“No caso de resolução de contrato de compra e venda de imóvel, ainda que o comprador possua o direito de retenção por benfeitorias, ele não está dispensado da obrigação de pagar aluguel ou taxa de ocupação ao vendedor pelo tempo em que usou o bem, enquanto exercia tal direito.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná que isentou o comprador do pagamento de aluguéis pelo período em que exerceu o direito de retenção por benfeitorias.
Ao STJ, o vendedor alegou que, sob pena de enriquecimento ilícito, o comprador deveria indenizá-lo por todo o período de ocupação do imóvel. Sustentou ainda que o não pagamento dos aluguéis em virtude do direito de retenção seria incoerente com a ideia de retorno ao estado anterior à formalização do contrato e de indenização efetiva de todos os prejuízos.
Benfeitorias
A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, explicou que benfeitorias são bens acessórios acrescentados ao imóvel (bem principal) pela pessoa que detém sua posse, com a finalidade de aperfeiçoar seu uso, evitar que se deteriore ou se destrua, ou, ainda, de embelezá-lo ou torná-lo mais agradável.
Pelo princípio da gravitação jurídica – ressaltou –, as benfeitorias acompanham o imóvel, de forma que esses melhoramentos introduzidos pelo possuidor direto, em algumas situações, passam para o patrimônio do proprietário (possuidor indireto) quando o bem principal retorna à sua posse.
Segundo a ministra, o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis que fez e de retenção do bem principal, não sendo obrigado a devolvê-lo até que seu crédito, referente a tais benfeitorias, seja satisfeito (artigo 1.219 do Código Civil).
Enriquecimento sem causa
Nancy Andrighi observou que, com fundamento na vedação do enriquecimento sem causa, a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que a utilização do imóvel objeto do contrato de compra e venda enseja o pagamento de aluguéis ou de taxa de ocupação pelo tempo de permanência, independentemente de quem tenha sido o causador do desfazimento do negócio.
“Por impedir o enriquecimento sem causa, vedado pelo ordenamento, o pagamento de taxa de ocupação ou de aluguéis não depende sequer da aferição da boa-fé ou não do adquirente na posse do imóvel, sendo, pois, devido em relação à integralidade do período em que a citada posse foi exercida“, afirmou.
A relatora lembrou precedente no qual a Quarta Turma concluiu que a investigação sobre a boa-fé do possuidor pode ser importante para aferir a possibilidade de retenção e de indenização por benfeitorias, mas nada disso dispensa o pagamento pelo uso do imóvel.
Para a ministra, como a contraprestação pelo uso do bem decorre da vedação ao enriquecimento sem causa, e como o direito de retenção não é um direito absoluto, o crédito que o comprador possui pelas benfeitorias deve ser compensado com os valores referentes aos aluguéis ou à taxa de ocupação – por aplicação analógica do artigo 1.221 do Código Civil, que informa que ”as benfeitorias compensam-se com os danos’.”
Fonte: STJ, 18/05/2021 (REsp. 1854120/PR)
Nota Técnica do Portal DireitoAgrário.com:
Embora se refira a um julgado envolvendo a compra e venda de imóvel, cabe ressaltar que o entendimento adotado pela 3ª Turma do STJ no julgamento do REsp. nº 1.854.120/PR é plenamente aplicável às lides envolvendo os contratos agrários.
Conforme comentou o Advogado Agrarista Roberto Ghigino:
“Segundo a referida decisão do STJ, o direito de retenção não é absoluto, não estando, portanto, eximido de contraprestação pelo uso do bem aquele que realizar benfeitorias em imóvel alheio e exercer o direito de retenção durante o período em que buscar a correspondente indenização.
Nesse sentido, fica clara a necessidade de contraprestação ao proprietário do imóvel durante o período em que se discute a indenização por benfeitorias, sendo de extrema relevância, tal entendimento, podendo, inclusive, servir como parâmetro no deslinde de questões que envolvem o direito de retenção nas relações contratuais agrárias, tendo em vista ser esse um dos grandes temas controvertidos nas discussões envolvendo contratos de arrendamento e parceria rural.”
Por conta disso, cabe aos arrendatários e parceiros-outorgados avaliar se vale a pena manter-se na posse ou uso de imóvel agrário com a invocação do direito de retenção ou postular a correspondente indenização em ação de indenização ou reconvenção.
