Direito Agrário

A verdade sobre a exportação de Gado Vivo

Direito Agrário - foto do navio NV NADA extraída de http://www.shipspotting.com

por Alexandre Valente Selistre.

O recente impasse judicial ambiental que complicou com o transporte internacional de gado em pé para o Oriente Médio, além de trazer insegurança jurídica para os pecuaristas brasileiros, também atinge ecologistas, exportadores e, até mesmo, você!

No litoral paulista, no Ecoporto Santos, estava ancorado o navio de transporte ganadeiro panamenho NV Nada, carregado com aproximadamente 25 mil bois, com destino à Turquia que foi retido pela Marinha do Brasil, mediante liminares da Justiça Federal determinando: a proibição de completar a lotação estimada; a suspensão das exportações navais de bovinos vivos em todo o território brasileiro; assim como decretando o desembarque e retorno destes animais às fazendas de procedência; diante de denúncias de supostos maus-tratos provenientes de entidades conservacionistas, de ativistas ligados à proteção animal.

No início de 2018, o Porto de Santos interrompeu temporariamente os embarques de bovinos, por intervenção da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), empresa estatal brasileira, constituída na forma de sociedade de economia mista, entidade pública privada, que administra o terminal. A pressão foi exercida por militantes da causa animal e pela Secretaria do Meio Ambiente de Santos, alegando que o transporte rodoviário e naval desconsiderariam preceitos de bem-estar animal e também causariam danos ecológicos.

Não é mistério que empreender no Brasil é extremamente difícil, não é segredo que o agronegócio não admite amadores. A pecuária brasileira tampouco é exceção. Mesmo assim, elevou o Brasil à posição de maior rebanho comercial do planeta, perdendo tão só em quantidade para a Índia, que não abate bovinos. Conforme estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, publicada em 2016, se alcançou o número recorde de quase 215.200.000 (duzentas e quinze milhões e duzentas mil) cabeças, indicando um acréscimo de 1,3% em relação a 2014, em curva ascendente.

O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (United States Department of Agriculture – USDA) confirma esta pesquisa, afirmando corresponder a 22,5% do efetivo global, firmando o Brasil como o segundo maior produtor de carne bovina, participando com 16,3% da produção mundial. A pecuária brasileira movimenta mais de 13 bilhões de dólares anuais, exportando para mais de 160 países, ocupando a terceira posição do ranking internacional desde 2015! A abertura de mercado exterior consolidou estrategicamente o agronegócio do país como um importante e promissor player no cenário internacional, tornando-o alternativa promissora diante da previsão da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, de potencialização da produção de alimentos em 40% até 2020, porque para atender o crescimento da demanda, a geração de comida no mundo deverá aumentar em 20%.

Ao findar 2016, a agropecuária nacional era festejada por ser responsável pela balança positiva no PIB brasileiro, tendo aquecido a economia interna e aumentado exportações.

As exportações de gado vivo recentemente, se tornaram uma possibilidade atrativa para a pecuária porque gera valor, rendendo até 25% a mais do que no mercado interno, mesmo diante das exigências impostas. Conforme o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços – MDIC o país encerrou 2017 totalizando 400,66 mil cabeças exportadas vivas, volume 41,9% aumentado em relação ao registrado em 2016.

Diferentemente daquilo que é pregado por ambientalistas fanáticos, não só as viagens de navios, respeitam os protocolos de bem-estar animal, ditados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, o órgão brasileiro competente para tanto, quanto o deslocamento rodoviário, é realizado nos mesmos caminhões inspecionados que transportam os 40 milhões de bovinos para abate doméstico, obedecendo ao Código Sanitário de Animais Terrestres, prescrito pela Organização Mundial da Saúde Animal, também conhecida pela sigla OIE!

Para que um produtor rural possa vender animais para exportação, sua fazenda é auditada. Os novilhos exportados são rastreados individualmente. São inspecionados previamente, recebem brinco próprio, com chip, que servirá para informar sua procedência (fazenda de origem), sua alimentação (qual o tipo ingerida e por quanto tempo), o peso, a idade e a raça (ou cruzamento) de cada um! Passam por quarentena impecável. Os caminhões possuem piso antistress, são inspecionados, pesados e lacrados após a conferência de carregamento, e no navio há acompanhamento de fiscais e veterinários desde o embarque, durante a viagem, até o descarregamento no destino, para assegurar a qualidade da exportação brasileira.

Por questão de civilidade, o Direito e o Poder Judiciário não podem deixar de se envolver e analisar a questão do bem-estar animal. A Declaração Universal dos Direitos dos Animais, a Constituição Federal, e a penalização pela Lei dos Crimes Ambientais conscientizou o homem de que os bichos são sencientes, dotados de sensibilidade, podendo sofrer física e mentalmente, e, consequentemente, passíveis de proteção jurídica, não podendo ser entendidos como objetos, merecendo vivenciarem dignamente uma boa vida. Já a pretensão de tentar configurá-los como sujeitos de direito, detentores de prerrogativas legais, não passa de idealismo, despegado completamente da realidade e da vida prática. Uma tolice, um disparate…

Em uma análise jurídica, é elementar compreender que os animais não têm personalidade, não podem figurar como sujeitos de direito, entretanto, pertençam a uma espécie de regime intermediário. E merecem proteção legítima e ambiental quanto à crueldade, naturalmente! Temos que fortalecer o amparo jurídico e a tutela jurisdicional em caso de violação, representando a evolução da sociedade.

