“Nos casos em que há disputa pela posse de terra, a pendência de julgamento do processo é condição suspensiva para o ajuizamento de ação demarcatória. Os ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmaram o entendimento ao analisar recurso especial que questionou a necessidade de se extinguir o feito demarcatório em trâmite.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, a ação demarcatória, inegavelmente, tutela o domínio, diferenciando-se da ação reivindicatória, em verdade, quanto à individualização da coisa.
Além disso, a relatora concluiu que ‘diante da natureza petitória da ação demarcatória, inviável o seu ajuizamento enquanto pende de julgamento ação possessória, nos termos do que preceituado no artigo 923 do Código de Processo Civil de 1973‘.
Como no caso, contudo, a disputa acerca da posse da terra foi solucionada, a ministra entendeu que a ação demarcatória deveria prosseguir, entendimento que foi seguido à unanimidade pela turma julgadora. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) havia extinguido a ação demarcatória, diante da impossibilidade jurídica do pedido. Na época, não havia julgamento de mérito sobre a posse das terras.
No STJ, o recurso foi parcialmente provido para que o tribunal de origem analise o mérito da ação demarcatória. Para o colegiado, a conclusão do TJMT acerca da impossibilidade jurídica do pedido foi correta – apesar de não aplicável à hipótese dos autos por ter havido julgamento da possessória –, já que a ação demarcatória se diferencia da reivindicatória quanto à individualização da coisa disputada.
Segundo a relatora, a regra do artigo 923 do CPC/73, aplicável ao caso, prevê apenas uma condição suspensiva para o ajuizamento da ação e, portanto, ‘não há qualquer razão que, neste momento, justifique a sua extinção’, tornando inócua a discussão acerca da aplicabilidade do artigo”.
Fonte: STJ.
Confira o julgado:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.655.582 – MT (2017/0036629-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso especial interposto por VICTOR HUGO RODRIGUES ALVES FERREIRA, ANTONIO BELLISSIMO NETO, MARIA CLAUDIA NOGUEIRA FERREIRA BELLISSIMO, MARCELO DE CARVALHO BELLISSIMO, FLAVIA FABRINI FERRACINE BELLISSIMO, ROBERTO BELLISSIMO RODRIGUES e PATRICIA BELLISSIMO, fundamentado exclusivamente na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/MT.
Recurso especial interposto em: 26/07/2016.
Atribuído ao gabinete em: 13/03/2017.
Ação: demarcatória cumulada com queixa de esbulho, ajuizada pelos recorrentes, em desfavor de ADEMIR ORTIZ DE GOES, MARCIA APARECIDA LUCIO DE GOES, MARCOS ANTONIO VIMERCATI, SANDRA MARIA FORTUNATO VIMERCATI, SINAGRO PRODUTOS AGROPECUARIOS S.A, JOAO PEDRO RODOLPHO, NEUSA BERTONCIN RODOLPHO, JOSE BENEDICTO SALAROLI e ANA MARIA LEME ROSAS SALAROLI.
Alegam os autores, ora recorrentes, que são senhores e legítimos possuidores de propriedade rural em condomínio e que os recorridos, confinantes à sua propriedade, estão criando confusão nos limites da divisa, alterando o estado original das linhas demarcatórias, invadindo indevidamente a sua gleba de terras, motivo pelo qual pugnam pela demarcação da área. Por sua vez, pleiteiam, ainda, para que, demarcada a área, sejam os recorridos condenados a restituir as partes invadidas e indevidamente ocupadas (e-STJ fls. 15-27).
Sentença: julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, diante da impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que, estando pendente o julgamento ação possessória entre dois dos recorrentes e os recorridos, envolvendo o mesmo imóvel, estaria vedado o ajuizamento da ação demarcatória, nos termos do art. 923 do CPC/73 (e-STJ fls. 3.770-3.774).
Acórdão: negou provimento à apelação interposta pelos recorrentes, nos termos da seguinte ementa:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DEMARCATÓRIA – EXTINÇÃO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – AÇÃO POSSESSÓRIA AJUIZADA ANTERIORMENTE – IMPOSSIBILIDADE DE TRÂMITE CONCOMITANTE ENTRE AS AÇÕES POSSESSÓRIA E PETITÓRIA – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 923 DO CPC/1973 E 557, CAPUT DO CPC 2015 – RECURSO DESPROVIDO.