Confira a íntegra do julgado:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.854.120 – PR (2019/0377679-1)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:
Cuida-se de recurso especial interposto por EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS PARAÍSO LTDA., fundamentado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, e de agravo em recurso especial interposto por JOÃO DIAS DE OLIVEIRA, contra decisão interlocutória que negou seguimento a recurso especial fundamentado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.
Ação: de resolução de contrato de compra e venda de imóvel, ajuizada por EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS PARAÍSO LTDA., em face de JOÃO DIAS DE OLIVEIRA, fundada no inadimplemento do comprador.
Sentença: julgou procedentes os pedidos para:
a) declarar rescindido o contrato de compromisso de compra e venda entabulado entre as partes, com base no art. 32 da Lei 6.766/79, pelo inadimplemento do requerido;
b) Determinar a reintegração de posse do imóvel objeto do canhoto de compromisso de compra e venda em favor do autor, com fundamento nos artigos 1.210, do CC e 926, do CPC, porém, respeitando-se o direito de retenção até a indenização prévia;
c) condenar o autor a restituir os valores recebidos em favor do réu, devidamente atualizados da data de cada pagamento (INPC) e com juros de mora desde a citação, todavia, autorizada a retenção de 10% do valor atualizado a título de perdas e danos (cláusula penal) pelo descumprimento culposo do réu, e eventuais valores referentes a despesas pendentes de água, luz, IPTU, que estejam em aberto;
d) condenar o réu ao pagamento de alugueres pelo uso do bem para evitar o enriquecimento ilícito, em valor atual de mercado, pelo número de meses transcorridos desde a imissão na posse até a desocupação por forçado cumprimento da reintegração de posse, valor este que deverá ser apurado em sede de liquidação de sentença;
e) determinar que o autor indenize o réu no que se refere às benfeitorias úteis e necessárias por este construídas, na forma dos artigos 51, XVI, do Código de Defesa do Consumidor, e 34 da Lei n° 6.766/99, as quais deverão ser apuradas em futura liquidação de sentença autorizado o exercício de retenção até o prévio pagamento integral;
f) determinar que os valores das benfeitorias a serem indenizadas, alugueres e multa a serem pagos, bem corno aquele a ser restituído ao ora requerido poderão ser compensados, porém, sofrerão correção monetária após apurados em liquidação de sentença (data do laudo) tendo por índice o INPC, incidindo ainda em face da rescisão, juros de mora de 1% ao mês, a partir da data da citação.
Acórdão: conheceu parcialmente da apelação interposta por JOÃO DIAS DE OLIVEIRA e, nesta parte, lhe deu parcial provimento, apenas para isentá-lo do pagamento de aluguéis durante o período em que exercer o direito de retenção por benfeitorias.
Embargos de declaração: opostos por EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS PARAÍSO LTDA., foram rejeitados.
Recurso especial de EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS PARAÍSO LTDA.: alega a violação do art. 1.022, I e II, do CPC/15 e dos arts. 402, 475 e 884, do CC/02, bem como dissídio jurisprudencial.
Afirma haver omissão e contradição em relação à isenção de pagamento dos aluguéis até o pagamento da indenização das benfeitorias, em virtude do direito de retenção.
Sustenta que, sob pena de enriquecimento ilícito, o recorrido deveria indenizá-la por todo o período de ocupação do imóvel, e que o não pagamento dos aluguéis em virtude do direito de retenção seria incoerente com a ideia de retorno
ao estado anterior à formalização do contrato e de indenização efetiva de todos os prejuízos.
Recurso especial de JOÃO DIAS DE OLIVEIRA: alega, essencialmente, que teria ocorrido: a) cerceamento de seu direito de defesa; b) prescrição das parcelas inadimplidas e perdas e danos; c) abusividade de cláusulas contratuais, que afastaria sua mora; d) previsão de cláusulas abusivas em contrato de adesão; e) condenação indevida ao pagamento de aluguéis; f) cumulação indevida de pedidos; g) indevida determinação de desocupação do imóvel antes do ressarcimento das benfeitorias; h) retenção ilegítima de 10% dos valores pagos; e i) indeferimento ilegal da assistência judiciária gratuita.
Admissibilidade: o recurso especial de EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS PARAÍSO LTDA. foi admitido na origem pelo TJ/PR.
O recurso especial de JOÃO DIAS DE OLIVEIRA foi, por sua vez, inadmitido, ante a incidência da Súmula 284/STF – por falta de indicação precisa dos dispositivos tidos por violados e genérica fundamentação recursal –, e à consideração de que a suposta divergência jurisprudencial não teria sido adequadamente demonstrada.
