sexta-feira , 29 março 2024
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Direito Agrário

Exclusão do ICMS da base de cálculo do Funrural

por Clairton Kubaszwski Gama.

Em março de 2017, o Supremo Tribunal Federal – STF decidiu que é constitucional a cobrança da contribuição social conhecida como “Funrural” da pessoa física produtora rural. Esta decisão do STF possui repercussão geral, ou seja, todas as instâncias do Judiciário terão de seguir essa orientação. Estima-se que há mais de 15 mil processos suspensos na justiça aguardando por esta decisão e que os valores envolvidos possam ultrapassar os R$ 7 bilhões.

Vale relembrar que esta declaração de constitucionalidade ainda poderá ser objeto de modulação de efeitos, que é uma técnica utilizada pelo STF para, nos termos da Lei nº 9.868/1999, “restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. Com isso, poder-se-ia restringir os efeitos da decisão em tela para, por exemplo, somente a partir do trânsito em julgado do julgamento, o que evitaria a cobrança retroativa da contribuição para aqueles que não a recolheram por força de decisões em ações individuais.

Registra-se que ainda tramita no STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI, em que também se discute a cobrança do Funrural. Referida ação (de nº 4.395), foi ajuizada pela Associação Brasileira de Frigoríficos – Abrafrigo e tem como Relator o Ministro Gilmar Mendes. Ainda não há previsão de pauta para julgamento da ADI que poderá ocasionar em um novo desfecho para o caso.

Mas o fato é que, desde o julgamento pelo STF, o Funrural tem ocupado lugar de destaque na pauta do agronegócio, sendo também objeto de grandes discussões políticas, judiciais e legislativas. No âmbito Legislativo, a última modificação foi a entrada em vigor da Lei nº 13.606 de 09 de janeiro de 2018, que, entre outras disposições, instituiu um programa especial de parcelamento dos “débitos”[1] do Funrural e reduziu a alíquota para 1,2%.

No âmbito Judiciário, o capítulo mais recente envolvendo o Funrural foi uma decisão da Justiça Federal de São Paulo proferida em 24/01/2018 no Mandado de Segurança nº 5000444-45.2017.4.03.6106, em trâmite na 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto, na qual se reconheceu a possibilidade de exclusão do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) da base de cálculo do Funrural.

A contribuição ao Funrural é uma contribuição substitutiva, ou seja, ao invés de incidir sobre a folha de pagamentos, incide sobre a receita bruta da comercialização da produção[2]. Assim, como o ICMS compõe o preço da mercadoria, o Funrural, ao incidir sobre a receita bruta advinda da venda da produção, acaba por incidir também sobre o valor referente ao ICMS incidente na operação.

Ocorre que o STF já decidiu, também com repercussão geral reconhecida (RE nº 574.706/PR, Tema nº 69), que o ICMS não deve integrar a base de cálculo da contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Isto porque os ministros entenderam que o valor arrecadado pela empresa a título de ICMS não se incorpora ao seu patrimônio, pois será entregue ao respectivo estado para pagamento do imposto.

Este mesmo raciocínio se aplica a diversas outras situações, cujas teses ganharam força a partir do julgamento do STF: exclusão do ISS da base de cálculo do PIS e da COFINS; exclusão do ICMS e do ISS da base de cálculo da Contribuição Previdenciária; exclusão do ICMS/Substituição Tributária da base de cálculo do PIS e da COFINS; exclusão do ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL na sistemática do Lucro Presumido; entre outras.

E agora, com a mencionada decisão da Justiça Federal de São Paulo, a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo do Funrural ganha um importante precedente judicial favorável.

Ao analisar a questão, o julgador valeu-se do mesmo raciocínio empregado pelos Ministros do STF quando fixaram a tese da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, no sentido de que “um tributo não pode compor a base de incidência de outro”. Desta forma, a referida ação foi julgada procedente, para “desobrigar a impetrante de incluir o ICMS na base de cálculo do Funrural”, permitindo ainda a compensação dos valores pagos a este título, devidamente corrigidos monetariamente.

Sem dúvidas, este é mais um importante capítulo da novela do Funrual. A exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição importa em uma significativa diminuição do impacto da sua cobrança para os contribuintes produtores rurais, principalmente se o STF não modular os efeitos do julgamento. E, mesmo que haja a modulação, ainda assim a medida é de grande valia aos produtores, pois resulta em uma importante redução da carga tributária.

Notas:

[1] Merece atenção este ponto relacionado ao “passivo” do Funrural pois, como dissemos, o julgamento do STF ainda pode ser objeto de modulação em seus efeitos. Com isto, poderíamos ter a declaração da constitucionalidade da exação em tela somente a partir o trânsito em julgado, por exemplo, com o que não haveriam débitos passados.

[2] A Lei nº 13.606/2018 trouxe, também, a possibilidade de opção pelo contribuinte para que o cálculo do Funrural seja feito sobre a folha de pagamento, em vez de incidir sobre a receita da produção. Porém, esta opção somente será possível a partir de 2019.

Clairton Kubaszwski Gama, advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBET, sócio do escritório Kubaszwski Gama Advogados Associados, associado da União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU, coordenador do Grupo de Estudos em Tributação Internacional da Faculdade Brasileira de Tributação – FBT.

 

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Veja também:

– Lei nº 13.606, de 09 de janeiro de 2018 – Funrural, Dívidas Rurais e o Programa de Regularização Tributária Rural – PRR (Portal DireitoAgrário.com, 10/02/2018)

– FUNRURAL – UMA DESCIDA AO INFERNO (Portal DireitoAgrário.com, 21/09/2017)

– Funrural: Embargos de Declaração da SBR traz parecer elaborado pelo Dr. Manoel Gonçalves Ferreira Filho sobre a necessidade de modulação de efeitos da decisão do STF (Portal DireitoAgrário.com, 02/10/2017)

– Novo episódio da série “Funrural”: a Medida Provisória nº 793/2017 (Portal DireitoAgrário.com, 03/08/2017)

– Funrural: o julgamento do STF e os próximos passos do produtor (Portal DireitoAgrário.com, 03/04/2017)

– STF julga que contribuição de empregador rural pessoa física ao Funrural é constitucional (Portal DireitoAgrário.com, 02/04/2017)

– Empregador rural pessoa física não deve pagar contribuição previdenciária sobre comercialização de produtos agrícolas sob pena de bitributação (Portal DireitoAgrário.com, 27/10/2016)

– Produtor-empregador rural pessoa física não está obrigado a recolher a contribuição social do salário-educação (Portal DireitoAgrário.com, 29/06/2016)

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