É elementar que, seja qual for a atividade, até mesmo a exposição de animais em zoológicos, livres em seu habitat natural, só se justifica se houver interesse econômico que possa sustentar todo o aparato, espaço físico e geográfico, mão de obra e alimentação necessários à própria existência. Em uma situação hipotética, pressupor liberdade ampla e irrestrita aos animais, desprovida de qualquer valoração financeira, em uma simples progressão do desdobramento temporal redundaria na sua extinção, pois não teriam como alimentarem-se (morrendo de inanição e sede), porque os produtores de alimentos (então exclusivamente de origem vegetal), necessariamente teriam que cercar as áreas agricultáveis para a produção, restando somente áreas remanescentes, obviamente pobres nutricionalmente, insatisfatórias e escassas para o volume de herbívoros soltos, que, por evolução natural, se tornariam nômades e sazonais, destruindo a Natureza, assim como acontece atualmente na savana africana, sem controle populacional de elefantes, ou até mesmo aqui, com a praga que se tornaram os javalis.

Porém, submeter estas específicas reses a maus tratos, crueldade, ferimentos, más acomodações, exaustão, sede, fome, estresse ou medo, a que alegam seriam expostos, além de ser moralmente questionável, em termos financeiros, seria antieconômico!

A principal prova de que estes animais são bem tratados é até singela, durante a viagem, eles ganham peso. Ora um boi maltratado jamais engordaria se estivesse mau cuidado. Mitigar o estresse por um manejo calmo e consciente é fundamental para o sucesso desta empreitada. A exigência do transporte dos animais vivos é, de fato, elemento complicador, ao invés das carcaças refrigeradas, o que facilitaria muito, e diminuiria custos consideravelmente.

Além disto, a crença islâmica preconiza a compra de gado vivo por questões religiosas, os garrotes devem ser mortos, mediante degola, determinada pelos rituais islâmicos pertinentes, o abate halal, ditado pelo Alcorão e pela Jurisprudência Islâmica, estipula o sacrifício sem sofrimento, para deixar a carne pura para o consumo humano. Não são aceitos animais jovens demais (antes do segundo dente definitivo, a partir de 18 a 20 meses de idade), se tiverem sido acometidos de qualquer doença (rigorosa sanidade), ou qualquer espécie de sofrimento (não aceitam nem ao menos novilhos castrados). Certamente, se os protocolos de bem-estar animal não fossem rigorosamente respeitados, seria totalmente incongruente e sem sentido, se se permitisse qualquer flagelo durante a travessia marítima.

Alertar, noticiar e tentar diminuir ocorrências de maus-tratos aos bovinos é relevante. Até mesmo promover manifestações públicas seria. Outrossim, deturpar fatos irresponsavelmente, escondendo os verdadeiros motivos pelos quais criam uma polêmica é outro, bem diferente. Quebra de contratos de comércio internacional reflete na imagem e economia de todo o país, e no bolso dos cidadãos.

Basta analisar os motivos e a quem interessa o término das exportações de gado vivo, camuflados pelo viés ambiental:

Primeiramente veganos e vegetarianos extremistas, representados por ONG’s, que de fato pretendem impor à população uma dieta esdrúxula, diminuindo o consumo de proteína animal, sem comprovação científica suficiente e não somente impedirem supostos maus-tratos, usados como massa de manobra, financiados veladamente por frigoríficos e organismos internacionais.

Em segundo, os frigoríficos que atuam como concorrentes diretos, ditando o mercado e determinando o preço da arroba, pois não querem que haja expansão deste tipo de comercialização, em que os pecuaristas se empoderam na questão negocial, remunerando melhor e adquirindo maior poder de barganha, principalmente na entressafra, podendo transacionar livre e diretamente com os corretores dos navios, deixando de ficar a sua mercê.

Além de ressentirem-se com a diminuição de matéria prima de melhor qualidade, porque a criação de raças europeias para a produção de carnes premium, gera reflexos, inclusive por reservar animais inteiros (não castrados) para a exportação. Esta é, também, a razão do lobby da União Nacional da Indústria e Empresas de Carne (Uniec), formada por grandes empreendimentos frigoríficos como a JBS, Mafrinorte e Frigol, apoiada pela Associação Brasileira da Indústria da Carne (Abiec) e da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), reivindicando maior taxação e impostos na exportação de gado vivo!

A exportação de gado em pé põe em embate dois elos da cadeia da carne, os produtores e os abatedouros. Conquanto o consultor e veterinário, que presta assessoria pecuária, Fernando Furtado Velloso esclarece que a atividade não canibaliza os frigoríficos. Cita a Austrália como grande vendedora de carne e de bovinos vivos para outros países, assim como o Uruguai e afirma “– Se o criador produz um terneiro que tem boa colocação no mercado, vai investir mais em genética, adubação, ampliar sua escala. Gerando inclusive excedente para o processamento nacional”. Ele também considera salutar a discussão sobre bem-estar, entendendo que, com o tempo, as práticas serão aperfeiçoadas, mas vê exagero. Lembra que submeter os animais a maus-tratos seria contraproducente. Observa que: “– Se os animais não forem transportados com os devidos cuidados no trajeto, chegam ao destino pesando menos. Isso é antieconômico”.