Nos termos do artigo 923 do CPC/1973 e artigo 557, caput do CPC/2015, é vedada a propositura de ação de reconhecimento de domínio enquanto estiver pendente ação possessória proposta anteriormente. Não fere o direito constitucional de propriedade, nem mesmo o direito constitucional de ação, a proibição legal de o proprietário propor ação petitória, quando pendente ação possessória (e-STJ fl. 3.918).
Embargos de declaração: opostos pelos recorrentes, foram rejeitados (e-STJ fls. 3.945-3.951).
Recurso especial: alegam violação dos arts. 489, IV, § 1º, do CPC/2015; 923, 940, 950 e 951 do CPC/73; e 1.297 do CC/02. Além de negativa de prestação jurisdicional, sustentam que:
i) as ações demarcatória e reivindicatória são distintas: naquela, pairam hesitações e incertezas sobre a linha de confrontação entre os terrenos, ao passo que nesta há perfeita individualização da coisa colimada, cujos contornos são conhecidos e declinados com exatidão;
ii) na pendência de ação possessória, somente é vedada a propositura de ação com fundamento no domínio, o que não se vislumbra na ação demarcatória, em que o que se pretende é o acertamento de linhas de divisa entre propriedades;
iii) a ação demarcatória distancia-se da vedação imposta pelo art. 923 do CPC/73; e
iv) o objeto da ação demarcatória não cerceia o legal processamento da ação possessória, motivo pelo qual impedir o seu prosseguimento significa violar o direito de defesa, o acesso à justiça e o devido processo legal (e-STJ fls. 3.956-3.979).
Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/MT admitiu o recurso especial interposto pelos recorrentes e determinou a remessa dos autos a esta Corte Superior (e-STJ fls. 3.998-3.999).
É o relatório.
VOTO
O propósito recursal é determinar se a presente ação demarcatória cumulada com queixa de esbulho, ajuizada pelos recorrentes, deve ser julgada extinta, sem resolução do mérito, em razão da pendência de ação possessória envolvendo o mesmo imóvel.
Aplicação do Código de Processo Civil de 2015, pelo Enunciado administrativo n. 3/STJ.
I – Da violação do art. 489, IV, § 1º, do CPC/2015
1. A ausência de expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição nas razões recursais enseja o não conhecimento do recurso especial quanto ao ponto. Aplica-se, neste caso, a Súmula 284/STF.
II – Da ausência de prequestionamento
2. O acórdão recorrido, apesar da oposição de embargos de declaração, não decidiu acerca dos argumentos invocados pelos recorrentes em seu recurso especial quanto aos arts. 940, 950 e 951 do CPC/73; e 1.297 do CC/02, o que inviabiliza o seu julgamento. Aplica-se, neste caso, a Súmula 211/STJ.
III – Da vedação ao ajuizamento de ação petitória quando pendente o julgamento de ação possessória – previsão contida no art. 923 do CPC/73
3. Nos termos do art. 923 do CPC/73, “Na pendência do processo possessório, é defeso, assim ao autor como ao réu, intentar a ação de reconhecimento de domínio ” (grifos acrescentados).
4. O disposto no mencionado comando legal tem sua razão de ser na impossibilidade de discutir-se o domínio enquanto pende discussão acerca da posse, deixando evidente, como se sabe, que a posse é direito autônomo em relação ao direito de propriedade.
5. Nesse contexto, impende salientar que:
A restrição tem o objetivo de tornar possível a prestação de uma forma de tutela jurisdicional imprescindível à situação jurídica do possuidor. Não há posse ou situação jurídica de possuidor sem tutela jurisdicional possessória e não há efetiva e adequada tutela jurisdicional possessória sem restrição à discussão do domínio. Não fosse assim, a posse e o possuidor estariam ao desamparo da tutela do Estado. De modo que a restrição, além de estar fundada na posse, está baseada no direito fundamental à tutela jurisdicional adequada (art. 5º, XXXV, CRFB). A propriedade pode ser tutelada mediante o exercício do direito de ação depois de esgotado o juízo possessório (MARINONI, Luiz Guilherme. Código de processo civil comentado artigo por artigo / Luiz Guilherme Marinoni, Daniel Mitidiero – 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010, p. 846).
