Direito Agrário

Notas sobre a controvérsia envolvendo o preço e o pagamento no arrendamento rural

Direito Agrário

por Pedro Hofmeister Ramos.

 

A questão referente à fixação do preço nos contratos agrários de arrendamento rural ainda é tema de muitas polêmicas na doutrina agrarista brasileira, mas, sobretudo, por conta da intepretação dada pelos Tribunais Estaduais e pelo Superior Tribunal de Justiça. Por conta disso, o presente estudo propõe realizar algumas considerações acerca do tema, dada a sua relevância para a segurança jurídica dos contratantes, eis que o arrendamento rural é um contrato largamente utilizado pelos produtores rurais.

O primeiro ponto que merece nota diz respeito ao fato de a palavra “preço” ter sofrido alteração semântica pela Lei nº 11.443/2007, quando alterou o art. 95 do Estatuto da Terra e, por consequência dos critérios hierárquico e temporal, os arts. 18 e 19 do Decreto nº 59.566/1966 (Regulamento dos contratos agrários), passando tal contraprestação ser agora chamada de “remuneração”.

Vejamos dita alteração, conforme consta na nova redação do já do art. 95, do Estatuto da Terra, em seu inciso XII:

XII – a remuneração do arrendamento, sob qualquer forma de pagamento, não poderá ser superior a 15% (quinze por cento) do valor cadastral do imóvel, incluídas as benfeitorias que entrarem na composição do contrato, salvo se o arrendamento for parcial e recair apenas em glebas selecionadas para fins de exploração intensiva de alta rentabilidade, caso em que a remuneração poderá ir até o limite de 30% (trinta por cento).

O doutrinador Wellington Pacheco Barros é pontual ao qualificar o tema da remuneração dos contratos de arrendamento rural como nebuloso. Afirma o referido jurista que é nesse tema do Direito Agrário que a legislação específica sofre a maior afronta, porquanto se pretende valer-se do princípio da liberdade contratual para reajustar a remuneração e suas condições e formas de pagamento, deixando de lado o forte dirigismo contratual que é imposto pelo Estado soberano.[1][2]

Porém, a imposição feita pelo legislador é derradeira às demais práticas vistas no dia-a-dia do setor primário; não há falar em remuneração nos contratos de arrendamento rural que não a sua fixação em dinheiro. Quando se diz dinheiro, leia-se moeda corrente nacional, por sua vez, real. É o que expressa a alínea a do inciso XI, do art. 95, do Estatuto da Terra e o art. 18, do Dec. nº 59.566/1966, este, ao dizer: “O preço do arrendamento só pode ser ajustado em quantia fixa de dinheiro, mas o seu pagamento pode ser ajustado que se faça em dinheiro ou em quantidade de frutos[3] cujo preço corrente no mercado local, nunca inferior ao preço mínimo oficial, equivalha ao do aluguel, à época da liquidação.”[4]

Muito embora da leitura da norma não se ventile qualquer dúvida, a questão da forma de pagamento pode ser no equivalente em produtos, ainda confunde arrendador e arrendatário, fazendo com que, nas cláusulas de preço/remuneração pactuadas, ocorra a sua fixação em forma diversa do que expressa na legislação.

Novamente, por uma proteção à parte supostamente mais fraca da relação, o estabelecido pela lei tende a ser protetivo, porquanto não submete o arrendatário às oscilações de preço de mercado, quando da fixação da remuneração em sacas de produtos colhidos[5], por exemplo.

Antonino Moura Borges[6] afirma: “Em outras palavras significa que o contrato é sempre elaborado prevendo pagamento de renda em dinheiro, apenas época do pagamento o arrendatário pode ter esta opção, isto porque, se ele ia vender os produtos para pagar a renda a terceiros, porque não vender para o arrendante ou proprietário no mesmo preço de mercado? ”.

