quarta-feira , 30 outubro 2024
Início / Notícias / Controvérsias no prazo prescricional do seguro agrícola
Direito Agrário - foto: Daniel Jobim

Controvérsias no prazo prescricional do seguro agrícola

por Francisco Torma.

 

É fato incontroverso dentro do direito brasileiro que o prazo para o ingresso da ação de cobrança contra a seguradora por conta da negativa de cobertura – total ou parcial – é de um ano.

Mas é preciso enfrentar questões mais complexas: um ano a partir de quando? E como contar esse ano?

A primeira questão a ser observada é o fato gerador, ou seja, o fato que vai ensejar o início da contagem prescricional.

As seguradoras defendem que o prazo deve ser contado a partir do sinistro. Nos casos do universo do agronegócio, é possível constatar em algumas teses defensivas da seguradora a afirmação de que o início do evento climático – como uma estiagem, por exemplo – seria o marco inicial da contagem do prazo prescricional. Ou seja, por essa lógica, antes mesmo do produtor constatar a perda produtiva, o prazo prescricional já estaria em curso porque o evento climático teve início em data anterior.

Essa tese defendida pelas seguradoras é absurda e felizmente não tem tido respaldo pelas decisões judiciais.

Recentemente, em 2022, o STJ enfrentou essa questão no REsp 1.970.111. O feito analisava se o fato gerador da pretensão para fins de contagem do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de cobrança de indenização securitária seria a data do sinistro ou a data da ciência da recusa pela seguradora.

A 3ª Turma do STJ entendeu ser a data da ciência da recusa pela seguradora o efetivo fato gerador para a contagem do prazo. Segundo a Ministra Nancy Andrighi, “somente a partir do instante em que o titular do direito pode exigir sua satisfação é que se revela lógico imputar-lhe eventual inércia em ter satisfeito o seu interesse”. Ainda segundo a Ministra, considerar o sinistro como prazo inicial da contagem prescricional estimularia o segurado a ajuizar eventual ação judicial antes mesmo de iniciar o procedimento administrativo junto a seguradora, temendo a perda do prazo.

Portanto, é possível afirmar, com base no acórdão do STJ, que o segurado deve comunicar o sinistro à seguradora, momento em que esta inicia a análise administrativa do pedido de cobertura securitária. É tão somente quando a seguradora nega a cobertura ao segurado que se iniciará o prazo prescricional de um ano constante do art. 206, § 1°, II, “b”, do Código Civil.

Esta decisão, inclusive, afasta a aplicabilidade da mal resolvida Súmula 229 do STJ, a qual afirma que “o pedido do pagamento de indenização a seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão”.

Entretanto, permanecem duas questões a ser resolvidas.

A primeira é: quanto tempo pode transcorrer entre a constatação do sinistro pelo segurado e a comunicação deste à seguradora?

O Ministro Ricardo Villas Bôas, que acompanhou o voto da Ministra Andrighi, analisou da seguinte forma: a partir do sinistro o segurado teria um ano para cobrar a seguradora, administrativa ou judicialmente. Com a negativa da seguradora, o segurado passa a ter outro ano para ingressar com a ação judicial, fundamentado nesta negativa.

É fácil constatar o evento danoso quando este é um fato específico, como um acidente de trânsito. Entretanto, nos seguros rurais, pode ser complexo afirmar com precisão quando exatamente o evento climático impõe à cultura um prejuízo.

De qualquer modo, afirmar que o primeiro dia de seca é o início desse prazo, como afirmam algumas seguradoras, é abusivo.

Entendemos que o adequado acompanhamento agronômico da cultura pode dizer o momento em que de fato o evento climático passou a prejudicar a produção, parcial ou totalmente. Neste momento nasce o dever do segurado em comunicar o sinistro à seguradora. Pela análise do voto do Ministro Ricardo Villas Bôas, este prazo administrativo seria de um ano. Mas não é recomendável aguardar tanto tempo por conta das cláusulas as quais o produtor está sujeito quando contrata o seguro, notadamente as que fixam prazo para comunicar o sinistro – normalmente 15 dias antes da colheita –, bem  como as que exigem do segurado uma conduta que procure minimizar as perdas.

Portanto, no que pese o entendimento do Ministro de que há o prazo de um ano para buscar a indenização administrativa, é fato que o sinistro deve ser comunicado tão logo a ciência agronômica aponte perdas na lavoura.

Por fim, um último ponto relevante nessa questão: considerando que o STJ firmou o entendimento de que o prazo prescricional de um ano é contado a partir da negativa da cobertura, ele deve ser contado da negativa inicial ou da resposta do pedido de reanálise?

Ainda fundamentadas na Súmula 229 do STJ, as seguradoras afirmam que o prazo prescricional passaria a correr da ocorrência do sinistro, ficaria suspenso enquanto houvesse a análise administrativa e voltaria a fluir após a comunicação da decisão, não sendo suspenso novamente no curso do pedido de reanálise.

O pedido de reanálise, costumeiramente previsto nas condições gerais do seguro, é uma espécie de segundo grau de jurisdição administrativo das seguradoras. Equivale a uma apelação.

Este entendimento das seguradoras tornou-se parcialmente inaplicável a partir da mencionada decisão do STJ, já que se entendeu que o prazo prescricional passa a contar da ciência do segurado da decisão. Entretanto, ainda é importante fixar qual das decisões da seguradora cria esse marco no tempo, se a primeira ou a última – da reanálise.

Neste sentido há vários julgados oriundos dos Tribunais brasileiros que afirmam que o pedido de reanálise não suspende o transcurso do prazo prescricional, ou seja, a partir do momento em que a seguradora informa, da primeira vez, acerca da denegatória da cobertura, o prazo prescricional voltaria a fluir – considerando a suspensão mencionada na Súmula 229 do STJ.

Entretanto, decisões atuais dos tribunais e do STJ já entendem o contrário: de que o período em que o pedido de reanálise está pendente de decisão também não pode ser considerado para o cômputo do prazo prescricional, notadamente porque “gera expectativa de que o impasse seja solucionado ainda na via administrativa, e muitas vezes é estimulado pela própria seguradora ou estipulante” (AREsp 099669). E isto é absolutamente lógico dentro de uma hermenêutica processualista: se o recurso cabível está em trâmite, é óbvio que a decisão originária pode ser alterada – e é exatamente o que espera o recorrente – razão pela qual é inviável tomar já outra medida judicial ou administrativa enquanto não se tem uma decisão final acerca da controvérsia.

É como afirmar que a parte litigante deveria interpor o Recurso Especial já após a sentença de primeiro grau, independentemente do julgamento da apelação junto ao Tribunal local.

Portanto, não se tem dúvidas de que no período em que o pedido de reanálise está sendo estudado pela seguradora o prazo prescricional não transcorre contra o segurado.

Entretanto, remanesce uma última questão: os julgados que mencionam que este prazo prescricional não flui durante o pedido de reanálise ainda se fundamentam na Súmula 229 do STJ, a qual afirma justamente que no período em que o segurado espera a resposta da seguradora o prazo prescricional está suspenso, mas teria iniciado com o sinistro. Entretanto, a decisão da 3ª Turma do STJ afirma que o prazo prescricional só inicia quando a seguradora comunica o segurado da negativa da cobertura securitária.

Isto gera uma considerável diferença na contagem do prazo.

Assim, temos uma vertente interpretativa de que o prazo inicia com o sinistro e é suspenso enquanto o pedido de cobertura é analisado pela seguradora, somente voltando a fluir com a decisão final desta, e; uma vertente que afirma que o prazo prescricional somente tem sua contagem iniciada com a decisão final da seguradora acerca da denegatória da cobertura.

Entendemos que a Súmula 229 conflita com o novo entendimento do STJ e o melhor caminho para se ter segurança jurídica seria a sua revogação, valendo então o entendimento de que o prazo somente inicia quando a seguradora notifica o segurado de que, em última instância, a cobertura securitária foi negada, parcial ou completamente.

FRANCISCO TORMA é advogado agrarista, especialista em direito tributário e MBA em Agronegócios, coordenador do portal AgroLei, membro da UBAU, professor de direito agrário, palestrante, colunista e escritor.

Leia também

Conversas sobre a Atualização do Código Civil – XXXII: análise dos Arts. 475 a 475-A

Foi publicada em 23 de outubro de 2024 a conversa de número XXXII do Projeto …