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Direito Agrário

Agropecuarista deverá devolver vantagens obtidas com arrendamento rural ilegal em terras indígenas

“Arrendatária foi condenada em definitivo pela Justiça Federal e agora deve indenização milionária à comunidade indígena

A Justiça Federal de Carazinho/RS recebeu nesta quarta-feira, dia 9, o pedido promovido pelo Ministério Público Federal (MPF) de Passo Fundo/RS, para o cumprimento da sentença proferida na ação civil pública n° 5003075-76.2012.4.04.7118. De acordo com a decisão judicial, que foi confirmada pelos tribunais superiores, a ré arrendou ilegalmente terras indígenas da Reserva Indígena de Nonoai, bem como articulou a concessão de financiamentos a indígenas, obtidos por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), utilizando os recursos em seu próprio benefício.

A sentença condenou a ré a não mais celebrar qualquer contrato ou negócio jurídico com indígenas, lideranças indígenas ou grupos indígenas da Comunidade Indígena Nonoai, tendo por finalidade a prática de qualquer atividade agrícola em terras da Reserva Indígena de Nonoai, seja qual for o nome jurídico que se empreste ao contrato ou negócio jurídico, bem como a abster-se de plantar, colher ou praticar qualquer ato relacionado com a agricultura dentro da Reserva Indígena de Nonoai, pessoalmente ou por intermédio de pessoas a seu mando.

A ré também foi condenada a pagar a quantia de R$ 1.178.460,00, a ser atualizada desde dezembro de 2008, a título de indenização em favor do Grupo Indígena de Nonoai, por danos materiais decorrentes do uso indevido das terras indígenas.

Além do pagamento de indenização pelo uso indevido das terras indígenas, a sentença determinou a quitação de 125 empréstimos bancários em nome dos indígenas, e a indenização da comunidade por danos morais no valor de R$ 125.000,00, a serem atualizados, em decorrência da inscrição indevida de 125 índios no Serasa, pela inadimplência dos aludidos contratos.

De acordo com o procurador da República Ricardo Gralha Massia, ‘agora o Ministério Público Federal está apurando outros casos de arrendamentos ilegais nas terras indígenas, para a responsabilização penal e civil de agricultores que estejam nessa mesma situação, e a identificação de indígenas que estejam organizando e facilitando esse tipo de prática’”.

Fonte: Assessoria de Comunicação Social da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, 10/03/2016.


Confira a íntegra da sentença que está sendo executada pelo MPF:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2008.71.18.001621-3/RS
AUTOR
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RÉU
:
CLAUDIA CRISTINA WEBER
ADVOGADO
:
ANTONIO CELSO NOGUEIRA LEIRIA
:
ANDRE DI FRANCESCO LONGO
:
ZÍLIO PAVAN
:
FLAVIO ALVES DE OLIVEIRA
SENTENÇA
1 Relatório
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com base no Inquérito Civil Público n. 1.29.019.000080/2008-96 e no Procedimento Investigatório Criminal n. 1.29.004.000916/2005-9, ingressou com a presente Ação Civil Pública contra CLÁUDIA CRISTINA WEBER PANISSI, a qual tem possuía o nome CLÁUDIA CRISTINA WEBER quando solteira, até 2009 tendo o nome de casada de CLÁUDIA CRISTINA WEBER TRÊS, objetivando, em síntese, a sua condenação à obrigação de fazer, concernente à abstenção de plantar na Reserva Indígena Nonoai e de arrendar aquelas terras; a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano patrimonial e moral causados às comunidades indígenas da Reserva de Nonoai; e concessão de tutela de urgência, para determinar a obrigação de fazer no curso da ação, com a fixação de multa diária pelo eventual descumprimento da medida liminar.
Segundo consta da petição inicial, Cláudia Cristina Weber teria ilegalmente arrendado terras indígenas da Reserva Indígena de Nonoai, na 4ª Seção do Município de Planalto/RS. Valendo-se de valores obtidos por financiamentos aprovados aos indígenas, estaria plantando girassol e milho na área arrendada. Cláudia articularia a concessão do financiamento aos indígenas para se apropriar dos valores. No curso das investigações realizadas Parquet Federal, foi ouvido Pedro Possamai, administrador da FUNAI em Chapecó, o qual teria informado que um ou dois comerciantes em Planalto teriam incitado os índios a pedir financiamento pelo PRONAF, na agência do Banco do Brasil S.A. de Planalto, ficando 70% dos recursos para os comerciantes e apenas 30% sendo entregues aos indígenas. Pedro Possamai ainda informou ter ouvido dizer que as terras indígenas de Nonoai eram arrendadas antigamente por José Basso, atualmente estando arrendadas à agropecuária Cláudia, de Planalto. No curso das investigações, teriam sido arrecadados Acordo de Produção de Grãos em Terras Indígenas e Contrato de Produção de Grãos, que Cláudia Cristina Weber teria celebrado com os chefes indígenas, com a presença de servidores da FUNAI, além de notas fiscais referentes à comercialização da produção diretamente por Cláudia Cristina Weber. Nos contratos de financiamento celebrados no Banco do Brasil S.A., Cláudia Cristina Weber não teria constado como avalista/fiadora, embora afirmasse aos indígenas que ficaria responsável pelo pagamento das dívidas. Em decorrência do não pagamento dos financiamentos, os indígenas estariam sendo inscritos nos serviços de proteção ao crédito. Índios contrários ao arrendamento, que pretenderam entrar em suas terras, sofreram perseguição na aldeia, três deles inclusive sendo mantidos em prisão indígena. O arrendamento, ainda, teria importado em esfacelamento da noção de coletivo da aldeia indígena.
Em decisão liminar, foi concedida a tutela de urgência pretendia, sendo determinado a Cláudia Cristina Weber ou qualquer pessoa a seu mando que se abstivessem de ingressar na Reserva Indígena Nonoai, sob pena de pagamento de multa diária, bem como determinada a expedição de carta precatória à Comarca de Planalto para citação de Cláudia Cristina Weber.
Expedida e remetida carta precatória à Comarca de Planalto, a qual foi devolvida devidamente cumprida, com a citação da Ré.
Em contestação (fls. 544/549), a Ré negou ter arrendado terras indígenas, afirmando que nunca teve a posse ou o domínio das terras. Segundo consta da peça defensiva, apenas teria celebrado acordo de compra da produção realizada pelos índios, nunca tendo havido qualquer restrição ao pleno exercício da posse direta pelos índios. Afirmou, ademais, que nada produz na área destinada aos silvícolas, sendo que a Ré não produz nem trabalha nas terras. As acusações decorreriam de manipulação política, inclusive tendo havido falso testemunho contra a ré. Ao final, pugna pela total improcedência do pedido.
Intimado o Ministério Público Federal, que apresentou réplica (fls. 562/570) e pugnou pela produção de prova testemunhal, arrolando testemunhas.
Juntado aos autos parecer de profissional antropóloga, apresentado pelo Parquet Federal (fls. 573/603).
A Parte Ré requereu a oitiva de testemunhas, trazendo rol (fls. 606/608).
Deferidos os pedidos de produção de prova testemunhal, sendo determinada a expedição de cartas precatórias às Comarcas de Planalto e Nonoai e às Subseções Judiciárias de Criciúma e Chapecó (fls. 610/613).
Comunicado pelo TRF da 4ª Região ter sido desprovido o agravo de instrumento interposto pela Ré contra a decisão concessiva de tutela de urgência (fls. 619/626).
Peticionou o Ministério Público Federal postulando a concessão de cautelar incidental de indisponibilidade de bens da Ré (fls. 638/640), o que foi deferido por decisão de fls. 646/648, que determinou a remessa de ofícios aos órgãos de registro de imóveis e cadastro de veículos automotores.
Remetidos ofícios ao Registro de Imóveis de Planalto e de Nonoai e ao DETRAN/RS, os quais forma respondidos com prova do cumprimento das determinações judiciais.
A Ré interpôs agravo retido contra a decisão, o qual foi recebido, sendo determinada a intimação do MPF para contraminuta.
O Ministério Público Federal apresentou relação de indígenas que teriam celebrado contrato de financiamento por intermédio de Cláudia Cristina Weber, num total de dez (fl. 718).
Devolvidas cartas precatórias contendo termos de audiência e degravações relativas às testemunhas Pedro Possamai, Brunislava Waliszwski, Jorge Eufrásio, Tito Jacinto, Pedro da Silva, Wilson Moreira, Enes Mineiro, Edílson Fortes, Claudir Farias, José Orestes do Nascimento, Bruna Mara Vidal Uberti, Valmor Farias, Miguel de Paula, Marcelino Granoski, Lírio Pietroski, Adão Tomas, Jair de Paula, Alserio Antonio Zílio.
Autos vistos em correição (fl. 806).
Por determinação deste Juízo Federal, o Banco do Brasil S.A. apresentou relação de todos os contratos de financiamento celebrados com indígenas da região de Planalto e Nonoai, inclusive os que foram intermediados por Cláudia Cristina Weber ou em que ela constou como procuradora.
À fl. 1066, consta promoção do Parquet Federal apresentando documentos apreendidos pela Polícia Federal em poder de Cláudia Cristina Weber.
Peticionou a Parte Ré (fl. 1136), trazendo documentos que, segundo afirma, comprovariam ter repassado valores às testemunhas Enes Mineiro e Altair Farias, os quais teriam prestado falso testemunho ao dizerem em juízo que não haviam recebido qualquer valor de Cláudia Cristina Weber.