Ao fim e ao cabo, o que está por traz dessa norma é o impedimento de que a remuneração do contrato de arrendamento rural extrapole o limite legal previsto, o que muitas vezes ocorre por manobras dissimuladas de ambas as partes.[7]

A proteção legislativa ao arrendatário não se limite aos artigos acima referidos, porquanto que no art. 19, do Estatuto da Terra, está previsto que, nos casos em que ocorra que a fixação da forma de pagamento deva ser realizada em frutos ou produtos – mesmo que respeitando o preço mínimo oficial, poderá o arrendatário optar pelo pagamento em dinheiro (moeda corrente nacional), com a finalidade de evitar fraude ou qualquer modalidade de simulação.[8]

É de suma importância, para o fiel cumprimento do contrato, que a cláusula do preço/remuneração seja bem redigida, e em conformidade com a legislação agrária, pois, não o sendo, ensejará a nulidade absoluta[9][10] da mesma, maculando todo o objeto do contrato e seu interesse econômico. Isso porquê, sendo a cláusula absolutamente nula, esta jamais terá eficácia, logo, não poderá ser exigida. [11]

Em que pese a nulidade da cláusula resultar na ineficácia da mesma, tal condição não irá libertar o arrendatário da incumbência de pagar o arrendamento/aluguel da área explorada, se tiver havido o real uso da mesma, sob pena de caracterizar enriquecimento indevido. O que acarreta, na prática, tal vício contratual (nulidade da cláusula de remuneração/pagamento), é a sua impossibilidade de execução (através dos mecanismos processuais cabíveis, ação de execução de título executivo extrajudicial[12]), porquanto o preço do título executivo, leia-se, o contrato de arrendamento em si, é ilíquido. Caso o arrendatário entenda por extinta sua obrigação de pagamento, caberá ao arrendador ingressar com a devida ação de fixação de remuneração de arrendamento rural[13], tendo por objeto principal da ação a nulidade de cláusula. Noutra ponta, caso pretenda o arrendatário pagar o preço, e o arrendador não o aceite, pois em inconformidade com a lei agrária, a ação de consignação em pagamento também sofrerá carência de liquidez e certeza do que se pagar, assim como nos casos de ação de despejo[14], quando ingressado em juízo pelo arrendador. A única solução, ao arrendador, para ver seu direito de contraprestação realizado, é o ajuizamento de ação de cobrança, onde haverá toda a fase de conhecimento, sentença, liquidação, para aí poder haver execução a plena satisfação do crédito.[15]

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entende de forma diversa[16], endossando tanto a validade[17] da cláusula do preço estipulada em pagamento, leia-se, em total afronta a lei específica, bem como, endossando os mecanismos processuais[18] que, de maneira idêntica, afrontam a lei processual civil vigente no país.

Percebe-se, das decisões citadas, oriundas do E. TJRGS, que os costumes encontram destaque como fonte de direito, os quais são resultados de condutas sociais, passíveis de serem condecoradas com valor normativo, ao passo que em consonância com os princípios e regras basilares do direito pátrio.[19]

Em função disso, segundo José Fernando Lutz Coelho, “[…] se denota a possibilidade da fixação do preço em produto, em contrato de arrendamento rural, consoante os costumes do interior, usos locais, que deverão ser respeitados, e também para evitar o enriquecimento injustificado de um contratante em relação ao outro”. [20] [21]

Já o entendimento na Corte Superior pátria, reforma os julgamentos proferidos na segunda instância gaúcha, ao afirmar, veementemente, em recente julgado, que “é nula cláusula contratual que fixa o preço do arrendamento rural em frutos ou produtos ou seu equivalente em dinheiro, nos termos do art. 18, parágrafo único, do Decreto nº 59.566/1966. Essa nulidade não obsta que o credor proponha ação de cobrança, caso em que o valor devido deve ser apurado, por arbitramento, em liquidação”. [22]

Percebe-se que as contradições se encontram então no âmbito jurisdicional, como na doutrina, porquanto há doutrinadores que entendem que a fixação da remuneração em produtos pode ser mais gravosa às partes, porquanto, noutra banda[23] [24], a fixação em dinheiro da contraprestação tende a ser prejudicial. Ou seja, a questão é mais complexa do que se parece.

