quinta-feira , 21 novembro 2024
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Direito Agrário

Quatro lições do Funrural para os produtores rurais

por Clairton Kubaszwski Gama e Albenir Querubini.

É notório que a carga tributária brasileira representa um grande peso a todos aqueles que desenvolvem alguma atividade produtiva, representando cerca de 35% do PIB nacional (conforme dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT) e ocupando a 14ª posição no ranking de maiores cargas tributária do mundo, conforme dados da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Em termos de arrecadação, estamos à frente de países como Reino Unido, Canadá, Estados Unidos e Japão. Mas, em termos de qualidade de serviços públicos, infelizmente, estamos muito atrás destes e de tantos outros países.

Aliando a pesada carga tributária e a baixa qualidade dos serviços públicos com a grande complexidade de nosso sistema legislativo tributário, que nos impõe incontáveis tributos e obrigações acessórias, é natural que os agentes da economia busquem por medidas que possam reduzir este fardo. Dentre estas medidas destacam-se a adoção de estratégias e planejamentos extrajudiciais e também de ações judiciais para reduzir o peso da carga tributária.

No entanto, alguns cuidados devem ser observados nas demandas envolvendo as questões tributárias como medida de evitar prejuízos futuros que podem ser mais prejudiciais do que a própria tributação incidente sobre a atividade agrária. Nesse sentido, um exemplo didático dos riscos que envolvem tais demandas pode ser observado nas ações referentes à contribuição do produtor rural pessoa física ao chamado Funrural, considerando que havia uma grande expectativa de que fosse declarada a inconstitucionalidade de tal cobrança pelo Supremo Tribunal Federal.

Tal demanda, de natureza tributária, causou grande repercussão dentre os atores do agronegócio, precipuamente, em decorrência de dois fatores: por um lado temos o grande impacto econômico que tal decisão do STF representa, uma vez que projeções apontam que os valores envolvidos possam ultrapassar os R$ 7 bilhões; por outro, temos o impacto judicial que tal decisão acarreta, pois se estima que há mais de 20 mil processos suspensos na justiça aguardando por esta decisão.

Há ainda que se considerar outra questão muito importante, que é o fato de a referida decisão do STF acerca do Funrural representar – ao menos sob o ponto de vista de muitos juristas – uma mudança de entendimento daquela Corte a respeito do tema. Isto porque em 2011, no julgamento do conhecido caso do Frigorífico Mataboi, o STF havia decidido pela inconstitucionalidade do Funrural.

É certo que quando do julgamento de 2011, a Lei nº 10.256/2001, editada sob a égide da Emenda Constitucional nº 20/1998 e que atualmente fundamenta a exigência do Funrural, não foi apreciada pelo STF. Mas também é certo que muitos produtores rurais foram orientados a não pagar a referida contribuição, apostando em uma reafirmação deste julgamento anterior, no sentido da inconstitucionalidade; ou, posteriormente, acreditando em uma eventual modulação de efeitos em sede de embargos de declaração, a qual também restou infrutífera aos interesses dos produtores rurais.

Todo este cenário, de grandes impactos econômicos e jurídicos, acabou por fazer com que o Funrural fosse objeto de grandes discussões políticas, judiciais e legislativas. E, também, alargou as discussões acerca de outras questões jurídicas relacionados ao agronegócio, sobretudo quanto à tributação da atividade agrária, sendo que algumas lições devem ser aprendidas pelos produtores rurais.

A primeira delas é que não existe ação judicial ganha antes de existir um esgotamento das instâncias judiciais, especialmente nas causas que envolvem tributação. E, por conta disso, os produtores rurais devem desconfiar de promessas de resultado por quem lhes oferece assessoria tributária. Ocorre que, não raras vezes, muitas teses, tanto de planejamento no âmbito administrativo ou extrajudicial, quanto de ações judiciais, são apresentadas aos contribuintes sem que se faça uma análise mais aprofundada da situação individual e particular de cada caso. As teses são apresentadas não como parâmetros para possíveis medidas a serem adotadas, mas como se fossem produtos passíveis de utilização por todos os contribuintes.

Esta postura é bastante alarmante. Devemos ter em mente a premissa de que não existe planejamento tributário ou tese jurídica “de prateleira”, pois todas as medidas as serem adotadas precisam ser estudadas de forma individualizada. Sua aplicação não poderá se dar de forma idêntica – e quase que automática, como muitas vezes parece ocorrer – a contribuintes diferentes, que, embora tenham atividades semelhantes, podem se encontrar em situações fáticas e/ou jurídicas completamente distintas.

A segunda lição é de que a adoção de medidas administrativas, extrajudiciais ou mesmo judiciais sem os devidos cuidados e a competente análise e estudo do caso, ao invés de trazer benefícios, como a redução de tributos, pode acabar gerando o extremo inverso: a constituição de um passivo tributário com o qual o contribuinte terá que lidar futuramente.

Um bom planejamento tributário – e aqui utilizamos esta expressão da forma mais ampla possível, a fim de englobar tanto as medidas mais típicas de planejamento, ou seja, as extrajudiciais, como também as medidas judiciais com este fim – passa, obrigatoriamente, por uma análise de cenários e de riscos possíveis para o contribuinte. Além disso, é preciso que todas as medidas adotadas tenham base legal para justificar sua adoção, bem como que sejam realizadas sempre de forma prévia ao acontecimento dos fatos geradores dos tributos que visam reduzir ou elidir.

A terceira lição é que a advocacia, e talvez mais ainda a advocacia tributária preventiva, é atividade artesanal, e não de massa. Todas as medidas a serem tomadas para redução de carga tributária precisam ser estudadas caso a caso, considerando todas as particularidades de cada contribuinte. Somente desta forma será possível atingir sua finalidade: economia tributária com segurança jurídica.

A quarta e última lição é de que nenhuma estratégia jurídica, por melhor que seja a tese, não deve jamais prescindir de cuidados preventivos, sob pena de prejudicar ainda mais o contribuinte demandante. Nesse sentido, destacamos a consignação em pagamento como sendo o instrumento jurídico apropriado para tal finalidade ou a provisão de caixa, como meio extrajudicial de prevenção a um eventual prejuízo futuro.

Enfim, o produtor rural deve ter consciência de seus Direitos enquanto contribuinte, mas deve ter cautela no momento de buscar a efetividade destes. Uma ação judicial que vise assegurar um Direito, mas cujas consequências negativas não sejam previstas e, dentro do possível, controladas, pode acarretar em maiores prejuízos do que a não realização do Direito em questão. E esta máxima se aplica não apenas às ações de natureza tributária, mas também a outros ramos.

Clairton Kubaszwski Gama, advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBET, sócio do escritório Kubaszwski Gama Advogados Associados, associado da União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU, coordenador do Grupo de Estudos em Tributação Internacional da Faculdade Brasileira de Tributação – FBT.
Albenir Querubini – Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFSM, Especialista em Direito Ambiental Nacional e Internacional e Mestre em Direito pela UFRGS. Professor de Direito Agrário e Ambiental, lecionando junto aos cursos de Pós-Graduação do I-UMA, UniRitter e Faculdade IDC. Membro da União Mundial dos Agraristas Universitário (UMAU) e da União Brasileira dos Agraristas Universitários (UBAU). Autor da obra “O regramento jurídico das sesmarias” (Leud, 2014) e co-autor da obra “Função ambiental da propriedade rural e dos contratos agrários” (Leud, 2013).

 

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