Agravo em recurso especial de JOÃO DIAS DE OLIVEIRA:
sustenta que ao “citar o art. 105 e seu inciso III da Constituição Federal, bem como a Lei 4595/64, a legitimar a apresentação do Recurso Especial, implícito está, em maior dimensão, o acatamento pleno da fundamentação jurídica do presente apelo, sobremodo em exaltação ao princípio romano do Juiz aplicar o Direito, através, tão-só, do relato dos fatos que a ele são expostos pelos litigantes” (e-STJ, fl. 813).
É O RELATÓRIO.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):
O propósito recursal consiste em determinar se: a) o agravo em recurso especial merece conhecimento; b) ocorreu negativa de prestação jurisdicional; e c) na resolução de contrato de compra e venda de imóvel, existindo o direito à retenção por benfeitorias, deve-se, durante seu exercício, isentar o adquirente do pagamento de aluguéis ou taxa de ocupação.
Recurso especial interposto em: 17/05/2019;
Agravo em recurso especial interposto em: 20/09/2019 Conclusos ao gabinete em: 27/12/2019;
Aplicação do CPC/15.
DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DE JOÃO DIAS DE OLIVEIRA
Da análise dos autos, constata-se que a decisão agravada inadmitiu o recurso especial interposto por JOÃO DIAS DE OLIVEIRA com base nos seguintes fundamentos: i) incidência da Súmula 284/STF; ii) inadequada demonstração do suposto dissídio jurisprudencial.
Da leitura do agravo em recurso especial interposto pelo agravante, observa-se, no entanto, que não houve impugnação objetiva, consistente e específica aos fundamentos da decisão agravada.
Isso porque, quanto à incidência da Súmula 284/STF, limita-se o agravante a aduzir que caberia ao juiz aplicar o direito aos fatos por ela expostos (iura novit curia) e que teria citado o art. 105, III, da CF/88 e a Lei 4.595/64; argumentos que, todavia, não combatem a decisão agravada e não demonstram a inocorrência de deficiência de fundamentação de seu recurso especial.
Quanto à divergência jurisprudencial, também não se observa a devida impugnação, haja vista que o agravante sequer deduz qualquer argumento para subsidiar o conhecimento de seu recurso pelo aventado dissídio pretoriano.
Desse modo, deixando o recorrente de impugnar os fundamentos da decisão recorrida, aplicável se torna a Súmula 182 desta Corte.
DO RECURSO ESPECIAL DE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS PARAÍSO LTDA.
1. DA ALEGADA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
A recorrente aponta negativa de prestação jurisdicional, por contradição e ausência de fundamentação do acórdão recorrido, porquanto, apesar de ter suscitado a tese de que a isenção do pagamento de aluguéis durante o período em que exercido o direito de retenção por benfeitorias contraria a jurisprudência do STJ e é incoerente com o princípio do ressarcimento integral, reconhecido pelo próprio acórdão embargado, referida argumentação não teria sido enfrentada pelo Tribunal de origem.
Contudo, ainda que a recorrente alegue a existência de contradição e de omissão no exame de referida tese, tem-se que a questão de mérito relacionada a esse tema foi devidamente analisada e discutida pelo TJ/PR, que fundamentou adequada e suficientemente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a matéria em debate, apesar de ter concluído em sentido oposto ao pretendido pela recorrente, o que não configura negativa de prestação jurisdicional ou contradição interna do julgado.
Destarte, não há falar em violação do art. 1.022, I e II, do CPC/15.
2. DO DIREITO DE RETENÇÃO POR BENFEITORIAS
Benfeitorias são bens acessórios introduzidos no bem imóvel, principal, pela pessoa que detém sua posse, com a finalidade de aperfeiçoar seu uso, evitar que se deteriore ou se destrua, ou, ainda, de embelezá-lo ou torná-lo mais agradável.
Pelo princípio da gravitação jurídica, as benfeitorias, bens acessórios, acompanham o bem imóvel, bem principal, de forma que esses melhoramentos introduzidos no imóvel pelo possuidor direto, em algumas oportunidades, entram para o patrimônio do proprietário, possuidor indireto, quando o bem principal retorna à sua posse.
O possuidor que introduz benfeitorias tem, pois, nos termos dos arts. 1.219 e 1.220 do CC/02, o direito de levantar as benfeitorias ou de ser indenizado, conforme sua natureza e de acordo a presença ou não de boa-fé, e até mesmo, eventualmente, o direito de reter o bem principal até que o valor correspondente às vantagens que a ele foram acrescidas e não podem ser levantadas lhe seja restituído.