Por conta disso, merece destaque o ensinamento do professor Albenir Querubini, que, diante do cenário de insegurança jurídica, recomenda aos contratantes seguirem observando a regra de fixar a remuneração do arrendamento rural em quantia fixa em dinheiro, com a possibilidade do pagamento se dar em produtos, bem como refere o que se fazer nos casos de inadimplemento quando os contratos forem fixados em produto:

“Para evitar problemas aos contratantes diante de um cenário de insegurança jurídica, recomenda-se que os contratantes sigam observando a regra de fixar o preço do arrendamento em quantia fixa em dinheiro, com a possibilidade do pagamento se dar em produtos (se for o caso). Com isso, os produtores rurais evitam futuros gastos de tempo e dinheiro com demandas judiciais que possam trazer prejuízos ainda maiores do que o inadimplemento do arrendatário ou, até mesmo, inviabilizar o exercício do direito de retomada do imóvel agrário cedido em arrendamento. Já para os casos de inadimplemento nos quais o contrato de arrendamento foi firmado em produtos, a solução prática sugerida aos arrendadores é o ajuizamento de ação de cobrança cumulada com reintegração de posse ou, conforme o caso, ação monitória, lembrando que o arrendatário inadimplente continua obrigado a pagar pelas vantagens obtidas pelo uso do imóvel cedido em arrendamento, sob pena de atentar contra a função social dos contratos e a boa-fé contratual”.[25]

 E, conforme lembra o ilustre agrarista, é certo que a solução desse problema jurídico passa por uma necessária modificação legislativa. Inclusive, nesse sentido, o professor Albenir foi o primeiro a propor uma solução ao problema, ressaltando que bastaria o legislador “adotar critério de liquidação tal qual previsto hoje para a Cédula de Produto Rural financeira, prevista no art. 4ª- A da Lei nº 8.929, de 22 de agosto de 1994”, possibilitando que os contratantes possam fixar remuneração do contrato de arrendamento rural em produtos quando se valerem de cláusulas de liquidação financeira válidas[26].

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Notas:

[1] BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário. 9. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 150.

[2] No mesmo sentido, Rizzardo atesta: “A matéria do preço tem se revelado controvertida, eis que, seguidamente, as partes ajustam o montante em frutou ou produtos. Não se incutiu na consciência dos que tratam da terra o hábito de estabelecer em valores monetários o preço do arrendamento. Arraigou-se no meio rural a prática de fixar a contraprestação pelo uso temporário do imóvel rural em quantidade do produto que é colhido. ” (RIZZARDO, Arnaldo. Curso de Direito Agrário. 3. ed. rev., atua. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 466).

[3] “No arrendamento rural, fruto é o rendimento obtido pelo arrendatário na exploração rural, e produto, o próprio bem explorado. Dessa forma, a cláusula inserta num contrato de arrendamento agrário que ajuste o pagamento do aluguel em 10% (dez por cento) da produção, ou em 20 sacos de arroz por hectare, ou mesmo os dois ajustes concomitantes, será nula de pleno direito, pois, no primeiro caso, a fixação incidiu sobre frutos do contrato e, no segundo, em produtos, sendo com maior razão no ajuste duplo.” (BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário. 9. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 151).

[4] Sobre o assunto, também recomendamos o seguinte artigo: ZIBETTI, Darcy Walmor; QUERUBINI GONÇALVES, Albenir I. Anotações sucintas e comentadas sobre as alterações da legislação dos contratos agrários e a falsa parceria rural. In: TRENTINI, Flávia (coordenadora). Desafios do Direito Agrário contemporâneo: Anais do XII Congresso Mundial de Direito Agrário da UMAU. Ribeirão Preto: Altai Edições, 2014, pp. 111-127.

[5] Ao comentar o parágrafo único, do art. 18, do Estatuto da Terra, Antonino Moura Borges afirma: “Se fosse fixado em frutos ou produtos, descaracterizaria o contrato para parceria rural, isto é, o contrato não seria caracterizado como arrendamento, mas como parceria rural (agrícola ou pecuária).

[6] BORGES, Antonino Moura. Estatuto da Terra comentado e legislação adesiva. 2. ed. Campo Grande: Contemplar, 2014. p. 383.

[7] Idem, p. 383.

