domingo , 24 novembro 2024
Início / Notícias / A aquisição de terras por estrangeiros: o histórico até o Projeto de Lei 2.963/2019 e prospecções
Direito Agrário - Foto: Diego Rizzatto.

A aquisição de terras por estrangeiros: o histórico até o Projeto de Lei 2.963/2019 e prospecções

por Priscila Caneparo dos Anjos.

 

A aquisição de terras brasileiras por estrangeiros pode ser considerada uma prática constante, contando, historicamente, com determinadas leis que vieram a regulamentá-la ao longo da história brasileira.

Primeiramente, nesse sentido, aponta-se que, em concordância com dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agraria – Incra, de 2010, os estrangeiros têm a posse de aproximadamente 4,35 milhões de hectares de terras no Brasil, distribuídas em 3.689 municípios localizados, especialmente, nos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo.

Segundo dados mais recentes do Sistema Nacional de Cadastro Rural, os três estados com maior concentração de terras nas mãos dos estrangeiros são: Minas Gerais (943,5 mil hectares), Mato Grosso (402,3 mil hectares) e São Paulo (351,4 mil hectares).  Sabe-se, igualmente, após verificação de imobiliárias que focam em propriedades rurais, que a maior interessada na aquisição de terras estrangeiras, hoje, vem a ser a China.

Tendo em vista a grande parcela territorial em posse dos estrangeiros, indispensável se faz a existência de uma legislação robusta que atenda a um controle fundiário efetivo. Atualmente, existem algumas leis ordinárias que regulam o controle das terras por estrangeiros, quais sejam: a Lei 5.709/1971 (cuja qual vem a ser revogada, se aprovada e sancionada, pela Lei 2.963/2019) e a Lei 8.629/1993.

No que se refere à Lei 5.709/1971, especifica-se que os estrangeiros não podem adquirir imóveis com área superior a 50 módulos de exploração indefinida, em área continua ou descontinua (as aquisições de área superior a 100 módulos para pessoa jurídica e 50 para pessoa física dependem de autorização do Congresso Nacional, conforme disposto no art. 23, § 2º, da Lei 8.629/1993). Estabelece, ainda, que apenas 1/4 das terras de cada município pode estar na posse de estrangeiros e que aqueles que possuem a mesma nacionalidade só́ podem possuir, conjuntamente, até 40% do percentual aqui descrito (1/10 da área do município). Exige, também, que os Cartórios de Registros de Imóveis remetam, trimestralmente, o histórico das aquisições rurais por pessoas estrangeiras.

Debate-se, também, que para a aquisição de propriedade em área rural os estrangeiros deverão respeitar as terras em áreas de fronteira, uma vez que estão impossibilitados de as adquirirem.

Nesse panorama existiram alguns projetos de lei que sugeriram a alteração das normas que se aplicariam à aquisição de terras por estrangeiros. Os projetos de lei são os seguintes: (a) PL 7.407/2006 (estende a posse de terra por estrangeiros as mesmas exigências previstas na Lei 5.709/1971 para a aquisição); (b) PL 2.289/2007  (pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras não poderão adquirir nem arrendar imóveis rurais com mais de 35 módulos fiscais, ou com área superior a 2,5 mil hectares); (c) PL 2.376/2007 (proíbe a compra de terra destinada à plantação de matéria-prima para biocombustíveis); (d) PL 3.483/2008 (limita a extensão do imóvel rural adquirido por empresas estrangeiras a 50 módulos fiscais ou 2,5 mil hectares); (e) PL 4.240/2008 (empresas brasileiras com maioria do capital estrangeiro esta- riam sujeitas as mesmas regras das estrangeiras para aquisição de terras e propõe a diminuição para 25% a área que pessoas da mesma nacionalidade podem possuir de um determinado município).

Em relação ao PL 2.963/2019, pode-se dizer que tal altera substancialmente o regime jurídico de aquisição de terras por estrangeiros: permite a compra de terras rurais por estrangeiros até o limite de 25% do território do município, devendo respeitar o art. 186 da Constituição da República (1988) – em outros termos, deverá a propriedade cumprir com a sua função social.

O autor do projeto, o Senador Irajá (PSD-TO), entende que o projeto vem a ser a importante por objetivar um estímulo à economia, a geração de empregos e a produção de alimentos no país. Este é um lado da moeda. Não obstante, os produtores e os proprietários de terras rurais deverão estar atentos à possibilidade de concorrer com estrangeiros com um alto poder aquisitivo e, igualmente, com um histórico de utilização de dumping em setores econômicos – caso chinês -, o que poderá inegavelmente, acarretar uma não tão futura concorrência desleal para com os produtores e proprietários brasileiros no cenário agrícola brasileiro.

Se o PL 2.963/2019 será benéfico ou não, caso aprovado na Câmara e sancionado pela Presidência, apenas o futuro dirá. Mas os proprietários brasileiros de terras rurais deverão, desde logo, estarem atentos às novas regras do jogo que serão impostas pelos (possíveis) proprietários estrangeiros, especialmente chineses.

Priscila Caneparo dos Anjos
Doutora em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Especialista em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Membro da Comissão de Direito Internacional da OAB/PR. Membro e parecerista da Academia Brasileira de Direito Internacional. Delegada da diplomacia civil para a Organização Mundial do Comércio e para o Conselho Econômico e Social (Organização das Nações Unidas).

Leia também:

Senado aprova a venda de terras a estrangeiros

FIAGRO e o Protocolo de Nairóbi

Retrospectiva jurídica do agronegócio em 2020

Leia também

Vídeo do II Congresso Universitário Interdisciplinar de Direito Agrário – CUIDA

Está disponível o vídeo do II Congresso Universitário Interdisciplinar de Direito Agrário – CUIDA, evento …