Não tendo sido localizadas as testemunhas Andrea Waliszewski e Angelina Waliszewski, foi intimado o MPF, que insistiu na sua oitiva (fl. 1153).
Apresentada contraminuta ao recurso de agravo retido pelo Parquet Federal (fls. 1154/1157).
Não localizada a testemunha Neuri Nardi, tendo a Ré expressamente desistido de sua oitiva, o que foi acolhido (fl. 1158).
Juntado novo depoimento da testemunha José Oreste do Nascimento (fls. 1185/1187), bem como a transcrição do depoimento das testemunhas Angelina e Andrea Waliszewski, ouvidas por carta precatória cumprida na Comarca de Planalto.
Não tendo sido localizada a testemunha Eduardo Waliszewski, foi o MPF intimado, tendo expressamente desistido da oitiva (fl. 1209), o que foi acolhido (fl. 1210).
Encerrada a instrução probatória, foram intimadas as partes, que apresentaram seus memoriais no prazo legal.
O Ministério Público Federal afirma terem sido colhidas provas a demonstrar a existência de arrendamento ilegal de terras indígenas e danos morais e patrimoniais coletivos à comunidade da Reserva Indígena de Nonoai, pugnando pela condenação da Ré nos exatos termos da petição inicial. Requer, ainda, seja ampliado para R$ 1.663.738,37 o limite de indisponibilidade dos bens da Ré até final julgamento da ação (fls. 1213 a 1219).
A Ré, por seu turno, afirma não ter sido demonstrada a existência de um arrendamento de terras. Transcreve trechos de depoimentos de testemunhas, sublinhando trechos, para afirmar que não podem servir como prova contra a Ré. Também aponta que o cacique da aldeia, José Oreste do Nascimento, era favorável à manutenção da parceria agrícola, tendo afirmado em seu depoimento que nunca houve arrendamento. Afirma que não teria condições financeiras de arrendar as terras indígenas, tendo existido apenas uma relação comercial. Os indígenas plantariam e colheriam por sua própria conta. Os financiamentos seriam contratados diretamente pelos indígenas, tendo a Ré atuado como procurada apenas nos casos em que eram analfabetos. Ao final, pugna pela improcedência dos pedidos vertidos na presente ação civil pública.
Vieram os autos conclusos para sentença.
Solicitadas informações quanto à indisponibilidade de bens pelo juízo da Vara Judicial da Comarca de Planalto.
Decido.
2 Fundamentação
2.1 O arrendamento de terras indígenas e a obtenção de empréstimos em nome de indígenas
As terras tradicionalmente ocupadas por grupos indígenas são bens da União (art. 20, caput, XI, da Constituição Federal), cabendo a sua posse permanente e o usufruto exclusivo das utilidades e riquezas naturais existentes aos índios e às comunidades indígenas que tradicionalmente ocuparam a área (art. 2º, IX, e 22, caput, ambos da Lei n. 6.001/73 – Estatuto do Índio). A respeito da extensão a ser considerada em relação ao usufruto exclusivo, o art. 24, caput, do Estatuto do Índio é assaz claro:
Art. 24. O usufruto assegurado aos índios ou silvícolas compreende o direito à posse, uso e percepção das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes nas terras ocupadas, bem assim ao produto da exploração econômica de tais riquezas naturais e utilidades.
Com a publicação da Lei n. 6.001, no DOU de 21 de dezembro de 1973, passou a ser expressamente proibido não só todo e qualquer arrendamento de terras indígenas, mas qualquer ato que tenha por objetivo o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos índios ou pelas comunidades indígenas. Somente excepcionalmente foi permitida a continuidade de algum eventual arrendamento existente quando a referida Lei entrou em vigor, conforme seus arts. 18 e 62:
Art. 18. As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena ou pelos silvícolas.
§ 1º Nessas áreas, é vedada a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativa.
[…]
  Art. 62. Ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos dos atos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação das terras habitadas pelos índios ou comunidades indígenas.
§ 1° Aplica-se o disposto deste artigo às terras que tenham sido desocupadas pelos índios ou comunidades indígenas em virtude de ato ilegítimo de autoridade e particular.
§ 2º Ninguém terá direito a ação ou indenização contra a União, o órgão de assistência ao índio ou os silvícolas em virtude da nulidade e extinção de que trata este artigo, ou de suas conseqüências econômicas.
§ 3º Em caráter excepcional e a juízo exclusivo do dirigente do órgão de assistência ao índio, será permitida a continuação, por prazo razoável dos efeitos dos contratos de arrendamento em vigor na data desta Lei, desde que a sua extinção acarrete graves conseqüências sociais. (g.n.)
A partir de 1988, a proibição de atos de ocupação, domínio ou posse das terras tradicionalmente ocupadas por indígenas foi alçada ao status de norma constitucional, trazida pelo art. 231, § 6º, da hodierna Carta Magna:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
[…]
§ 6º – São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
Ressalte-se que, ao contrário do usufruto comum, estabelecido pela legislação civil, o usufruto vitalício conferido aos grupos indígenas não permite o uso e a fruição mediante arrendamento, não se aplicando o art. 1399 do atual Código Civil. Há vedação legal à celebração de contrato de arrendamento ou parceria na exploração de terras de propriedade pública, excepcionados apenas os casos relacionados a razões de segurança nacional, áreas de colonização pioneira, na sua fase de implantação, ou forem as terras ocupadas antes de 1964 por posseiros em posse pacífica e com justo título (art. 94, caput e parágrafo único, da Lei n. 4.504/64 – Estatuto da Terra).
Os exatos contornos a serem considerados aos diretos decorrentes do usufruto conferido aos indígenas já foram delineados pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da PET n. 3.388/RR. Na ocasião, o relator, saudoso Ministros Carlos Menezes Direito, assentou que, dentre outras restrições, “[…] 14) as terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade jurídica ou pelos silvícolas;“, apontando, ainda, que 15) é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária extrativa […]” (PET n. 3.388/RR, Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, excerto do voto do Min. Min. Carlos Brito, Informativo n. 532, de 08 de dezembro de 2.008).
Mesmo a existência de atividade agropecuária, decorrente de parceria agrícola celebrada entre o grupo indígena e terceiros, é expressamente proibida, conforme norma contida no art. 18, § 1º, do Estatuto do Índio, acima transcrito. Então, ilações quanto à abrangência dos pactos celebrados entre os indígenas e Cláudia Cristina Weber, com natureza de mera parceria ou de arrendamento agrário, propriamente dito, somente importam ao aspecto específico da quantificação da culpa. Nenhuma pessoa estranha à comunidade indígena, sob qualquer pretexto e por melhores que fossem suas intenções, mesmo de comum acordo com pessoas a se identificarem como líderes ou chefes indígenas, poderia praticar atividade agrícola na propriedade da União, em usufruto vitalício do grupo indígena.
Aos indígenas não cabe, em hipótese alguma, por qualquer forma, arrendar, gravar de ônus, alienar ou fornecer, por qualquer forma, áreas de terras dentro de reserva indígena. São os silvícolas meros usufrutuários das terras, de propriedade da União.
Existe arrendamento quando o pacto celebrado contém todas as características a informarem a presença desse contrato típico, pouco importando o nomem juris que os contratantes tenham utilizado. A respeito, é explícito o art. 112 do Código Civil ao estabelecer que “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.
Segundo definido pelo art. 3º, caput, do Decreto n. 59.566/66,
Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nêle ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei.
No caso presente, extrai-se do denominado “Instrumento de Acordo de Produção de Grãos em Terras Indígenas, Reserva Indígena de Nonoai”, assinado em 29 de agosto de 2007 por Cláudia C. Weber – Viveiro de mudas, José Oreste do Nascimento – Cacique da Reserva Indígena Nonoai, Vitório Isaías da Silva – Capitão Indígena – Sede, Valmor Farias – Liderança-Pinhalzinho, Valdir Lopes – Liderança-Sede, Marcelino Granoski – Secretário da Agricultura, Leocir Zortea – Agrônomo da Brasil Ecodiesel, José Cechet – Helianthus do Brasil e Lídio Della Betta – Chefe da T.I. Nonoai/Funai (fls. 475/477), basicamente que Cláudia Cristina Weber forneceria sementes e insumos, garantindo a compra da produção.
Não há qualquer justificativa plausível para a celebração de um acordo de produção no mês de agosto de 2007. Os recursos para a aquisição dos insumos e sementes eram pelo PRONAF, em financiamentos contratados pelos indígenas diretamente com o Banco do Brasil S.A. A venda da produção, por seu turno, poderia ser comercializada diretamente pelo grupo indígena, podendo ter pedido auxílio da FUNAI para tanto.
Atente-se para o fato de que o financiamento pelo PRONAF já havia sido autorizado aos indígenas após a apresentação de projeto elaborado em conjunto pelos indígenas, a ASCAR-EMATER/RS e a FUNAI (fls. 429/432), sendo delineado o montante de recursos financeiros necessários para a aquisição dos insumos, sementes e implementos agrícolas e elaborado cronograma de execução das atividades para reestruturação da Comunidade Indígena de Nonoai/RS, abrangendo Nonoai, Gramado dos Loureiros, Rio dos Índios e Planalto. Referido projeto foi assinado por José Oreste Laspro – Cacique, Adelino Lopes – Presidente Associação – Sede do Posto, Vitalino da Silva – Presidente da Associação Bananeiras, Adão Tomas – Presidente da Associação Pinhalzinho, Lídio Della Betta – Chefe T.I. Nonoai/FUNAI e Flávio Fagundes da Silva – ASCAR-EMATER/RS Área Indígena Nonoai, sendo observado, ao final, o seguinte:
[…]
Obs: Os recursos poderão ser liberados para uma das associações indígenas cujo registro e conta bancária segue em anexo.