[8] No mesmo sentido e complementa, Wellington Pacheco Barros: “Se a remuneração for fixada em dinheiro, mas conste o ajuste de seu pagamento em produto, e o arrendador pretenda receber esse pagamento em produto, e o arrendador pretenda receber esse pagamento pela remuneração aquém do mínimo oficial, a lei faculta que o arrendatário pague exclusivamente em dinheiro, ou opte pelo produto, mas com a remuneração mínimo oficial. O legislador, todavia, deixou os contratantes livres quanto ao ajuste antecipado ou ao final da safra, ou do contrato e pagamento do aluguel mensal ou anual, ou qualquer outra forma que não infrinja as regas que dispôs. Assim, nada impede que, sendo a prestação para pagamento posterior e devendo ser fixado em real, possa sofrer ela correção monetária por índices oficiais. O que não deve ser ajustado é que a cláusula de correção tenha equivalência imediata em fruto ou produto, como por exemplo, o ajuste que fixe em R$ 100,00 (cem reais) o aluguel do hectare anualmente, para pagamento no final da colheita, e dê a esse valor a equivalência de 10 (dez) sacos de soja. Essa equivalência pode acarretar para o arrendatário na época da liquidação do aluguel o desembolso de mais reais, se a remuneração mínima do produto estiver em alta, ou em mais produto, se em baixa. Além dessa insegurança que o legislador procurou evitar, uma vinculação de tal forma colide frontalmente com a lei.”. (BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário. 9. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 151.)

[9] Nesse ponto, a jurisprudência é pacífica no Superior Tribunal de Justiça, vejamos: RECURSO ESPECIAL.   EMBARGOS À  AÇÃO   MONITORIA.  CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL.  FIXAÇÃO DE PREÇO.  CLÁUSULA. NULIDADE. PROVA ESCRITA. INSTRUÇÃO DO FEITO. POSSIBILIDADE. 1. Discute-se nos autos se contrato de arrendamento rural em que se estipulou o pagamento da dívida mediante entrega de produtos agrícolas   serve   como “prova escrita sem eficácia de título executivo”, hábil a amparar propositura de ação monitória. 2. A teor do disposto no artigo 1.102-A do Código de Processo Civil, a prova escrita capaz de respaldar a demanda monitória deve apresentar elementos indiciários da materialização de uma dívida decorrente de uma obrigação de pagar ou de entregar coisa fungível ou bem móvel. 3. É nula cláusula contratual que fixa o preço do arrendamento rural em frutos ou produtos ou seu equivalente em dinheiro, nos termos do art.  18, parágrafo único, do Decreto nº 59.566/1966. Essa nulidade não obsta que o credor proponha ação de cobrança, caso em que o valor devido deve ser apurado, por arbitramento, em liquidação. Precedentes. 4.  O contrato de arrendamento rural que estabelece pagamento em quantidade de produtos pode ser usado como prova escrita para aparelhar ação monitória com a finalidade de deteminar a entrega de coisa fungível, porquanto é indício da relação jurídica material subjacente. 5.  A interpretação especial que deve ser conferida às cláusulas de contratos agrários não pode servir de guarida para a prática de condutas  repudiadas  pelo  ordenamento jurídico, de modo a impedir, por   exemplo,   que   o  credor  exija  o  que  lhe  é  devido  por inquestionável descumprimento do contrato. 6. Recurso especial não provido. (REsp 1266975/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2016, DJe 28/03/2016).

[10] Corrobora com o entendimento, o doutrinador José Fernando Lutz Coelho, ao pontuar: “Desta forma, é de se imputar como nula a cláusula que infringe os dispositivos enumerados, visto que afronta norma cogente, de orem pública, contratiando de forma expressa ao seu dispositivo, que limita a autonomia da vontade, qualquer que seja a sua forma, subordinando os contratos agrários à regência do estatuto e os eu regulamento. (COELHO, José Fernando Lutz. Contratos agrários: uma visão neo-agrarista. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016. p. 125).

[11] BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário. 9. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 150.

[12] Há, ainda, nos julgados do TJRGS, entendimentos contrários, veja-se: Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. SUPOSTA IRREGULARIDADE NA PROPOSITURA DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA QUANDO O CONTRATO PREVIA O PAGAMENTO DO ARRENDAMENTO EM PRODUTO. INOCORRÊNCIA DA IRREGULARIDADE. CONTRATO QUE PREVIA O PAGAMENTO EM VALOR EQUIVALENTE A DETERMINADA QUANTIA DE PRODUTO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO ATACADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70049450323, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 15/08/2012).