6. A proibição do ajuizamento de ação petitória enquanto pendente ação possessória, em verdade, não limita o exercício dos direitos constitucionais de propriedade e de ação, mas vem ao propósito da garantia constitucional e legal de que a propriedade deve cumprir a sua função social, representando uma mera condição suspensiva do exercício do direito de ação fundada na propriedade (NERY JUNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado / Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery – 16 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribuanais, 2016, p. 1493).
7. Sob essa ótica, a 4ª Turma deste Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a possibilidade de ajuizamento de ação de usucapião enquanto pendente feito possessório, concluiu que “(…) é descabido intentar-se, na pendência de feito possessório, ação visando ao reconhecimento de domínio. Claro está que a ação de usucapião é tipicamente de reconhecimento de domínio, bastando que se atente para os termos em que vazados o art. 550 do Código Civil/1916 e o 1.238 do atual Código Civil, nos quais ressai a pretensão de declarar-se, por sentença, o domínio invocado pelo autor. A proibição de propor-se ação de reconhecimento de domínio não se limita, portanto, à ação reivindicatória; estende-se ao ajuizamento também da ação de usucapião ”. O referido julgado foi assim ementado:
USUCAPIÃO. PROPOSITURA DA AÇÃO NA PENDÊNCIA DE PROCESSO POSSESSÓRIO. INADMISSIBILIDADE. ART. 923 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. – Na pendência do processo possessório é vedado tanto ao autor como ao réu intentar a ação de reconhecimento de domínio, nesta compreendida a ação de usucapião. Recurso especial conhecido e provido (REsp 171.624/MG, 4ª Turma, DJ 18/10/2004).
8. O cerne da controvérsia posta à discussão no presente recurso especial é, contudo, definir se é possível o ajuizamento de ação demarcatória enquanto pendente de julgamento ação possessória.
9. Destarte, preliminarmente à solução da questão, faz-se mister tecer algumas considerações acerca da própria ação demarcatória.
IV – Da ação demarcatória
10. O art. 1.297 do CC/02 prevê que:
Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar os rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as despesas.
11. A segunda parte do mencionado dispositivo legal é a base de direito material para o exercício da ação de demarcação que, por sua vez, vem prevista no art. 946, I, do CPC/73 – e reprisada no art. 569, I, do CPC/2015 –, dispositivo legal que consigna expressamente que “Cabe a ação de demarcação ao proprietário para obrigar o seu confinante a estremar os respectivos prédios, fixando-se novos limites entre eles ou aviventando-se os já apagados ”.
12. Como mesmo delineado no supracitado o artigo, a ação demarcatória é instrumento processual posto à disposição tão somente do proprietário, com o propósito de tutelar o seu direito de estabelecer os limites de sua propriedade, com a demarcação ou delimitação compulsória da área, o avivamento de rumos apagados ou a renovação de marcos destruídos ou arruinados entre o prédio do autor e os prédios dos proprietários das áreas confinantes, em razão da existência de confusão de limites territoriais entre os imóveis. Ressalte-se, inclusive, que, ainda que existente linha demarcatória, se ela não corresponder aos títulos, é cabível a demarcatória.
13. É importante observar que a ação demarcatória não se confunde com a reivindicatória, pois por meio desta discute-se o domínio de imóvel certo, perfeitamente identificado e que não sofre debates em torno de suas linhas divisórias, enquanto que, por intermédio daquela, objetiva-se definir quais os limites territoriais entre prédios que, embora possam estar formalmente descritos no título aquisitivo, em termos materiais ensejam discussão quanto à exata localização de suas fronteiras. Tanto isso é verdade que, havendo perfeita identificação de limites ou presença de marcos, afasta-se a viabilidade da lide demarcatória, de vez que esta não pode ser utilizada como instrumento destinado apenas ao reconhecimento do domínio sobre o imóvel (MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código civil comentado: Lei n. 10.406, de 10.01.2002 / Fabrício Zamprogna Matiello – 7 ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 672).