Por último, outros países, exportadores de gado em pé, tais como França, Canadá e Austrália, mas não só estes, certamente estão atentos, antevêm a ascensão progressiva brasileira e quiçá também promovam este impasse, pois serão amplamente beneficiados com a exclusão do Brasil do panorama comercial global.

Em que pesem as preocupações ambientais, assim como as considerações quanto ao bem-estar animal, não poderia deixar de analisar as decisões judiciais liminares.

Após suspender o prosseguimento no embarque da lotação de gado no navio ganadeiro panamenho, foi proferida decisão pelo juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública de Santos, que ordenou o desembarque dos quase 27 mil bois, sob a multa de cinco milhões pelo descumprimento, demonstrando o quanto alguns magistrados “não têm o pé no chão”, são cidadãos urbanos, que pouco entendem do campo, da atividade agropecuária e do agronegócio. O desembarque de um número tão grande de animais precisaria de uma extensão enorme de currais para contenção, até a decisão definitiva, algo que não existe na cidade de Santos. Posteriormente, sob pena de multa diária de um milhão de reais, cedeu o prazo até 06 de fevereiro para que a Minerva Foods S.A. apresentasse plano de desembarcamento, que deveria atentar para planejamento responsável, indo além do desembarque, exigindo identificação de destino e logística de transporte.

Entrementes, estarrecedoramente, na ação civil pública n° 5000325-94.2017.4.03.6135, processada na 25ª Vara Cível Federal paulista, por decisão liminar, restou proibido o transporte marítimo de gado vivo em todo o território nacional! Preceituou também que a suspensão remanesça até que o país de destino se comprometesse a adotar práticas de abate compatíveis com o preconizado no ordenamento jurídico brasileiro, além de ter que observar normas concretas e verificáveis para garantir condições de manejo e bem- estar dos animais. Tal despacho extrapolou sua jurisdição, ferindo a soberania e a religião de outros países, além de interferir em negociações de comércio exterior e abertura de mercado.

O referido magistrado ordenou, concomitantemente, o desembarque de todos os 27 mil bois carregados, com retorno à origem, estabelecendo que o MAPA deveria organizar plano de saída a expensas do frigorífico Minerva Foods S.A., tido como proprietário dos bovinos. Ora, isto demonstrou, novamente, o quanto tais decisões estavam fora da realidade, porque novo transporte rodoviário até qualquer estabelecimento que pudesse alocar este volume de gado geraria mais sofrimento, conforme alegado, pois se originam de local que dista 500 quilômetros do litoral.

Ambas as decisões estavam desprovidas de suporte técnico suficiente e completamente despegadas da realidade rural! Desafortunadamente, Desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, manteve a liminar em 2ª instância, no agravo de instrumento n° 5001499-79.2018.4.03.0000 ratificando o descabido laudo… Não bastasse sustentar a proibição de exportações de gado vivo de qualquer porto brasileiro, reinterou imenso problema, porque decretou o retorno às fazendas originárias, para que estes bois crescessem e recebessem abates humanizados, segundo a legislação pátria, impedindo de serem reencaminhados à Turquia. Atingiu os princípios básicos de Livre Mercado e interrompeu o negócio destas fazendas, porque, muito provavelmente, os potreiros já estivessem com a reposição efetivada.

Posteriormente, a mesma Desembargadora, em novo agravo, de n° 5001513-63.2018.4.03.0000, coerentemente voltou atrás e concedeu liminar para permitir que o navio boiadeiro iniciasse a viagem à Turquia, reconhecendo a alegação de risco de dano reverso à integridade e saúde dos bovinos, e impraticável a higienização da embarcação enquanto aportada, por prováveis danos ambientais.

Em consonância a esta última decisão, nos autos do processo n° 5001511-93.2018.4.03.0000, o Presidente do referido Tribunal determinou a suspensão da liminar deferida, que impossibilitava, em todo o território pátrio, a exportação de animais vivos para abate no exterior, por dano à ordem administrativa, gerando quebra de confiança no país, com reflexos como perda de mercado.

Em relação ao relatório técnico de inspeção apresentado por médica veterinária, naquela ação civil pública, que tramita na 25ª Vara Cível Federal de São Paulo, é evidente a parcialidade na sua apresentação, descrevendo fatos inclusive precedentes ao ingresso a bordo do navio (descrição dos caminhões em blitz anteriores, o “parêntesis” dos itens d.1 e d.2), acontecidas antes mesmo de sua nomeação!

É um relatório muito genérico, carente de dados técnicos específicos, fundamentado em meras impressões pessoais, e que se demonstra, evidentemente tendencioso, ao dar relevância exagerada à estória e aos pontos negativos, aparentemente mais convenientes a um militante do abolicionismo animal do que a um perito veterinário isento e imparcial.

Outro fator relevante, que poderia passar despercebido, a quem não conhece a rotina de um navio, é o de que a limpeza, a lavagem dos pisos, mormente nos andares inferiores (abaixo do nível do mar), enquanto ancorado, fica prejudicada, porque os dejetos são largados em alto-mar (fato advertido pela tripulação). O navio é carregado de baixo para cima, do porão ao convés, sem esquecer que houve a suspensão do embarque (referida no próprio relatório), situação que fez com que aqueles bovinos ficassem em situação precária, sem imisção da exportadora, durante uma semana. Este, sim, é o motivo da sujeira e forte odor, quando a poluição sonora dos ventiladores registrada, tentavam mitigar a situação, circulando ar para diminuir cheiro e temperatura.