[13] O doutrinador, Arnaldo Rizzardo, endossa: “O já citado Wellington Pacheco de Barros, no trabalho referido (p. 60 e 61), diz que se deve ajuizar uma ação do rito sumário para arbitrar em dinheiro o preço que vinha em produto. ” (RIZZARDO, Arnaldo. Curso de Direito Agrário. 3. ed. rev., atua. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 467).

[14] Quanto ao tema, Arnaldo Rizzardo complementa: “Uma séria de problemas traz a exegese acima. No caso de mora ou inadimplemento, nem será permitida a ação de despejo ou retomada, posto que o contrato não é considerado de arrendamento.” (RIZZARDO, op. cit. p. 467).

[15] BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Direito Agrário. 9. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 151.

[16] No mesmo andar, José Fernando Lutz Coelho, afirma: “Ocorre que em razão dos usos e costumes e da própria boa-fé contratual nos contratos agrários, o preço estabelecido em produto merece ser interpretado de forma mais branda, considerando as características e peculiaridades dos ajustes entre os contratantes, em especial, ao arrendador e arrendatário, pois independente da forma estabelecida rigorosamente, a prática e os usos das regiões vem enunciando a utilização exacerbada e constante do preço fixado em produtos, é praxe, embora viciosa, a forma utilizada sem qualquer malícia e má-fé, ao contrário, se denota a intenção límpida das partes em cumprir e adimplir o pacto ajustado. […] Mas, no nosso direito, a fixação do preço vem evidenciando algumas alterações nos decisórios, em prol do princípio da boa-fé e do usos e costumes, o que, diga-se de passagem, foram extremamente valorados com o advento do Código Civil brasileiro, conforme art. 422, que expressa que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. […] Mas o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul vem mudando e inovando, abrandando a imposição da lei, e entendendo válida a cláusula que fixa o preço em produto…” (COELHO, José Fernando Lutz. Contratos agrários: uma visão neo-agrarista. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2016. p. 127)

[17] Vejamos três recentes julgados do Egrégio TJRGS: Ementa: CONTRATOS AGRÁRIOS. AÇÃO DE COBRANÇA. REGULARIDADE DA FIXAÇÃO DO PREÇO DO ARRENDAMENTO EM PRODUTO. Sentença que decide de acordo com os limites impostos na lide, com adequada justificativa das suas conclusões, não padece de vício de nulidade. Não é de ser declarada inválida cláusula de contrato de arrendamento rural que estabelece o preço pelo uso da terra em quantia de produto. Rigorismo da lei que deve ser abrandado, em especial diante dos usos e costumes da região. É de se afastar tese de defesa com base na ilegalidade da cláusula na avença. Princípio da boa-fé contratual. Inexistência de qualquer comprovação de prejuízo pela forma de fixação do preço do arrendamento. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO EM VALOR CERTO. INCIDÊNCIA DO ART. 20, § 3º DO CPC. A remuneração do advogado deve atentar à atividade desenvolvida pelo causídico, retribuindo de forma adequada o trabalho do profissional. Atenção às operadoras do § 3º do art. 20 do CPC. Verba arbitrada em 10% sobre o valor da convenção na ação de cobrança, importância capaz de remunerar o profissional pela atuação nas duas demandas. DESPROVERAM O RECURSO DOS ARRENDATÁRIOS E DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO DA ARRENDADORA. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70061595484, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 25/06/2015); Ementa: AÇÃO DE DESPEJO. ARRENDAMENTO RURAL. INADIMPLEMENTO. NULIDADE DE CLÁUSULA. PREÇO. PRODUTO. O pagamento do aluguel é obrigação do arrendatário. A inadimplência fundamenta o despejo do imóvel. Inexistência de demonstração de valor acima do teto legal. Ônus da prova do réu. Art. 333, II, do CPC. O preço do arrendamento vinculado à quantidade de produto não invalida, por si só, a cláusula do contrato. No caso, o arrendatário não está em posição inferior ao arrendador, nem existe outro motivo para invalidar a disposição do contrato. Apelação não provida. (Apelação Cível Nº 70060795697, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Julgado em 28/08/2014); Ementa: CONTRATOS AGRÁRIOS. AÇÃO DE COBRANÇA DO PREÇO DO ARRENDAMENTO. SENTENÇA ULTRA PETITA. ADEQUAÇÃO DO JULGADO. Decidindo o julgamento além do pedido, formula decisão ultra petita, cumprindo haja adequação, desnecessário o decreto de nulidade. Correção. Não é de ser declarada nula cláusula de contrato de arrendamento rural que estabelece o preço pelo uso da terra em quantia de produto. Rigorismo da lei que deve ser abrandado, em especial diante dos usos e costumes da região. É de se afastar tese de defesa com base na ilegalidade da cláusula na avença. Princípio da boa-fé contratual. Inexistência de qualquer comprovação de prejuízo pela forma de fixação do preço do arrendamento. Contrato com termo final previsto para 1996. Continuando o arrendatário a explorar a terra, presume-se que ocorreu a renovação tácita, prorrogando-se o prazo do contrato até 1999. Aplicação do disposto no 95, inciso IV, da Lei 4504/64. Validade da cláusula que exclui o direito de retenção por benfeitorias. Proveram em parte o apelo. Unânime. (Apelação Cível Nº 70052154119, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 28/11/2013)