A comunidade indígena da Terra Indígena Nonoai vem receberem Assistência Técnica e práticas de Extensão Rural sem nenhum custo financeiro ou de qualquer outra ordem da ASCAR-EMATER-RS que poderá acompanhar juntamente com a FUNAI as atividades propostas neste projeto. (fl. 432)
Ou seja, não havia necessidade de intermediários, comprometendo-se a EMATER a fornecer assistência técnica de que precisassem.
Fixado esse primeiro ponto, então, de que não se mostrava útil a celebração de qualquer contrato ou acordo de parceira agrícola com empresários ou agricultores da região, vez que os habitantes da Reserva Indígena Nonoai seriam auxiliados pela EMATER e teriam créditos pelo PRONAF, mister elucidar que o denominado “Instrumento de Acordo de Produção de Grãos em Terras Indígenas, Reserva Indígena de Nonoai” (fls. 475/477), em que pese a pretensão de fazer crer gerar uma mera facilitação na obtenção de sementes e insumos, constituía-se em verdadeiro contrato de arrendamento.
Do referido “Acordo”, possível apurar ter a pactuação por objeto o plantio de grãos de girassol da safra de 2.007 e o plantio de grãos de milho para a safra 2.007/2.008. Cláudia C. Weber, como empresária individual, forneceria sementes, secante, boro solúvel, adubos, uréia, inseticidas necessários, fretes, máquinas agrícolas e outros produtos que se fizessem necessários para a produção, sendo os preços descontados, ao final da produção. Em seguida, é afirmado que a “prestadora de serviços” garantiria a compra dos produtos, sendo estipulado preço de R$ 28,00 (vinte e oito reais) por saca de 60 Kg (sessenta quilogramas) de grãos de girassol e valor da safra, para o milho. Ao final, fica observado que
A população indígena pertencente ao Município de Planalto, sobre a responsabilidade do Capitão Miguel de Paula, Líderes senhores Valmor Farias e Cacique Orestes do Nascimento pede que conste este acordo que,somente a Empresa Cláudia C. Weber juntamente com suas equipes de trabalho com máquinas agrícolas seja permitida de trabalhar na comunidade, para que seja evitada a exploração por parte de outros. (g.n.)
Resumidamente, pelo “Acordo”, a Empresa Cláudia C. Weber ficaria responsável pelo fornecimento de todos os insumos e sementes, seria a única autorizada a ingressar nas terras, inclusive trazendo trabalhadores não indígenas (“… juntamente com suas equipes de trabalho…”) e máquinas agrícolas a ela pertencentes, sendo a única adquirente das produções de girassol e milho da Reserva Indígena Nonoai, relativamente a toda a safra de 2007 e 2008.
Considero, então, a definição de arrendamento trazida pelo art. 3º, caput, do Decreto n. 59.566/66, pode-se dizer que havia efetivo arrendamento das terras indígenas. Com efeito, somente à Empresa Cláudia C. Weber seria permitido entrar nas terras agricultáveis, siginificando ter sido acordado, por prazo determinado (safras de 2007 e 2008) a transferência da posse direta da área de terras, com uso e fruição exclusivamente pela possuidora. Esses são elementos claros de um contrato de locação/arrendamento, estando excepcionada apenas a fixação da contraprestação pecuniária ou em percentual da produção, o que torna a situação ainda mais grave.
Os indígenas ficariam obrigados a aceitar quaisquer preços impostos pela auto-denominada “prestadora de serviços” a título de fornecimento de sementes, secante, boro solúvel, adubos, uréia, inseticidas, fretes, máquinas agrícolas e outros produtos, os quais seriam descontados do preço a ser pago pelo fruto da colheita. Trata-se, por óbvio, de cláusula nula, pois possibilita ao oblato (a autodenominada “prestadora de serviços”) manejar a pactuação da forma como melhor entender, já que a licitante (a comunidade indígena) não teria qualquer parâmetro máximo que pudesse ser exigido para o pagamento dos produtos e serviços prestados, questão que foi considerada no âmbito da normalidade pelo representante da FUNAI, que firmou o contrato juntamente com os representantes da comunidade indígena.
Não houve previsão, no “Acordo”, de qualquer meio de fiscalização dos frutos da colheita, ao final da produção, fosse por parte da comunidade indígena, fosse pela FUNAI, apenas sendo estabelecido que a “prestadora de serviços” garantiria a compra dos produtos (fl. 475).
A situação então estabelecida seria a seguinte: Cláudia C. Weber forneceria todos os meios necessários à atividade agrícola, à exceção da terra, ficando responsável, sozinha, pela plantação e pela colheita. Teria direito a exigir o pagamento da comunidade indígena de tudo o que disponibilizasse para a atividade agrícola e de adquirir os frutos da colheita por valor prefixado, sem sofrer qualquer tipo de fiscalização fosse pela comunidade indígena, fosse pela FUNAI, ao menos, não por previsão contratual.
As declarações prestadas por Cláudia Cristina Weber, no bojo do inquérito civil público, são esclarecedoras do poder de mando que tinha sobre a área: “[…] que quem contrata os terceirizados é a declarante. Explica que as lideranças indígenas também contrataram os terceirizados e que ela apenas ‘deu sua palavra’ para que o negócio fosse realizado. Acrescenta ainda, que os brancos somente ingressariam na área indígena se a declarante desse sua palavra de que não haveria problemas financeiros, quando do pagamento […]” (fl. 488).
Por Informação de 19.09.2007, os Agentes de Polícia Federal Jean Schmidt e Fábio Tonetto narram ter comparecido à sede da Reserva Indígena de Nonoai, lá sendo recebidos por pessoa identificada como Vitório, membro do conselho de administração da Reserva, que esclareceu “[…] que os membros da comunidade, por meio de uma associação, realizam a plantação em parte da área de reserva que não soube mencionar a dimensão exata, mas acredita ser em torno de 400 hectares. Que outra parte das terras, aproximadamente 1.000 hectares estaria sendo plantada por uma pessoa identificada como Sra. CLAUDIA. Seria cultivo de girassol destinado à produção de biodiesel. Que esta plantação destinada à produção de biodiesel seria embasada em um convênio firmado pela Sra. CLAUDIA com o governo federal, não sabendo identificar que convênio ou que órgão federal […]” (fl. 448 – g.n.).
As notas fiscais apresentadas pelo Ministério Público Federal dão a ideia de que Cláudia Cristina Weber era, de fato, a única adquirente da produção agrícola desenvolvida no trecho de terras dentro da comunidade indígena na qual “prestaria serviços”, sendo a expedição de notas fiscais de produtor pelos indígenas mero embuste, prévio à real comercialização dos grãos à Brasil Ecodiesel Indústria e Comércio de Biocombustíveis e Óleos Vegetais S.A. A venda à Ecodiesel foi confirmada pela própria empresa:
[…]
BRASIL ECODIESEL INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE BIOCOMBUSTÍVEIS E ÓLEOS VEGETAIS S.A. […] vem, em resposta ao ofício supracitado, informar pelo que pôde apurar até o momento, que possui 02 contratos de parceria firmados com Cláudia C. Weber, constando a qualificação ‘Cláudia C. Weber, empresário individual, rua D. Pedro II, nº 344, Sala, Bairro Centro, Planalto – RS, inscrito no CNPJ sob o nº. 02.211.025/0001-60’.
Por fim, informa que pelo que pôde ser apurado até o momento, a quantia de sementes fornecida foi de aproximadamente 451 (quatrocentos e cinqüenta e uma) sacas.
[…]
Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 2008. (fl. 454)
Ouvido em juízo, o administrador da FUNAI em Chapecó entre 2007 e 2008, Pedro Possamai, esclareceu que desde que assumiu o cargo em Chapecó, teve conhecimento da existência arrendamentos ou parcerias em terras da Área Indígena de Nonoai, e que Cláudia Cristina Weber pagava aos índios pelo uso da terra apenas com a entrega de ranchos com alimentos. Veja-se o teor de sua manifestação, especificamente os trechos sublinhados:
[…] A testemunha informa que é administradora da FUNAI desde setembro de 2007. Ao assumir a função tomou conhecimento de que dentro das terras indígenas de Nonoai havia a prática de arrendamento e parcerias com agricultores não índios. Recorda inclusive que foi procurado por uma senhora de nome Cláudia, proprietária de uma agropecuária no município de Planalto/RS, a qual buscava o consentimento da FUNAI para continuidade de arrendamento ou parcerias agrícolas dentro da área indígena de Nonoai. A testemunha disse à Sra.Cláudia que esta prática não era admitida pela Constituição e portanto a FUNAI não poderia dar consentimento. A testemunha ficou sabendo que a Sra. Cláudia parou de firmar parcerias ou arrendamentos dentro das áreas indígenas de Nonoai e que inclusive o MPF de Passo Fundo teria obtido uma busca e apreensão de documentos dentro do escritório da Sra. Cláudia. […] Esclarece que eram estabelecidos financiamentos agrícolas junto ao Banco do Brasil em nome dos índios da Reserva Indígena de Nonoai, mas os valores, segundo as lideranças indígenas eram todos administrados por Cláudia sendo que os silvícolas não tinham acesso a estes créditos. Salienta também que, segundo informações dos índios, os valores decorrentes da produção agrícola não eram repassados para os índios, posto que Cláudia alegava que a safra tinha sido frustrada. A testemunha disse que em determinada reunião no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Planalto, Cláudia teria dito que pagava antecipado aos índios a sua parte na colheita através de ranchos com alimentos que lhe eram entregues previamente. (fls. 716/717, g.n.)