Neste ponto específico, a imundície dos decks inferiores (1, 2 e 5), dada como regra pela expert, embora haja outros 10 andares, reconhece que a área estimulada a visitas (deck 8), da qual ela própria, maliciosamente, denomina de showroom, reconhece que possuía condições de iluminação, ventilação, piso e lotação animal, bem como da oferta de alimento e água, encontrando-se “aparentemente moderadas”!

A alegação de que os caminhões possuíam fitas adesivas para dificultar a inspeção de terceiros não procede, servem, sim, para evitar que as luzes de faróis incomodem os bovinos à noite, para resguardá-los, e não para obstaculizar averiguações, já que, como asseverado, vêm lacrados pelo MAPA, o órgão competente para fiscalização.

A lotação, tanto em caminhões, quanto no navio, obedece aos ditames do Código Sanitário de Animais Terrestres, instituído pela OIE, bem como o protocolo de sanidade animal estabelecido com a Turquia pelo Departamento de Saúde Animal – DSA, criticar o transporte por espaço, movimento ou balanço chega a ser anedótico.

Os bovinos são alimentados e dessedentados regularmente, havendo quantidade de ração suficiente a bordo por segurança, pois a margem de lucro depende do peso, obviamente. Os cochos são dimensionados segundo os preceitos legais e a profissional mesmo relata a dessalinização da água para consumo em alto-mar, embora reconheça que estivessem adquirindo água durante a ancoragem.

Ao finalizar o parecer a firmatária elenca as Cinco Liberdades do Bem-estar Animal, preconizadas pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária – CFMV para então concluir que o transporte, qualquer transporte de animais vivos, rodoviário ou marítimo, causariam crueldade e sofrimento aos novilhos. Diante deste desfecho radical, é de se indagar como será que ela imagina que a carne chegue às gôndolas dos supermercados? A solução, decerto, seria o retorno das tropeadas, mas disto a signatária sequer deve tomar conhecimento do que seja.

Há notícias de que ONG’s digladiam-se para ingressarem com uma enxurrada de ações análogas, distribuídas nas comarcas dos portos em que embarcam cargueiros de gado, infelizmente.

Realmente a preocupação ética com o bem-estar animal tem sido crescente e recorrente, tanto para ecologistas, quanto para pecuaristas conscientes, como para a sociedade civil. Na onda do que seria política e ambientalmente correto os criadores de gado têm sido apontados, equivocadamente, como malfeitores, quando, em verdade, vencem diariamente diversos desafios, recebendo um passivo ambiental que não promoveram.

A exportação de gado em pé, o transporte marítimo em navios boiadeiros, é uma excelente alternativa para os fazendeiros, contudo a intervenção do Judiciário, sem embasamento técnico capacitado, autêntico e imparcial, causou interrupção e alarde desnecessário em atividade exercida há quinze anos, considerado erro grosseiro, que só pode ser atribuído ao desconhecimento, pela formação urbana de alguns operadores do Direito, não conseguindo dimensionar a verdade do campo.

Discutir a padronização de normas operacionais e protocolos para esta atividade deveria ser um compromisso de parte a parte, dando transparência e desburocratizando a exportação de gado vivo, respeitando o bem-estar animal, incentivando o produtor rural e amplificando o agronegócio do Brasil, no caminho para prosperar e transformar o país no tão almejado “celeiro mundial”!

Alexandre Valente Selistre – Advogado agrarista, Especialista em Direito Agrário e Ambiental aplicado ao Agronegócio pelo I-UMA e produtor rural. É membro da União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU.

Conheça a íntegra da decisão que suspendeu a liminar que impedia a exportação de animais vivos em todo o país:

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

SUSPENSÃO DE LIMINAR OU ANTECIPAÇÃO DE TUTELA (144) Nº 5001511-93.2018.4.03.0000

RELATOR: Gab. Presidência

REQUERENTE: UNIÃO FEDERAL

REQUERIDO: JUÍZO FEDERAL DA 25ª VARA CÍVEL DE SÃO PAULO SP, FÓRUM NACIONAL DE PROTEÇÃO E DEFESA ANIMAL

Advogado do(a) REQUERIDO: RICARDO DE LIMA CATTANI – SP82279

D  E  C  I  S  Ã O

Vistos,

Trata-se de pedido de suspensão de execução de liminar ajuizado pela UNIÃO em face de decisão proferida pelo Juízo da 25ª Vara Federal da Subseção Judiciária da Capital nos autos da ação civil pública nº 5000325-94.2017.403.6135, que proibiu a exportação de animais vivos para o abate no exterior, em todo o território nacional, bem como determinou o desembarque e retorno à origem dos mais de vinte e cinco mil animais vivos que se encontram embarcados no navio “MV NADA”, atracado no Porto de Santos.

A União alega, em síntese, que o cumprimento do decisum implicará grave lesão à ordem administrativa, à saúde e à economia públicas.

Sustenta a presença de grave risco de dano à ordem público administrativa com a determinação de suspensão de um navio carregado com mais de 25.000 (vinte e cinco mil) gados vivos e o imediato desembarque dos mesmos com retorno às fazendas de origem. Tal medida seria apta a submeter a agropecuária nacional a risco, pois cabe unicamente ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento calcular o risco sanitário atribuível ao trânsito internacional de animais de interesse agropecuário.