[18] Quanto a ação de execução de título executivo extrajudicial, vejamos o que já decidiu o TJRGS: Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. SUPOSTA IRREGULARIDADE NA PROPOSITURA DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA QUANDO O CONTRATO PREVIA O PAGAMENTO DO ARRENDAMENTO EM PRODUTO. INOCORRÊNCIA DA IRREGULARIDADE. CONTRATO QUE PREVIA O PAGAMENTO EM VALOR EQUIVALENTE A DETERMINADA QUANTIA DE PRODUTO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO ATACADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70049450323, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini, Julgado em 15/08/2012). Vejamos, também, o que já decidiu essa E. Corte gaúcha, quanto a ação de despejo: Ementa: AÇÃO DE DESPEJO. ARRENDAMENTO RURAL. INADIMPLEMENTO. NULIDADE DE CLÁUSULA. PREÇO. PRODUTO. O pagamento do aluguel é obrigação do arrendatário. A inadimplência fundamenta o despejo do imóvel. Inexistência de demonstração de valor acima do teto legal. Ônus da prova do réu. Art. 333, II, do CPC. O preço do arrendamento vinculado à quantidade de produto não invalida, por si só, a cláusula do contrato. No caso, o arrendatário não está em posição inferior ao arrendador, nem existe outro motivo para invalidar a disposição do contrato. Apelação não provida. (Apelação Cível Nº 70060795697, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Cezar Muller, Julgado em 28/08/2014).

[19] COELHO, José Fernando Lutz. Contratos agrários: uma visão neo-agrarista. Curitiba: Juruá, 2011, p. 130.

[20] Idem.

[21] Vejamos o que diz Vilson Ferretto: “Se o objetivo da Lei é proteger o arrendatário e sendo do interesse deste a fixação do preço do arrendamento pela equivalência > produto, como também é o do arrendador, não há justificativa para que se obriguem os contratantes a estabelecer em seus ajustes forma diversa de pagamento pelo uso da terra, mesmo porque o respectivo valor será permanentemente atualizado segundo as oscilações do mercado, para mais ou para menos, o que não acontece com a moeda sempre sujeita a variações crescentes e às vezes incontroláveis.” (FARRETO, Vilson. Contratos agrários: aspectos polêmicos. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 124)

[22] REsp 1266975/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/03/2016, DJe 28/03/2016.

[23] Vilson Ferretto, leciona: “O Regulamento do Estatuto da Terra, ao estabelecer que o valor do arrendamento seja fixado em quantia certa de dinheiro, mesmo em admitindo possa ser pago pela conversão em produtos, está em descompasso com a realidade, contrariando os usos e costumes dos produtores e, mais, seus oróprios interesses, que objetivaria defender. ” (FERRETO, Vilson. Contratos agrários: aspectos polêmicos. São Paulo: Saraiva, 2009.p. 125).

