rural e assim garantir plena eficácia ao inciso XXVI do artigo 5º da Constituição Federal: agravo de instrumento n. 220.115, do Paraná, j. em 24.8.1998.
Posteriormente, o mesmo entendimento foi reafirmado pelo ministro Celso de Mello, a partir de decisão plenária da Corte Maior: agravo de instrumento n. 265.031, do Rio Grande do Sul, j. em 1º.8.2002.
No caso, a propriedade rural é considerada pequena e é trabalhada pelo grupo familiar. Logo, garante-se a ela a proteção constitucional da impenhorabilidade prevista no artigo 5º, inciso XXVI, da Constituição Federal.
Na Câmara, a propósito, assim já se decidiu: agravo de instrumento n. 4011622-09.2016.8.24.0000, de Ituporanga, relatora a desembargadora
Soraya Nunes Lins, j. em 10.8.2017.
O preenchimento dos requisitos legais justifica o reconhecimento da impenhorabilidade da propriedade rural hipotecada e constritada nos autos da execução, anotando-se que nem mesmo se faz necessária a demonstração de que a dívida está relacionada à atividade produtiva derivada e desenvolvida na propriedade: apelação cível n. 2013.082714-5, de Capinzal, Quinta Câmara de Direito Comercial, de minha relatoria, j. em 27.3.2014.
O fato de o bem ter sido dado em hipoteca não importa em renúncia à sua impenhorabilidade: recurso especial n. 684.648, do Rio Grande do Sul, Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator o ministro Raul Araújo, j. em 8.10.2013.
O reconhecimento, em outro recurso (agravo de instrumento n. 2014.064277-7), da penhorabilidade parcial do imóvel não vincula o juiz desta causa, que está submetido à prova aqui produzida e leva em conta partes e fatos distintos.
Com essas considerações, o recurso é desprovido, mantendo-se hígida a decisão agravada, que nenhum reparo está a merecer.
Por último, não se faz necessária “a manifestação expressa sobre todos os argumentos apresentados pelos litigantes” e, tampouco, a “menção expressa dos dispositivos infraconstitucionais tidos como violados”. (AgRg no REsp. 1.480.667/RS, rel. min. Mauro Campbell Marques, j. em 18.12.2014).