A própria ré, Cláudia Cristina Weber, reconhece que plantou girassol e milho em terra indígena, inclusive fornecendo insumos e a maior parte do maquinário agrícola utilizado. Ainda, reconheceu que pessoas estranhas ao grupo indígena trabalhavam na atividade agrícola dentro da área indígena a seu mando. Por fim, ao ser questionada quanto a eventuais vantagens que decorreriam do “Acordo” celebrado com os indígenas, afirmou que eles não tinham máquinas suficientes e nem crédito na praça. É o que se extrai de seu depoimento, prestado no bojo do inquérito civil público:
[…] Que o girassol é comprado dos índios pela declarante, com registro em nota-fiscal de compra expedida pela firma da declarante. Que o girassol é registrado também em nota de produtor rural do índio. Que não sabe quantos hectares estão sendo plantados, mas que eles correspondem a 200 propriedades indígenas. Que a nota de produtor rural referida é expedida por vários índios, conforme sua produção. Que prefere não revelar para quem irá vender o girassol colhido. […] Que cada índio acompanha a entrega dos insumos, ajudando no plantio, inclusive. Que o negócio é vantajoso para a declarante, pois terá lucro na venda de insumos aos índios, na cessão de maquinários próprios da empresa da declarante e na posterior revenda do produto comprado dos índios. […] Que também está colhendo milho, cuja produção obedece a mesma sistemática. Que já pagou valores significativos aos índios por conta do acordo. […] Que mesmo havendo terceirizados, a responsabilidade pela lavoura é do índio. Perguntada sobre as vantagens que os índios teriam em negociar com a declarante, respondeu que eles não possuem máquinas suficientes para a lavoura e nem possuem crédito na praça. Aduz ainda, que todo o lucro e tudo o que for produzido é deles. Que iniciou essas atividades com os índios em agosto de 2007. […] (fls. 488/490, g.n.)
Frise-se, no que se refere à manifestação da Ré, que tanto os índios possuíam crédito na praça, ao tempo em que assinado o “Acordo”, que já havia sido autorizada a celebração de contratos de financiamento com o Banco do Brasil S.A. pelo PRONAF. O que a Ré fez foi apenas encaminhar documentos e reter o dinheiro para si mesma, supostamente para custear a produção, ficando responsável por entregar aos indígenas, após a venda do girassol e do milho, o lucro obtido. Contudo, como apurado, limitou-se a entregar alguns pequenos valores, ranchos de alimentos e alguns produtos como sabonetes e shampoo, tudo antes da colheita. Após a venda, limitou-se a afirmar aos indígenas não ter sido boa a produção agrícola, sequer aventando a necessidade de solicitar indenização pelo PROAGRO.
A defesa da Ré tenta justificar as denúncias realizadas contra ela como um modo de desestabilizar sua candidatura ao cargo de prefeita de Planalto. Ocorre que as denúncias se referiam a uma situação verdadeira, plenamente provada nos autos. Independentemente do moto propulsor das denúncias, é louvável que a aberrante destinação das terras públicas da União, em detrimento de indígenas, seus exclusivos usufrutuários, tenha sido levada a conhecimento do Ministério Público, o que possibilitou a existência desta ação civil pública.
Os fatos referentes a anteriores e posteriores arrendamentos e “parcerias agrícolas” firmados com agricultores e empresários da região deverão ser objeto de investigações pelo Ministério Público Federal, mas são questões que extravasam o objeto lídimo do presente feito processual. Aqui se discute, única e exclusivamente, a responsabilidade de Cláudia Cristina Weber. Não cabem digressões quanto a de terceiros.
O cacique da Reserva Indígena de Nonoai, José Oreste do Nascimento, foi ouvido em juízo em duas ocasiões. De ambas, haure-se claramente possuir um viés favorável à ilegal prática de “parcerias” nas terras de propriedade da União. Atribui todas as denúncias contra Cláudia Cristina Weber a interesses políticos de grupos rivais, que pretendiam desestabilizar a candidatura da Ré ao cargo de prefeita de Planalto. Todavia, suas explanações quanto ao modo como ocorriam e, segundo ele próprio, ainda ocorrem as propaladas “parcerias”, demonstram a clara existência de arrendamento de terras indígenas, sem qualquer benefício concreto aos usufrutuários da terra.
Na sequência, afirmou o cacique que continua realizando “parcerias” com agricultores da região, o que é fortíssimo indício de que permanecem sendo arrendadas terras da União em detrimento dos grupos indígenas. Ao que tudo indica, apenas as lideranças indígenas e os agricultores estão sendo beneficiados. Os demais indígenas que não se rebelaram, quando muito, recebem algumas cestas básicas, uns presentinhos e nada mais. Nem mesmo os financiamentos pelo PRONAF seriam quitados pelos “parceiros”.
Em determinado momento de seu primeiro depoimento, o cacique expõe ter conseguido em Brasília autorização para celebrar parcerias. Porém, cai na realidade na segunda ocasião em que ouvido, apontando que obteve cópia de um projeto de lei que prevê a possibilidade de serem realizadas parcerias. O que importa ao caso concreto, contudo, é que José Oreste do Nascimento confirmou a existência de prática agrícola por Cláudia Cristina Weber na Reserva Indígena Nonoai, com precisos contornos de arrendamento, em que pese defender a existência de meras “parcerias”, as quais, de qualquer modo, também seriam ilícitas, não possuindo a FUNAI poderes para autorizar tal prática. Então, a afirmação do cacique no sentido de as “parecerias” serem não apenas toleradas, como autorizadas pela FUNAI deverá ser objeto de investigação e constante fiscalização, a fim de conter o uso irregular da terra.
Tão grande a intenção do Cacique em defender a prática do arrendamento, que chega a confirmar que algumas lavouras no ano de 2007 não teriam gerado a produtividade esperada, motivo pelo qual alguns índios teriam ficado com dívidas no Banco no Brasil S.A. Ocorre que essa afirmação é por completo despropositada. Se de fato havia benefício aos indígenas em celebrarem “parceria” com a Ré e não se valer da assessoria gratuita da EMATER, já obtida por acordo celebrado no mês de julho de 2007, era, no mínimo, de se esperar que Cláudia Cristina Weber prestasse orientação, esclarecendo que tinham direito ao seguro do PROAGRO, também encaminhando a documentação que se mostrasse necessária junto ao Banco do Brasil S.A. A preocupação apresentada por Cláudia Cristina Weber para obter os empréstimos em nome dos indígenas, mostrou-se por completa inexistente no momento de os auxiliar a verem o afirmado prejuízo indenizado pelo PROAGRO, um direito que lhes era assegurado. Na prática, então, sem sombra de dúvidas, todos os bônus iam para a Ré e todos os ônus ficavam com os indígenas, que não apenas cediam as terras da qual usufrutuários, como também financiavam a produção, com empréstimos obtidos junto a instituição financeira, em seus próprios nomes. Só o que obtinham em troca eram alguns trocados, vez ou outra, além de alguns ranchos de comida e produtos para limpeza pessoal. Essa forma de contratar com nativos não tem nenhuma novidade. Mais de quinhentos anos atrás, portugueses e espanhóis já conseguiam se aproveitar dos índios oferecendo badulaques e alguns espelhinhos. Agora, Cláudia Cristina Weber entrega cestas básicas.
Há prova mais do que evidente de que a Ré, em troca do uso da terra e dos empréstimos frente ao banco, somente entregava produtos de mercado e algum pouco dinheiro. As notas fiscais de venda de fls. 333 a 353, apreendidas no estabelecimento de Cláudia Cristina Weber, com nome fantasia CLAUCRIWE, na Rua Dom Pedro II, 344, em Planalto, somente descrevem a entrega de produtos de mercado aos indígenas, como arroz, frango, carne, açúcar, café, fermento, fejião, margarina, banha, chimia, farinha de trigo, farinha de milho, massa, sal, sabão em pó e shampoo. Na mesma toada, o depoimento da testemunha Bruna Vidal Uberti, arrolada pela Parte Ré, pessoa que trabalhava no estabelecimento de Cláudia Cristina Weber entre 2007 e 2008. De seus relatos, fica claro que para a Ré trabalhavam no local apenas a Sra. Bruna, atuando como secretária, e dois “piás”, todos responsáveis apenas por entregar os produtos de primeira necessidade aos indígenas, ficando toda a parte de contabilidade a cargo somente de Cláudia Cristina Weber. Embora no início de seu depoimento a testemunha tenha afirmado que eram entregues insumos, não soube esclarecer do que se tratavam, tampouco foi localizado no estabelecimento da Ré qualquer prova no sentido de que tenha fornecido qualquer insumo diretamente aos indígenas. Veja-se o que disse a Sra. Bruna:
[…]
Procurador da ré: A única questão para esclarecer bem é como que era a relação com os indígenas, eles iam lá pegar insumos, pagavam?
