“Foi constatado que homens estavam sujeitos a condições degradantes de trabalho, razão suficiente para a configuração do tipo penal.
A Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou a condenação de um dos proprietários da Fazenda Barranco Branco, em Porto Murtinho (MS), por reduzir cinco trabalhadores a condição análoga a de escravos, sujeitando-os a condições degradantes de trabalho. Os magistrados ainda determinaram a majoração da pena aplicada ao réu, tendo em vista que os homens foram resgatados em situação de risco.
Narra a denúncia que uma fiscalização realizada no dia 05 de fevereiro 2013 pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho, junto com o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Militar, constatou as condições degradantes a que eram submetidos os trabalhadores, demonstradas por fotos do local e dados coletados com os funcionários.
O grupo identificou que os trabalhadores eram alojados em acampamentos construídos com lonas plásticas e sobre terra batida, dormiam sobre “tarimbas” (estruturas improvisadas feitas com galhos de árvores e troncos de madeira), não tinham banheiro e nem local adequado às refeições e à manutenção dos alimentos.
A fiscalização verificou ainda que alguns dos trabalhadores aplicavam herbicida para o controle de pragas vestidos com roupas e calçados pessoais, sem os equipamentos de proteção necessários, nem treinamento específico.
A 5ª Vara Federal Criminal de Campo Grande (MS) condenou o réu a dois anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 10 dias-multa no valor unitário de um salário mínimo, pela prática do delito previsto no artigo 149, caput, do Código Penal.
Como consequência, o Ministério Público Federal recorreu da decisão para a majoração da pena. O réu também apelou, sob o argumento de que para a configuração do delito do artigo 149 é necessária a prática de todas as ações nele previstas.
No entanto, o relator do acórdão no TRF3, desembargador federal André Nekatschalow, explicou que a redução à condição análoga à de escravo é crime de ação múltipla, portanto, não é necessário que o agente esgote todas as figuras previstas no tipo, bastando qualquer uma delas para configurar o crime.
Ele citou também jurisprudência segundo a qual, para configuração desse crime, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima “a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva” ou “a condições degradantes de trabalho”’, condutas alternativas previstas no tipo penal.
Decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema e citada pelo desembargador no caso aponta que “a escravidão moderna é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa ‘reduzir alguém a condição análoga à de escravo’” (STF, Inq. n. 3412).
O desembargador concluiu que os cinco trabalhadores da Fazenda Barranco Branco foram submetidos a condições degradantes de trabalho e “essa conduta, por si só, caracteriza o delito do artigo 149 do Código Penal”. Ele considerou que submeter essas pessoas ao manuseio de herbicidas sem o equipamento necessário e sem treinamento prévio equivale a sujeitá-las a condições degradantes de trabalho, conduta elementar do tipo.
O magistrado também justificou a fixação da pena-base acima do mínimo legal em razão de terem sido os trabalhadores resgatados em situação de risco. Assim, ele fixou a pena-base 1/6 acima do mínimo legal, totalizando dois anos e quatro meses de reclusão e 11 dias-multa”.
Fonte: TRF3, 07/03/2017 (Apelação Criminal 0006807-68.2014.4.03.6000/MS).