[24] Argumenta, José Fernando Lutz Coelho: “Não podemos deixar de ressaltar que a prática nos tem evidenciado que a interpretação rigorosa em declarar a nulidade da cláusula contratual do contrato de arrendamento que estabeleça o preço em produtos, é extremamente vantajosa ao arrendatário inadimplente, que sob o manto ou pálio dessa legalidade exacerbada, não paga a renda ou aluguel do imóvel contratado, e alega a nulidade do preço, conduzindo a improcedência da ação despejatória, e ainda, exigindo postulação de arbitramento de preço, por meio de ação própria do arrendador. Com isso, retarda a prestação jurisdicional de obtenção do imóvel arrendado, que se encontra em atraso no pagamento do aluguel, aproveitando-se dessa regra que deve ser reapreciada, ou melhor atualizada em consonância aos ditames da própria evolução do direito contratual, principalmente aos princípio da boa-fé objetiva, e dos usos locais, repita-se, como já aduzimos anteriormente, não se busca vulneração da publicização, do direito agrarista, ou enfatizar como direito civilista, mas exatamente, aplicar novas diretrizes dos princípios fundamentais de eticidade, socialidade e operabilidade, do Código Civil brasileiro. É claro que estaremos superando o apego ao formalismo jurídico do próprio Estatuto da Terra e do Código Civil de 1916, dominado pelo tecnicismo, embora valorosos, não podem superar os próprios valores éticos, a clamada função social, e interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração, aliás, arts. 113, 187, 421, 422, do CC de 2002.” (COELHO, José Fernando Lutz. Contratos agrários: uma visão neo-agrarista. Curitiba: Juruá, 2011. p. 130)

[25] QUERUBINI, Albenir. A fixação do preço do arrendamento em produtos. Comentários ao entendimento adotado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça do Brasil no julgamento do Recurso Especial nº 1.266.975/MG. In: Revista Iberoamericana de Derecho Agrario – RIDA, n. 5, Febrero-2017, disponível em: http://ar.ijeditores.com/pop.php?option=articulo&Hash=895c0c96a3625ce25303f69e48d10a0c , acesso em 03.03.2017.

[26] Vide: https://www.academia.edu/31561893/A_fixa%C3%A7%C3%A3o_do_pre%C3%A7o_do_arrendamento_em_produtos_-_Revista_Iberoamericana_de_Derecho_Agrario_-_N%C3%BAmero_5_-_Febrero_2017.pdf .

Pedro Hofmeister Ramos – é Pós-graduado em Direito Contratual e Responsabilidade Civil PUC-RS, aluno do Curso de Especialização em Direito Agrário e Ambiental aplicado ao Agronegócio pelo I-UMA. É membro da União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU.

Veja também:

 A fixação do preço do arrendamento em produtos: comentários ao entendimento adotado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça do Brasil no julgamento do Recurso Especial nº 1.266.975/MG – por Albenir Querubini (Portal DireitoAgrário.com)

– Direito de retomada: encerramento do contrato de arrendamento rural depende de notificação prévia do arrendador (Portal DireitoAgrário.com, 05/10/2016)

 Arrendamento rural: ajuizamento de ação para exercício do direito de preferência na venda do imóvel arrendado não necessita o imediato depósito do preço (Portal DireitoAgrário.com, 16/09/2016)

– Contratos agrários: arrematante de imóvel agrário deve indenizar arrendatário pelas benfeitorias existentes (Portal DireitoAgrário.com, 13/09/2016)

– Índices de reajustamento dos contratos agrários de arrendamento rural – por Albenir Querubini (Portal DireitoAgrário.com, 12/09/2016)

– Arrendamento rural: é nula cláusula de arrendamento rural que fixa preço em quantidade de produtos (Portal DireitoAgrário.com, 29/08/2016)

– O Dirigismo Contratual, a Autonomia da Vontade e o Direito Agrário – por Roberto Bastos Fagundes Ghigino (Portal DireitoAgrário.com, 25/11/2016)

– Contratos agrários: STJ define que gado bovino caracteriza pecuária de grande porte para fins contratuais (Portal DireitoAgrário.com, 08/06/2016)

 O contrato de parceria rural: frutos e despesas – por Wellington Gabriel Zuchetto Barros  (Portal DireitoAgrário.com, 13/07/2017)

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