“O Juiz Ramiro Oliveira Cardoso determinou na última sexta-feira, 10/3, multa de R$ 1 milhão ao mês em caso de comprovação do uso do agrotóxico Mertin 400 em lavouras de arroz irrigado no território do Rio Grande do Sul, independente da quantidade de unidades produtoras.
O alvo da sanção milionária é a empresa Syngenta Proteção de Cultivos, responsável pela produção e comercialização do produto e ré em Ação Civil Pública (ACP) movida pelo Ministério Público (MP). Na ação, o MP solicitou à Justiça a proibição da comercialização do agrotóxico até que empresa implante medidas efetivas de rastreamento.
Ainda de acordo com a decisão, a Syngenta deverá providenciar o recolhimento do Mertin 400 já comercializado em até 60 dias ¿ quando técnicos da Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SEAPA) fiscalizarão as terras.
Riscos
O Mertin 400 (cujo componente ativo é o Hidróxido de Fentina) é um fungicida destinado ao combate de pragas em culturas exclusivamente secas de feijão e algodão, por ser, conforme a bula do produto, altamente persistente no meio ambiente, altamente bioconcentrável em peixes e altamente tóxico para organismos aquáticos. Na denúncia, o MP alerta para o risco de contaminação do lençol freático e da bacia hidrográfica do Rio Jacuí, para onde correm as águas utilizadas nas lavouras.
Depois de destacar essas características e outros estudos dando conta dos riscos ambientais e à saúde humana causados pelo uso indevido do produto, o magistrado explicou no despacho: O que está havendo é que um extraordinário grupo de produtores (de arroz irrigado), ao argumento cientificamente não comprovado de combate a caramujos, vem-se utilizando do organoestânico mediante utilização de receitas agronômicas falsas.
Sobre o papel da Syngenta, como produtora e comercializadora do agrotóxico, alertou que não basta cumprir com exigências legais e administrativas, mas devendo fazer mais, fiscalizando através da reastreabilidade o mau uso do produto e respondendo por ele, eis que tais acontecimentos são riscos inerentes a sua atividade.
Denúncia
Segundo fiscais da SEAPA, o uso indevido do Mertin 400 nas culturas irrigadas de arroz acontece pelo menos desde agosto 2014, quando inspeções foram realizadas na região da 4ª Colônia, próxima a Santa Maria. Em novembro do mesmo ano, nova fiscalização constatou a prática por mais de 30 produtores em cidades como Agudo, Restinga Seca, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, São João do Polênise, Santa Maria e Paraíso do Sul”.
Processo nº 1.17.0015278-6 (Comarca de Porto Alegre)
Fonte: TJRS, 13/03/2017.
Íntegra da decisão (conforme site do TJRS):
Vistos. Trata-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, com base no inquérito civil público n. 00833.00094/2014, ajuizada em face de Syngenta Proteção de Cultivos Ltda. Em rápida síntese, aduz o órgão ministerial que em diligência realizada por técnicos da Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SEAPA), foi encontrando, em agosto de 2014, a utilização indevida do agrotóxico Mertin 400 no cultivo de arroz irrigado, na região da 4ª Colônia, próximo a Santa Maria. Esclarece o Ministério Público que indigitado agrotóxico, classificado como extremamente tóxico e persistente no meio ambiente, principalmente o aquático, tem indicação exclusiva para as culturas do feijão e do algodão, culturas predominantemente secas. Refere que o uso indevido por produtores de arroz, valendo-se de prescrições reconhecidamente falsas de agrônomos, em lavouras de arroz irrigado, pode contaminar o lençol freático onde utilizado, assim como a bacia hidrográfica do Rio Jacuí, para onde correm as águas utilizadas nas lavouras. Diz que as tentativas, em sede de inquérito, seguidas de recomendação à empresa demandada, em efetivar a rastreabilidade do produto Mertin 400, restaram sem sucesso, tendo em conta a ¿extrema complexidade¿ e o ¿alto custo¿ de tal iniciativa, segundo dizeres da empresa investigada. Esgotadas