segunda-feira , 29 abril 2024
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Direito Agrário - Foto: Guilherme Medeiros

A APP e a reserva legal como limitações administrativas ao uso e à posse dos contratos agrários

por Wellington Pacheco Barros.

 

SUMÁRIO

I – Da teoria geral dos contratos agrários

II – Do uso e posse do imóvel rural como objeto dos contratos agrários

III – Das limitações administrativas ambientais criadas pela APP e Reserva Legal ao uso e à posse dos contratos agrários

IV – Dos danos causados à APP e Reserva Legal e seus efeitos nos contratos agrários

  

I – Da teoria geral dos contratos agrários

 

Este artigo procurará demonstrar que os contratos agrários, apesar de suas especificidades tópicas bem delineadas, sofrem limitações administrativas ambientais que alteram seus conceitos sobre o uso e a posse do imóvel rural por necessidade de resguardo obrigatório à APP e à Reserva legal criadas pelo Código Florestal, Lei nº 1.651/2012.

Assim, para iniciá-lo, penso que nunca é demais retornar à teoria geral do direito para abordar este instituto jurídico de regras próprias. Isso porque sendo o direito brasileiro essencialmente legislado, o que a lei não dispuser, os princípios gerais que norteiam a ciência jurídica podem supri-lo.

Afastada a discussão política se o Estado é ou não necessário ou sobre a legitimidade do hiato democrático ocorrido na década de 1960, mas apenas cingindo o estudo na legislação que emergiu desse contexto e que aí está, é possível concluir que a história dos contratos agrários tem início com a entrada em vigor do Estatuto da Terra há quase 60 anos (1964). Antes, as relações agrárias eram geridas pelo Código Civil de 1916. E a nova disposição legal retirou das partes muito daquilo que a lei civil pressupunha, como liberdade de contratar. Substituiu, portanto, a autonomia de vontade pelo dirigismo estatal. Ou seja, o Estado passou a dirigir as vontades das partes nos contratos que tivessem por objeto o uso ou posse temporária do imóvel rural. A ideia implantada pelo legislador residiu na admissão de que o proprietário rural impunha sua vontade ao homem que utilizasse suas terras de forma remunerada. E essa imposição sub-reptícia retirava deste último a liberdade de contratação, pois ele apenas aderia à vontade maior do proprietário. A figura interventora do Estado era, assim, necessária para desigualar essa desigualdade, com uma legislação imperativa, porém de cunho mais protetivo àquele naturalmente desprotegido.

Em outra perspectiva, é possível também concluir do estudo que se faça do tema, que os contratos agrários surgiram com uma conotação visível de justiça social tanto que pela primeira vez especificaram os requisitos do princípio constitucional da Função Social da Propriedade e que na análise integrada de seus dispositivos nitidamente se observa a proteção contratual da maioria eleita como desprivilegiada, a detentora do trabalho e que vem possuir temporariamente a terra de forma onerosa, em detrimento da minoria privilegiada, os proprietários ou possuidores rurais permanentes. Durante muito tempo, o estudo sobre os contratos se estruturou na visão exclusiva da ciência jurídica, e não poderia ser diferente, já que é um dos seus mais importantes institutos, embora resistente a mudanças. Dessa forma, a preocupação com sua origem romana sempre foi a base de iniciação de qualquer comentário que procurasse demonstrar uma teoria a seu respeito.

Mas, nos tempos modernos, diante da conclusão insuspeita de que o direito não é uma ilha, já que cresce e se moderniza através de influências externas geradas pelas relações sociais, é que se buscou alargar o campo de sua abrangência através de estudos correlatos desenvolvidos por ciências propedêuticas importantes no desenvolvimento dessa típica ciência do comportamento, como a política e a sociologia jurídica. Portanto, detectou-se que o contrato, como todo direito, sofria influências e influenciava outros pensamentos catalogados. É dentro dessa nova visão que se traçaram linhas de investigação no sentido de estabelecer como questionamento fundamental, por exemplo, qual seria a verdadeira gênese da relação contratual.

E isto se operou através do que passou a se chamar Lei de Maine, em homenagem a Sir Henry Summer Maine, sociológico jurídico inglês, que sustentou, no auge da escalada das ideias socialistas, que a lei do patriarca, do chefe, preponderava sobre a liberdade individual de contratar, na tentativa de demonstrar que os contratos desde a sua origem sempre foram dirigidos por um tercius e não seriam produtos exclusivos da vontade dos contratantes.

Essa introdução, portanto, já deixa antever que o estudo do contrato não se exaure nas lindes do direito. Sua importância nas relações sociais e na organização do Estado moderno é inquestionável. Dessa forma, ao procurar-se estabelecer os rumos da evolução dos contratos não se pode abandonar aquilo que se consubstanciou como origem clássica desse instituto jurídico, mas, de outro lado, não se pode olvidar que circunstâncias novas produzem importantes reflexos no instituto.

O Estatuto da Terra trouxe uma ideia radical de mudança na estrutura do campo. Assim, não se limitou ele tão-somente a distribuir terras pelo sistema de reforma agrária, a tributar mais rigorosamente as propriedades improdutivas ou a colonizar áreas inexploradas. Procurou também regrar as relações contratuais advindas com o uso ou posse dessas terras. A ideia política traduzida para o direito consistiu na imposição de um sistema fundiário.

II – Do uso e da posse do imóvel rural como objeto dos contratos agrários

 

No capítulo anterior, procurei me deter com certa profundidade sobre a origem dos contratos com o intuito de demonstrar a perenidade deste instituto e que, salvo a inclusão de temas contemporâneos, como a APP e a reserva legal criadas pelo Código Florestal, ele continua tão presente na vida humana como antes.

Como em outros institutos, a legislação agrária tratou de conceituar direta e antecipadamente o que pretendia regrar sobre contratos agrários. A ideia do legislador, repito, foi a de deixar claros os limites do tema, antecipando-se aos estudos que a doutrina faria do instituto e ainda porque se tentava impor uma diretriz jurídica nova sobre relações fáticas superadas.

Desta vez, não foi o Estatuto da Terra que tratou de conceituar o instituto agrário, mas o regulamento. Dessa forma, é que se encontram no Decreto nº 59.566/66, que regulamenta o dispositivo estatutário dos contratos agrários, os conceitos que se transcrevem e analisam:

Art. 3º – Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder a outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo do imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei.

A análise do conceito de arrendamento rural já possibilita que se retirem algumas conclusões, antes mesmo do estudo sistemático de todos os seus dispositivos.

O primeiro deles: arrendamento rural é contrato agrário. Ora, isso significa dizer que arrendar uma área rural com o objetivo de exploração é um contrato agrário e, portanto, suas regras e interpretações são aquelas pertinentes ao sistema desse ramo do direito. Dúvidas podem pairar sobre o conceito de arrendador e arrendatário nesse tipo de contrato, porquanto a lei indetermina esses envolvidos ao falar em uma pessoa se obriga a ceder a outra. A indeterminação legal só leva a uma interpretação: qualquer pessoa, física ou jurídica, pode assumir a condição de arrendador ou de arrendatário agrário. Pretendesse o legislador excluir a pessoa jurídica de firmar contrato de arrendamento expressamente teria previsto diante da abrangência casuística com que regou essa relação contratual. De outro lado, feriria o sistema que a lei procurou proteger ao se pensar que a regra apenas abrangeria as pessoas físicas quando se sabe que as pessoas jurídicas rurais existem em grande número, criando uma circunstância ilógica de interpretação.

A segunda conclusão é a cedência da posse arrendada. O proprietário ou possuidor permanente que arrenda seu imóvel transfere durante o prazo contratual o uso e o gozo que detinha sobre seu bem. Assim lhe é defeso interferir no exercício desses direitos cedidos. Se de alguma forma impede esse exercício, possibilita o uso pelo arrendatário dos interditos possessórios.

Outra conclusão que ainda se retira do conceito é a duração do arrendamento. Em princípio, é de se entender que, quando a lei fala em tempo indeterminado ou não, como prazo de duração do contrato, haveria plena liberdade das partes para fixá-lo. No entanto, este conceito deverá ser visto em termos, pois inexiste esta liberdade na determinação mínima de duração do arrendamento. Para esta, há limites que variam de acordo com o tipo de exploração pactuado, e que pode oscilar entre 3 (três) anos para cultura permanente (cultura de safra) até 7 (sete) anos para reflorestamento.

O que pode se enquadrar como objeto do contrato de arrendamento rural é outra conclusão que se retira de seu conceito. Assim, é objeto do arrendamento rural o aluguel de todo o imóvel, parte dele, incluindo, ou não, aquilo que existe sobre ele como benfeitorias ou que lhe facilitem o uso e gozo. Integra o contrato de arrendamento rural, por exemplo, o uso e gozo da área rural, incluindo o da casa da fazenda, armazém e barragem.

Mas o arrendamento rural tem uma finalidade e que diz respeito exatamente com a ideia do legislador: arrenda-se o imóvel rural para explorá-lo. Portanto, exige-se para a perfeição do contrato a efetiva exploração que pode ser, inclusive, a industrialização de produtos agrícolas, como é o caso de uma área rural onde exista um abatedouro ou uma unidade frigorífica de produtos primários de qualquer natureza. Pode ser considerado arrendamento rural o aluguel de um imóvel rural para exclusivamente se beneficiar o arroz.

Por último, é considerado arrendamento rural o uso ou gozo do imóvel rural mediante remuneração. Logo, não se trata de um contrato gratuito, é oneroso. E mais, não existe liberdade na fixação de seu quantum. A lei é que estabelece os percentuais máximos e os parâmetros limitadores.

Na esteira da conceituação de arrendamento rural, a lei procurou também deixar claro o que considerava como subarrendamento rural ao afirmar:

Art. 3º …

§ 1º – Subarrendamento é o contrato pelo qual o Arrendatário transfere a outrem, no todo ou em parte, os direitos e obrigações do seu contrato de arrendamento.

O subarrendamento é um contrato derivado. Sua existência depende, pois, da prévia existência do arrendamento. Pode-se inseri-lo na categoria de um subcontrato agrário e, como tal, sobre ele incidem todas as regras que são pertinentes a esse tipo de relação jurídica. Para ele são transferidos todos os direitos e obrigações do arrendatário, ou, apenas, parte deles. Sua validade, entretanto, depende de consentimento expresso do proprietário ou possuidor-arrendador. Sem ele, não existe subarrendamento válido, e o subarrendante pratica ato que possibilita a denúncia do contrato de arrendamento através de ação de despejo de rito sumário, antes sumariíssimo.

Portanto, aquilo que não for elemento característico de sua existência, aplica-se ao contrato de parceria rural, a mesma teoria geral aplicável a todos os demais.

Dito isso, embora o contrato de parceria rural mantenha a estrutura clássica da bilateralidade, os contratantes titulam direitos diferenciados sobre os bens que constituem o objeto desse contrato.

O parceiro-outorgante detém a posse dos bens que cede para a parceria!

 E o parceiro-outorgado, apenas os usa!

Isso é bem perceptível na Lei nº 11.443, de 05 de janeiro de 2007, que redefiniu o conceito de parceria rural, modificando o art. 4º do Decreto nº 59.566, de 12.11.66, para adaptá-lo à realidade moderna, bem demonstra esta coexistência, com a seguinte redação:

Art. 96 –

§ 1º – Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes dele, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha, isolada ou cumulativamente, dos seguintes riscos:

I – Caso fortuito e de força maior do empreendimento rural;

II – Dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais estabelecidos no inciso VI do caput deste artigo;

III – variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural.

§ 2º – As partes contratantes poderão estabelecer a prefixação, em quantidade ou volume, do montante da participação do proprietário, desde que, ao final do contrato, seja realizado o ajustamento do percentual pertencente ao proprietário, de acordo com a produção.

 

Ou seja, o parceiro-outorgante entrega o imóvel rural ou parte deles para uso específicodo parceiro-outorgado consistente na exploração agrícola, pecuária, agroindustrial.

 A entrega de animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias primas de origem animal, caracterizam espécies tópicas de uso, já que o parceiro-outorgado não vai poder obter ganhos exclusivos dessas atividades ou deles dispor.

Ora, se o parceiro-outorgado vai apenas usar o imóvel rural para explorar a agricultura, a pecuária ou a agroindústria ou vai criar, recriar, invernar, engordar ou extrair matérias primas de origem animais, ele não tem a posse de tais bens.

Esta continua com o parceiro-outorgante.

Portanto, são dois direitos bem distintos existentes dentro desse contrato.

Mas qual a real dimensão dos conceitos de posse e uso?

Sabe-se que, tanto quanto o contrato, a posse é também um clássico tema de direito. E não é em vão. Ela é a realidade da vida tornada direito: o homem precisa de determinado objeto por necessidade ou por puro prazer.

 E a história tem demonstrado isso. Muitas são as descobertas arqueológicas de fósseis humanos de centenas e até milhares de anos, onde se evidencia claramente uma vinculação de posse destes indivíduos em relação a objetos e áreas.

Quem primeiro se manifestou de forma escrita sobre a posse e sua diferença da propriedade foram os romanos com a promulgação da Lei das XII Tábuas: propriedade é o ius utendi, fruendi et abutendi, isto é, o direito de usar, gozar e tirar o máximo proveito da coisa. É na proteção destes direitos com os interditos que surge a figura da posse.  Hoje, não se tem mais dúvida que posse é a exteriorização da propriedade e que o possuidor é aquele que age como se fosse proprietário. O Código Civil trata da posse no art. 1.196[1] quando afirma que possuidor é aquele que exerce, de fato ou não, algum (qualquer um) dos poderes inerentes à propriedade. Já o art. 1.228 [2]diz que proprietário é aquele que pode usar, gozar, dispor ou pode reaver a coisa.

Em outras palavras: usar é servir-se das utilidades da coisa; gozar a coisa é receber os frutos e dispor é o direito de se desfazer da coisa, como vender, doar, destruir, abandonar, dar em garantia ou pagamento e reaver é o direito de ir atrás, o direito de retomar a coisa.

A propriedade imóvel precisa de ato solene para existir como bem jurídico, consistente na escritura pública e seu registro no Registro de Imóveis; a posse é mera situação de fato.

Para bem caracterizar: a propriedade pode se apresentar de várias formas. É chamada de plena ou alodial a propriedade em que o proprietário concentra em suas mãos todos os poderes inerentes; limitada ou restrita, em que algum dos poderes inerentes a propriedade não está nas mãos do proprietário em razão de um ônus ou de um direito real sobre coisa alheia. É exemplo o usufruto em que o nu-proprietário não pode usar e gozar ou o titular de direito de habitação, que só poderá usar para moradia; a propriedade resolúvel está sujeita à termo ou à condição resolutiva, art. 1.359 do Código Civil. Como exemplo, a cláusula de retrovenda, doação com cláusula de reversão e alienação fiduciária. A retrovenda, pelo art. 505, tem que o vendedor de coisa imóvel pode recobrá-la no prazo máximo de decadência de 3 anos.

       Questão importante é a distinção entre posse e detenção. O detentor não tem posse, ou seja, ele não pode se valer da defesa possessória. Falta-lhe legitimidade e não vai conseguir adquirir a propriedade pela usucapião. O exemplo clássico da detenção é o caseiro, ou o chamado fâmulo da posse, do art. 1.198, que ainda menciona que os atos de mera permissão ou tolerância e os atos violentos ou clandestinos, como formas que não são possíveis adquirir a propriedade pela usucapião.

Sendo assim, o primeiro caso mostra uma relação de dependência em nome de outro; ele recebe ordens e instruções de outras pessoas, fâmulos da posse são os servos da posse aqueles que conservam a posse em nome de outro. A permissão pressupõe uma autorização, enquanto que a tolerância ocorre sem autorização, mas ciente que está sendo tolerada.

Situação interessante está em se definir se o ato violento e o clandestino geram posse. Ora, ato violento é o uso da força e ato clandestino, entende-se como oculto. Mas, cessada a violência ou a clandestinidade surgirá a posse que se tornar velha depois de ano e dia. Exemplo típico é a usucapião, já que, cessada a violência e a clandestinidade, começa a contar o prazo a sua configuração. Vale mencionar que como bem público não pode ser objeto de usucapião, a invasão de bem público não vai caracterizar posse.

No direito moderno, a posse ganha importância quase igual à propriedade, especialmente quando se trata da posse sobre bem imóvel, basta que se verifique que a posse aquisitiva da propriedade, a usucapião, já foi de 30 (trinta) anos como previa a redação originária do CC de 1.916, e hoje, especialmente para a posse pro labore ela está reduzida a meros 5 (cinco) anos, como dispõe o art. 191 da Constituição Federal. Naturalmente que isso se deve à influência do princípio da função social da propriedade. Assim, se a propriedade tem obrigação, a posse, como estrutura decorrente, também o terá.

Mas, até por razões de ordem histórica como é a reforma agrária, é a posse agrária a que mais tem sofrido modificações quer como forma aquisitiva de propriedade, quer, simplesmente, pelo seu uso.

A posse regrada pelo direito civil se legitima apenas ficando à mercê do possuidor, desde que com isso ela exerça a vontade de verdadeiro dono. Não exige efetividade.

Tome-se, por exemplo, a posse para fins de usucapião regida pelo art. 1.238 do Código Civil, quer seja de imóvel rural ou urbano. No dispositivo não há a exigência de que o possuidor deva residir no imóvel urbano ou, na posse de um imóvel rural, explore uma atividade rural.

O texto citado está assim redigido:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Assim, basta possuir como seu um imóvel que o possuidor se legitima para adquirir a propriedade.

Mas, na posse agrária para fins de usucapião há necessidade que o possuidor demonstre que (a) – explora uma atividade tipicamente rural; (b) – de forma racional e adequada e que (c) – respeita o meio ambiente e às relações de trabalho.

Somente assim se cataloga como titular de uma boa posse agrária.

Ficou demonstrado que a posse agrária tem um plus. Não basta o ânimo de dono do possuidor para se dizer tipificada. Ela exige efetividade que se consubstancia na exploração de uma atividade rural de forma racional e adequada e desde que respeite o meio ambiente e as relações de trabalho.

Mas a posse é um instituto umbilicalmente atrelado à propriedade. Ou ela, como estrutura autônoma, a substitui, como no caso da posse originária da usucapião, ou ela é uma decorrência derivada, como no caso do arrendamento e da parceria rural e da desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.

O certo é que, se a propriedade imóvel no Brasil tem uma função social, ou uma obrigação ínsita, como bem definiu a Constituição Alemã de Weimar, em 1919 ao dizer que a propriedade obriga, tudo dela decorrente estará afetado por este princípio.

Portanto, não é difícil concluir que a posse agrária no Brasil está vinculada à função social da propriedade, de onde é possível se afirmar que ela tem uma função social a ser respeitada, quer ela seja criadora da propriedade, como na posse chamada de, quer ela seja derivada.

O ter e não usar no campo vem cedendo espaço para o usar sem ter.

Especificamente quanto à posse na parceria rural o parceiro-outorgante tem o direito de posse direta sobre os bens que entregar ao usuário parceiro-outorgado, já que nesse contrato ele não é um mero expectador. É um parceiro, um sócio, e, portanto, parte presente na relação contratual, inclusive podendo fiscalizar o trabalho do parceiro-outorgado, exigindo que ele se pauta nos termos do contrato. Dessa forma, querer saber o que seus bens produziram é direito inerente a essa posse. E em decorrência dele pode até pedir que o parceiro-outorgado lhe preste contas.

Mas ele precisa atender as obrigações do art. 40, do Decreto nº 59.566/66, aplicáveis por subsidiariedade do caput do art. 48 do mesmo decreto, para ser titular da posse de boa-fé.

Os dispositivos legais estão assim postos:

Art. 48. Aplicam-se à parceria, nas formas e tipos previstos no Estatuto da Terra e neste Regulamento, as normas estatuídas na Seção I deste Capítulo, e as relativas à sociedade, no que couber (art. 96, VII do Estatuto da Terra).

Art. 40. O arrendador é obrigado:

I – a entregar ao arrendatário o imóvel rural objeto do contrato, na data estabelecida ou segundo os usos e costumes da região;

II – a garantir ao arrendatário o uso e gozo do imóvel arrendado, durante todo o prazo do contrato (artigo 92, § 1º do Estatuto da Terra);

III – a fazer no imóvel, durante a vigência do contrato, as obras e reparos necessários;

IV – a pagar as taxas, impostos, foros e toda e qualquer contribuição que incida ou venha incidir sobre o imóvel rural arrendado, se de outro modo não houver convencionado.

Havendo esbulho sobre os bens praticado por terceiro, o parceiro-outorgante tem o direito de se utilizar dos interditos possessórios. O parceiro-outorgado, como mero usuário, não tem essa legitimidade.

A previsão do uso dos interditos está no art. 1.210 do Código Civil, nestes termos:

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

E o art. 567, do CPC, estabelece a forma:

Art. 567. O possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser molestado na posse poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório em que se comine ao réu determinada pena pecuniária caso transgrida o preceito.

De outro lado, em decorrência da posse dos bens, o parceiro-outorgante pode opor contra o parceiro-outorgado, não só as questões vinculadas ao próprio contrato de parceria rural, como também aquelas decorrentes do mau uso dos bens cedidos ao parceiro-outorgado, sem que nesse caso importe na discussão do contrato em si.

Observe-se a seguinte situação: o parceiro-outorgado cede à terceiro a título oneroso ou não bens que o parceiro-outorgante cedeu como objeto do contrato de parceria, sem previsão contratual. O parceiro-outorgante pode considerar esse fato como passível de rescisão contratual. Todavia, em decorrência de continuar titular da posse de tais bens, pode ele tão só interpor contra o terceiro interdito possessório para reaver tais bens, buscando ou não indenização do parceiro-outorgado por esse fato.

Repetindo o que foi dito no parágrafo anterior.

A entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias primas de origem animal caracterizam espécies tópicas de uso, já que o parceiro-outorgado não vai poder obter ganhos dessas atividades ou deles dispor.

Ora, se o parceiro-outorgado vai apenas usar o imóvel rural para explorar a agricultura, a pecuária ou a agroindústria ou vai criar, recriar, invernar, engordar ou extrair matérias primas de origem animais, ele não tem a posse de tais bens.

Esta continua com o parceiro-outorgante.

Relembrando: na parceria rural coexistem dois institutos jurídicos distintos quanto aos bens que integram esse contrato: a posse do parceiro-outorgante e o uso do parceiro-outorgado.

Mas o que é o uso agrário?

O uso tem origem antiquíssima e sua gênese remonta ao Direito Romano, cuja grafia original era usus, ou fructus sine usus, sendo derivado do usufruto.

Como instituto jurídico em seus primórdios, o usus significava a possibilidade de usar uma res sem receber os frutos, motivo pelo qual era empregado em coisas que não produziam qualquer tipo de fruto.

Segundo a doutrina, o usus, em seu significado originário, era o direito de usar uma coisa sem receber os frutos. Era dirigido a coisas que não o produziam, não se levando em conta a possibilidade de auferir qualquer fruto civil. Podia ser constituído sobre uma biblioteca ou escravo, por exemplo, e, se constituído sobre uma casa, dele estava excluído o direito de locação. A jurisprudência admitiu que, sendo constituído sobre fundo rústico, o beneficiário pudesse ali estabelecer pequena horta e pomar, utilizando-se da lenha dentro de certos limites.

Desse entendimento fica que do fructus sine usus, ou literalmente “uso sem fruição”, o exercente do ius utendi, ou usuário, poderia utilizar-se da coisa no que assim fosse suscetível, por exemplo, extrair frutos naturais da coisa, mas não poderia alugar esta coisa, pois o preço advindo da locação seria fruto nascido desta coisa, ou seja, o usuário, com a locação, iria fruir da coisa o que não é permitido no regramento deste instituto.

À título de informação, conquanto a historiografia jurídica ainda considere objeto de controvérsia, no fructus sine usus, ocorria a cessão de uso a uma pessoa e o gozo dos frutos era destinado a outrem.

Nosso Código Civil de 1916 em seu art. 742, manteve o instituto do uso com a mesma utilidade e características que previa a lex romana:

Art. 742 – O usuário fruirá a utilidade dada em uso, quanto o exigirem as necessidades pessoais suas e de sua família.

O atual Código Civil manteve em relação ao direito real de uso a mesma redação que o Código de Beviláqua com exceção do termo “fruirá” que foi substituído por “usará”, como se observa nos artigos 1.412 e 1413.

O uso, em verdade, é um usufruto de menor âmbito ou também chamado um usufruto anão, reduzido ou restrito. Enquanto o usufrutuário tem o ius utendi et fruendi, o usuário tem apenas o ius utendi, ou seja, o simples direito de usar da coisa alheia.

É bom se ter presente que o direito real de propriedade liga um determinado sujeito de direito a uma coisa ou bem, e esta ligação é justamente chamada de direito real, sendo a espinha dorsal do direito privado.

Mas, há muito tempo o direito percebeu que seria possível duas ou mais pessoas titularem no mesmo grau, o mesmo direito real de propriedade, quando então surgiu a noção de condomínio. Mas o direito foi além, e percebeu que seria útil, vantajoso, valioso e completamente lícito que as faculdades que o direito real de propriedade confere normalmente a uma pessoa poderiam ser distribuídas para demais sujeitos de direito em qualidades jurídicas diferenciadas, portanto não mais como condôminos, mas sim na existência de um sujeito na qualidade de proprietário e de outro sujeito na qualidade de exercente de um direito real sobre a coisa que não lhe pertence (alheia).

Não custa lembrar que as faculdades que o direito real de propriedade oferece ao seu titular são a possibilidade deste poder usar, gozar e dispor da coisa, além de poder reaver esta das mãos de quem quer que injustamente a detenha (direito de sequela) e é justamente a divisão dessas faculdades, na figura de mais de um sujeito, que surge o direito real sobre coisa alheia.

Como o uso não foi regrado pelo legislador agrário, aplica-se de forma subsidiária o que dispuser a lei civil, conforme previsão do art. § 9º, do art. 92 do Estatuto da Terra, e art. 88, de Decreto nº 59.566/66, que diz:

§ 9º Para solução dos casos omissos na presente Lei, prevalecerá o disposto no Código Civil.

Art. 88. No que forem omissas as Leis nº 4.504/64, 4.947/66 e o presente Regulamento, aplicar-se-ão as disposições do Código Civil, no que couber.

E na lei civil tem-se a figura do usuário que detém a faculdade de usar da coisa, mas osfrutos advindos daquele bem não lhe pertencerão, mas, sim, ao legítimo proprietário da coisa que lhe cedeu o bem. Somente remanescerá ao usuário os frutos necessários para sua mantença e os de sua família.

Dispõe o art. 1.412 do Código Civil:

Art. 1.412 – O usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família.

§ 1º Avaliar-se-ão as necessidades pessoais do usuário conforme a sua condição social e o lugar onde viver.

§ 2º As necessidades da família do usuário compreendem as de seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico.

As necessidades pessoais aludidas pelo legislador na cabeça do dispositivo deverão ser avaliadas em conformidade com a condição social ostentada pelo usuário e o lugar em que ele vive, por isso é correto afirmar que o uso é mutável, podendo ser alargado ou estreitado caso haja o aumento ou diminuição das necessidades pessoais do usuário. Como a norma jurídica fala em necessidades pessoais, estão excluídas quaisquer outras.

O art. 1.412, §2º, restringe o conceito de família do usuário a: seu cônjuge, seus filhos solteiros e às pessoas de seu serviço doméstico. Entretanto, deve-se, levando-se em conta a mais moderna visão do Direito Civil – Constitucional, considerar o rol deste parágrafo como sendo exemplificativo e não taxativo.

Aliás, em uma interpretação civil-constitucional, a família a que alude o art. 1.412 do Código Civil não mais será restrita à família nuclear patrimonializada do casamento, assumindo todas as outras formas de relações humanas pautadas pela afetividade e estabilidade. Para além do casamento, da união estável e da família monoparental.

E o Decreto nº 59.566/66, no § 1º, do art. 40, especificou que o parceiro-outorgante deverá assegurar ao parceiro-outorgado que residir no imóvel, e para atender o uso exclusivo de sua família, casa de moradia higiênica e área suficiente para horta e criação de animais de pequeno porte.

O artigo tem esta redação:

Art. 48.

§ 1º Além das obrigações enumeradas no art. 40, o parceiro-outorgante assegurará ao parceiro-outorgado que residir no imóvel rural, e para atender ao uso exclusivo da família deste, casa de moradia higiênica e área suficiente para horta e criação de animais de pequeno porte (art. 96, IV, do Estatuto da Terra).

Ao se analisar o instituto do uso no direito civil, se observa que, como direito real sobre coisa alheia, ele impõe alguma restrição ao sujeito proprietário da coisa em benefício do usuário, durante a vigência do título que constitui o uso.

O direito real de uso pode ter como objeto tanto as coisas móveis como imóveis. Se recair sobre móvel, diz a doutrina, não poderá ser fungível, nem consumível.

Todavia, há também o consenso de que são aplicáveis ao uso, no que não for contrário à sua natureza, “as disposições relativas ao usufruto”, como expressamente estatui o art. 1.413 do Código Civil. Por essa razão, alguns autores admitem a incidência do uso sobre bens móveis consumíveis, caracterizando o quase-uso, a exemplo do quase-usufruto. O usuário adquiriria a propriedade da coisa cujo uso importa consumo e restituiria coisa equivalente.

Enumeram-se, dentre os direitos do usuário, a fruição e utilização da coisa com a finalidade de atender as necessidades do usuário e de sua família, não podendo perceber da coisa qualquer fruto. Por decorrência do direito ora aduzido, pode o usuário praticar todos os atos imprescindíveis à satisfação de suas necessidades e às de sua família, mas nunca comprometendo a substância e a destinação do bem. O usuário ainda pode melhorar a coisa, efetuando benfeitorias, tal como administrar o bem onerado.

De outro modo, computam-se dentre os deveres do usuário a conservação da coisa como se fosse sua, agindo com diligência e zelo, para que possa restituí-la como recebeu.  É defeso ao usuário engendrar obstáculos que dificultem ou impeçam o exercício dos direitos do proprietário. Operado o lapso temporal concedido, incumbirá ao usuário restituir a coisa, uma vez que o usuário é caracterizado por sua temporalidade. A posse precária do usuário acarretará sua responsabilidade por perdas e danos a que sua mora der ensejo.

O uso dos bens pelo parceiro-outorgado no contrato de parceria rural, tem especificidades diferentes daqueles dispostas no Código Civil.

Isso porque não se pode esquecer que esse uso tem origem em contrato com características próprias.

Inicialmente o uso é específico. Ou seja, ele se destina a uma atividade rural.

Não tendo a posse dos bens objeto da parceria rural, como já foi dito no tópico anterior, o parceiro-outorgado não tem direito aos interditos possessório. E se os bens que usa sofrer qualquer esbulho, deverá comunicar esse fato ao parceiro-outorgante, o titular da posse dos bens.

Embora o parceiro-outorgado não possa usar dos interditos possessórios contra terceiros ou contra o parceiro-outorgante já que não detém a posse dos bens, havendo por parte deste ato atentatório ao uso dos bens pelo parceiro-outorgado, poderá este ou buscar rescindir o contrato de parceria rural por infração contratual cumulando tal pedido com indenização pelos prejuízos sofridos ou se utilizar de ação cominatória ou ordinária de obrigação de não-fazer cumulando com multa e pedido de tutela antecipada, no caso de o parceiro-outorgante não respeitar o direito de uso previsto no contrato do parceiro-outorgado.

Se o obstáculo ao seu uso é praticado por terceiro, embora não possa se utilizar dos interditos possessórios, pode também se utilizar da ação cominatória ou ordinária de obrigação de não-fazer cumulada com multa e pedido de tutela antecipada.

O ajuizamento de ação possessória pelo parceiro-outorgado contra o parceiro-outorgante ou terceiro caracteriza ausência de legitimidade ou de interesse processual, com base no art. 485, inciso VI, do CPC, possibilitando que o juiz extinga o processo sem resolução de mérito.

 

III – Das restrições criadas pela APP e Reserva Legal ao uso e posse do imóvel rural

A estrutura dos contratos agrários criada pelo Estatuto da Terra sofreu ingerência pela entrada em vigor do Código Florestal ao criar limitações administrativas ambientais como as APP e a Reserva Legal e por isso só podem ser objeto de contrato agrário, se a contratação agrária consistir na exploração com manejo sustentável devidamente autorizado pelo SISNAMA.

O conceito de APP e Reserva Legal é encontrado no Código Florestal, Lei nº 12.651, de 25.05.2012, nestes termos:

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

(…)

II – Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;

III – Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, delimitada nos termos do art. 12, com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa;

E o art. 4º da referida lei de forma categórica especifica o que se deve considerar Área de Preservação Permanente, nestes termos:

Art. 4º – Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei:

I – as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:    

a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;

b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;

c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

II – as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:

a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;

b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;

III – as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;

IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;    

V – as encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;

VI – as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

VII – os manguezais, em toda a sua extensão;

VIII – as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;

IX – no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;

X – as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;

XI – em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado.

A lei, no entanto, cria exceções a estas regras quando diz que o entorno de reservatórios artificiais de água que não decorram de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, não será exigida Área de Preservação Permanente;  nas acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a 1 (um) hectare, fica dispensada a reserva da faixa de proteção prevista nos incisos II e III do caput, vedada nova supressão de áreas de vegetação nativa, salvo autorização do órgão ambiental competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA; admite, para a pequena propriedade ou posse rural familiar, de que trata o inciso V do art. 3º da Lei, o plantio de culturas temporárias e sazonais de vazante de ciclo curto na faixa de terra que fica exposta no período de vazante dos rios ou lagos, desde que não implique supressão de novas áreas de vegetação nativa, seja conservada a qualidade da água e do solo e seja protegida a fauna silvestre; admite também para os imóveis rurais com até 15 (quinze) módulos fiscais, a prática da aquicultura e a infraestrutura física diretamente a ela associada, através de condições que especifica.

Quanto ao regime de proteção das Áreas de Preservação Permanente, o Código Florestal no seu art. 7º, salienta que a vegetação aí existente deverá ser mantida pelo proprietário da área, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado e que tendo ocorrido supressão de vegetação deverão eles promover a recomposição da vegetação, ressalvados os usos autorizados previstos na Lei, obrigação que tem natureza real e é transmitida ao sucessor no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural.

Como a APP, a Reserva Legal também só pode ser objeto de contrato agrário, se respeitado o manejo sustentável autorizado pelo órgão ambiental.

E o art. 12 do Código Florestal delimita a Área de Reserva Legal, afirmando que todo imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente, observados os percentuais mínimos em relação à área do imóvel. Se o imóvel for localizado na Amazônia Legal: a) 80% (oitenta por cento), no imóvel situado em área de florestas; b) 35% (trinta e cinco por cento), no imóvel situado em área de cerrado e c) 20% (vinte por cento), no imóvel situado em área de campos gerais e para os imóveis localizados nas demais regiões do País, 20% (vinte por cento).

A lei, no entanto, cria algumas exceções como para a não incidência da reserva legal: os empreendimentos de abastecimento público de água e tratamento de esgoto; as áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações ou sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica; as áreas adquiridas ou desapropriadas com o objetivo de implantação e ampliação de capacidade de rodovias e ferrovias.

A lei também cria regime de proteção da Reserva Legal, no seu art. 17, quando afirma que ela deve ser conservada com cobertura de vegetação nativa pelo proprietário do imóvel rural, possuidor ou ocupante a qualquer título, pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado. Todavia, admite a sua exploração econômica mediante manejo sustentável, previamente aprovado pelo órgão competente do SISNAMA.

Em outras palavras, a APP e a Reserva legal, como elementos por extensão de proteção ao meio ambiente, só podem ser objeto de contratação agrária, se consistir na exploração em manejo sustentável devidamente autorizado pelo SISNAMA. Não havendo isso, a inclusão de dessas áreas como integrantes do todo arrendado ou dada em parceria como objeto de contrato agrário é cláusula absolutamente nula.

IV – Dos danos causados à APP e Reserva Legal e seus efeitos nos contratos agrários

Questão importante com relação aos contratos agrários é o dano causado ao meio ambiente neles existentes, e no caso deste artigo, à APP e à Reserva Legal.

Inicialmente, não se pode confundir dano ao imóvel, que é causa direta de rescisão do contrato agrário, com dano ambiental ao imóvel rural.

Dano ambiental é lesividade ao solo, à água, ao ar, à fauna à flora, e  à APP e à Reserva legal, portanto, tem a natureza jurídica de dano a um bem público de uso comum do povo, conforme dicção do art. 225, caput, da Constituição Federal.[3]

Ora, dessa forma, não pode, por exemplo, o titular do imóvel imputar como causa de rescisão contratual dano ambiental ao imóvel cedido porque, sendo o meio ambiente bem público de uso comum do povo, só quem tem legitimidade para aferir se houve dano ao bem é o seu titular. Ademais, ante a responsabilidade ambiental objetiva, o dono do imóvel é tão responsável quanto o usuário temporário desse imóvel.

Portanto, somente se afastada a responsabilidade indireta do proprietário do imóvel rural no dano ambiental,[4] e desde que o dano fique tipificado através da exaustão do devido processo administrativo ambiental, é possível utilizar-se de tal declaração como prova emprestada para efeito de rescisão contratual.

A primeira dúvida jurídica que surge nesta questão prejudicial é a de se saber qual o gestor ambiental competente para instaurar o processo administrativo ambiental e responsabilizar o infrator por sua ocorrência.

Penso que é possível se chagar a uma conclusão clara partindo-se da dominialidade ambiental.

Ocorre que meio ambiente é bem público de uso comum do povo, consoante o disposto no art. 225 da Constituição Federal. Portanto, sendo o Brasil uma federação, é razoável concluir-se que cada ente público federado tem o seu bem ambiental, como ocorre com a praça, as ruas e as estradas.

De outro lado, não sendo possível definir-se a competência ambiental pela dominialidade por ausência de regra expressa, tem-se entendido que deve ser aplicado o princípio da predominância do interesse, segundo o qual compete à União a responsabilização pelos danos classificados como praticados ao meio ambiente de interesse nacional; aos Estados, os de interesse regional e aos Municípios, os de interesse local.

A aplicação do princípio da predominância do interesse público nas dúvidas de competência para responsabilização por dano ambiental deve ter como base a sua conjugação com o também princípio da razoabilidade.[5]

Por fim, questão importante foi resolvida pela Lei nº 14.653, de 23 de agosto de 2023, quando disse que as Áreas de Preservação Permanente, Reserva Legal e outras sob limitação administrativa seriam elegíveis para pagamento por serviços ambientais com uso de recursos públicos, conforme regulamento, com preferência para aquelas localizadas no entorno de nascentes, localizadas em bacias hidrográficas consideradas críticas para o abastecimento público de água, assim definidas pelo órgão competente, ou em áreas prioritárias para conservação da diversidade biológica em processo de desertificação ou de avançada fragmentação, nestes termos:

 

LEI Nº 14.653, DE 23 DE AGOSTO DE 2023

Altera as Leis nºs 12.651, de 25 de maio de 2012, e 14.119, de 13 de janeiro de 2021, para disciplinar a intervenção e a implantação de instalações necessárias à recuperação e à proteção de nascentes.

O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O inciso X do art. 3º da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, passa a vigorar acrescido da seguinte alínea “j-A”:

“Art. 3º

X –

j-A) atividades com o objetivo de recompor a vegetação nativa no entorno de nascentes ou outras áreas degradadas, conforme norma expedida pelo órgão competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama);

…………………………………………………………………………………………………………….” (NR)

Art. 2º O parágrafo único do art. 9º da Lei nº 14.119, de 13 de janeiro de 2021, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 9º

Parágrafo único. As Áreas de Preservação Permanente, Reserva Legal e outras sob limitação administrativa nos termos da legislação ambiental serão elegíveis para pagamento por serviços ambientais com uso de recursos públicos, conforme regulamento, com preferência para aquelas localizadas no entorno de nascentes, localizadas em bacias hidrográficas consideradas críticas para o abastecimento público de água, assim definidas pelo órgão competente, ou em áreas prioritárias para conservação da diversidade biológica em processo de desertificação ou de avançada fragmentação.” (NR)

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 23 de agosto de 2023; 202º da Independência e 135º da República.

 

Notas:

[1] Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

[2] Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

[3] Dano deriva do latim damnum e significa todo mal ou ofensa que se cause a alguém e do qual resulte uma deterioração ou destruição à sua coisa ou um prejuízo ao seu patrimônio. O dano pode ser aquiliano ou contratual. Aquiliano é o dano resultante do ato ilícito e contratual, aquele que se funda em ofensa à obrigação contratual. Qualquer que seja a categoria, o dano só merece responsabilização ou ressarcimento se houver efetiva diminuição de um patrimônio ou na ofensa de um bem juridicamente protegido por culpa ou dolo do agente. E, dentro deste conceito, diz-se que é dano patrimonial, quando o prejuízo é consequente de diminuição patrimonial ou deterioração de coisas materiais e dano moral, quando atinge bens de ordem moral, tais como a liberdade, a honra, a profissão, a família.

[4] O conceito de poluidor é alargado pela Lei nº 9.605/98, que dispôs sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, quando, no seu art. 3º, disse: As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativamente, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato. Portanto, também deverá ser responsabilizado administrativamente não só o representante legal da pessoa jurídica, mas a própria pessoa física. A lei estabeleceu a responsabilidade cumulativa para o dano ambiental. Inovação importante na responsabilização por dano ambiental é a possibilidade de desconsideração da pessoa jurídica sempre que ela se constituir em obstáculo no ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. Dessa forma, a extinção de uma pessoa jurídica, sua alteração contratual, ou outra qualquer modificação que pretenda criar impedimento na pretensão ressarcitória de prejuízos ambientais, deverá ser desconsiderada. A burla, se demonstrada, implica no afastamento por efeito legal. Isso é o que diz o art. 4º da Lei nº 9.605/98, nestes termos: Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo no ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente. A responsabilidade civil do Estado por dano ambiental, consoante o disposto no art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, é objetiva embora a lei seja anterior à Constituição Federal de 1988, foi por ela recepcionada porque essa modalidade de responsabilização foi a eleita pelo constituinte para toda e qualquer ação praticada pelos agentes estatal que resulte de ato ilícito, consoante o disposto no seu art. 37, § 6º. A responsabilidade estatal por dano ao meio ambiente é tanto comissiva como omissiva. Por ação de seus agentes ou por omissão. Embora de forma geral essa responsabilidade sofra algumas contestações, isso é afastado porque, por força do art. 225, caput, da Constituição Federal, a ação do Estado quanto ao meio ambiente não é apenas repressiva, mas, e antes de tudo, preventiva. Assim, não exercendo com plenitude seu poder de polícia ambiental, responde ele pelo que vier a acontecer. Mas, como já foi referido ao se falar sobre a natureza jurídica da responsabilidade civil objetiva, é possível ao Estado evocar em sua defesa a responsabilidade concorrente do particular responsável pela atividade que causou o dano ambiental ou mesmo a ocorrência de casos fortuitos ou de força maior. Tome-se como exemplo da primeira situação o dano ambiental causado por poluidor pessoa física ou jurídica privada detentora de licença ambiental perfeita e que sofre permanente fiscalização. Na segunda situação, tem-se um dano ambiental sem qualquer responsabilização do estado ou do particular, como é o caso da cheia de um rio proveniente de chuvas intermitentes. O Estado, que pode ser responsável passivo pelo dano ambiental se demonstrada sua omissão fiscalizatória, é, com maior razão, também legitimado ativo para responsabilizar civilmente o poluidor. E essa legitimidade também abrange a responsabilização de outros entes estatais. Assim, tanto a União, como qualquer Estado ou Município pode responsabilizar e ser responsabilizado na condição de poluidor ambiental. De outro lado, embora a sociedade não tenha legitimidade ativa própria, cabe ao Ministério Público ou às sociedades civis com finalidade específica representá-la na responsabilização civil por dano ambiental. O instrumento processual para que isso ocorra é a ação civil pública ambiental, que será devidamente estudada em capítulo próprio deste livro. No tocante à responsabilidade administrativa, já se viu que o meio ambiente é um bem que, por sua importância social, é fortemente protegido e o dano que se lhe pratique tem repercussões civil, administrativa e penal. No entanto, quando se fala da responsabilidade administrativa pelo dano ambiental se observa uma conjunção de institutos típicos de direito administrativo, mas com roupagem forte de direito penal é também de direito civil. Tanto isso é verdade que na fixação da pena é exigido da autoridade ambiental o enfrentamento de circunstâncias tipicamente penais como individualização da pena, aplicação de agravantes e atenuantes, concurso material, reincidência, entre outros. A celebração de compromisso de ajustamento, suspendendo ou extinguindo a sanção administrativa imposta, por sua vez, é instituto jurídico de origem civil. Mas o grande mote da responsabilização administrativa, pressuposto que o diferencia da responsabilidade civil e penal, é que a sua análise se opera na esfera da própria administração e não no Poder Judiciário, como as demais. Dessa forma, se o Poder Público tem o dever de defender e preservar o meio ambiente, consoante o disposto no art. 225, caput, da Constituição Federal, independentemente da responsabilização civil ou penal, tem o dever de, dentro de sua própria estrutura, exercer o seu munus. Isso porque defender e proteger são conceituações próprias de ações positivas e inerentes à ação governamental de administrar o meio ambiente como bem de uso comum de todos. A expressão poder público é sinônima de estado-administração ou administração pública e significa, no conceito estrutural, o complexo de funções que o governo exercita no desempenho de atividades que interessam ao Estado e ao seu povo, e, no conceito equivalente à atividade privada, a simples direção ou gestão de negócios ou serviços públicos realizados por todos os seus órgãos ou entes especiais, com a finalidade de prover às necessidades de ordem geral ou coletiva. Diante disso, o Poder Público deve colocar à mercê da defesa e da preservação ambiental toda a força de sua estrutura, inclusive utilizando-se de um direito que foi moldado para responder a estas peculiaridades, com é o direito administrativo. A responsabilização administrativa por dano ambiental, assim, passa pelo entendimento do que seja poder de polícia e poder disciplinar.

[5] Não chega a ser obsessão ou muito menos psicose, mas existe um quê de excitação coletiva no sentido de se outorgar dimensões catastróficas a qualquer dano ao meio ambiente como se ele fosse novo, único e definitivo. E isso é potencializado pela mídia agora sob o argumento do politicamente correto, como acontece na defesa de fatos envolvendo a mulher, o negro, o índio e o pobre, dentro outros. Que isso seja verberado por redes de comunicação muitas vezes preocupada mais com o olho da audiência do que no próprio fato e no consequente retorno que isso proporciona na venda dos espaços para propaganda e também por entidades que têm como finalidade a defesa desmedida desse bem social, e nisso são encontráveis as mais esdrúxulas, é até compreensível. O que é criticável é que esse messianismo global contagie aqueles que lidam com o direito, especialmente no âmbito do direito ambiental brasileiro, porque o conceito de meio ambiente não é fático, mas jurídico já que estruturado em dispositivos legais, como ocorre com o meio ambiente artificial. Repete-se: o meio ambiente no direito brasileiro é somente aquilo que for disposto nas leis nacionais. Mesmo as dicções da ONU só são aqui respeitadas se o Brasil for seu subscritor. Trata-se de soberania nacional. Feita essa prospecção jurídica evidentemente crítica, deve se concluir que só se pode afirmar que houve um dano ao meio ambiente se e quando esse meio ambiente foi antecipadamente contextualizado dentro daquilo que a lei estabeleceu e o dano dimensionado com exatidão. E isso é importante especialmente quando se pretende imputar ao causador do dano a consequente responsabilidade. Em direito civil, a doutrina chama isso de nexo de causalidade, mas que também é aplicável na responsabilização administrativa e penal, com mais razão porque elas exigem a subjetividade dolosa ou culposa da ofensa.

 

Wellington Pacheco Barros – Advogado sócio de Wellington Barros Advogados Associados. Desembargador aposentado do TJRS. Professor universitário em várias instituições, detre elas Escola da Ajuris e FMP. Especialista e Mestre em Direito. Conferencista e Palestrante em eventos nacionais e internacionais. Autor de mais de 100 artigos jurídicos e 55 livros, dentre eles o Curso de Direito Agrário (Livraria do Advogado – 9ª edição) e o Curso de Direito Ambiental (Editora Atlas). Comendador da UFSM. Membro fundador da União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU.

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