Ademais, frisa, o navio é estrangeiro e “é considerado um fator potencial de risco à introdução de diversos agentes patógenos de difícil mensuração, razão pela qual todos os produtos, alimentos e equipamentos não são autorizados a adentrarem em território nacional”. Nestes termos, o efeito e os danos de eventual introdução de um agente patógeno em território nacional poderiam ser catastróficos para a agropecuária nacional, com prejuízos imensuráveis que afetariam toda a cadeia produtiva e o abastecimento do mercado nacional e o comércio internacional de carne brasileira.

Outro risco à ordem administrativa reside no fato de que toda a operação de transporte e embarque dos animais está prevista e estruturada apenas para este fim, inexistindo previsão e procedimentos adequados para o desembarque em território nacional e retorno dos animais às fazendas de origem. Estabelecer nova logística e procedimentos para desembarque e retorno do gado às propriedades rurais demandaria operação cujo prazo se aproximaria de 30 (trinta) dias, haja vista a necessidade da presença de cerca de 820 (oitocentos e vinte) caminhões, 60 (sessenta) pessoas e pelo menos 10 (dez) dias de trabalho.

Não bastasse, a acomodação desses animais nas fazendas de origem requer planejamento e mão-de-obra especializada, além de aporte de alimentação e do atendimento aos requisitos de ordem sanitários vigente.

Ainda segundo a União, impedir o início da viagem do navio e considerando o tempo para implementar os procedimentos para desembarque e retorno do gado às fazendas, o sofrimento imposto aos animais aumentaria porque a embarcação não pode ser limpa na costa brasileira por questões ambientais, impedindo a higienização dos ambientes em que o gado se encontra confinado.

Salienta que a exportação de bovinos é regulamentada por uma série de atos normativos, todos observados no caso em apreço, que estão em consonância com as diretrizes estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE).

No que se refere ao método de abate dos animais, aponta que a legislação brasileira permite o abate de acordo com preceitos religiosos, o que se justifica pelo fato de o Brasil ser um país laico provedor mundial de proteína animal, garantindo, assim, a possibilidade de atender a demanda de comunidades religiosas nacionais e internacionais.

Sob o enfoque da grave lesão à economia pública, assevera que a decisão judicial impôs restrição duríssima e de gravíssimas consequências para o comércio internacional, principalmente porque o Brasil é um dos maiores, senão o maior, produtor de carnes do mundo e o quarto país em número de exportação de bovinos. Somente em relação à exportação de animais vivos, o país movimenta anualmente cerca de US$ 170,000,000.00 (cento e setenta milhões de dólares americanos) com a exportação de aproximadamente 600.000 (seiscentas mil) cabeças de gado.

Portanto, o impacto econômico é evidente. Mantida a decisão, agravar-se-á ainda mais a crise econômica pela qual o país atravessa. Todos os contratos internacionais serão afetados e a tendência é que as exportações brasileiras sejam substituídas por outras, prejudicando a economia nacional.

Além do mais, haverá desgaste nas relações internacionais brasileiras, porque a decisão atinge e afeta negativamente todos os compromissos internacionais já assumidos pelos agentes econômicos brasileiros e por seus pares estrangeiros. Aventa-se, inclusive, a possibilidade de retaliações comerciais ao país, por força da aplicação do princípio da credibilidade.

Pugna, assim, pela concessão de liminar que autorize a partida do navio MV NADA do país e afaste a proibição de exportação de animais vivos para o abate no exterior em todo o território nacional.

É o relatório.

Decido.

Primeiramente observo que a questão referente à permissão para início da viagem do navio MV NADA com a carga de animais vivos encontra-se prejudicada porque alcançada por meio de liminar deferida nos autos do agravo de instrumento nº 5001513-63.2018.4.03.0000. Nestes autos, em sede de plantão judiciário, a eminente Desembargadora Federal Diva Malerbi consignou:

“Inicialmente, consigno que as alegações de grave lesão à ordem públicoadministrativa, ordem econômica e saúde pública devem ser deduzidas em sede própria (suspensão de segurança).

No entanto, neste juízo de cognição sumária, verifico presente o periculum in mora reverso à integridade e saúde dos animais, tendo em vista que encontrando-se completamente embarcada a carga viva e impossibilitada a limpeza do navio no porto de Santos, por questões ambientais (para não contaminar a costa brasileira), a permanência no navio aguardando os procedimentos de reversão, que sequer encontram-se programados, provocará maior sofrimento e penoso desgaste aos animais do que o prosseguimento da viagem.

Ante o exposto, concedo liminar para o fim específico de determinar o imediato início da viagem do navio MV NADA.”

Portanto, nada resta a enfrentar sobre este ponto, sendo a União, quanto a este aspecto, carecedora de interesse processual.

No entanto, a decisão liminar do juízo a quo é mais abrangente. Além de proibir a partida do navio e determinar o desembarque do gado, impediu a exportação de animais vivos para o abate no exterior, em todo o território nacional, até que o país de destino se comprometa, mediante acordo inter partes, a adotar práticas de abate compatíveis com o preconizado pelo ordenamento jurídico brasileiro e desde que editadas e observadas normas específicas, concretas e verificáveis, por meio de parâmetros clara e precisamente estabelecidos que possam efetivamente conferir condições de manejo e bem estar dos animais transportados (id 1651930).