as possibilidades extrajudiciais de composição dos danos e ajustamento de conduta, vale-se o parquet, após elevada citação doutrinária e jurisprudencial acerca da responsabilidade ambiental, da presente ação civil pública de caráter indenizatório e obrigacional, pretendendo, em tutela de urgência, seja determinada a proibição da comercialização do produto Mertin 400 em território gaúcho enquanto não implantado eficaz projeto de rastreabilidade que garanta a sua aplicação apenas nas culturas permitidas (feijão e algodão), sob pena de multa diária de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Instruída em inquérito com 4 volumes, vieram os autos conclusos para despacho. É o relatório. Passo a decidir. Ilustra as diligências estatais realizadas na origem e que descortinaram o mal uso do agrotóxico em comento, o relato realizado por técnicos da Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (SEAPA) ao então promotor de justiça de Santa Maria, dr. Maurício Trevisan, que ora reproduzo (fls. 04/inquérito civil): ¿Na primeira semana do mês de agosto de 2014, nós, Fiscais Estaduais Agropecuários Fernando C. Thiesen Turna e Ester Fabbrin estivemos realizando fiscalização de comércio e uso de agrotóxicos e afins na região da quarta colônia, próximo a Santa Maria. O objetivo daquela fiscalização era verificar o uso de agrotóxicos na cultura do morango, para tanto foi feito o levantamento do comércio de alguns produtos agrotóxicos nas revendas daquela região. Chamou-nos atenção a grande venda do produto Mertin 400, que tem registro somente para as culturas de feijão e algodão. De posse da relação de produtores que adquiriram este produto, fomos procurar a Emater de Agudo para saber mais a respeito destes produtores. Uma funcionária da Emater confirmou que se tratavam de produtores de arroz e não de morango. Escolhemos ao acaso um produtor, Sr. Fábio Neuenshwander, que mora na Várzea do Agudo s/n em Agudo e confirmamos que o produto Mertin 400 havia sido adquirido para uso na cultura do arroz irrigado para combate de caramujo. Naquela semana este produto constava como proibido no Estado do Rio Grande do Sul no cadastro da Fepam, mas o mesmo foi, na mesma semana, liberado através de liminar. O que os chamou atenção foi o fato do produto não ser registrado para uso da cultura de arroz irrigado além de constar em bula que o produto é: ALTAMENTE PERSISTENTE no meio ambiente, ALTAMENTE BIOCONCENTRÁVEL em peixes e ALTAMENTE TÓXICO para organismos aquáticos. Na impossibilidade de fiscalizar todos os produtores e notifica-los para que devolvessem o produto (o produto ainda não foi utilizado), decidimos por notificar as empresas vendedoras para que recolhessem o produto e comprovassem a operação. Mesmo dentro do prazo para o recolhimento do produto, a informação que tivemos foi que muitos produtores não devolveriam o produto e outros devolveriam, mas comprariam o produto de outras regiões e de outros Estados, se fosse necessário. Este produto, se utilizado desta forma, acarretará em contaminação de toda a bacia hidrográfica do ri Jacuí, motivo pelo necessitamos da ajuda deste órgão para evitar este crime ambiental. Para tanto, solicitamos inclusive que se envolva o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia ¿ CREA, para que apure conduta dos profissionais que recomendaram o produto para a cultura de feijão, mesmo sabendo que seria aplicado na cultura de arroz irrigado, e a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Roessler ¿ FEPAN para que avalie possíveis danos ambientais pela utilização do produto em áreas alagadas. Atenciosamente, Santa Maria, 08 de setembro de 2014¿ A indigitada carta foi melhor esmiuçada na reunião havida na sede do Ministério Público de Santa Maria, realizada em 08 de setembro de 2014, onde os dois agentes agrônomos citados comparecerem pessoalmente (fls. 04v/06 do inquérito civil): ¿Na sexta-feira, dia 05/09, contataram com Marta, do setor de cadastro de agrotóxicos estadual, a repeito da questão que trazem, e então foram orientados por ela a contatarem com o Ministério Público; primeiro conversaram com o Dr. Carlos Roberto Lima Paganella, Coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente; mediante contato deste último com o Promotor, foi agendada a audiência de hoje.’ ‘Referem que na fiscalização referente ao morango, acabaram se deparando com expressivas negociaçpões do produto MERTIN 400, princípio ativo HIDRÓXIDO DE FENTINA, da empresa Syngenta, o qual, ao lado dos produtos decorrentes do princípio ativo paraquat (vários nomes comerciais das empresas Syngenta, Sinon e Helm do Brasil), são alvo de disputa judicial a respeito dos quais a FEPAM/RS cassou o cadastro. A Lei n. 7802/1989 e o Decreto nº 4074/2002 determinaram que os agrotóxicos, para terem comercialização permitida, devem ter registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e também cadastro no órgão estadual (o RS é o único Estado em que esse cadastro é feito no órgão ambiental, embora por uma comissão constituída também por integrantes de outros órgãos com atribuições afins).’ ‘Estranharam essa alta incidência de comercialização do MERTIN 400 porque aquela região (Agudo e Dona Francisca) não tem vocação de culturas de feijão e algodão, que seriam aquelas para as quais o produto tem suas ¿indicações registradas¿ no MAPA; pegaram uma via do ¿livro de registro de operações de compra e venda de agrotóxicos¿ (obrigatório para as entidades que comercializam) junto à Cooperativa Agrícola Mista Agudo Ltda. (COOPERAGUDO), de 01/06/2014 em diante; com tal relação, foram até a Emater de Agudo e conferiram, com uma das técnicas, os nomes dos produtores que tinham comprado o produto, sendo informados de que a grande maioria (na verdade, todas as pessoas que a técnica lembrava de memória no momento) não plantavam feijão e muito menos algodão; por amostragem, selecionaram um desses agricultores, Fábio Neuenshwander, e foram fazer fiscalização de uso do agrotóxico; este confirmou suspeita dos declarantes, de que o PRODUTO ESTAVA SENDO USADO PARA CONTROLE DE CARAMUJOS EM CULTURA DE ARROZ IRRIGADO PRÉ-GERMINADO.’ ‘Depois, recolheram cópias do mesmo ¿livro de registro¿ junto à Cooperativa Agrícola Mista Nova Palma Ltda. (CAMNPAL), filia de Dona Francisca (foram na matriz e nas outras filiais da mesma cooperativa, em Nova Palma, Caemborá, Rincão dos Padilhas, Pinhal Grande e São João do Polêsine, mas nestas não encontraram nenhuma anotação de comercialização no mesmo período pesquisado; os técnicos dessas unidades informaram verbalmente que não mais receitavam por terem sido autuados no ano anterior), empresa Cereais Faxinalense (CEFAL) e Cooperativa Agropecuária São Miguel.’ ‘Obviamente, os técnicos (engenheiros agrônomos e técnicos agrícolas) que receitam o MERTIN 400, embora façam constar nesta que a cultura de destino é o feijão, sabem que aqueles agricultores não produzem feijão, e sim plantam arroz com o sistema de plantio recém referido. Referem que todos esses técnicos são funcionários ou, de alguma forma, ligados às cooperativas e empresas que comercializam agrotóxicos.’ ‘Na filial da CAMNPAL de Dona Francisca, um dirigente da unidade, no dia em que foram efetuar a diligência, os esperava, porque os agricultores da região, sabendo da fiscalização precedente e medidas tomadas em Agudo, tinham procurado a cooperativa e pressionavam no sentido de a cooperativa de intermediária junto aos fiscais para não aplicarem medidas fiscalizatórias no ano em curso, e então a cooperativa a não mais comercializar em 2015; isso permitiria que os agricultores mantivessem o procedimento todo de cultivo em 2014, que já estava em todo curso. Esse mesmo dirigente anunciou que, no dia seguinte, iriam a Porto Alegre, acompanhados de representantes da Fecoagro e do IRGA, para reunirem-se com o Secretário Estadual de Agricultura e apresentarem tal pleito de âmbito geral. Essa reunião efetivamente aconteceu, mas não foram sequer comunicados oficialmente sobre ela.’ ‘Esclarecem que foi o dono da empresa CEFAL que contou que os agricultores seus clientes diziam que, se ficassem sem o produto nesta região, iriam adquirir de qualquer modo, seja em outra região do Estado, ou mesmo em outro Estado.’ ‘Analisando os documentos apresentados, o Promotor constatou que no formulário intitulado ¿Relatório de Produtos Formulados¿, extraído do site do MAPA (sistema AGROFIT) a respeito do MERTIN 400, embora conste nas ¿Indicações Registradas¿ só as culturas de algodão e feijão, logo abaixo, na ¿Tecnologia de Aplicação¿, há referência a outras culturas, como algodão, alho e cebola, batata, cenoura, além do próprio arroz; o declarante Fernando esclareceu duas questões: 1) esse ¿Relatório¿ provavelmente não tenha recebido atualização, no sentido de que o registro original possa ter incluído essas outras culturas, e mais recentemente ter sofrido redução apenas ao algodão e ao feijão; 2) mesmo com admissão de uso para arroz, por certo não é no sistema de plantio usado em nossa região, antes mencionado, e sim arroz de ¿sequeiro¿, sistema usado em outras regiões do país, muito diferente do irrigado.’ ‘Acrescentaram os declarantes que a prática ilegal que estão noticiando traz evidentes riscos à qualidade do produto cultivado, o aros, mas, para além disso, estão muito preocupados com as consequências que poderá trazer em termos de contaminação hídrica pelo agrotóxico, seja por retorno da água aos rios, seja por infiltração do lençol freático, e também com a fauna aquática; sua própria bula alerta com destaque para o fato de o MERTIN 400 ser ALTAMENTE PERSISTENTE no meio ambiente, ALTAMENTE BIOCONCENTRÁVEL em peixes e ALTAMENTE TÓXICO para organismos aquáticos. Tais alertas, por si sós, demonstram claramente as razões pelas quais o produto não pode/deve ser usado em áreas irrigadas.’ ‘Ressaltaram os declarantes, contudo, que a vedação do uso afetará mais severamente pequenos agricultores, que são em grande número e que dependem muito da cultura do arroz.’ ‘Ante tal informação, o Promotor questionou quais seriam as possíveis soluções alternativas para controle dos caramujos, que são o alvo dos agricultores com o uso do MERTIN 400. Responderam que há possibilidades como manejo integrado de pragas (uma série de medidas diversas naturezas, mas não essencialmente químicas), ou mudança do sistema de plantio, de irrigado pré-germinado para irrigado convencional. O fato é que não existe produto químico registrado no MAPA e muito menos cadastrado na FEPAM/RS para combate a caramujos.’ ‘E também , acrescentam, o manejo integrado demanda dos técnicos atuação mais próxima e mais frequente junto às propriedades, o que traz transtornos. Por isso é que referiram entender, como já externado na representação escrita, que o equacionamento da questão passa necessariamente pelo envolvimento do CREA-RS.’ ‘Quanto à questão do técnico, o Promotor questionou o que é feito com as autuações de fiscais como os declarantes, relativas aos profissionais que receitam agrotóxicos em situações como as constatadas no caso que estão explanando. Responderam que os autos de infração geram processos administrativos junto à própria SEAPA, em setor centralizado em Porto Alegre. Perguntados, disseram que só sabem de casos pontuais serem encaminhados para providências junto ao CREA-RS, e sabem por terem sido chamados a prestar depoimentos em processos disciplinares profissionais; quanto ao mais, as informações precisam ser obtidas junto ao primeiro escalão da SEAPA, não tendo detalhamento.¿ Seguindo na instrução do inquérito civil, aportou aos autos importante ofício do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com a seguinte Nota Técnica (fls. 89/90 do inquérito civil): ¿A Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul requer informações sobre a permissão do uso do agrotóxico MERTIN 400 para controle de caramujos em lavouras de arroz irrigado. Requisita também informações sobre a existência de outro tipo de agrotóxico ou técnica autorizada para o controle de referida praga.’ ‘Esclarecemos que as informações requeridas poderiam ser obtidas diretamente na Secretaria Estadual de Agricultura, pois é naquela repartição pública onde está sediado os assentamentos de cadastramento dos agrotóxicos autorizados para uso no Estado do Rio Grande do Sul ou na página do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento acessando o sistema AGROFIT.’ ‘Cabe nos informar que o agrotóxico MERTIN 400 encontra-se regularmente registrado neste Ministério, na classe fungicida, tendo o ingrediente ativo HIDRÓXIDO DE FENITA, do grupo organoestânico, na concentração de 400 gramas por litro, destinado ao controle de pragas (fungos) nas culturas de algodão e feijão.’ ‘Informamos também, que encontra-se registrado neste Ministério o moluscicida fisiológico, do grupo inorgânico, isca granulada, autorizado para o controle de caracol e lesmas. Considerando que estas pragas ocorrem em qualquer cultura agrícola, o registro deste produto foi realizado levando em consideração os alvos biológicos.¿ E, às páginas 91 do inquérito civil, sobrevém a informação de que o produto é ¿extremamente tóxico¿ e ¿muito perigoso ao meio ambiente¿, não devendo ser misturado com óleos ou espalhantes. Nesse andar, também sobrevém ao indigitado inquérito civil, ofício da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, com nota técnica assim vazada (fls. 105/106 do inquérito civil): ¿3. O Mertin 400 SC é o único produto agrotóxico a base de hidróxido de fentina, um fungicida organoestânico indicado para o tratamento de doenças relacionadas à infestação de diversos tipos de fundos. Pode ser utilizado somente nas culturas de algodão e feijão, conforme aprovado nas indicações de bula (informações retiradas do Agrofit em 11/11/2014…)¿ ¿4. De acordo com esse sistema, o produto não está aprovado para o uso do arroz em qualquer fase ou tipo de manejo da cultura ou praga. Assim, como não existe nenhum produto a base de hidróxido de fentina registrado para arroz, apesar de haver autorização de uso em monografia.¿ ¿5. Adiciona-se ao fato que também não existe autorização de uso para esse ingrediente ativo com a finalidade de combate ao caramujo (moluscicida) em monografia. O ingrediente ativo só pode ser utilizado em produtos com finalidade fungicida.¿ Importante trazer à fundamentação literatura acerca do princípio ativo e sua danosidade do produto Mertin 400, hidróxido de fentina, extraído do parecer técnico de indeferimento de certificado de cadastro de agrotóxico realizado pela Fepam (fls. 582/583 do inquérito civil), valendo lembrar que não é objeto desta ação civil pública a validade do registro, mas tão somente o mal uso realizado, isto é, a aplicação na rizicultura: ¿O agrotóxico marca comercial MERTIN 400 é um fungicida que tem como ingrediente ativo o Trifenil Hidróxido de Estanho (Fentin Hydroxide ou Hidróxido de Fentina) 400g/L e como ingredientes inertes: isopropil naftaleno sulfonato de sódio, dimetilpolisiloxano e sílica, goma xantana, bicarbonato de sódio, dióxido de silício, lignosulfato de sódio, dimetilpolisiloxano e forma de suspensão concentrada e pertencente ao grupo químico dos Organoestânicos. Conforme informações constantes na bula apresentada pelo empreendedor, o MERTIN 400 tem indicação de uso nas culturas de algodão, alho, arroz, batata, cebola, cenoura e feijão. Entretanto em bula constante do site da Syngenta Proteção de Cultivos Ltda., de setembro de 2011, bem como no sistema Agrofit do MAPA, o produto está indicado somente para as culturas de algodão e feijão.’ ‘A agrotóxico MERTIN 400 é classificado pelo Ministério da Saúde como extremamente tóxico ¿ Classe Toxicológica I e pelo Ministério do Meio Ambiente como produto muito perigoso ao meio ambiente ¿ Classe de Potencial de Periculosidade Ambiental II.’ [¿] ‘Conforme informações constantes no presente processo administrativo, a solubilidade do ingrediente ativo Trifenil Hidróxido de Estanho em água é de 1,2750mg/L.’ ‘[¿]’ ‘A toxicidade aguda para a alga Selenastrum capricornatum apresentada foi de CE 50 (96h) = 0,638 microgramas/L (altamente/extremamente tóxico), e a concentração efetiva que promoveu a inibição de crescimento algáceo (crônico) foi de 3,2 microgramas e a concentração de efeito não observado para inibição de crescimento (crônico) foi de 0,32 microgramas/L.’ ‘A toxicidade aguda para o microcrustáceo Daphnia similis apresentadas foi de CE 50 (48h) = 0,79 microgramas/L (altamente/extremamente tóxico).’ ‘O Trifenil Hidróxido de Estanho (TPTH) é do grupo químico Organoestânico. Segundo Ana Flávia Locatelli Godoi e outros, no artigo ¿Contaminação Ambiental por Compostos Organoestânicos¿, publicado na Revista Química Nova (Print version ISSN 0100-4042), ¿vários estudos demonstraram os efeitos tóxicos dos comportos organoestânicos (Ots) em outras espécies marinhas como moluscos, algas e zooplânctons sob concentrações de poucos nanogramas por litro¿, ¿A hidrofobicidade, processo de partição regido termodinamicamente entre a água e a fase lipídica do organismo é, de fato, considerada o principal parâmetro na bioconcentração desses compostos¿, ¿Dos compostos organoestânicos mais largamente utilizados, o tributil (TBT) e o trifenilestanho (TPT) aparecem como os mais tóxicos para as microalgas marinhas e de água doce. Vários estudos mostraram que as microalgas se adaptam aos Ots e são capazes de acumular alguns desses compostos em baixas concentrações, próximas àquelas que ocorrem em águas naturais.¿ Segundo esse artigo, os bivalves, organismos filtradores, apresentam grande potencial de bioacumulação dos Ots e, juntamente com ostras e outros moluscos, servem como bioindicadores da poluição por TBT nos ecossistemas marinhos por possuírem habilidade limitada para metabolizar e eliminar tal composto. ¿Essas observações alertam para o risco ambiental potencial relacionado à biotransferência desses compostos aos outros eles da cadeia alimentar, podendo assim alcançar o homem. Com relação ao impacto ambiental dos Ots utilizados como agrotóxicos, observou-se grande tendência de acumulação. Devido à sua baixa solubilidade em água, o cyhexatin (principal metabólito) foi sorvido pelo sedimento e pela camada da biota em contato direto com o sedimento.¿ ¿Sob determinadas condições, esses contaminantes podem ser liberados do sedimento para a água ou acumulados na cadeia alimentar. Consequentemente, os sedimentos podem ser considerados tanto absorvedores como fontes dos contaminantes no ambiente aquático, o que os coloca no centro da questão ambiental, com implicações científicas importantes.¿ Conforme documento ¿Avaliação de Toxicidade Pré-Natal de Trifenil Hidróxido de Estado (TPTH) em Camundongos¿, produzidos em tese de mestrado por Márcia Scarpa, em 2003, pela Fundação Osvaldo Cruz ¿ Escolha Nacional de Saúde Pública, a principal alteração biológica atribuída ao amplo uso de compostos organoestânicos foi a morte de ostras e larvas de moluscos, além do aparecimento de órgão sexual masculino em gastrópodes fêmesas (Fernandez et al, 2002), ocorrido na França. Esse último efeito, um fenômeno observado após distúrbio hormonal induzido e denominado imposex, e altera a proporção sexual desses organismos no meio ambiente. Compostos organoestânicos são por isso conisderados desreguladores endócrinos. O TPTH apresenta potente ação algicida, fungicida e moluscicida. A adição deste composto em tintas próprias para uso em embarcações impede a bioincrustação, o que promoveu seu amplo uso na década de 1970. Anos depois, observou-se que o TPTH apresenta potente ação tóxica para organismos aquáticos não-alvo. Por ser extremamente tóxico à vida marinha, a produção de TPTH foi banida em muitos países desenvolvidos, apesar das vantagens econômicas que representava a aplicação de um agente biocida tão potente. Além de representar risco ao ecossistema, principalmente às populações aquáticas não-alvo, estudos realizados em mamíferos demonstram que o TPTH pode induzir uma variedade de alterações fisiológicas. Os efeitos induzidos pelo TPTH incluem: marcante neurotoxicidade e imunotoxicidade, indução de apoptose em timócitos, indução de de hiperplasia/adenomas em órgãos endócrinos, e irritação ocular (WHO, 1999). O TPTH apresenta toxicidade aguda moderada em roedores e não é carcinogênico, entretanto, alguns dados sugerem uma possível ação co-clastogênica, um tipo de alteração cromossômica (WHO, 1999).’ ‘De acordo com as informações fornecidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), no sistema AGROFIT, o produto MERTIN 400 (Trifenil Hidróxido de Estanho) atua no ser humano, nos sistema nervoso central, inibe fortemente a fosforilação oxidativa (e aumenta a permeabilidade da membrana mitocondrial para íons K+, CL-, Maleato, Citrato e Fumarato). É absorvido através da pele, por inalação e através do trato gastro-intestinal. Sintomas de intoxicação aguda são: letargia, perda de mobilidade, diarreia moderada e anorexia, fraqueza generalizada e depressão.’ ‘Em função dos estudos relativos à segurança dos trabalhadores potencialmente expostos ao hidróxido de fentina, bem como ao seu possível impacto a organismos não-alvo, o Comitê da Comunidade Europeia emitiu, em 20 de junho de 2002, a Decisão da Comissão n. 2002/479/CE, determinando a retirada do hidróxido de fentina do anexo I da Direitiva 91/414/CE. Consta no art. 3º da decisão: ¿Os Estados-Membros concederão um período de 18 meses a contar da data de adoção da presente Decisão, para eliminação, armazenagem, colocação no mercado e utilização das existências em conformidade com n.6 do art. 4º da Diretiva 91/414/CEE.’ ‘A Decisão da Comissão nº 2002/479/CE foi baseada no Relatório de Avaliação do Hidróxido de Fentina, elaborado pelo Reino Unido, examinado pelos Estados-Membros e pela Comissão no âmbito do Comitê Fitossanitário Permanente. A regulamentação foi fundamentada no comportamento da substância com relação à saúde humana e ao ambiente, nas seguintes áreas de preocupação: risco de toxicidade a longo prazo a pássaros, risco de toxicidade aguda e crônica a organismos aquáticos, riscos de toxicidade a artrópodes não-alvo e minhocas, possível bioacumulação em espécies não-alvo.¿ Entre os dias 10 e 13 de novembro de 2014, fiscais estaduais agropecuários, em nova diligência nas cidades de Agudo, Restinga Seca, Dona Francisca, Faxinal do Soturno, São João do Polesine, Santa Maria e Paraíso do Sul, encontraram, em mais de 30 produtores de arroz irrigado, a utilização indevida do Mertin 400, conforme relato de fls. 111 e autos de infração de fls. 112/222. A prática se dá, por amostragem, conforme se vê do auto de infração de fls. 112, in verbis: ¿O produtor acima qualificado adquiriu o agrotóxico Mertin 400 conforme nota fiscal n. 153977 e receita agronômica n. 23874. A receita agronômica assinada pelo responsável técnico José Mario ¿. receitou/recomendou o uso do agrotóxico Mertin 400 para uso na lavoura de feijão, sendo que o produtor cultiva arroz irrigado¿ Óbvio que o hidróxido de fentina, princípio ativo do produto Mertin 400, de questionável registro (repito: isso não é objeto da presente ação), cuja toxicidade e prejuízo ambiental foi exaustivamente relatado acima, está sendo indevidamente utilizado em lavouras de arroz, cultura imprópria às recomendações do próprio fabricante e potencializados os danos pela irrigação já dita. Instada a fazer a rastreabilidade do produto em sede de inquérito civil, a ré revelou-se desinteressada, seja pelo alto custo, seja pela complexidade do próprio sistema de rastreamento, informando que nem o uso de remédios em humanos tem uma política definida e clara no nosso ordenamento jurídico. Feitas as considerações fáticas, importante analisar-se o direito. Com efeito, da perspectiva isolada da Lei 7.802, de 11 julho de 1989, não