Testemunha: Era feita a plantação, o que eles pegavam era tudo anotado para depois eles pagavam nós, tipo, o que era entregue para eles, eles pagavam.
[…]
Procurador da ré: Vocês tiveram prejuízo referente ao que foi, enfim, ajudado os índios e o que foi adiantado para eles?
Testemunha: A com certeza né.
Procurador da ré: Eles não vinha pagar então?
Testemunha: É que na verdade assim, essas lavouras que não puderam mais serem colhidas, para ressarcir essas despesas, na verdade eu acho que a Cláudia perdeu tudo, eles não retornaram em si.
Procurador da ré: E até a dos próprios índios que a senhora entregava quando trabalhava lá, os insumos, eles pagavam, muitos ficavam devendo?
Testemunha: Muitos ficavam devendo para pagar após, eles iam pagando conforme eles…
[…]
Ministério Público: Para os índios, que eles iam pagar no futuro ou era venda informal?
Testemunha: Não lembro, não era tudo formal.
Ministério Público: A senhora trabalhava em que setor da firma?
Testemunha: Eu era secretária.
Ministério Público: E o que fazia a secretária?
Testemunha: Eu ficava mais em atendimento ao público, eu ficava mais em contato com eles, com os índios.
Ministério Público: Quem é que fazia a entrega dessa mercadoria?
Testemunha: Tinha, algumas coisas, se eram pequenas coisas eles mesmos transportavam ou tinha umas pessoas que transportavam para nós.
Ministério Público: Quem que entregava essas coisas para os índios quando era pequena a quantidade, por exemplo, eles pegavam com a senhora mesmo?
Testemunha: Eles pegavam ali.
Ministério Público: E quando a senhora entregava, eles assinavam algum papel?
Testemunha: Sim.
Ministério Público: Que papel era esse?
Testemunha: Era assinado como se fosse um recibo, era anotada a data, o que eles pegavam eles assinavam o nome deles.
Ministério Público: Era uma nota fiscal isso?
Testemunha: Não, era uma ficha na verdade.
Ministério Público: Uma ficha e depois era emitido uma nota fiscal disso tudo?
Testemunha: Era feito tudo conforme lei.
Ministério Público: A senhora tem certeza disso ou a senhora acha?
Testemunha: Eu não tenho plena certeza porque isso já não era comigo, mas creio que sim.
Ministério Público: Então a senhora acha que faziam nota fiscal?
Testemunha: Sim.
Ministério Público: A senhora não participava do processo de confecção de nota fiscal?
Testemunha: Não.
Ministério Público: Quem é que fazia a nota fiscal, quem é que era responsável por isso lá na empresa?
Testemunha: Na empresa, acho que era a Cláudia mesmo, se eu não me engano, mas eu não tenho mais certeza.
Ministério Público: A empresa da Cláudia, quem é que trabalhava com a Cláudia no escritório?
Testemunha: Era eu e mais dois meninos.
Ministério Público: E esses dois meninos faziam o quê?
Testemunha? O dois meninos cuidavam mais da parte que era entregue alguns ranchos para eles, eram vendidos na verdade alguns ranchos para eles também, daí os piás cuidavam mais dessa parte.
Ministério Público: De entregar rancho?
Testemunha: Isso, na verdade quem trabalhava lá no escritório éramos nós três, nós quatro.
Ministério Público: Esses “piás” como a senhora disse não faziam contabilidade?
Testemunha: Não.
Ministério Público: Então, pro exclusão, só poderia ser a própria Cláudia, sim?
Testemunha: Sim.
[…] (fls. 777-verso/780)
Não havia outros compradores de sementes de girassol na região. Então, toda a produção seria comprada pela própria Ré, que, obviamente, estipulava o preço que bem entendesse, não havendo qualquer participação da FUNAI no momento dessas alegadas “vendas”.
De todo o relato feito pelo cacique, mesmo buscando defender a “parceria” com Cláudia Cristina Weber, o que basicamente demonstra, sem sombra de dúvidas, que havia arrendamento das terras, é o esclarecimento de que os índios que cuidavam da plantação trabalhavam como peões, recebendo salário de Cláudia Cristina Weber. Ou seja, não estariam ali pelo fato da posse, mas como empregados da Ré, juntamente com terceiros estranhos à terra, não indígenas.
Vale transcrever trechos relevantes dos depoimentos do cacique José Oreste do Nascimento:
Primeiro depoimento:
[…]
O senhor era o Cacique nessa época?
Testemunha: Sim, faz 22 anos.
Juiz de Direito: Certo, como é que foi essa tratativa para plantarem na área indígena, era comum isso aí, já existia antes?
Testemunha? Não, existia quero ver, um ano antes quem plantava era o Zé Basso.
Juiz de Direito: Então já tinham pessoas de fora que plantavam na área indígena?
Testemunha: Sim, já tinha.
Juiz de Direito: Como que era feito quando essa pessoa plantava, esse anterior, como que era feito, era uma parceria, era um arrendamento?
Testemunha: Parceria, o sujeito botava o trabalho, o insumo, tudo e daí tirava pelas despesas e o restante era dos indígenas.
Juiz de Direito: Então desde sempre foi feito esse sistema?
Tesetmunha: Não, desde sempre não, foi dois anos antes da Cláudia trabalhar, só que agora nós estamos incrementando, que eu fui a Brasília, trouxe o documento que podemos fazer parcerias.
Juiz de Direito: Sem autorização da liderança não há como uma pessoa de fora plantar?
Testemunha: Não, não tem.
Juiz de Direito: No caso a dona Cláudia, ela tinha autorização da liderança?
Testemunha: Da liderança e da própria FUNAI.
Juiz de Direito: A FUNAI tinha conhecimento?
Testemunha: Tinha.
Juiz de Direito: O senhor teve conhecimento dessa questão da contratação de financiamento do PRONAFE, como é que foi feito isso aí?
Testemunha: Os PRONAFES foi feito para fazer o plantio né, dentro, tanto do girassol como do plantio de milho.
Juiz de Direito: Pelo que o senhor tem conhecimento, esse valor que foram feitos os financiamentos do PRONAFE foi utilizado nas lavouras?
Testemunha: Foi utilizado nas lavouras.
Juiz de Direito: Pelo que o senhor sabe, a dona Cláudia efetuou o pagamento para os indígenas da parceria?
Testemunha: Eu, das lavouras que foram bem colhidas tenho certeza que foi tudo feito em pagamento certo no Banco para os indígenas, tudo né.
Juiz de Direito: E como é que ficou gente devendo no Banco?
Testemunha: Olha, essas dívidas aí, eu até inclusive cheguei a conversar com o gerente do Banco, eu e o administrador da FUNAI de Chapecó, e mais um outro funcionário nosso aqui da FUNAI também que cuida o posto indígena aí, até nos reunimos no Sindicato ali um monte de gente ali para tentar resolver essa situação né, mas eu sei que aqueles que colheram bem, aquelas lavouras que deu para colher foi.
Juiz de Direito: Teve algumas lavouras que não deu para (…)?
Testemunha: Não, teve lavouras que (…).
Juiz de Direito: Por conta de quem isso?
Testemunha: Foi perda total, deu seca, deu, tanto o milho, a maioria deu muito pouquinho.
Juiz de Direito: O senhor teve conhecimento de que existisse dentro ali dentro da Comunidade que era contra essas parcerias, alguém se manifestou contra?
Testemunha: Alguma família, só que isso aí Doutor, se a gente fosse ter tempo para conversar, uns dois dias aí, porque esse grupo que foi a Passo Fundo, porque depois eu até fui intimado lá pela Dra. Patrícia, é um grupo rival, sempre criaram problemas quanto a liderança, mas eu tenho absoluta certeza que eu não estou aqui para incriminar ninguém, eu autorizei, eu participei, eu estou disposto a arcar com as conseqüências que vier a qualquer momento.
[…]
Juiz de Direito: Hoje não tem mais pessoas plantando lá?
Testemunha: Tem, porque nós estamos incrementando o projeto de parceira.
Juiz de Direito: Gente de fora?
Testemunha: Gente de fora, sim.
Juiz de Direito: Quem é hoje, que o senhor sabe quem são?
Testemunha: Nós temos uns 12 proprietários lá.
Juiz de Direito: Pessoal de fora?
Testemunha: Sim.
[…]
Ministério Público: O senhor intermediou as negociações com o Banco do Brasil para a liberação do PRONAFE para os indígenas?
Testemunha: Não, eu quanto tinha índio se queixando “ó saiu dinheiro no meu nome e agora o Banco está me cobrando”, daí eu entrei ali dentro com o procurador da FUNAI de Chapecó, Dr. Pedro, até pegamos uma lista assim de nome, só que o gerente do Banco falou para mim “Cacique aqui só aparece o nome dos índios”, algumas famílias ali que a Cláudia é avalista, e algumas famílias aqui aparece aí a maioria só o nome dos índios, então a gente não, eu não entendo isso, porque eu inclusive está ela aí de testemunha, eu não dei um palmo de terra para ela plantar né, com a Cláudia, só que todas as uniões, quem promoveu fui eu porque a gente é o Cabeça ali dentro Dr. né.
Ministério Público: Claro, deixa eu lhe perguntar outra coisa, o senhor tem conhecimento de quantas famílias participaram desse projeto com a Cláudia, para fazer o plantio em parceria, enfim, quantas famílias lá da área indígena participaram?