14. A propósito, convém lembrar que, conforme já decidido no âmbito desta Corte Superior, “o ponto decisivo a distinguir a demarcatória em relação a reivindicatória é ‘a circunstância de ser imprecisa, indeterminada ou confusa a verdadeira linha de confrontação a ser estabelecida ou restabelecida no terreno’ ” (REsp 60.110/GO, 4ª Turma, DJ 05/09/1995). No mesmo sentido, convém citar recente precedente deste STJ:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. EXISTÊNCIA DE ESCRITURA PÚBLICA DE DEMARCAÇÃO. ALTERAÇÃO DA LINHA DIVISÓRIA ORIGINALMENTE DEFINIDA. TITULARIDADE DO DOMÍNIO DO AUTOR. INDIVIDUALIZAÇÃO DA ÁREA. POSSE INJUSTA DOS RÉUS. ARTS. 524 DO CC/1916 E 1.228 DO CC/2002. REQUISITOS RECONHECIDOS PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. SÚMULA 7/STJ. RECURSO IMPROVIDO.
1. A reivindicatória, de natureza real e fundada no direito de sequela, é a ação própria à disposição do titular do domínio para requerer a restituição da coisa de quem injustamente a possua ou detenha (CC/1916, art. 524 e CC/2002, art. 1.228), exigindo a presença concomitante de três requisitos: a prova da titularidade do domínio pelo autor, a individualização da coisa e a posse injusta do réu.
2. A distinção entre demarcação e reivindicação, segundo o entendimento doutrinário, reside na circunstância de que, na reivindicação, o autor reclama a restituição de área certa e determinada; havendo incerteza quanto à área vindicada, prevalece a demarcação. Ademais, conforme já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, “o ponto decisivo a distinguir a demarcatória em relação a reivindicatória é ‘a circunstancia de ser imprecisa, indeterminada ou confusa a verdadeira linha de confrontação a ser estabelecida ou restabelecida no terreno” (REsp 60.110/GO, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, DJ de 2/10/1995).
3. Reconhecida pelas instâncias ordinárias a titularidade do domínio do autor, a efetiva individualização da coisa vindicada e a posse injusta dos réus, e inexistindo, por outro lado, dúvida quanto à linha divisória entre os imóveis, previamente definida por meio de escritura pública, a simples constatação da alteração do traçado original da linha divisória anteriormente fixada não pressupõe a necessidade de nova demarcação, sendo cabível, na espécie, a demanda reivindicatória.
4. Recurso especial improvido (REsp 1.060.259/MG, 4ª Turma, DJe 04/05/2017) (grifos acrescentados).
15. Infere-se dos mencionados julgados que a ação demarcatória, inegavelmente, tutela o domínio, diferenciando-se da ação reivindicatória, em verdade, quanto à individualização da coisa.
16. A ação demarcatória representa, assim, inegável ação petitória, como mesmo expressamente reconhecido por abalizada doutrina:
É expressa a lei, com a concordância da doutrina e da jurisprudência, de que a ação demarcatória é corolário do direito de propriedade, cabendo a qualquer condômino, sem necessidade de anuência dos demais. É de natureza petitória e imprescritível, perdendo-se com a propriedade (PELUSO, Cezar. Código civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Manole, 2014, p. 1.210) (grifos acrescentados). 17. A corroborar tal posicionamento, vale transcrever, também, lição de Welder Queiroz dos Santos:
(…) a possibilidade de o juiz determinar ao réu a restituição da área invadida, com a declaração de domínio ou da posse do autor na sentença da primeira fase da ação de demarcação, é uma consequência direta do reconhecimento do direito de demarcar e da fixação do traçado correto da linha demarcanda. Aquela está incluída nesta. A sentença de primeira fase da demarcação traz latente e ínsita em seu conteúdo a força de restituir o bem ao seu dono, por via de consequência das operações demarcatórias (Comentários ao código de processo civil – volume 3 (arts. 539 a 925) / Cassio Scarpinella Bueno (coordenador). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 102) (grifos acrescentados).
18. Reprisa-se, por oportuno, que a ação demarcatória não objetiva somente a declaração de reconhecimento de domínio, uma vez que vem necessariamente atrelada à pretensão de demarcação da área controversa.
19. Pelo até o momento exposto, dessume-se que, diante da natureza petitória da ação demarcatória, inviável o seu ajuizamento enquanto pendente de julgamento ação possessória, nos termos do que preceituado no art. 923 do CPC/73.
20. Revela-se de fundamental importância destacar que o raciocínio adrede construído não vai de encontro ao posicionamento firmado por esta Corte no julgamento do RMS 10.231/BA (4ª Turma, DJ 28/03/2005) e do AgRg no REsp 1.215.453/MT (4ª Turma, DJe 15/09/20015), em que se consolidou o entendimento de que “Sendo os objetos das ações demarcatória e possessória distintos, o resultado de uma não cria obstáculos na execução da outra, sendo desnecessário o aguardo da correta delimitação da área para que a reintegração de posse seja cumprida ”.
21. É que, na hipótese dos mencionados recursos, não se tratou a ocasião de ajuizamento de ação demarcatória quando da pendência de ação possessória, mas tão somente de situação em que a propositura de uma ação deu-se anteriormente à de outra, motivo pelo qual a controvérsia cingia-se a definir se o resultado de uma ação (por exemplo, da demarcatória) impediria ou não a propositura e a execução de ação possessória.
22. Tampouco se revela semelhante à presente hipótese sob julgamento a discussão travada no julgamento do REsp 402.513/RJ (4ª Turma, DJ 19/03/2007) e do AgRg no AREsp 262.272/GO (4ª Turma, DJe 04/08/2014), em que se reconheceu que “A decisão sobre a posse de imóvel em ação de manutenção movida anteriormente não implica em coisa julgada sobre os limites dos terrenos lindeiros, de sorte que é juridicamente possível aos autores, conquanto vencidos na lide anterior, promoverem ação demarcatória para obter a definição da exata linha divisória entre os lotes contíguos (…)”.
23. É que, no julgamento dos mencionados recursos, a celeuma adstringia-se a definir se o trânsito em julgado de ação possessória constituiria obstáculo para o ajuizamento da ação demarcatória.
V – Da hipótese dos autos
24. Na espécie, os recorrentes ajuizaram a presente ação demarcatória em 27/08/2010 (e-STJ fl. 16), data em que ainda pendia de julgamento ação de interdito proibitório ajuizada pelos recorridos, em 20/07/2009 (e-STJ fl. 159), em face de dois dos ora recorrentes, referente às mesmas áreas, como mesmo delineado pela sentença (e-STJ fl. 3.772).
25. Diante da indiscutível pendência de ação possessória, o TJ/MT, mantendo in totum a sentença anteriormente proferida, deixou expressamente registrado que:
Ficou claro com os relatos e os fundamentos das partes, tanto na ação de interdito proibitório, como na ação demarcatória, que os autores desta pretendem com uma ação real, de cunho petitório, o reconhecimento de domínio. Nesse passo, como está pendente a ação possessória que trata da mesma área, com identidade de algumas partes, impossível nesse momento a pretensão demarcatória dos autores.
(…)
Importante dizer que os apelantes podem discutir sobre o domínio em momento posterior, em outro processo, quando já solucionada a ação possessória. A proibição do trâmite concomitante das ações não implica em cerceamento do direito de defesa à propriedade ou à posse, mas fica suspenso no aguardo do trânsito em julgado da ação possessória, ou seja, não fere o direito constitucional da propriedade, nem mesmo o direito constitucional de ação, a proibição legal de o proprietário propor ação petitória, quando pendente ação possessória (e-STJ fls. 3.922/3.923).
26. Conquanto se tenha concluído pela impossibilidade do ajuizamento da ação demarcatória enquanto pendente de julgamento ação possessória – no caso, a ação de interdito proibitório interposto por alguns dos recorridos – verifica-se que, na hipótese, não se mostra mais útil a discussão acerca da aplicabilidade do art. 923 do CPC/73. 27. É que, em consulta ao sítio eletrônico do TJ/MT, verifica-se não estar mais pendente de julgamento a ação de interdito proibitório ajuizada (consulta ao andamento processual do processo nº 0001583-53.2009.8.11.0024).
28. Inclusive, o agravo em recurso especial oriundo da mencionada ação de interdito proibitório foi por esta Corte definitivamente julgado em 18/05/2017, tendo referido acórdão transitado em julgado em 27/06/2017 (AREsp 1.058.583/MT), data em que ocorreu a baixa definitiva dos autos à origem.