Veja também:
– Fazendeiro do Pará é condenado pela prática do crime de redução de pessoas à condição análoga a de escravo, previsto no art. 149 do Código Penal (Portal DireitoAgrário.com, 10/07/2016)
– Direito dos trabalhadores rurais: condição de liberdade não desqualifica trabalho análogo a escravo (Portal DireitoAgrário.com, 17/06/2016)
– Atividade agrária como alternativa para a ressocialização de presos (Portal DireitoAgrário.com, 04/08/2016)
Confira a íntegra da decisão:
2014.60.00.006807-8/MS |
RELATOR | : | Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW |
APELANTE | : | Justica Publica |
APELANTE | : | D. C.C.N. |
ADVOGADO | : | MS012475 LUCAS ABES XAVIER e outro(a) |
APELADO(A) | : | OS MESMOS |
ABSOLVIDO(A) | : | R.C.C. |
No. ORIG. | : | 00068076820144036000 5 Vr CAMPO GRANDE/MS |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do aditamento de fls. 265/300 e negar provimento ao recurso do réu DCCN e, por maioria, dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para majorar a pena-base do réu DCCN, condenado-o definitivamente à pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1 (um) salário mínimo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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2014.60.00.006807-8/MS |
RELATOR | : | Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW |
APELANTE | : | Justica Publica |
APELANTE | : | DUARTE DE CASTRO CUNHA NETO |
ADVOGADO | : | MS012475 LUCAS ABES XAVIER e outro(a) |
APELADO(A) | : | OS MESMOS |
ABSOLVIDO(A) | : | ROBERTO DE CASTRO CUNHA |
No. ORIG. | : | 00068076820144036000 5 Vr CAMPO GRANDE/MS |
DECLARAÇÃO DE VOTO
Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e por DCCN contra a sentença de fls. 202/207-vº que condenou o réu pela prática do delito previsto no art. 149, caput, do Código Penal, às penas 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1 (um) salário mínimo. Substituída a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e 10 (dez) dias-multa, cada um no mínimo valor legal.
A acusação requer a majoração da pena-base em razão da culpabilidade do réu e das circunstâncias do delito, bem como do valor unitário da pena de multa (fls. 214/216).
A defesa do réu alega afronta ao princípio da identidade física do juiz, que enseja a anulação da sentença; ausência de materialidade, autoria delitivas e dolo (fls. 226/247).
A i. Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento do recurso da defesa e pelo parcial provimento do recurso ministerial, para que seja majorada a pena-base (fls. 249/254).
Em sessão de julgamento realizada em 07/11/2016, a 5ª Turma decidiu, por unanimidade, não conhecer do aditamento de fls. 265/300 e negar provimento ao recurso do réu DCCN e, por maioria, dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para majorar a pena-base do réu DCCN, condenando-o definitivamente à pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1 (um) salário mínimo, nos termos do voto do relator Des. Fed. André Nekatschalow, no que foi acompanhado pelo Des. Fed. Paulo Fontes.
Aqui, divirjo do r. relator quanto ao aumento da pena-base pleiteada no recurso interposto pelo Ministério Público Federal.
Passo a declarar meu voto.
Os réus RCC e DCCN foram denunciados pela prática do delito previsto no art. 149, caput, do Código Penal, porque, de forma dolosa e, em concurso, na administração da Fazenda Barranco Branco, em Porto Murtinho (MS), reduziram trabalhadores à condição análoga de escravos, sujeitando-os a condições degradantes de trabalho.
Narra a denúncia que, no dia 05/02/2013, fiscalização realizada pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, pelo Ministério Público do Trabalho e Polícia Militar, constatou que a existência de 5 (cinco) trabalhadores em condições degradantes de trabalho, demonstradas em fotos do local e dados coletados com os próprios trabalhadores.
Foi identificado que os trabalhadores eram alojados em acampamentos construídos com lonas plásticas e sobre “terra batida”; que dormiam sobre “tarimbas” (estruturas improvisadas feitas com galhos de árvores e troncos de madeira); a inexistência de banheiro, nem local adequado às refeições e à manutenção dos alimentos; que a água utilizada para consumo, higiene e para lavar roupas e louças era a mesma, proveniente de uma represa de águas pluviais; e, que alguns dos trabalhadores aplicavam herbicida para o controle de pragas vestidos com suas roupas e calçados pessoais, sem os equipamentos de proteção necessários, tampouco treinamento específico (fls. 17/92).
Após regular instrução, sobreveio sentença que condenou o réu às penas 2 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1 (um) salário mínimo, pela prática do delito previsto no art. 149, caput, do Código Penal.
O magistrado de 1º grau fixou a pena-base no mínimo legal de 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, que tornou definitiva diante da ausência de circunstâncias atenuantes ou agravantes e causas de aumento ou de diminuição.
No tocante à dosimetria da pena, o e. relator deu parcial provimento ao recurso da acusação para majorar a pena-base, nos seguintes termos, in verbis:
“Justifica-se a fixação da pena-base acima do mínimo legal em razão de terem sido resgatados 5 (cinco) trabalhadores em situação de risco. Por outro lado, submeter essas pessoas ao manuseio de herbicidas sem o equipamento necessário e sem treinamento prévio equivale a sujeitá-las a condições degradantes de trabalho, conduta elementar do tipo. Assim, fixo a pena-base 1/6 (um sexto) acima do mínimo legal, em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.”
O tipo penal “reduzir alguém à condição análoga à de escravo” demanda para o seu aperfeiçoamento a prática da conduta em relação a um único trabalhador.
A denúncia, ao imputar ao acusado a prática do delito contra cinco trabalhadores, descreveu um concurso de crimes que não foi, contudo, reconhecido de forma expressa pela sentença condenatória.
Assim, o recurso da acusação, que se limita a formular pedido de majoração da pena-base em razão da existência de concurso de crimes, não pode a este título ser acolhido.
De outra parte, descabe aqui o reconhecimento de concurso formal de crimes, à míngua de expresso pedido do órgão de acusação, sob pena de impor à defesa a reforma da sentença sem recurso apropriado.
Isto porque, para tal reconhecimento, em prejuízo da defesa, seria imprescindível que a questão fosse expressamente pela acusação nessa sede recursal.
Se a sentença não tratou de forma expressa do concurso material e a acusação em recurso próprio não ventila o tema, pleiteando genericamente o aumento da pena-base, não pode esse tribunal, sob pena de afronta ao princípio da ampla defesa, suprir tal omissão em prejuízo do réu.
Ante o exposto, não conheço do aditamento de fls. 265/300 e nego provimento ao recurso defensivo (acompanho o relator) e ao apelo da acusação (divirjo do relator), mantida, portanto, a íntegra da sentença.
É o voto.
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RELATÓRIO
Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal e por DCCN contra a sentença de fls. 202/207v., que condenou o réu apelante, pela prática do delito previsto no art. 149, caput, do Código Penal, a 2 (dois) anos de reclusão, regime inicial aberto, e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1 (um) salário mínimo, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 10 (dez) dias-multa.
A acusação requer a majoração da pena-base em razão da culpabilidade do réu e das circunstâncias do delito, bem como do valor unitário da pena de multa (fls. 214/216).
A defesa do réu DCCN alega o quanto segue:
Foram apresentadas contrarrazões pela defesa (fls. 221/225) e pela acusação (fl. 247v.).
A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento do recurso da defesa e pelo parcial provimento do recurso ministerial, para que seja majorada a pena-base (fls. 249/254).
Feito sujeito à revisão, nos termos regimentais.
É o relatório.
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VOTO
RCC e DCCN foram denunciados pela prática do delito previsto no art. 149, caput, do Código Penal, porque, de forma dolosa e em concurso na administração da Fazenda Barranco Branco, em Porto Murtinho (MS), reduziram trabalhadores a condição análoga à de escravos, sujeitando-os a condições degradantes de trabalho.
Narra a denúncia que, em fiscalização realizada na Fazenda Barranco Branco, no dia 05.02.13, pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel, em conjunto com o Ministério Público do Trabalho e a Polícia Militar, foi constatado que havia 5 (cinco) trabalhadores em condições degradantes de trabalho.
O réu Duarte alega afronta ao princípio da identidade física do juiz, tendo em vista que os atos instrutórios foram realizados por um magistrado e a sentença prolatada por outro.
Não medra sua alegação.