Testemunha: Eu acho que quase 400 famílias, só que a maioria estava satisfeitos com o projeto.
Ministério Público: Quase 400 famílias?
Testemunha: É.
Ministério Público: O senhor tem noção de quantas dessas famílias estão devendo o financiamento para o Banco no dia de hoje, que não pagaram o financiamento?
Testemunha: Que não pagaram, o gerente deu a lista para nós que dá em torno de umas 115 famílias né, até inclusive está lá na FUNAI essa lista aí.
Ministério Público: Então, em torno de 300 famílias pagaram todas as dívidas, em torno de 115 não pagaram, está, o senhor tem conhecimento se o dinheiro, esse dinheiro do financiamento, foram sacados pelas famílias indígenas ou pela Cláudia, ou por outra pessoa, o senhor sabe disso?
Testemunha: Não, nessa parte aí não estou sabendo, porque inclusive a gente não acompanhou os PRONAFES né, não sei se o índio sacava o dinheiro ou a dona Cláudia.
Ministério Público: A liderança indígena, no caso o senhor como Cacique, autorizou que os índios fizessem PRONAFE ou foi iniciativa deles próprios, ou eles são livres para fazer isso?
Testemunha: São livres, (…) só que eu praticamente tem que dizer que eu autorizei por causa que as cartas de anuência que a FUNAI manda para um índio fazer um financiamento eu que tenho que assinar.
Ministério Público: Pois é, eu sei que eles são índios, mas depende de autorização da FUNAI e a minha dúvida é se dependia do senhor também?
Testemunha: Sim.
Ministério Público: Então o senhor autorizou que eles fizessem o financiamento?
Testemunha: Sim.
Ministério Público: O senhor sabe quem é que fez o pedido dessas cartas de anunências, se foi a Cláudia, se foi outra pessoa, se foram os próprios índios que procuraram a FUNAI pedindo a carta de anuência?
Testemunha: A maioria quem chegava na minha casa “Cacique não vai para Chapecó?” “vou depois de amanhã” “então trás uma carta de anuência pra mim, para o índio Antonio, para o índio Pedro”, a gente ia lá, a FUNAI já providenciava as cartas de anuência, o administrador assinava e eu também tinha que assinar, mas os índios vinha pedir para mim.
Ministério Público: O senhor disse na maioria, existia uma minoria de índios que não pediram para o senhor e ainda assim foi emitida a carta de anuência?
Testemunha: Uma minoria?
Ministério Público? É, algum índio não pediu a carta, mas mesmo assim foi mandada uma carta para o Banco, que o senhor tenha conhecimento, que o senhor lembre, que são tantas famílias?
Testemunha: Não, isso eu não tenho conhecimento.
Ministério Público: É possível que a FUNAI tenha emitido alguma carta de anuência sem a sua assinatura, sem a sua concordância e mandado para o Banco?
Testemunha: Eu acho que até que não Dr., porque tudo que é carta de anuência eu tenho que assinar junto né.
Ministério Público: O senhor sabe que no final do segundo ano desse projeto a Justiça Federal proibiu a Cláudia de ingressar na reserva?
Testemunha: Sim.
Ministério Público: Existia uma safra pendente de colheita, o senhor sabe quem é que fez essa colheita?
Testemunha: Foram os próprios índios.
Ministério Público: Foram os próprios índios?
Testemunha: Até eu fiz uma briga feia com o pessoa da FUNAI porque eu disse que tinha que a FUNAI emitir uns dois ou três funcionários para acompanhar essas colheitas, já que os índios estavam reclamando que têm dívidas no Banco, que o Banco está cobrando, mas então porquê não colher essa safra de milho e os índios pagarem o Banco, mas nem sequer daí alguém passou Banco até hoje.
Ministério Público: Deixa eu lhe perguntar outra coisa, essa safra de milho foi utilizada para consumo próprio dos índios ou foi vendida?
Testemunha: Para o consumo próprio dos índios, cada um fez o que bem entendeu da sua lavoura.
Ministério Público: Mas não era milho demais para a quantidade de índios, é possível de parte dessa safra ter sido vendida?
Testemunha: Cada um fez o que bem entendia da sua, cada um, é tudo individual né.
Ministério Público: Quando os índios vendem o milho, para quem eles vendem aqui?
Testemunha: Acho que venderam para a Cooperativa, para o José Basso, livremente vendem para qualquer comerciante que.
Ministério Público: Essas vendas geralmente são feitas com registros fiscais, recibos ou são simplesmente entrega a mercadoria e recebe o dinhero de forma informal?
Testemunha: A maioria ali dentro tem os seus Modelos 15 também né.
Ministério Público: Têm os seus Modelos?
Testemunha: Sim.
Ministério Público: Então seria possível apurar quanto cada um recebeu dessa última safra de milho, a partir dos Modelos?
Testemunha: Eu acho que é bem possível, porque a safra de milho eu sei que cada um que tinha a planta que a Cláudia plantou, ele colheu, levou a ceifa, colheu, vendeu e fez como ele queria né.
[…] (fls. 774/777, g.n.)
Segundo depoimento:
[…]
Juiz: Essa questão envolvendo o arrendamento de terras indígenas o senhor deve ter conhecimento?
Testemunha: De arrendamento não, de parcerias eu sei que eu tenho conhecimento.
Juiz: Como é que funciona isso?
Testemunha: Não, porque ela começou plantar girassol, até inclusive se reunimos por várias vezes, para implantar o projeto de girassol dentro da reserva indígena de Nonoai, Planalto todos esse município aí, mas arrendamento de terra eu desconheço porque é a gente que coordena.
Juiz: Então qual era o contrato, o negócio que era feito com a Cláudia, como que era?
Testemunha: Sim, ela plantava o girassol e acabava comprando que não tinha outra empresa que comprava os girassol, então ela comprava.
Juiz: Mas e como era feito esse negócio com a Claudia, ela plantava dentro da reserva?
Testemunha: Sim.
Juiz: Então era cedido uma área da reserva para o plantio?
Testemunha: Sim, cada uma família tinha uma certa quantidade de hectares para ela pra ela plantar.
Juiz: E aí?
Testemunha: E aí ela plantava, certas quantidades de hectares pra cada família e no final colhia e acabava comprando toda a safra porque era a única empresa que tinha na região, descontava todo…
Juiz: E qual era a vantagem para os indígenas, o que eles recebiam em contrapartida?
Testemunha: Sempre, sempre sobrava um pouco que ela descontava todos os insumos que era posto na terra, descontava dos indígenas, que eu entendia era assim.
Juiz: O senhor pode me exemplificar como é que funcionava na prática isso? Se eu tivesse uma área lá o senhor cedia essa área pra ela plantar, ela que entrava com os insumos?
Testemunha: Sim.
Juiz: Ela que entrava com as sementes?
Testemunha: Sim.
Juiz: Quem é que cuidava da lavoura?
Testemunha: Aí quem tinha, a maioria dos tratoristas era dos nossos indígenas, da aldeia ali, que trabalhavam pra ela na limpa, na planta tudo, (?) paga os peão.
Juiz: E aí depois da produção?
Testemunha: A produção daí ela tirava tudo o que ela gasta ali, depois o resto era dos indígenas.
Juiz: Por quanto tempo isso funcionou?
Testemunha: Acho que dois anos, acho que foi. (?)
Juiz: E porque não foi feito mais?
Testemunha: Não, por causa de todo esse transtorno que deu, daí o Ministério Público entendeu que era arrendamento de terra, mas só que quando foi pra começar nós envolvemos a FUNAI, nós envolvemos todos os índios ali.
Juiz: Qual era a área que ela plantava nesse período ali?
Testemunha: Acho que em torno de uns quinhentos, seiscentos hectares, não lembro bem.
[…]
Procurador da Ré: Havia algum tipo de obrigatoriedade de fazer a venda de produção pra dona Cláudia? Eram obrigados a vender pra ela ou os indígenas poderiam vender pra quem…
Testemunha: Não, podia vender pra quem quisesse, podia vender pra quem quisesse.
Procurador da Ré? E existia na região, poderia vender pra quem quisesse, mas existia algum mercado além da dona Cláudia, alguém mais tinha interesse?
Testemunha: Não do girassol não, porque era só a empresa. Era só a empresa dela que comprava o girassol, porque não tinha outra, que nem a questão de outros (?) que nem o milho inclusive podia vender pra quem quisesse.
Procurador da Ré: E o milho era plantado por conta própria dos índios, ou tinha alguma coisa a ver com a dona Cláudia?
Testemunha: Sim, o milho também, daí no segundo ano nós entramos no projeto de milho também e daí, só que daí tinha outras empresas a mais que trabalham até hoje.
Procurador da Ré: Os senhores faziam isso com outras empresas?
Testemunha: Sim, outros colonos fortes, que até inclusive eu fui a Brasília daí consegui fazer uma documentação que um projeto de lei que estava sendo implantado a parcerias em terras indígenas e então, nós estamos, a Cláudia parou devido a todos esses transtornos, mas as outras empresas ainda continua.
[…] (fls. 1185/1187)
Em suma, a considerar o relato do cacique, não havia qualquer possibilidade de Cláudia Cristina Weber ter atuado da forma como atuou sem a conivência de servidores da FUNAI e com a participação ativa da liderança indígena. Todas as cartas de anuência para os financiamentos pelo PRONAF erram emitidas pela FUNAI e assinadas pelo cacique. Estranhamente, porém, ninguém se deu ao trabalho de fiscalizar se o dinheiro efetivamente ia para a conta dos indígenas ou se era entregue a terceira pessoa.