Oportuno frisar, de antemão, que o ordenamento jurídico pátrio não veda o comércio internacional de animais vivos. Ao contrário, há uma série de atos normativos traçando regramentos a respeito do assunto, estabelecidos pelo órgão nacional competente que é o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

A título exemplificativo, cito a Instrução Normativa nº 13, de 30 de março de 2010, da lavra do Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que aprova o regulamento técnico para exportação de bovinos, búfalos, ovinos e caprinos vivos destinados ao abate. Nela consta:

“Art. 2º Será permitido exportar animais vivos que estejam em bom estado de saúde, isentos de ectoparasitos e que procedam de estabelecimentos de criação e de áreas que não estejam sob restrição sanitária devido a doenças transmissíveis que afetam a espécie a ser exportada.

Art. 3º Os animais somente poderão ser exportados quando acompanhados de Certificado Zoossanitário Internacional regularmente expedido por Médico Veterinário ocupante do cargo de Fiscal Federal Agropecuário, que atenda aos requisitos constantes das normas vigentes no País e às condições sanitárias requeridas pelo país importador.

Parágrafo único. A saída do país somente será autorizada pelos portos, aeroportos e pontos de fronteira devidamente aparelhados e designados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA.

Art. 4º Os veículos transportadores devem atender aos requisitos para transporte de animais de forma segura e de acordo com os princípios de bem-estar animal, sendo limpos e desinfetados antes do carregamento no estabelecimento de origem e no estabelecimento de pré-embarque, sob a responsabilidade do transportador.

Parágrafo único. Será permitido que a limpeza e a desinfecção dos veículos transportadores sejam realizadas em uma única oportunidade, prévia ao primeiro embarque, quando estes forem utilizados exclusivamente para transporte dos animais do mesmo estabelecimento de origem ao estabelecimento de pré-embarque ou do estabelecimento de pré-embarque ao local de saída do país, podendo, a qualquer momento, ser requerida nova higienização destes.

Art. 5º Os animais a serem exportados devem ser selecionados em estabelecimentos que cumpram com as normas sanitárias vigentes no País, com atendimento aos requisitos sanitários e de bem-estar animal estabelecidos pelo país importador.

Art. 6º Os animais selecionados para exportação devem ser identificados individualmente ou por lote, de forma que possam ser relacionados ao estabelecimento de origem, ou possuir outro tipo de identificação quando o país importador assim o solicitar.

Art. 7º Os animais selecionados devem estar adequadamente preparados para o transporte e, adicionalmente, não devem apresentar qualquer condição que possa comprometer a sua saúde e bem-estar no trajeto até o Estabelecimento de Pré-embarque – EPE – e deste até o local de embarque.

(…)

Art. 27. O transporte marítimo e fluvial deve ser realizado em embarcações que possuam instalações adequadas para alojar a espécie animal exportada e para o seu manejo e sua alimentação, propiciando o bem-estar geral dos mesmos durante a viagem.

Art. 28. As embarcações utilizadas para o transporte marítimo ou fluvial deverão estar em bom estado de conservação e manutenção e ser completamente limpas e desinfetadas com produtos aprovados pelo MAPA, antes do embarque dos animais.

Art. 29. O transporte marítimo ou fluvial deve ser previamente planejado pelo transportador e pelo exportador e realizado em navios aprovados pela Capitania dos Portos, adequadamente abastecidos de provisões – alimento e água – para a viagem, que tenham habilitação para o transporte de animais, segundo a espécie, e conduzidos de forma a prevenir danos aos animais e minimizar o estresse de viagem, respeitando as normas estabelecidas para o bem-estar animal.

Art. 30. O exportador ou importador deverão apresentar ao Serviço ou Unidade de Vigilância Agropecuária do MAPA, no local de saída do país, até três dias antes do embarque, a configuração do navio a ser utilizado na operação, expedida pelo armador, contendo:

metragem da embarcação, metragem quadrada de cada deck disponível para carregamento de animais, quantidade de cochos, bebedouros, capacidade de armazenagem de alimentação (em toneladas), capacidade de tanques para água potável, quantidade e capacidade do dessanilizador, número de acionamentos por minuto das turbinas para ventilação e renovação de ar.

Parágrafo único. A configuração apresentada servirá de base para estabelecer a quantidade de animais que será embarcada.

Art. 31. Animais de diferentes espécies não podem ser transportados no mesmo curral; animais criados em um mesmo estabelecimento devem ser mantidos como um grupo, sempre que possível.

Art. 32. Antes do embarque dos animais, com no mínimo três dias de antecedência, o exportador deverá protocolar na unidade local do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento documento com as seguintes informações:

I – plano de viagem;

II – informação sobre o local, data e hora do embarque;

III – previsão de chegada, data e local de desembarque dos animais;

IV – número de animais a serem embarcados; e

V – a quantidade e o tipo de alimento embarcado e a quantidade de água.

Art. 33. Os exportadores e importadores, os proprietários dos animais, os agentes comerciais, as empresas de navegação, os capitães de navios e os administradores das instalações são responsáveis pelo estado geral de saúde dos animais e pela sua aptidão física para a viagem, independentemente de que sejam contratados terceiros para realização de determinados serviços durante o transporte.