De fato, segundo o art. 1.219 do CC/02, o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis que introduziu no imóvel e de retenção sobre o bem principal, não sendo obrigado a devolvê-lo até que seu crédito, referente a tais benfeitorias, seja satisfeito.
Nessa linha, destaca a doutrina que “se o possuidor fez benfeitorias necessárias e úteis, tendo exercido a posse de boa-fé, lhe assiste o direito de indenização e de retenção, esta incidente na própria coisa, a perdurar enquanto não efetuado o pagamento do valor das mesmas” (RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas, 6a ed., Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 123).
ORLANDO GOMES classifica, assim, o direito de retenção como um efeito da posse, que “consiste na faculdade de não restituir a coisa enquanto não for indenizado do seu valor”, razão pela qual referido direito “assegura a conservação do bem alheio a quem é credor de dívida relativa a esse bem”, de forma que “o jus retentionis é remédio defensivo de ação pronta e decisiva, para compelir o devedor ao cumprimento da obrigação prevista na lei” (GOMES, Orlando. Direitos Reais, 21a ed., Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 83, sem destaque no original).
VENOSA acrescenta que o direito de retenção por benfeitorias configura uma “modalidade de garantia no cumprimento de obrigação [eis que] com a retenção, o possuidor exerce coerção sobre o retomante para efetuar o pagamento [razão pela qual] o direito de retenção é oposto como modalidade de defesa do possuidor, que inibe a entrega do bem até que seja satisfeita a obrigação” (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais, 13a ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 109, sem destaque no original).
Cessada a boa-fé, toda e qualquer benfeitoria acrescentada à coisa sujeitar-se-á ao art. 1.220 do CC/02, seguindo, assim, a regra das benfeitorias introduzidas pelo possuidor de má-fé, sendo, nessa hipótese, ressarcidas somente as benfeitorias necessárias e não assistindo o direito de retenção pela importância destas.
3. DOS ALUGUÉIS OU DA TAXA DE OCUPAÇÃO DEVIDOS PELA RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE COMPRA-E-VENDA DE IMÓVEL E A VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nos termos da jurisprudência desta Corte, a utilização do imóvel objeto do contrato de compra e venda enseja o pagamento de aluguéis ou de taxa de ocupação pelo tempo de permanência, independentemente de quem tenha sido o causador do desfazimento do negócio.
Isso porque, segundo o entendimento prevalente das Turmas da Segunda Seção a respeito do tema, o pagamento de taxa de ocupação ou aluguéis tem fundamento jurídico na vedação ao enriquecimento sem causa do adquirente, retribuindo ao proprietário os valores correspondentes ao tempo que o possuidor utilizou bem alheio.
Por essa razão, os aluguéis ou a taxa de ocupação devidos pela resolução do contrato de imóvel não se enquadram na categoria perdas e danos, para cuja indenização se faz necessária a constatação de ato ilícito.
Realmente, por impedir o enriquecimento sem causa, vedado pelo ordenamento, o pagamento de taxa de ocupação ou de aluguéis não depende sequer da aferição da boa-fé ou não do adquirente na posse do imóvel, sendo, pois, devido em relação à integralidade do período em que a citada posse foi exercida.
É essa a orientação da jurisprudência desta Corte, ao consignar que “o pagamento da verba consubstancia simples retribuição pelo usufruto do imóvel durante determinado interregno temporal, rubrica que não se relaciona diretamente com danos decorrentes do rompimento da avença, mas com a utilização de bem alheio [de forma que] se mostra desimportante indagar quem deu causa à rescisão do contrato, se o suporte jurídico da condenação é a vedação do enriquecimento sem causa” (REsp 955.134/SC, Quarta Turma, DJe 29/08/2012, sem destaque no original).
Na mesma linha, essa e. Terceira Turma acrescenta que “o pagamento de aluguéis não envolve discussão acerca da licitude ou ilicitude da conduta do ocupante [porquanto] o ressarcimento é devido por força da determinação legal segundo a qual a ninguém é dado enriquecer sem causa à custa de outrem, usufruindo de bem alheio sem contraprestação” (REsp 1613613/RJ, Terceira Turma, DJe 18/06/2018, sem destaque no original).