A ré Cláudia Cristina Weber obteve diversos financiamentos por procurações obtidas dos indígenas. Mesmo se tratando de índios e analfabetos, sendo as procurações concedidas para o fim de obtenção de empréstimo pelo PRONAF, o Ofício de Tabelionato de Notas de Planalto considerou regular a situação, normalmente lavrando as escrituras, sem a presença de qualquer representante da FUNAI, órgão incumbido da curatela de indígenas, conforme a Lei n. 6.001/73.
Fica patente, de igual turno, o desfaçatez com que a defesa da Ré pretende aduzir ter decorrido a inscrição dos indígenas nos sistemas de proteção ao crédito pela ocorrência de quebra na produção agrícola, devido a problemas climáticos. No ponto, imperioso trazer o relato da testemunha Alserio Antonio Zílio, engenheiro agrônomo de Planalto/RS:
[…]
Juiz de Direito: O senhor sabe como é que funcionava, era uma parceria, um arrendamento?
Testemunha: O certo eu não sei, mas pelo, eu faço muito projeto para o Banco aí e para ser arrendamento tem que ter legalizado, contrato, tudo certinho.
Juiz de Direito: O senhor sabe se houve financiamento do PRONAFE para esses plantios?
Testemunha: Não sei.
Juiz de Direito: Pela ré.
Procurador da ré: O senhor sabe nos dizer se na época em que a dona Cláudia fez parceria com os índios, teve estiagem aqui na região da cidade de Planalto?
Testemunha: Teve, nessa época teve.
Procurador da ré: Teve prejuízo para todos os produtores?
Testemunha: Teve também, teve porque eu fiz bastante perícia de Proagro para o Banco daí né.
Procurador da ré: Em razão da estiagem?
Testemunha: Em razão da estiagem.
Procurador da ré: O senhor sabe nos dizer se os índios receberam Proagro?
Testemunha: Não, os índios não.
Procurador da ré: O senhor sabe nos dizer se hoje tem parcerias também com os índios, com outras pessoas, se isso é cultural aqui na região de Planalto?
Testemunha: Hoje tem, até teve um cidadão me procurou para ir medir uma área lá que ele ia fazer parceria com eles, para plantar trigo, então continua tendo parceria.
Procurador da ré: O senhor tem conhecimento de porquê não houve o Proagro para os índios?
Testemunha: Porque, o que eu disse antes, para ter Proagro o sujeito tem que ter arrendado uma terra e tem que ter documento, o Banco quer documento para ter Proagro e os índios não tinham documento, então não tem como fazer Proagro para quem não tem documento.
[…]
Procurador da ré: Só para nos esclarecer, o Banco cobrou o Proagro, mas não teve pagamento por causa da estiagem?
Testemunha: Não, para fazer o Proagro, o agricultor tem que ter um contrato de arrendamento, pelo menos né, para provar que ele está usando aquela terra para isso né. Os da área indígena não tem isso, então por isso acho que é feito tudo em parceria.
Procurador da ré: Sim, então no caso dos índios que foram PRONAFE aqui no processo, o senhor acredita que tinha tido o mesmo problema, por causa da estiagem eles não pagaram parte do dinheiro ingressado?
Testemunha: O mesmo problema, sim, os outros agricultores que têm as terras deles normal, esses sim, esses ganharam Proagro.
[…]
Ministério Público: O senhor já respondeu, mas me pareceu que foi de forma enrolada, até porque o Dr. confundiu o Proagro com o PRONAFE em determinado momento, normal, digo que não foi de propósito, foi acidental. Para os índios foi feito PRONAFE sem Proagro?
Testemunha: Sem Proagro.
Ministério Público: É isso, porque eles não têm área de terra delimitada, não tem segurar porque não há uma área de terra delimitada, é isso?
Testemunha: É isso aí.
[…] (fls. 792/793, g.n.)
Apesar de a testemunha ter afirmado que os contratos de empréstimo celebrados com os indígenas não tiveram garantia pelo Proagro, essa é uma meia verdade. Não houve garantia pelo Proagro Tradicional, mas expressamente consta dos contratos que eram garantidos pelo Proagro Mais, programa de garantia da atividade agropecuária voltado exclusivamente para os pequenos produtores, desenvolvendo suas atividades em regime de economia familiar.
Fosse a atividade agrícola exercida efetivamente pelos indígenas, não haveria qualquer problema na obtenção do seguro agrícola, o qual foi contratado (situação evidenciada pela cópia dos contratos constantes das fls. 812 e seguintes dos autos). O que não estava garantida era produção em regime de “plantation”, própria de latifúndios, em grande extensão de área. Nessas circunstâncias, realmente não havia possibilidade de pagamento do seguro, pois a lavoura não estava garantida pelo Proagro. E os documentos relativos à regularização do arrendamento, necessários para a garantida do Proagro, a que alude o engenheiro agrônomo de Planalto, testemunha arrolada pela defesa, seriam exigíveis do arrendatário, no caso Cláudia Cristina Weber. Dos indígenas, se estivesse plantando diretamente, nada nesse sentido era exigível, pois não se trataria de hipótese de arrendamento, eis que têm posse e usufruto exclusivo das terras e a própria Lei n. 8.171/91, por seus arts. 45, parágrafo único, e 49 estabelece que o crédito rural e a garantia do Proagro terão como beneficiários também os indígenas, desde que assistidos por instituições competentes, pessoas físicas ou jurídicas.
Assim, demonstrado o arrendamento de área dentro da Reserva Indígena de Nonoai por Cláudia Cristina Weber e o modo como financiou sua atividade agrícola, com base em empréstimo em nome dos indígenas, deve-se apurar os danos coletivos gerados.
2.2 Danos patrimoniais decorrentes do uso indevido da terra
Ficou patente a usurpação de terras de propriedade da União pela ré Cláudia Cristina Weber, gerando a obrigação de indenizar. Contudo, o pedido formulado na petição inicial da presente ação civil pública busca apenas a condenação da ré na obrigação de não fazer concernente à abstenção de arrendar terras indígenas e ao pagamento de indenização por dano patrimonial e moral causados especificamente às comunidades indígenas da Reserva de Nonoai. Esses pedidos não comportam a análise referente à obrigação de indenizar a União, porém, possibilitam sejam apurados os danos a seus usufrutuários, detentores de direito real assegurado pelo próprio texto constitucional: os indígenas, que foram tolhidos de seu direito de realizarem o cultivo tradicional nos campos nos quais instalados.
Passo, inicialmente, à análise dos danos patrimoniais causados à comunidade indígena.
Não tendo sido realizada perícia no local, valho-me, como elemento seguro da abrangência da área indevidamente arrendada dos seguintes documentos: Contratos de financiamento pelo Pronaf, assinados por indígenas da Reserva Nonoai, mediante procuração outorgada a Cláudia Cristina Weber; e Contratos de financiamento pelo Pronaf, assinados diretamente por indígenas da Reserva Nonoai, com intermediação de Cláudia Cristina Weber. No que concerne às operações de custeio em atraso perante o Banco do Brasil S.A. em que não demonstrada a intermediação de Cláudia Cristina Weber, considero não ser possível sua responsabilização, ainda mais em se considerando a prova testemunhal e os documentos constantes dos autos, a apontar a existência de outros arrendamentos das terras indígenas.
Por determinação deste Juízo Federal, o Banco do Brasil S.A. apresentou cópia dos contratos de financiamento pelo Pronaf com intermediação da Ré ou por elas assinado diretamente, devido à apresentação de procurações outorgadas pelos indígenas analfabetos em escritura públicas.
A planilha de fl. 812 elenca um total de 36 (trinta e seis) contratos de abertura de crédito rural fixo, celebrados pela Ré, na condição de procuradora de indígenas das aldeias localizadas dentro da Reserva Nonoai, tendo por finalidade a plantação de girassol e milho. Somadas as áreas de plantio, chega-se ao número de 552,50 ha (quinhentos e cinquenta e dois hecatares e cinquenta centiares). Os contratos e respectivas procurações constam das fls. 813 a 920.
Por seu turno, a planilha de fls. 921 a 922 elenca um total de 89 (oitenta e nove) outros contratos de abertura de crédito rural fixo, celebrados por indígenas das aldeias localizadas dentro da Reserva Nonoai, tendo por finalidade a plantação de girassol e milho, com intermediação de Cláudia Cristina Weber. Somadas as áreas de plantio, chega-se ao número de 1.411,60 ha (um mil, quatrocentos e onze hectares e sessenta centiares). Os contratos constam das fls. 923 a 1.011.
No cômputo geral, há certeza de que Cláudia Cristina Weber usurpou, no mínimo, 1.964,10 ha (um mil, novecentos e sessenta e quatro hectares e dez centiares) de terras sob usufruto de indígenas, pois, conforme demonstrado no item 2.1 da fundamentação, os empréstimos visavam financiar as lavouras mantidas dentro do Reserva Nonoai.
Teria por justo que a Ré indenizasse coletivamente a Comunidade Indígena de Nonoai pelo uso indevido das terras com o pagamento de 1/3 (um terço) da produção colhida por cada ano de ocupação irregular. Porém, os documentos relativos à venda da produção estão em poder da Ré, não se tendo como precisar qual a produtividade obtida e o total de sacas colhidas. Então, há necessidade de se fixar um quantum por hectares, o qual fixo em valor equivalente a 15 (quinze) sacas de grãos de girassol por hectares, totalizando 29.461,5 (vinte e nove mil, quatrocentos e sessenta e uma sacas e meia), ao preço unitário ao preço unitário considerado de R$ 40,00 (quarenta reais), a ser atualizado desde dezembro de 2008.