Art. 34. Os EPEs devem ser construídos, mantidos e utilizados de tal maneira que evitem lesões e sofrimento e garantam a segurança dos animais.

Art. 35. O proprietário dos animais ou o exportador deverá disponibilizar pessoal suficiente para realizar as operações de embarque e desembarque rodoviário e para embarque nos navios de transporte.

Art. 36. As pessoas encarregadas do manejo dos animais nos navios devem ter experiência no transporte e conhecimento do comportamento animal e dos princípios básicos necessários para o desempenho das suas tarefas, sem utilização de violência ou qualquer método passível de provocar medo, lesões ou sofrimento.

Art. 37. Caso ocorram problemas no transporte, devem ser tomadas medidas necessárias para garantir o bem-estar animal.

Art. 38. No caso de doença ou traumatismos nos animais durante o transporte, os animais envolvidos devem ser separados dos demais animais e receber tratamento adequado e imediato.

Art. 39. Os veículos e navios transportadores de animais devem dispor de instalações que assegurem a proteção dos animais das intempéries, temperaturas extremas e variações meteorológicas desfavoráveis.

Art. 40. Os navios devem dispor de fonte de iluminação artificial suficiente para a inspeção e o tratamento dos animais durante a viagem.

Art. 41. Os navios devem estar equipados com equipamentos de combate a incêndios.

Art. 42. Os animais devem ser transportados em piso que garanta o seu conforto, adaptado à espécie, ao número de animais transportados e à duração da viagem. Art. 43. Os navios devem manter em permanente disponibilidade uma baia hospital em cada deck, específica para separação dos animais que durante o transporte apresentem problemas de saúde.

Art. 44. O número de animais a serem abrigados no interior dos veículos de transporte rodoviário e nos navios deverá atender as condições de conforto e bem-estar animal, determinando-se este número em função do espaço disponível, segundo a espécie animal.

Art. 45. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento adotará as medidas necessárias para aplicação deste Regulamento em todo o Território Nacional.”

Portanto, o transporte internacional de animais vivos é realizado de acordo com as normas editadas pelo Poder Executivo, observando, in casu, os interesses da Administração no comércio exterior e sem deixar de lado o controle da qualidade, da segurança e do bem-estar dos animais.

Ao estabelecer parâmetros para o bem-estar dos animais a serem transportados (quantidade de cochos, de bebedouros, de alimentação, além da presença de pessoas com experiência de transporte e de conhecimento de comportamento animal, vedando a utilização de violência ou de método capaz de provocar medo, lesões ou sofrimento), a norma mostra-se em consonância tanto com a legislação interna (Lei nº 9.605/98, que criminaliza o abuso e maus-tratos a animais) quanto com a legislação externa, notadamente a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela UNESCO em Bruxelas, na Bélgica, em 27 de janeiro de 1978.

Assim, resta evidente que, ao menos em sede de cognição sumária, própria do momento, não se pode impedir a exportação de animais destinados a abate no exterior, seja pela existência normas a respeito do tema, seja por se tratar de modelo eleito pelo administrador e sobre o qual não se pode admitir, em princípio, ingerência do Poder Judiciário, sob pena de violar o indispensável e fundamental princípio da separação dos poderes (art. 2º da Carta Magna).

A imposição de um modelo diverso daquele eleito pelo Administrador para a exportação de animais vivos, por parte do Poder Judiciário, somente seria admissível em sede de cognição exauriente, ou seja, após ampla instrução, com o esgotamento e análise de todas as provas produzidas, bem como a oitiva de todos os interessados, haja vista as consequências advindas de medida de tamanha envergadura. Em outras palavras, para afastar o modelo escolhido pelos órgãos técnicos da Administração Federal a decisão judicial deve estar robustamente amparada em provas e elementos de convencimento que assegurem que a exportação de animais vivos, na forma como é feita atualmente, causa prejuízo a estes animais.

Não obstante, são evidentes os prejuízos a serem suportados pela União, no momento, no caso de manutenção da ordem judicial. De acordo com informações extraídas do site do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, “A cada ano, a participação brasileira no comércio internacional vem crescendo, com destaque para a produção de carne bovina, suína e de frango. Segundo o Ministério da Agricultura, até 2020, a expectativa é que a produção nacional de carnes suprirá 44,5% do mercado mundial. Já a carne de frango terá 48,1% das exportações mundiais e a participação de carne suína será de 14,2%. Essas estimativas indicam que o Brasil pode manter posição de primeiro exportador mundial de carnes bovina e de frango” (http://www.agricultura.gov.br/assuntos/sanidade-animal-e-vegetal/saudeanimal/exportacao (http://www.agricultura.gov.br/assuntos/sanidade-animal-evegetal/saude-animal/exportacao)).

A exportação de carne bovina, de acordo com o Portal da EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, representa relevante percentual das exportações brasileiras, com um faturamento expressivo de cifras bilionárias.

Conquanto haja discussão a respeito da viabilidade do negócio chamado de venda de gado em pé – venda de animais vivos –, com alguns empresários do setor dizendo que o produto deixa de agregar valor e empregos no comparativo com as vendas de carnes processadas, não se pode perder de vista que há uma demanda de consumo a ser atendida e que o Brasil possui interesse, normas e regras previamente estabelecidas para atender esta demanda.