4. DA HARMON IZAÇÃO ENTRE OS INSTITUTOS JURÍDICOS EM EXAME
Em situação análoga à presente – ação reivindicatória julgada procedente em favor do proprietário, com sua condenação à indenização de benfeitorias introduzidas pelo possuidor direto e reconhecimento do direito de retenção – , esta e. Terceira Turma concluiu que “o direito de retençãoassegurado ao possuidor de boa-fé não é absoluto [haja vista que] pode ele ser limitado pelos princípios da vedação ao enriquecimento sem causa e da boa-fé objetiva, de forma que a retenção não se estenda por prazo indeterminado e interminável” (REsp 613.387/MG, Terceira Turma, DJe 10/12/2008).
Verificou-se, na oportunidade, uma “tensão que existe entre o direito de propriedade e o direito de retenção”, a qual seria equacionada pela solução segundo a qual:
[…] o recorrente deva pagar pelas acessões introduzidas, de boa-fé, no terreno e que, por outro lado, os recorridos sejam obrigados a pagar um valor, a ser arbitrado, a título de aluguel, pelo uso do imóvel. Os créditos recíprocos haverão de ser compensados de forma que o direito de retenção será exercido no limite do proveito que os recorridos tenham tido com o uso da propriedade alheia.
A retenção é reconduzida, dessa forma, à sua essência. Não é ela um direito absoluto ou ilimitado sobre a coisa, mas mera retentio temporalis. Os princípios da vedação ao enriquecimento sem causa e da boa-fé objetiva, ao mesmo tempo que impõem ao retentor o dever de não usar a coisa, fazem com que a retenção não se estenda por prazo indeterminado e interminável.
(REsp 613.387/MG, Terceira Turma, DJe 10/12/2008, sem destaque no original).
Transpondo essa solução para a hipótese da resolução do contrato de compra e venda de imóveis, deve-se concluir que, em relação ao direito de retenção por benfeitorias, embora, “por ocasião da inversão da posse, a investigação acerca da boa-fé do possuidor pode ser relevante para aferir a possibilidade de retenção ou indenização por benfeitorias ou acessões realizadas no imóvel (artigo 1.219 do Código Civil), [essa retenção], não o exime da contraprestação pelo uso do bem” (AgInt no REsp 1216477/RS, Quarta Turma, DJe 07/06/2018).
Assim, em razão de a contraprestação pelo uso do bem – aluguéis ou taxa de ocupação – se referir à vedação ao enriquecimento sem causa do adquirente e, como o direito de retenção não é um direito absoluto, o crédito que o adquirente possui pelas benfeitorias deve ser compensado com os valores referentes aos alugueis ou taxa de ocupação do bem, aliás, por aplicação analógica do art. 1.221 do CC/02, que informa que ”as benfeitorias compensam-se com os danos” (sem destaque no original).
Como consequência, ainda que o adquirente possua direito de retenção por benfeitorias, não pode ser isento, no período de exercício desse direito, da obrigação de pagar ao vendedor aluguéis ou taxa de ocupação pelo tempo que usou imóvel alheio.
5. DA HIPÓTESE CONCRETA
Na hipótese concreta, o Tribunal de origem reformou parcialmente a sentença de procedência do pedido de resolução de contrato de compra e venda de imóvel apenas para isentar o recorrido (adquirente) do pagamento de aluguéis ou de taxa de ocupação no período em que estivesse exercendo o direito de retenção pelas benfeitorias por ele inseridas no citado bem.
Declarou, no ponto, que, na retenção por benfeitorias, “a coerção decorre justamente do prejuízo a que estará sujeito o proprietário devedor caso não pague a indenização o quanto logo, razão pela qual o decurso do tempo reverte, obviamente, em benefício ao possuidor [de forma que] a finalidade do instituto restaria totalmente esvaziada caso fosse atribuída ao possuidor a obrigação de pagamento de alugueres nesse período” (e-STJ, fl. 583).
Ao assim decidir, o Tribunal de origem afastou-se do entendimento desta Corte a respeito do tema.
Com efeito, segundo a jurisprudência do STJ, o direito de retenção por benfeitorias, previsto no art. 1.029 do CC/02, não é absoluto, sendo exercido nos limites do crédito que o possuir detém pelas benfeitorias introduzidas no imóvel.
Dessa forma, o fator preponderante para o exercício do referido direito de retenção é o valor da indenização correspondente às benfeitorias, o qual, pois, pode ser compensação com os aluguéis ou taxa de ocupação pelo uso do imóvel alheio, por ele devidos ao vendedor, como forma de evitar o enriquecimento sem causa.
