quarta-feira , 30 outubro 2024
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Direito Agrário

Sobre o inadimplemento obrigacional e o patrimônio mínimo rural no Anteprojeto do Código Civil

por Mauricio de Freitas Silveira.

 

O Senado recebeu oficialmente no dia 17/04/2024 o anteprojeto do Código Civil elaborado por uma laboriosa e compromissada comissão de juristas. As sugestões de mudanças e atualizações que irão impactar a vida do cidadão têm efeitos desde antes do nascimento até depois da morte do indivíduo, passando pelo casamento, regulação de empresas, direito digital e contratos, além de regras de sucessão e herança.

Para os operadores do direito que acompanham seriamente a matéria civil, diga-se, jurisprudencial e doutrinária., especialmente no que cerne a realidade interpretativa normativa espelhada pelo STF e pelo STJ, perceberão que a revisão apresentada acompanha os entendimentos majoritários dos tribunais de superposição e a doutrina contemporânea em diversos temas. Qualquer crítica infundada e compartilhada por propagadores de notícias falsas em determinados meios, nada é mais que uma “bomba ideológica”, fazendo crer que a reforma abrangeria temas como a legalização do aborto, possibilidade de uniões poligâmicas e dentre outros.

O civilista Mauricio Bunazar em seu canal do Instagram recomendou para os propagadores de fake news: Antes de criticar, leia o anteprojeto e apresente críticas construtivas. Na mesma linha de coerência ressaltou o Professor Flávio Tartuce em sua manifestação no Senado Federal: Longe de ser perfeito, o anteprojeto é necessário a profusão de debates e ajustes pelo Congresso Nacional.

Como entusiasta do Anteprojeto, ocupo deste simples artigo para pontuar sobre um ajuste redacional necessário relacionado ao instituto do inadimplemento das obrigações (na Parte Especial, Livro I, Título IV), cujo apontamento tem como escopo precípuo fazer cumprir os ideais acadêmicos do direito civil/agrário constitucional.

Foi acrescido no Anteprojeto o art. 391-A – a teoria do patrimônio mínimo existencial da pessoa, da família e da pequena empresa familiar, a qual é amparada pela perspectiva da dignidade da pessoa humana, sendo que as normas civis devem sempre resguardar um mínimo de patrimônio.

Sob esse enfoque restou expresso ser intangível por ato de excussão pelo credor as seguintes hipóteses:

§ 1º Além do salário-mínimo, a qualquer título recebido, bem como dos valores que a pessoa recebe do Estado, para os fins de assistência social, considera-se, também, patrimônio mínimo, guarnecido por bens impenhoráveis:

I – a casa de morada onde habitam o devedor e sua família, se única em seu patrimônio;

II – o módulo rural, único do patrimônio do devedor, onde vive e produz com a família;

III – a sede da pequena empresa familiar, guarnecida pelos bens que a lei processual considera como impenhoráveis, se coincidir com o único local de morada do devedor ou de sua família;

§2º Considera-se bem componente do patrimônio mínimo da pessoa deficiente ou incapaz, além dos mencionados nas alíneas do parágrafo anterior, também aqueles que viabilizarem sua acessibilidade e superação de barreiras para o exercício pleno de direitos, em posição de igualdade.

§3º A casa de morada de alto padrão pode vir a ser excutida pelo credor, até a metade de seu valor, remanescendo a impenhorabilidade sobre a outra metade, considerado o valor do preço de mercado do bem, a favor do devedor executado e de sua família.

O ponto específico do ajuste redacional recai no §1, inciso II, atinente a medida de área   adotada pela comissão de juristas, uma vez que o módulo rural descrito na redação não foi a medida escolhida pelo TEMA 961 do STF, em que apreciou a garantia de impenhorabilidade da pequena propriedade rural familiar, protegida nos termos do inciso XXVI do art. 5º da Constituição.

O Relator Edson Fachin analisou de forma percuciente, tanto a Lei do Estatuto da Terra, que menciona o modulo rural como unidade de medida que exprima a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e condições do seu aproveitamento econômico (art. 4, III da Lei 4.505/1964 e artigo 11 do Decreto nº 55.891), quanto a Lei da Reforma Agrária Lei n. 8.629/1993 (art. 4, II, a), que define a pequena propriedade com área rural até quatro módulos fiscais, como unidade de medida agrária expressa em hectares, determinada pelo Município, na prática, é o espaço mínimo para produção econômica existencial da família rural.

Nesse sentido, entendeu-se que o conceito do art. 4, II, ‘a’, da Lei n. 8.629/1993, seria a medida em que delimita a pequena propriedade rural como sendo a mais adequada, pois, outras leis vêm empregando o conceito de modulo fiscal enquanto parâmetro para definir a pequena propriedade rural ou familiar. São exemplos a Lei 11.326/2006, que fixa 04 (quatro) módulos fiscais como limite para considerar agricultor familiar e empreendedor familiar rural para fins de formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, nos termos do art. 3o, I. No mesmo sentido o Decreto 9.064/2017, no art. 3o, I, que dispõe sobre a Unidade Familiar de Produção Agrária, ao instituir o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar prescreve que a Unidade Familiar de Proteção Agraria e o empreendimento familiar rural deverão atender determinados requisitos, e o primeiro deles e “possuir, a qualquer título, área de até quatro módulos fiscais”. Ainda, podemos citar o Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/2012), que também utiliza os parâmetros da Lei da Reforma Agrária, definindo, no art. 3o, V, a pequena propriedade ou posse rural familiar como “aquela explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural, incluindo os assentamentos e projetos de reforma agrária, e que atenda ao disposto no art. 3º da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006”, ou seja, fazendo remissão ao mesmo limite de 04 (quatro) módulos fiscais. Na seara previdenciária, o de extensão e empregado, nos termos do art. 11, VII, ‘a’, para caracterização do segurado especial, ou seja, pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar ainda que com o auxílio eventual de terceiros explora atividade agropecuária em área de até 04 (quatro) módulos fiscais.

Feito essas considerações, sugestionamos que o Senado quando da apreciação do Anteprojeto, tenha a acuidade de verificar pontos como o proposto, objetivando dar maior segurança jurídica nessa inter-relação do direito civil, direito agrário e constitucional.

Mauricio de Freitas Silveira – Advogado. Pós-graduado em Direito Processual Civil. Pós-graduado em Inovações ao Direito Civil e seus Instrumentos de Tutela. Pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário. Pós-graduado em Direito Aplicado ao Agronegócio. Presidente da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da Subseção da Ordem dos Advogados de Palmas/PR.

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