29. Assim, tendo em vista que não estar mais pendente o julgamento de ação possessória, tendo-se ainda em mente que o art. 923 do CPC/73 previa apenas uma condição suspensiva para o ajuizamento da ação demarcatória, não há qualquer razão que, neste momento, justifique a sua extinção.
30. Afinal, nos termos do art. 462 do CPC/73 (atual art. 493 do CPC/2015), se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.
Forte nessas razões, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso especial interposto por VICTOR HUGO RODRIGUES ALVES FERREIRA e OUTROS e, nessa parte, DOU-LHE PROVIMENTO, para determinar a devolução dos autos à origem para que se prossiga no julgamento da presente ação demarcatória.
EMENTA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DEMARCATÓRIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO INDICAÇÃO. SÚMULA 284/STF. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. IMPOSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO DEMARCATÓRIA NA PENDÊNCIA DE JULGAMENTO DE AÇÃO POSSESSÓRIA. ART. 923 DO CPC/73. AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO DEFINITIVAMENTE JULGADA. AUSÊNCIA DE PENDÊNCIA DE JULGAMENTO DE AÇÃO POSSESSÓRIA. PROSSEGUIMENTO NO JULGAMENTO DA AÇÃO DEMARCATÓRIA.
1. Ação ajuizada em 27/08/2010. Recurso especial atribuído ao gabinete em 13/03/2017. Julgamento: CPC/2015.
2. O propósito recursal é determinar se a presente ação demarcatória cumulada com queixa de esbulho, ajuizada pelos recorrentes, deve ser julgada extinta, sem resolução do mérito, em razão da pendência de ação possessória envolvendo o mesmo imóvel.
3. A ausência de expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição nas razões recursais enseja o não conhecimento do recurso especial. Aplica-se, neste caso, a Súmula 284/STF.
4. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pelo agravante em suas razões recursais, não obstante a oposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial.
5. Nos termos do art. 923 do CPC/73, na pendência do processo possessório, é defeso, assim ao autor como ao réu, intentar a ação de reconhecimento de domínio.
6. A proibição do ajuizamento de ação petitória enquanto pendente ação possessória, em verdade, não limita o exercício dos direitos constitucionais de propriedade e de ação, mas vem ao propósito da garantia constitucional e legal de que a propriedade deve cumprir a sua função social, representando uma mera condição suspensiva do exercício do direito de ação fundada na propriedade.
7. A ação demarcatória é instrumento processual posto à disposição tão somente do proprietário, com o propósito de tutelar o seu direito de estabelecer os limites de sua propriedade, com a demarcação ou delimitação compulsória da área, o avivamento de rumos apagados ou a renovação de marcos destruídos ou arruinados entre o prédio do autor e os prédios dos proprietários das áreas confinantes, em razão da existência de confusão de limites territoriais entre os imóveis.
8. A ação demarcatória não se confunde com a reivindicatória, pois por meio desta discute-se o domínio de imóvel certo, perfeitamente identificado e que não sofre debates em torno de suas linhas divisórias, enquanto que, por intermédio daquela, objetiva-se definir quais os limites territoriais entre prédios que, embora possam estar formalmente descritos no título aquisitivo, em termos materiais ensejam discussão quanto à exata localização de suas fronteiras.
9. A ação demarcatória não objetiva somente a declaração de reconhecimento de domínio, uma vez que vem necessariamente atrelada à pretensão de demarcação da área controversa. Contudo, diante da natureza petitória da ação demarcatória, inviável o seu ajuizamento enquanto pendente de julgamento ação possessória, nos termos do que preceituado no art. 923 do CPC/73.
10. Conquanto se tenha concluído pela impossibilidade do ajuizamento da ação demarcatória enquanto pendente de julgamento ação possessória, verifica-se que, na hipótese, não se mostra mais útil a discussão acerca da aplicabilidade do art. 923 do CPC/73.
11. Não estando mais pendente o julgamento de ação possessória, e tendo-se ainda em mente que o art. 923 do CPC/73 prevê apenas uma condição suspensiva para o ajuizamento da ação demarcatória, não há qualquer razão que, neste momento, justifique a sua extinção.
12. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 12 de dezembro de 2017(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora