“A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu que o contrato de arrendamento rural que estabelece pagamento em quantidade de produtos pode ser usado como prova escrita para aparelhar ação monitória com a finalidade de determinar a entrega de coisa fungível (bens que podem ser substituídos por outros de mesma espécie, qualidade e quantidade).
Para o colegiado, o instrumento é indício da relação jurídica material subjacente, ou seja, que não se manifesta claramente. Com esse entendimento, a Turma rejeitou recurso especial que questionou a validade desse tipo de contrato para amparar o ajuizamento de ação monitória.
Foi a primeira vez que o STJ discutiu o mérito sobre a possibilidade de o contrato de arrendamento rural com pagamento estipulado em frutos, quantidade de produtos ou seu equivalente em dinheiro servir de prova escrita nesse tipo de ação.
O recurso, relatado pelo ministro Villas Bôas Cueva, foi interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que entendeu que o contrato de arrendamento rural devidamente subscrito pelas partes é instrumento apto a aparelhar o manejo da monitória. O arrendatário recorreu para o STJ alegando que esse tipo de contrato não pode servir de prova escrita, pois viola a legislação em vigor.
Citando doutrinas e precedentes, o ministro Vilas Bôas Cueva reconheceu que a ação monitória instruída em contrato de arrendamento rural com preço ajustado em quantidade de produtos agrícolas é expressamente vedada pelo parágrafo único do artigo 18 do Decreto 59.566/66, mas reiterou que essa nulidade não impede que o credor proponha ação de cobrança – caso em que o valor devido deve ser apurado, por arbitramento, em liquidação.
Entretanto, o ministro ressaltou em seu voto que a interpretação especial conferida às cláusulas de contratos agrários não pode servir de guarida para a prática de condutas repudiadas pelo ordenamento jurídico, de modo a impedir, por exemplo, que o credor exija o que lhe é devido por inquestionável descumprimento do contrato.
No caso julgado, o contrato de arrendamento rural previa o pagamento de 1.060 sacas de soja de 60 quilos, entregues de acordo com os padrões normais de qualidade. O arrendatário ocupou a área por dois anos consecutivos sem realizar qualquer pagamento.
Para o relator, o recorrente busca o reconhecimento de nulidade absoluta do contrato que ele próprio firmou para desonerar-se de suas obrigações contratuais. ‘O documento em tela, não obstante sua desconformidade com a exigência, é capaz de alicerçar ação monitória, pois hábil de demonstrar a existência do fato que gerou a obrigação, não constituindo escusa válida para amparar descumprimento de obrigações contratuais’, concluiu.
A decisão que negou provimento ao recuso especial foi unânime”.
“O ponto mais importante do julgamento do Resp nº 1.266.975/MG diz respeito à reafirmação da jurisprudência da pela 3ª Turma do STJ acerca do polêmico tema da validade da cláusula do contrato de arrendamento fixada em produtos. No caso, a 3ª Turma destacou que ‘é nula cláusula contratual que fixa o preço do arrendamento rural em frutos ou produtos ou seu equivalente em dinheiro, nos termos do art. 18, parágrafo único, do Decreto nº 54.566/1966’.
Vale lembrar que, recentemente, a 3ª Turma do STJ, ao apreciar o Agravo Regimental no REsp nº 1.062.314/RS, havia mantido decisão do TJRS que entendeu pela possibilidade da fixação do preço do arrendamento rural em produtos (no caso, foi fixado em “quilos de vaca viva”), com base em princípios e nos usos e costumes da Região.
O preço no arrendamento rural consiste na quantia atribuída pelos contratantes a ser paga pelo arrendatário ao arrendador, em decorrência da vantagem obtida com a exploração da terra, também denominado aluguel. Não deve ser confundido com o pagamento, que é forma de extinção das obrigações, correspondendo ao cumprimento da obrigação avençada no contrato. Nesse caso, o pagamento corresponderá ao cumprimento da obrigação caracterizada pela entrega do valor do aluguel na quantia, na forma e no prazo ajustados no contrato de arrendamento rural.
A norma agrária define que o preço do arrendamento deve ser fixado em quantia fixa em dinheiro, sendo possível que o pagamento se dê em produtos. Nesse sentido, ressalta-se que a opção do pagamento do preço no arrendamento é obrigação facultativa ao arrendatário, sendo que, uma vez convencionada, não pode o arrendador se opor ao recebimento na forma de pagamento escolhida pelo arrendatário, ou mesmo exigir uma forma ou outra.
Além disso, cumpre destacar que até o momento o STJ ainda não apreciou a questão desde o enfoque da Lei nº 11.443/2007, especificamente pela nova redação conferida ao art. 95, inc. XI, “a”, do Estatuto da Terra, eis que inovou ao falar em “limites da remuneração e formas de pagamento em dinheiro ou no seu equivalente em produtos”. Note-se que se o legislador teve a intenção de flexibilizar a legislação agrária para permitir a fixação dos contratos de arrendamento rural em produtos, de forma contrária ao disposto no art. 18 do Decreto nº 59.566/1966, em nenhum momento o fez de forma explicita, pecando pela falta de clareza na atual redação do Estatuto da Terra.
Por conta disso, o comando contido no art. 95, inc. XI, “a”, do Estatuto da Terra vem sendo objeto de interpretação, tanto na doutrina quanto na jurisprudência (a exemplo de julgados do TJRS), no sentido de que o art. 18, parágrafo único, do Decreto nº 59.566/1966 encontra-se superado/revogado pela Lei nº 11.443/2007, para fins de possibilitar a aceitação de contratos de arrendamento fixados em produtos como válidos.
É importante mencionar que a razão da opção do legislador agrário, desde a elaboração do Estatuto da Terra e da legislação agrária complementar aplicável aos contratos agrários (Lei nº 4.749/1966 e Decreto nº 59.566/1966), sempre teve como base proteger o arrendatário (considerado como hipossuficiente na relação contratual agrária) de prejuízos decorrentes da falta de certeza do preço a ser pago pelo uso da terra, mormente pela grande variação do preço dos produtos agrícolas. Com isso, a fixação do preço do arrendamento em quantia fixa em dinheiro resguardaria a certeza do valor a ser pago ao arrendador, evitando que o arrendatário fosse obrigado a entregar quantias maiores de produtos se a cotação do período fosse baixa.
Salienta-se que tal problema ainda será objeto de muitas demandas judiciais, pois muitos produtores ainda ignoram o texto legal e seguem o costume de realizar a fixação dos arrendamentos rurais em produtos (ex.: sacas de soja por hectare, quilos de boi, etc), sendo que em determinado momento o STJ deverá se pronunciar também com relação ás alterações trazidas pela Lei nº 11.443/2007, pondo fim à insegurança jurídica.
Por fim, para evitar problemas aos contratantes, recomenda-se que os contratantes sigam observando a regra de fixar o preço do arrendamento em quantia fixa em dinheiro, com a possibilidade do pagamento se dar em produtos (se for o caso). Com isso, os produtores rurais evitam futuros gastos de tempo e dinheiro com demandas judiciais que possam trazer prejuízos ainda maiores do que o inadimplemento do arrendatário ou, até mesmo, inviabilizar o exercício do direito de retomada do imóvel agrário cedido em arrendamento”.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.266.975 – MG (2011⁄0125534-4)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por APARECIDO DONIZETE PETRACHI, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais assim ementado:
“AÇÃO MONITORIA – CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL – EMBARGOS – OBRIGAÇÃO – NÃO CUMPRIMENTO. 1. Para que o credor intente ação monitoria, basta que exiba qualquer documento escrito que represente um crédito não revestido de eficácia executiva, razão pela qual o contrato de arrendamento rural, devidamente subscrito pelas partes é instrumento apto a aparelhar o manejo da monitoria. 2. Não comprovando o embargante o cumprimento da obrigação por ele contraída via contrato de arrendamento rural, a conseqüência lógica é o não acolhimento dos embargos à monitoria com a constituição de título judicial na forma postulada pela parte autora” (fl. 99).
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados.
O recorrente sustenta ofensa aos arts. 2º e 18, parágrafo único, do Decreto nº 59.566⁄1966 ao argumento, em essência, de que o contrato de arrendamento rural é nulo por fixar o pagamento em sacas de soja, razão pela qual não poderia servir de suporte para o ajuizamento da ação monitória.
Segue afirmando:
“(…)
A toda evidência, s.m.j., sendo nula a cláusula contratual que fixou o preço do arrendamento em quantia equivalente a quantidade de produto, a açãomonitoria proposta visando o recebimento do dito valor, não pode prosperar porque contraria a lei a cláusula que fixa o preço, origem da suposta dívida” (fl. 136).
Contrarrazões às fls. 147⁄158.
O recurso especial foi admitido pelo Tribunal de origem (fl. 161).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.266.975 – MG (2011⁄0125534-4)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator):
1. Da origem
Os autos informam que Aparecido Donizete Petrach, recorrente, firmou com a administradora da massa insolvente de Baltazar Anacleto Ferreira, recorrida, contrato particular de arrendamento rural, com opção de renovação, cujo pagamento foi ajustado em 1.060 (mil e sessenta) sacas de soja de 60 (sessenta) quilos, as quais deveriam ser entregues de acordo com os padrões normais de qualidade até 30⁄6⁄2004.
O recorrente, arrendatário, teria permanecido ocupando e usufruindo da área por 2 (dois) anos consecutivos, ou seja, até meados de 2005, sem que tivesse cumprido sua obrigação, sendo, por isso, ajuizada ação monitória.
Inconformado, o recorrente ofereceu embargos, com base no art. 1.102-C do Código de Processo Civil, sob a alegação de que o contrato de arrendamento rural não poderia servir como prova escrita, porquanto o pagamento restou ajustado em quantidade de produtos agrícolas, o que seria vedado pelo art. 18, parágrafo único, do Decreto nº 59.566⁄1966.
O acórdão recorrido manteve a sentença que julgou improcedentes os embargos e, por conseguinte, constituiu “de pleno direito o título executivo judicial para a entrega de 1.060 (mil e sessenta) sacas de soja de sessenta quilos nos padrões normais de qualidade” (fls. 60⁄61) e condenou o recorrente ao pagamento dos ônus da sucumbência.
2. Do mérito
Discute-se nos autos, portanto, se contrato de arrendamento rural em que se estipulou o pagamento da dívida mediante entrega de produtos agrícolas serve como “prova escrita sem eficácia de título executivo”, hábil a amparar propositura de ação monitória.
Dispõe, a propósito, o art. 1.102-A do Código de Processo Civil:
“A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel”.
O ordenamento jurídico brasileiro adotou o procedimento monitório documental no qual, ao contrário do procedimento monitório puro, exige que esteja aparelhado com documento comprobatório da probabilidade de existência do direito alegado pelo autor.
Para esse fim, prestam-se os documentos escritos que não preencham as características de título executivo: cheque prescrito, duplicata sem aceite, carta confirmando a aprovação do valor de um orçamento e a execução de um serviço, carta agradecendo ao destinatário o empréstimo em dinheiro etc. (NERY e NERY. Código de Processo Civil comentado. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, págs. 1.474-1.475)
Exige-se, contudo, a presença de elementos indiciários caracterizadores da materialização de um débito decorrente de uma obrigação de pagar ou de entregar coisa fungível ou bem móvel, proveniente de uma relação jurídica material.
Nesse sentido, é a lição da doutrina especializada:
“(…)
É deferida ao autor a possibilidade de instruir sua petição inicial com dois ou mais documentos, sempre que a insuficiência de um possa ser suprida por outro (isto é, em seu conjunto, a prova documental tenha aptidão para induzir a formação do convencimento do juiz), ou de valer-se de documento proveniente de terceiro, desde que ele tenha aptidão para, isoladamente ou em conjunto com outro, demonstrar a existência de uma relação jurídica material que envolva autor e réu e, ainda, para atestar a exigibilidade e a liquidez da prestação“. (MARCATO, Antonio Carlos. Procedimentos especiais. 15. ed. São Paulo, Atlas, 2013, pág. 285 – grifou-se)
“(…)
Entre os requisitos para a concessão da ordem liminar, o art. 1.102a impõe seja instruída a petição inicial com ‘prova escrita’.
Já procuramos esclarecer que essa expressão encerra o documento demonstrativo de crédito, em princípio, líquido e exigível, mas desprovido de certeza, merecedor de fé, pelo julgador, quanto à autenticidade e eficácia probatória“. (TUCCI, José Rogério Cruz e. Ação monitória. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, págs. 81-82 – grifou-se)
O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, na linha da doutrina, entende que é imprescindível ao regular processamento da ação monitória a instrução do feito com documento escrito, firmado ou não pelo devedor da obrigação, desde que se possa inferir indícios da existência do crédito afirmado pelo autor.
Sobre o tema:
“Ação monitória. Documento hábil. Precedentes da Corte.
1. Como assentou a Corte, para a monitória, ‘não é preciso que o autor disponha de prova literal do quantum. A ‘prova escrita’ é todo e qualquer documento que autorize o Juiz a entender que há direito à cobrança de determinada dívida’, valendo os embargos para discutir os valores cobrados (REsp nº 437.638⁄RS, Quarta Turma, Relator o Ministro Barros Monteiro, DJ de 28⁄10⁄02; no mesmo sentido: REsp nº 489.884⁄MG, Terceira Turma, Relator o Ministro Castro Filho, DJ de 3⁄11⁄03). Na verdade, não é possível afastar o cabimento da monitória porque ausente a liquidez e a certeza do título (REsp nº 188.375⁄MG, Terceira Turma, de minha relatoria, DJ de 18⁄10⁄99; REsp nº 401.928⁄MG, Terceira Turma, de minha relatoria, DJ de 24⁄2⁄03).
2. Recurso especial conhecido e provido.”
(REsp 647.184⁄DF, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21⁄2⁄2006, DJ de 12⁄6⁄2006).
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DOCUMENTOS HÁBEIS À INSTRUÇÃO DA AÇÃO MONITÓRIA. DEMONSTRATIVO DE VALORESGERADOS NO PERÍODO CONTRATUAL. CONTRATOS DE ABERTURA DE LIMITE DE CRÉDITO ROTATIVO EM CONTA CORRENTE ‘GIRO FÁCIL’ EEXTRATOS BANCÁRIOS. DOCUMENTOS SUFICIENTES.
1. Consoante a dicção do art. 1.102-A do Código de Processo Civil, é prova bastante para a instrução da ação monitória o documento escrito, ainda que emitido pelo próprio credor, hábil a formar o convencimento do juízo acerca da existência da dívida, a qual, por sua vez, pressupõe a comprovação da relação jurídica obrigacional.
2. Enuncia a Súmula 247 do STJ que ‘o contrato de abertura de crédito em conta corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento hábil para o ajuizamento da ação monitória’. Em outros dizeres: comprovado o liame jurídico com o contrato de abertura de conta corrente, é admissível a instrução da ação monitória apenas com demonstrativo do débito, o qual, mesmo não provando diretamente o fato constitutivo do direito, possibilita ao juiz presumir a existência do crédito alegado.
(…)
4. Recurso especial provido“.
(REsp 1.138.090⁄MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20⁄06⁄2013, DJe 1º⁄08⁄2013 – grifou-se).
Com efeito, a prova escrita apta a respaldar a demanda monitória deve, além de transparecer a probabilidade de existência da dívida, também demonstrar a origem de tal débito consubstanciado na relação jurídica obrigacional subjacente.
Todavia, no caso, a ação monitória foi instruída com contrato de arrendamento rural cujo preço restou ajustado em quantidade de produtos agrícolas, o que é expressamente vedado pelo art. 18, parágrafo único, do Decreto nº 59.566⁄1966:
“Art. 18. O preço do arrendamento só pode ser ajustado em quantia fixa de dinheiro, mas o seu pagamento pode ser ajustado desde que se faça emdinheiro ou em quantia de frutos, cujo preço corrente no mercado local, nunca inferior ao preço mínimo oficial, equivalente a do aluguel, à época da liquidação.
Parágrafo único. É vedado ajustar como preço de arrendamento quantia fixa de frutos ou produtos, ou seu equivalente em dinheiro”.
De fato, por imposição legal, é defeso ajustar como preço do arrendamento rural quantidade fixa de frutos ou produtos, ou seu equivalente em dinheiro. Daí a controvérsia.
O Superior Tribunal de Justiça, atento à referida disposição legal, orienta-se no sentido de ser nula cláusula de contrato de arrendamento rural que assim dispõe. Todavia, tem entendido, igualmente, que essa nulidade não obsta que o credor proponha ação visando à cobrança de dívida por descumprimento do contrato, hipótese em que o valor devido deve ser apurado, por arbitramento, em liquidação de sentença.
A propósito:
“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO SUMARÍSSIMA DE COBRANÇA DE PREÇO DE ARRENDAMENTO RURAL. CLÁUSULA QUE FIXA O PREÇO EM QUANTIDADE DE PRODUTOS. NULIDADE. DECRETO N. 59.566⁄1966, ART. 18. APURAÇÃO DO VALOR MEDIANTE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA, POR ARBITRAMENTO.
I. É vedada a fixação do preço do arrendamento em quantidade de produtos, ao teor do art. 18 do Decreto n. 59.566⁄1966. Precedentes do STJ.
II. Afastada, por nula, a cláusula de preço, cabe a sua substituição pelo que for apurado em liquidação de sentença, por arbitramento.
III. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.”
(REsp 566.520⁄RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 11⁄5⁄2004, DJ de 30⁄8⁄2004).
“CIVIL. ARRENDAMENTO RURAL. PREÇO. A cláusula que fixa o preço do arrendamento rural em quantidade de produtos é nula (Decreto nº 59.566, de 1966, art. 18), e deve ser substituída pelo que for apurado, por arbitramento, em liquidação de sentença. Recurso especial conhecido e provido.”
(REsp 407.130⁄RS, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 27⁄6⁄2002, DJ de 5⁄8⁄2002).
Ressalte-se a existência do acórdão proferido pela Quarta Turma desta Corte em sentido parcialmente diverso. Ao reconhecer a invalidade da cláusula assim estabelecida em ação de cobrança, o órgão colegiado não remeteu a apuração dos valores para a liquidação por arbitramento, mas restabeleceu a sentença que havia julgado extinto o processo por impossibilidade jurídica do pedido.
Eis a ementa do acórdão:
“ARRENDAMENTO RURAL. PREÇO. PRODUTOS.
– É inválida a cláusula que estabelece o preço do arrendamento rural em produto, ou seu equivalente, e não em quantia fixa em dinheiro (art. 18 e parágrafo único do Decreto nº 59.566, de 14.11.1966). Precedentes.
Recurso especial conhecido e provido.”
(REsp 127.561⁄SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 3⁄6⁄2003, DJ 1º⁄9⁄2003).
Verifica-se que não há divergência quanto à tese de nulidade do contrato, mas tão somente quanto à possibilidade de remeter para a liquidação a apuração dos valores, cabendo ressaltar, ainda, que o posicionamento adotado neste último acórdão não se mostra predominante no âmbito desta Corte Superior.
Especificamente em ação monitória, meio processual no qual não se discute a necessidade de liquidação de sentença, porquanto a lei permite cobrar diretamente a entrega de coisa fungível, colhe-se precedente também oriundo da Quarta Turma, que, todavia, não enfrentou a questão em seu mérito, pois reconheceu a ausência de interesse em recorrer e o óbice da Súmula nº 283⁄STF, razão por que não conheceu do recurso especial naquela hipótese.
Transcreve-se a ementa do acórdão:
“CIVIL E PROCESSO CIVIL. É NULA CLÁUSULA QUE FIXA O PREÇO EM CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL, EM QUANTIDADE DE PRODUTOSOU SEU EQUIVALENTE EM DINHEIRO (ART. 18, PARÁGRAFO ÚNICO DO DECRETO N.º 59.566⁄66). AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL QUANDO A MATÉRIA FOI DECIDIDA NO MESMO SENTIDO DO QUE PRETENDE O RECORRENTE. FUNDAMENTO SUFICIENTE NÃO IMPUGNADO, COM INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283⁄STF. PLEITO DE RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA DO CONTRATO QUE, A DESPEITO DA OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS, NÃO FOI OBJETO DE DELIBERAÇÃO PELO TRIBUNAL ‘A QUO’, NEM PODERIA SER TRATADA EM SEDE DE AÇÃO MONITÓRIA. SÚMULA 211⁄STJ.
1. Segundo deflui dos arts. 95, XI, ‘a’, da lei nº 4.504, de 30.11.1964 (estatuto da terra), e 18, parágrafo único, do decreto nº 59.566, de 14.11.1966, é defeso ajustar como preço do arrendamento quantidade fixa de frutos ou produtos, ou o seu equivalente em dinheiro.
2. Conforme precedentes desta corte, a cláusula que fixa o preço do arrendamento rural em quantidades de produtos é nula.’
3. Não tendo o recorrente impugnado especificamente o fundamento do tribunal de origem no sentido que a nulidade da cláusula não contamina o contrato, persistindo o débito, incide, no ponto, o enunciado da súmula 283⁄STF.
4. Falece ao recorrente interesse processual quando o tribunal julga a matéria no mesmo sentido do reclamado no recurso.
(…)
6. Não há falar em dissídio interpretativo quando os paradigmas se mostram no mesmo sentido do acórdão recorrido.
RECURSO NÃO CONHECIDO.”
(REsp 231.177⁄RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 26⁄8⁄2008, DJe de 15⁄9⁄2008).
Desse modo, não se verifica a existência de julgado do Superior Tribunal de Justiça discutindo o mérito sobre a possibilidade de servir como prova escrita em ação monitória contrato de arrendamento rural em que se estipulou o pagamento em frutos ou quantidade de produtos, ou seu equivalente em dinheiro.
O arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa (arrendatário) se obriga a ceder a outra (arrendador), por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, total ou parcialmente, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de que nele seja exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel.
Dispõe o art. 2º do Decreto nº 59.566⁄1966, também apontado como violado pelo recorrente:
“Art. 2º. Todos os contratos agrários reger-se-ão pelas normas do presente Regulamento, as quais serão de obrigatória aplicação em todo o territórionacional e irrenunciáveis os direitos e vantagens nelas instituídos.
Parágrafo único. Qualquer estipulação contratual que contrarie as normas estabelecidas neste artigo, será nula de pleno direito e de nenhum efeito.”
Em se tratando de contrato agrário, o imperativo de ordem pública determina sua interpretação de acordo com o regramento específico, visando obter uma tutela jurisdicional que se mostre adequada à função social da propriedade. As normas de regência do tema detêm caráter cogente, de observância obrigatória, porquanto disciplinam interesse de ordem pública, consubstanciado na proteção, em especial, do arrendatário rural, o qual, pelo desenvolvimento do seu trabalho, exerce a relevante função de fornecer alimentos à população.
A propósito, colhe-se a doutrina de Pinto Ferreira (Curso de Direito Agrário. 2ª ed.. São Paulo: Saraiva, 1995, pág. 226):
“Os contratos agrários representam interesses coletivos ou gerais da sociedade, com normas prefixadas legalmente e acima da vontade das partescontratantes.
São normas obrigatórias, imperativas e irrenunciáveis.
Por causa dessa determinação, nenhum acordo entre as partes pode vigorar caso venha a contrariar direta ou indiretamente tanto o espírito como a letra da lei, já que tal ofensa tornará nulo de pleno direito o contrato celebrado.
Também não pode ocorrer renúncia a nenhum dos privilégios estatuídos em lei. A renúncia é inviável, e os atos assim praticados não terão eficácia; são equivalentes ao ato não praticado.”
É o que se depreende também dos ensinamentos de Wellington Pacheco Barros (Curso de Direito Agrário. vol. 1. 7ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, págs. 117⁄118):
“(…)
Os contratos agrários não podem ser interpretados da mesma forma que os contratos regidos pelo Código Civil. Embora não se negue que a estrutura básica e genérica de qualquer contrato encontra montagem nos fundamentos da legislação civil, como, por exemplo, a exigência de agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não proibida em lei (art. 104 do CC), a estrutura sistêmica dos contratos que este regramento estabelece está calcada na plena autonomia de vontade ou liberdade contratual. Isso significa que as partes são livres contratualmente e o que firmarem terá a força de lei entre elas.
Já nos contratos agrários, não existe esta plenitude de vontade. As partes são tuteladas pela lei do Estado, representadas pelo Estatuto da Terra epelo Decreto nº 59.566⁄66. (…) Por conseguinte, autonomia de vontade nos moldes preceituados no Código Civil existirá apenas na decisão ou não de contratar, pois se houve opção de contrato, a vontade se subsumirá nos ditames da lei. Os contratantes deverão cumprir a vontade do legislador” (grifou-se).
Contudo, essa forma especial de interpretação dos contratos agrários não pode servir de guarida para a prática de condutas repudiadas pelo ordenamento jurídico, de modo a impedir, por exemplo, que o credor exija o que lhe é devido por inquestionável descumprimento do contrato, tal como se verifica na presente hipótese.
Ressalte-se que o recorrente, na petição dos embargos monitórios, o recorrente não questionou o descumprimento de suas obrigações. Limitou-se a alegar que o contrato não constituiria documento escrito hábil a embasar o procedimento monitório. A existência da dívida, igualmente, não restou questionada. Também não comprovou a existência de fatos imprevisíveis a determinar alguma revisão do ajuste, se fosse o caso.
Do voto condutor do julgado, extrai-se o seguinte excerto, que bem demonstra essa compreensão:
“(…)
Na verdade, o réu-embargante não se desvencilhou do múnus de produzir prova a derruir a pretensão da autora, eis que não comprovou ocumprimento da obrigação assumida, tampouco demonstrou a ocorrência de fatos imprevisíveis a inviabilizar a satisfação do crédito postulado em sede de monitória” (fls. 103⁄104).
É certo que o contrato de arrendamento rural encontra-se eivado de vícios que lhe subtraem o atributo essencial para ser considerado válido, relativo à forma de remuneração do proprietário da terra. No entanto, não se pode negar o valor probatório da relação jurídica efetivamente havida.
O recorrente de fato se utilizou da terra e nela cultivou entre os anos de 2003 e 2004, sem, contudo, efetuar o pagamento ajustado. Pretende, por meio do reconhecimento de nulidade absoluta do contrato que ele próprio firmou, desonerar-se de suas obrigações contratuais.
O documento em tela, não obstante sua desconformidade com a exigência, é capaz de alicerçar ação monitória, pois hábil de demonstrar a existência do fato que gerou a obrigação, não constituindo escusa válida para amparar descumprimento de obrigações contratuais.
3. Do dispositivo
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É o voto.