2.3. Danos patrimoniais decorrentes dos empréstimos bancários não pagos
Valeu-se a Ré de financiamentos obtidos em nome de indígenas da Reserva Nonoai para a obtenção de recursos para suas lavouras de girassol e milho, em terras de propriedade da União.
Após a colheita, alegando quebra da produção, não reverteu os valores obtidos com a venda dos grãos para os indígenas, que ficaram em débito perante o Banco do Brasil S.A.
Conforme apontado no item 2.1 da fundamentação, pelo fato de as plantações não terem ocorrido em regime familiar, mas em sistema de monocultura em ampla extensão, não puderem os índios obter indenização pelo Proagro Mais, que garantia as operações.
Nessas circunstâncias, há demonstração do nexo causal entre as dívidas (dano) e a prática de atos comissivos pela Ré, que obteve empréstimos dos indígenas para financiar sua própria lavoura, não os ressarciu e, ainda, realizou arrendamento irregular em terras indígenas, privando os devedores de obterem o ressarcimento dos danos pelo Proagro Mais.
Não constou a ré como fiadora/avalista das operações de crédito rural. Ocorre que, nas circunstâncias apuradas, não apenas como garantidora do pagamento deveria constar, senão como a própria devedora principal, em exclusividade.
Portanto, fixo a obrigação de a Ré quitar todos os contratos pelo Pronaf elencados nas planilhas de fls. 812 e 921 a 922.
Friso que a Ré não possui direito a compensar do valor da dívida as pequenas quantias em dinheiro ou ranchos de alimentos eventualmente entregues aos índios, para efeitos dessa ação sendo considerados civilmente incapazes de praticar atos da vida civil.
2.4 Danos morais aos indígenas inscritos nos sistemas de proteção ao crédito
Não houve produção de prova efetiva quanto aos danos morais coletivos à Comunidade Indígena de Nonoai em decorrência do arrendamento indevido de suas terras. A configuração desse dano demandaria a realização de um específico estudo antropológico na área, o que não ocorreu.
Por outro lado, é assente da jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região que a inscrição indevida nos sistemas de restrição do crédito gera dano in re ipsa.
No caso dos autos, restou demonstrado que a inscrição de um total de 125 (cento em vinte e cinco) indígenas no Serasa (fls. 642/645, 812 e 921/ 922), com consequente abalo da percepção da população local em relação aos índios da Reserva de Nonoai, decorreu de financiamentos tendo por beneficiada a própria Ré, que não os quitou. Nessas circunstâncias, o abalo moral da Comunidade Indígena de Nonoai deve ser reputada exclusivamente a Cláudia Cristina Weber.
Tenho por justo que a Ré indenize a Comunidade Indígena de Nonoai no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) por indígena em débito com contrato de financiamento pelo Pronaf, totalizando R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais) em indenização por danos morais, a serem corrigidos desde dezembro de 2.008.
3 Dispositivo
Ante o exposto, com base no art. 269 do CPC combinado com o art. 19 da Lei n. 7.347/85, JULGO PROCEDENTES os pedidos vertidos na inicial desta ação civil pública para:
(a) CONDENAR a ré CLÁUDIA CRISTINA WEBER PARISSI à obrigação de não fazer, consistente na abstenção de celebrar qualquer contrato ou negócio jurídico com indígenas, lideranças indígenas ou grupos indígenas da Comunidade Indígena Nonoai, ainda que representados por sua maioria ou com a integralidade desses indígenas, tendo por finalidade a prática de qualquer atividade agrícola em terras da Reserva Indígena de Nonoai, seja qual for o nome jurídico que se empreste ao contrato ou negócio jurídico. Essa obrigação de não fazer se estende, inclusive, a qualquer contrato ou negócio jurídico com intermediação da FUNAI ou de servidores daquela Fundação.
(b) CONDENAR a ré CLÁDIA CRISTINA WEBER PARISSI à obrigação de não fazer, consistente na abstenção de plantar, colher ou praticar qualquer ato relacionado com a agricultura dentro da Reserva Indígena de Nonoai, pessoalmente ou por intermédio de pessoas a seu mando, a qualquer título e seja qual for a relação que tenha com essas pessoas.
(c) CONDENAR a ré CLÁUDIA CRISTINA WEBER PARISSI à obrigação de não fazer, consistente na abstenção de intermediar contratos de financiamento rural ou de obter qualquer empréstimo bancário em nome de indígenas, seja por procuração por eles outorgada ou por auxílio de qualquer espécie a eles relacionado.
(d) CONDENAR a ré CLÁUDIA CRISTINA WEBER PARISSI ao pagamento de indenização em favor do Grupo Indígena de Nonoai por danos materiais decorrentes do uso indevido das terras indígenas, em detrimento de seus usufrutuários, no período de 2007 a 2008, fixado em R$ 1.178.460,00 (um milhão, cento e setenta e oito mil, quatrocentos e sessenta reais), a ser atualizado desde dezembro de 2008 pelo INPC. Esse valor deverá ser entregue à FUNAI, que o administrará em benefício do Grupo Indígena de Nonoai.
(e) CONDENAR a ré CLÁUDIA CRISTINA WEBER PARISSI a quitar todos os empréstimos bancários do Pronaf elencados nas planilhas 812 e 921/922 destes autos, no total de 125 (cento e vinte e cinco), cujos recursos obtidos foram utilizados exclusivamente para seu benefício próprio.
(f) CONDENAR a ré CLÁUDIA CRISTINA WEBER PARISSI ao pagamento de indenização por danos morais causados ao Grupo Indígena de Nonoai, em decorrência da inscrição indevida de 125 (cento e vinte e cinco) índios no SERASA pela inadimplência de contratos do Pronaf, no total de R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), valor a ser corrigido desde dezembro de 2008 pelo INPC. Esse valor deverá ser entregue à FUNAI, que o administrará em benefício do Grupo Indígena de Nonoai.
Mantenho as decisões liminares de fls. 531/536 e 646/648.
Determino a ampliação da indisponibilidade de bens da Ré (fls. 646/648) para R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), soma provável das indenizações por danos morais e materiais, a depender de liquidação.
Determino a inscrição da indisponibilidade pelo sistema BACENJUD.
Reitere-se a requisição à Receita Federal do Brasil para que informa a existência de imóveis rurais cadastrados em nome da Ré no Cafir.
Oficie-se remetendo mandado de averbação ao aos Ofícios de Registro de Imóveis de Rio dos Índios, Saltinho, Cristal do Sul, Pinhalzinho, Gramado dos Loureiros, Trindade e Trindade do Sul para que averbem restrição de transferência ou oneração, por qualquer modo, dos bens registrados em nome de Cláudia Cristina Weber Parissi, também conhecida como Cláudia Cristina Weber e Cláudia Cristina Weber Três. Na hipótese de já ter sido averbada restrição por determinação deste Juízo Federal nos autos deste Processo de n. 2008.71.18.001621-3.
Oficie-se ao escritório da FUNAI em Chapecó para que apure eventual responsabilidade de servidores por conivência em relação à celebração de “parcerias”, “acordos” e arrendamentos relacionados a terras da União na Reserva Indígena Nonoai. Cópia desta sentença deve acompanhar o ofício.
Oficie-se à Presidência da FUNAI comunicando que no curso da presente ação civil pública foi comunicado pelo cacique da Comunidade Indígena de Nonoai, José Oreste do Nascimento, continuarem sendo celebrados contratos de “parceria agrícola” com agricultores da região de Planalto, com todas as características de um contrato de arrendamento, inclusive com a conivência de servidores do escritório da FUNAI em Chapecó. Cópia desta sentença deve acompanhar o ofício.
Oficie-se à Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e ao Juiz Corregedor Permanente da Comarca de Planalto, comunicando, para que tomem as medidas que entenderem de direito, que entre agosto e outubro de 2007, o Tabelionato de Notas de Planalto lavrou um total de 37 (trinta e sete) escrituras públicas de procuração, pelas quais indígenas analfabetos outorgaram poderes à pessoa de Cláudia Cristina Weber, autorizando-a a celebrar contrato de financiamento pelo Pronaf em seus nomes, sem estar presente aos atos qualquer representante da FUNAI. Cópia dos documentos de fls. 811 a 921 e desta sentença devem acompanhar o ofício.
Determino ao Ministério Público Federal que, no prazo de 10 (dez) dias, apresente certidão de nascimento atualizada da Ré, bem como de todos os seus eventuais filhos conhecidos.
Cumprida a determinação supra, retornem os autos conclusos, independentemente de eventual interposição de recursos.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.
Carazinho, 30 de agosto de 2011.
FREDERICO VALDEZ PEREIRA
Juiz Federal
RECEBIMENTO
Recebi os presentes autos do(a) Juiz(íza) Federal (Substituto).
Em ______/______/2011.
p/Diretor(a) de Secretaria ______________.

Documento eletrônico assinado por FREDERICO VALDEZ PEREIRA, Juiz Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.jfrs.jus.br/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7203612v16 e, se solicitado, do código CRC 215478C9.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Frederico Valdez Pereira
Data e Hora: 01/09/2011 17:12

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