A Lei n. 11.719, de 20.06.08, que foi publicada no Diário Oficial da União de 23.06.08 e entrou em vigor 60 (sessenta) dias depois, em 23.08.08, acrescentou o § 2º ao art. 399 do Código de Processo Penal, dispondo que o juiz que presidiu a instrução a instrução deverá proferir sentença. Foi, portanto, introduzido no processo penal o princípio da identidade física do juiz, anteriormente instituído no art. 132 do Código de Processo Civil, que por sua vez dispõe mais pormenorizadamente a respeito, ressalvando as hipóteses em que o juiz estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, além de prever que, em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas. Permitida a analogia no processo penal (CPP, art. 3º), cumpre observar as disposições do art. 132 do Código de Processo Civil, que teve vigência até 17.03.16, e, em consequência, a jurisprudência que se formou a respeito, no sentido de que o eventual descumprimento do preceito resolve-se em nulidade relativa a demandar comprovação pela parte interessada de prejuízo concreto (NEGRÃO, Theotonio et al. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 41ª ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 275, nota 2 ao art. 132), consoante ademais acabou por decidir o Superior Tribunal de Justiça:
Consoante se verifica à fl. 114/114v., a denúncia foi recebida em 10.10.14 pela Juíza Federal Substituta Giovana Aparecida Lima Maia. Apresentada resposta à acusação e designada a realização de audiência, o Juiz Federal Substituto João Felipe Menezes Lopes proferiu o despacho de fl. 158, em 31.07.15, por meio qual se deu por suspeito para atuar no feito e, considerando as férias do Juiz Federal Titular da Vara, solicitou à Presidência do Conselho da Justiça Federal da 3ª Região fosse designado magistrado para atuar no processo, inclusive para presidir a referida audiência em 05.08.15. A Divisão dos Assuntos da Magistratura informou, então, a designação do Juiz Federal Substituto Fernando Nardon Nielsen (fl. 160), o qual efetivamente a presidiu. A sentença foi, então, proferida pelo Juiz Federal Titular Dalton Igor Kita Conrado, em 16.12.15. Como se vê, a atuação de todos os Magistrados neste feito se deu em observância às regras processuais aplicáveis, motivadas por férias regulares do Juiz Federal Titular e suspeição do Magistrado Federal Substituto, não se vislumbrando, ainda, a ocorrência de qualquer prejuízo ao réu, de modo que não há falar em nulidade.
Alega o acusado ofensa ao princípio da correlação, na medida em que a denúncia descreve delito comissivo enquanto a sentença condena o réu por crime omissivo impróprio. Segundo o réu, a denúncia verbaliza “reduziram”, “sujeitando-os”, ao passo que a sentença, “tinha ciência e consentiu”.
Rejeito a alegação.
Ao contrário do que alega, não há ofensa ao princípio (garantia) da congruência (correlação), dado que tanto a denúncia quanto a sentença versam exatamente sobre os mesmos fatos, a saber, o crime do art. 149 do Código Penal atribuído ao acusado. Variações de linguagem que têm por referencial o exame da prova produzida nos autos não conduzem à incongruência entre a denúncia e a sentença. Não há nenhuma dúvida de que a jurisdição incidiu sobre os fatos descritos na denúncia. Na realidade, instila uma pretensa desconexão, passando ao largo da convergência entre dolo e consciência e vontade: ao indicar a ciência e o consentimento, a sentença expressa o dolo do acusado.
Afirma ainda ser impossível a responsabilização por omissão imprópria, à vista da ausência do poder e do dever legal de agir. Para esse efeito, cita o art. 13, § 2º, do Código Penal, pelo qual a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado.
Sem razão o apelante.
Como dito, não há discrepância entre acusação e sentença quanto aos fatos atribuídos ao acusado. É este que introduz uma distinção na natureza dos fatos que na realidade não existe, posto que a verbalização decorrente do exame das provas dos autos, notadamente as circunstâncias da prática delitiva, tenham sido diversas. Não há falar, portanto, em atipicidade.