se encontra, prima facie, responsabilidade pela utilização indevida (ou mal uso) do Mertin 400, vez que a empresa detentora do registro do produto e portadora do direito de produzi-lo e comercializá-lo cumpriu com as exigências legais e administrativas, tais como registro e recomendações em bula. O que está havendo, particularmente, é que um extraordinário grupo de produtores (cultura do arroz irrigado), ao argumento cientificamente não comprovado do combate a caramujos, vem-se utilizando do organoestânico mediante utilização de receitas agronômicas falsas (receitas para aplicação em cultura feijoeira), adquirindo, por assim dizer, o produto em cooperativas agrícolas, aplicando-o indiscriminadamente em cultura irrigada, com consequente contaminação do solo e da água, conforme, por exemplo, testes demonstrados em relatórios de ensaio, com contaminação do solo onde aplicado o produto Mertin 400 (fls. 515, 516 e 517 do inquérito civil), em amostras colhidas em 30/11/2015 (fls. 514). Se é certo que a legislação referida individualiza a responsabilização ambiental nas esferas administrativa, civil e penal, àqueles que não respeitem as regras estabelecidas (art. 14 e suas alíneas) strictu sensu, o fato é que a atividade desenvolvida pela Syngenta é potencialmente poluidora, aplicando-se-lhe a legislação mais severa e protetiva do meio ambiente, também de caráter federal, qual seja, a Lei 6.938/81, por seu artigo 3º, IV, que reza: ¿Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadoras de degradação ambiental¿, bem como por seu art. 14, § 1º: ¿Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o produtor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.¿ Conforme esmiuçado no Recurso Especial n. 1.071.741/SP, trazido à colação em sede de inicial (fls. 18), a responsabilidade é objetiva, independentemente de culpa, mesmo para as condutas omissas, como no caso dos autos, dada à periculosidade do produto industrializado e comercializado pela requerida. As normas em questão, art. 3º, IV, e art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81, representam norma específica e particular e que hoje vem reproduzida, como cláusula geral, no art. 927, parágrafo único, do Código Civil brasileiro: ¿Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.¿ Evidente que o agrotóxico, por si só, é um produto perigoso, tanto que tem legislação especial para seu registro e comercialização, potencializado esse perigo em face do princípio ativo hidróxido de fentina, não bastando à ré para irresponsabilizar-se dizer que cumpre com o mínimo legal e administrativo, mas devendo fazer mais, fiscalizando, através da rastreabilidade, o mal uso do produto, e respondendo por ele, eis que tais acontecimentos são riscos inerentes a sua atividade. E assim, para fins de liminar em tutela de urgência, evidenciado o risco ao meio ambiente e à própria saúde humana por toda as razões acima expostas, vez que o Mertin 400 está sendo indevidamente usado na cultura de arroz irrigado desde 20131, e a fim de não prejudicar a cultura do feijão, dado que tal agrotóxico ao que indicam estudos científicos é o melhor ao combate do fungo Colletotrichum lindemuthianum, causadora da antracnose no feijão (estudos apresentados às fls. 856v/857, 858/858v e 859/860), usando a faculdade conferida pelo art. 11 da Lei da Ação Civil Público, defiro a liminar não nos termos em que requerida, mas imponho multa de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) mensais quando encontrar-se o produto Mertin 400 em lavoura de arroz irrigado no Estado do Rio Grande do Sul, independentemente da quantidade de unidades produtoras, em fiscalização a ser realizada pelo técnicos da SEAPA com auxílio de outros órgãos ambientais, deferindo o prazo de 60 (sessenta) dias à ré para organizar-se e proceder ao devido recolhimento, contados da intimação pessoal. Cumpra-se. Oficie-se. Intimem-se. Cite-se. |
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