De acordo com as alegações contidas na exordial, a própria autora da ação civil pública informou que o mercado de animais vivos movimenta valores da ordem de 170 milhões de dólares por ano. Cuida-se de valor significativo, que jamais poderia ser desprezado. Numa época crítica como a atual, com escassez de recursos, abrir mão de tamanha quantia beiraria o escárnio e agravaria ainda mais a crise econômica.

Indiretamente, a vedação imposta pelo juízo a quo também provocaria prejuízos ao país, inclusive o impedimento, no que diz respeito aos contratos já existentes, acarretará a incidência de multa, cuja indenização poderá ser de responsabilidade da União. Ademais, os contratos já celebrados para vendas de animais em pé não poderiam ser cumpridos e, com isso, os países compradores seriam obrigados a buscar outros mercados fornecedores. Haveria quebra de confiabilidade no país, que geraria reflexos na perda de mercado e no modelo de negócio internacional.

Nesse sentido destaca-se trecho das informações prestadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (id 1652004):

“Para estabelecer um comércio internacional livre e transparente, a Organização Mundial do Comércio – OMC, traz alguns princípios básicos que restringem as políticas de comércio exterior dos países, a saber: a não discriminação, a previsibilidade, a concorrência leal, a proibição de restrições quantitativas, o tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento.

Os operadores do comércio exterior precisam de previsibilidade de normas e do acesso aos mercados tanto na exportação quanto na importação para poderem desenvolver suas atividades. Para garantir essa previsibilidade, o pilar básico é a consolidação dos compromissos tarifários para bens e das listas de ofertas em serviços, além das disciplinas em outras áreas da OMC, como TRIPS, TRIMS, Barreiras Técnicas (TBT) e SPS (Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias) que visam impedir o uso abusivo dos países para restringir o comércio.

O Acordo SPS/OMC não contempla o tema bem-estar animal, que na concepção do global deve ser pautado sempre nas diretrizes e recomendações da Organização Mundial de Saúde Animal – OIE para a sua regulação. Existe clara movimentação direcionada à intensificação da utilização do bem-estar animal como barreira não tarifária aos produtos exportados pelo Brasil e exploração comercial por grupos de interesse, e, para mitigar essa prática, O Brasil participando ativamente na elaboração dos temas relativos ao bem-estar animal e segue as diretrizes da OIE.

As diretrizes em vigor são respaldadas por anos de pesquisa técnico-científica e validadas por seus 181 países membros, ou seja, não são pautadas em percepções de cunho ideológico muito comum hoje em alguns setores da sociedade civil organizada. Compete ao país importador avaliar as condições de aceitação da paridade ou equivalência com suas legislações, bem como das regras internacionais. No caso em questão, não foi identificada incompatibilidade com o Acordo TBT/OMC (Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio) e a Turquia, país membro da OMC e da OIE, entende que há equivalência com suas regras internacionais de bem-estar animal cuja referência é a OIE. O Brasil comercializa os animais, sendo que a destinação e tratamentos posteriores em território de outro país devem ser definidas por esses com base em sua soberania e costumes. Os países muçulmanos com quem o Brasil tem comercio aplicam o abate humanitário e zelam dos seus animais, o que pode ser demonstrado pelo documento encaminhado pela própria OIE que se encontra anexo.

O impedimento de exportação de animais vivos pode gerar imprevisibilidade no fluxo comercial e promover crise de confiabilidade no comércio internacional pelas exportações realizadas pelo Brasil. A perda de credibilidade pode gerar impactos gerais nas negociações internacionais do Agronegócio em curso para promover a remoção de barreiras relacionadas com abertura, manutenção e ampliação das exportações nesse e em outros países. Além disso, pode gerar instabilidade nas relações internacionais e afetar outros temas, tais como relacionados aos acordos de comércio, reduções tarifarias, cooperação, promoção e atração de investimentos. Não se pode descartar a possibilidade de que prejuízos causados pelas ações do Estado sobre os entes privados acarretem em prejuízos à União em eventuais ações de reparação de perdas e danos pelos entes privados de ambos países.

Considerando a possibilidade de reais prejuízos aos importadores, uma vez que o Estado estrangeiro considere inaceitável, não pode ser descartado o desencadeamento de ações de retaliações comerciais a diversos produtos brasileiros que, se aplicadas, podem não ficar caracterizadas como claras e inequívocas. Ou seja, podem desencadear escalada de retaliações disfarçadas com difícil caracterização de nexo causal, o que afetaria as diversas ações ofensivas no comercio internacional do Agronegócio.”

É evidente, por conseguinte, o risco de dano à ordem administrativa.

Assim, estando convencida de que a liminar deferida pelo douto juízo a quo causará violação aos bens tutelados pela Lei nº 8.437/92, de rigor a sua suspensão.

Ante o exposto, constatado carência superveniente em relação a parte do pedido, DETERMINO a suspensão da liminar deferida nos autos do processo nº 5000325-94.2017.403.6135, da 25ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo, que impedia a exportação de animais vivos para abate no exterior em todo o território nacional, até o trânsito em julgado da ação civil pública.

Comunique-se. Intimem-se. Publique-se.

Depois, à Procuradoria Regional da República.

Decorrido o prazo legal sem a interposição de recurso, arquive-se.

São Paulo, 5 de fevereiro de 2018.

Desembargadora Federal Cecília Marcondes

(assinado digitalmente)

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