Redução a condição análoga à de escravo. Crime de ação múltipla. Dado tratar-se de crime de ação múltipla, não é necessário que o agente esgote todas as figuras previstas no tipo, bastando qualquer delas para configurar o crime de redução a condição análoga à de escravo:
Do caso dos autos. A defesa do réu Duarte alega que para a configuração do delito de redução a condição análoga à de escravo é necessária a prática de todas as ações nele previstas.
Não lhe assiste razão.
Compulsando os autos, verifica-se que na Fazenda Barranco Branco, 5 (cinco) trabalhadores foram submetidos a condições degradantes de trabalho e essa conduta, por si só, caracteriza o delito do art. 149 do Código Penal, que é crime de ação múltipla.
Materialidade. A materialidade delitiva está satisfatoriamente demonstrada diante do Relatório de Fiscalização do Ministério do Trabalho e do Emprego e seus anexos, bem como pelas declarações das testemunhas (fls. 17/92 e mídia à fl. 172).
O relatório enumera as diversas infrações à legislação trabalhista decorrentes dos fatos narrados na denúncia, contém fotos do local e registra dados coletados com os próprios trabalhadores, suficientes para caracterizar o trabalho como análogo ao de escravo. Dentre as irregularidades constatadas, verificou-se, que os trabalhadores alojavam-se em acampamentos construídos com lonas plásticas e sobre a “terra batida”, dormiam sobre “tarimbas”, que são estruturas improvisadas feitas de galhos de árvores e troncos de madeira. Não havia banheiro nem local adequado às refeições e à manutenção dos alimentos. A água utilizada para consumo, higiene e para lavar roupas e louças era a mesma, proveniente de uma represa de águas pluviais. Além disso, alguns dos trabalhadores estavam aplicando herbicida para o controle de pragas vestidos com suas roupas e calçados pessoais, sem os equipamentos de proteção necessários e sem treinamento específico (fls. 17/92).
Antônio Maria Parron e Giuliano Gullo, Auditores-Fiscais do Trabalho, afirmaram que participaram da fiscalização na Fazenda Barranco Branco em fevereiro de 2013 e descreveram as instalações e condições de trabalho em conformidade com o Relatório de Fiscalização do Ministério do Trabalho e do Emprego. Esclareceram que os trabalhadores foram contratados por um senhor de nome Silvino, conhecido como “Preto”, responsável pela comida e pelo pagamento das diárias. Na sede da fazenda estava o filho do proprietário e foi possível constatar que havia alojamento para os funcionários não terceirizados. Antônio acrescentou recordar-se de que um dos trabalhadores preferiu acomodar-se em um “mangueiro”, ou seja, um pequeno curral, a ficar no acampamento de lona (mídia à fl. 172).
Edir Ajala Cardoso, ouvido como informante, trabalhava na Fazenda Barranco Branco no momento da fiscalização e havia sido contratado pelo empreiteiro Silvino, conhecido como “Preto”, para realizar atividade de limpeza do pasto. A jornada de trabalho começava por volta de 6h30 da manhã e terminava às 17h, com um intervalo de 2 (duas) horas de almoço. Receberia R$ 35,00 (trinta e cinco reais) por dia de trabalho e estava no local há 27 (vinte e sete) dias consecutivos, sendo que folgava aos domingos. Sobre as condições de alojamento, disse que ele e os outros trabalhadores ficavam em um acampamento de lona, com chão de “terra batida” e dormiam em colchões sobre “tarimbas”, estrados de madeira. Não havia banheiro nem fossa e as necessidades fisiológicas eram feitas ao ar livre. A comida era feita por um dos trabalhadores, servida três vezes ao dia e os alimentos eram fornecidos pelo empreiteiro. Usavam a água de um açude para banho e consumo (mídia à fl. 186).
Autoria. A autoria está suficientemente demonstrada.
A Procuradora do Trabalho Simone Beatriz Assis Rezende atuou no procedimento em curso no Ministério Público do Trabalho e informou que foram firmados dois Termo de Ajustamento de Conduta – TAC com Duarte. O primeiro consistiu em obrigações de dar e pagar relacionadas aos fatos narrados na denúncia, o qual foi cumprido integralmente (fls. 36/38). O segundo, continha obrigações futuras que permitiam, inclusive, a contratação de terceirizados, desde que amparados por condições mínimas de trabalho e alojamento (mídia à fl. 172).
O réu RCC é proprietário da Fazenda Barranco Branco, a qual é administrada por seu filho e corréu, DCCN. Esclareceu que entregou a fazenda aos cuidados do filho há alguns anos, tendo inclusive feito uma procuração com plenos poderes em favor dele e, desde então, não retornou ao local. Sobre os fatos narrados na denúncia, disse que apenas tomou conhecimento por intermédio de notificação do Ministério Público do Trabalho (mídia à fl. 172). Tendo isso em vista, Roberto foi absolvido, sem que o Ministério Público Federal se insurgisse em sentido contrário.
DCCN assumiu para si a responsabilidade da administração da Fazenda Barranco Branco, de propriedade de seu pai. Estava na sede da fazenda no dia da fiscalização, admitiu que contratou o empreiteiro Silvino para a construção de uma cerca e para limpeza da pastagem e alegou que foi opção dele manter os trabalhadores próximo ao local de trabalho, tendo recusado abrigo no alojamento da fazenda. Afirmou, ainda, que fornecia água potável aos trabalhadores (mídia à fl. 172).
Conclui-se, portanto, que o réu Duarte é responsável pela prática delitiva narrada na denúncia. Embora não tenha contratado diretamente os trabalhadores, tinha ciência acerca da situação degradante a que eles estavam submetidos, e o seu consentimento evidencia o dolo na conduta, que não é admitida na modalidade culposa.
Dosimetria. Em observância ao art. 59 do Código Penal, o Juízo a quo fixou a pena-base no mínimo legal, em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. À míngua de circunstâncias atenuantes ou agravantes e causas de aumento ou de diminuição, a pena foi tornada definitiva.
Foram fixados o regime inicial de cumprimento de pena aberto e o valor unitário do dia-multa em 1 (um) salário mínimo.
A pena privativa de liberdade foi substituída por 2 (duas) penas restritivas de direitos, consistentes em “prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e 10 (dez) dias-multa” (fl. 207v.).
A acusação recorre para que seja majorada a pena-base, devido à culpabilidade do réu e às circunstâncias do delito, considerando que eram 5 (cinco) trabalhadores e que eles foram submetidos à aplicação de agrotóxicos sem o devido equipamento individual de proteção. Ainda, requer a elevação do valor unitário da pena de multa.
Assiste-lhe parcial razão.
Justifica-se a fixação da pena-base acima do mínimo legal em razão de terem sido resgatados 5 (cinco) trabalhadores em situação de risco. Por outro lado, submeter essas pessoas ao manuseio de herbicidas sem o equipamento necessário e sem treinamento prévio equivale a sujeitá-las a condições degradantes de trabalho, conduta elementar do tipo. Assim, fixo a pena-base 1/6 (um sexto) acima do mínimo legal, em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.
Ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes e causas de aumento ou de diminuição, torno a pena definitiva.
Mantenho, nos termos da sentença, o valor unitário do dia-multa em 1 (um) salário mínimo, pois já está 30 (trinta) vezes acima do mínimo legal; bem como o regime inicial aberto de cumprimento da pena e a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito.
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO DO ADITAMENTO de fls. 265/300, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal para majorar a pena-base e NEGO PROVIMENTO ao recurso do réu DCCN, condenado definitivamente à pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1 (um) salário mínimo, mantida, no mais, a sentença.
É o voto.
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