Assim, merece reforma, no ponto, o acórdão recorrido, para restabelecer a sentença que condenou o recorrido ao pagamento de aluguéis durante todo o período em que estiver na posse do imóvel até sua desocupação, independentemente do exercício do direito de retenção por benfeitorias.
6. CONCLUSÃO
Forte nessas razões: i) não conheço do agravo em recurso especial interposto por JOÃO DIAS DE OLIVEIRA; e ii) DOU PROVIMENTO ao recurso especial de EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS PARAÍSO LTDA para restabelecer a sentença de integral provimento dos pedidos.
Deixo de majorar os honorários recursais em relação ao agravo em recurso especial, considerando que a sentença foi proferida na vigência do CPC/73 (e-STJ, fl. 256).
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INADMISSÃO. DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTOS. IMPUGNAÇÃO. AUSÊNCIA. INÉPCIA. SÚMULA 182/STJ.
1. Não deve ser conhecido o agravo em recurso especial que não impugna, especificamente, todos os fundamentos da decisão agravada, conforme disposto na Súmula 182/STJ.
2. Agravo em recurso especial de JOÃO DIAS DE OLIVEIRA não conhecido.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESOLUTÓRIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. IMÓVEL. BENFEITORIAS. DIREITO DE RETENÇÃO. ART. 1.029 DO CC/02. LIMITE. VALOR DA INDENIZAÇÃO DEVIDA. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. VEDAÇÃO. ART. 884 CC/02. ALUGUÉIS. TAXA DE OCUPAÇÃO. UTILIZAÇÃO DE IMÓVEL ALHEIO. INCIDÊNCIA. PERÍODO DE OCUPAÇÃO DO IMÓVEL. INTEGRALIDADE. INDENIZAÇÕES. VALORES. COMPENSAÇÃO. PROVIMENTO. 1. Cuida-se de ação de resolução de contrato de compra e venda de imóvel, fundada no inadimplemento do comprador, na qual a obrigação de pagar aluguéis pela ocupação do imóvel foi suspensa durante o período de exercício do direito de retenção por benfeitorias.
2. Recurso especial interposto em: 17/05/2019; conclusos ao gabinete em: 27/12/2020; aplicação do CPC/15.
3. O propósito recursal consiste em determinar se: a) ocorreu negativa de prestação jurisdicional; e b) na resolução de contrato de compra e venda de imóvel, existindo o direito à retenção por benfeitorias, deve-se, durante seu exercício, isentar o adquirente do pagamento de aluguéis ou taxa de ocupação.
4. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 1.022, I e II, do CPC/15.
5. Pelo princípio da gravitação jurídica, as benfeitorias, bens acessórios, acompanham o bem imóvel, bem principal, de forma que, em algumas hipóteses, esses melhoramentos introduzidos no imóvel pelo possuidor direto entram para o patrimônio do proprietário, possuidor indireto, quando o bem principal retorna à sua posse.
6. Na forma do art. 1.029 do CC/02, o possuidor de boa-fé tem o direito de reter o imóvel alheio até que lhe seja paga a indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis por ele introduzidas no bem.
7. A utilização do imóvel objeto do contrato de compra e venda enseja o pagamento de aluguéis ou de taxa de ocupação pela integralidade do tempo de permanência, independentemente de quem tenha sido o causador do desfazimento do negócio e da boa ou má-fé da posse exercida pelo adquirente, pois se trata de meio de evitar o enriquecimento ilícito do possuidor pelo uso de propriedade alheia. Precedentes.
8. Ainda que o adquirente possua direito de retenção por benfeitorias, não pode ser isento, no período de exercício desse direito, da obrigação de pagar ao vendedor aluguéis ou taxa de ocupação pelo tempo que usou imóvel alheio.
9. O direito de retenção não é absoluto e deve ser exercido nos limites dos valores da correspondente indenização pelas benfeitorias, que devem ser compensados com o montante devido pela ocupação do imóvel alheio – aluguéis ou taxa de ocupação.
10. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido isentou o recorrido (adquirente) do pagamento de aluguéis ou de taxa de ocupação no período em que estivesse exercendo o direito de retenção pelas benfeitorias por ele inseridas no citado bem, desviando-se, assim, da jurisprudência desta Corte sobre o tema.
11. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, não conhecer do agravo em recurso especial interposto por João Dias de Oliveira e dar provimento ao recurso especial de Empreendimentos Imobiliários Paraíso Ltda, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 09 de fevereiro de 2021(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora