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Direito Agrário

TRF4 condenou a União a pagar a quantia de R$ 75 milhões pelas benfeitorias feitas para empresa do setor florestal que foi desapropriada

“O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmou em parte a sentença que considerou a Fazenda Rio das Cobras, no município de Quedas do Iguaçu (PR), como propriedade da União. A 3ª Turma, entretanto, concedeu indenização de R$ 75 milhões pelas benfeitorias feitas pela desapropriada, empresa Rio das Cobras Florestal.

A ação que resultou na declaração de domínio da União sobre o imóvel de 63 mil hectares foi ajuizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Conforme o instituto, a propriedade originalmente era da União. Em 1889, por um decreto imperial, ela foi transferida para a Cia. Estrada de Ferro para a construção do ramal ferroviário Porto União – Foz do Iguaçu, que acabou não sendo construído. Com o descumprimento da obrigação, o governo federal Provisório declarou, em 1931, a caducidade das concessões à Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, retornando o patrimônio ao poder público federal.

A ação foi julgada procedente pela 1ª Vara Federal de Cascavel. A empresa-ré recorreu ao tribunal requerendo a reforma da sentença.

Para a relatora do acórdão, desembargadora federal Marga Inge Barth Tessler, os títulos posteriores à transferência da área para a União são nulos. A magistrada, entretanto, reformou a sentença quanto à indenização pelas benfeitorias. ‘O valor objeto de ajuste entabulado no curso desta causa, fruto de mútuo acordo entre o Incra e a referida empresa, que merece prestígio à vista da precisão das avaliações técnicas que lhe deram origem, com o que reformo a sentença no tópico em que determina a devolução dessa quantia, de modo a dispensá-la, por obra do recurso da empresa, sem, contudo, promover a majoração da indenização’.”

Fonte: TRF4, 08/08/2017.

Direito Agrário

Confira a íntegra do julgado:

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001019-79.2016.4.04.7005/PR
RELATOR
:
FERNANDO QUADROS DA SILVA
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA – INCRA
APELANTE
:
RIO DAS COBRAS FLORESTAL LTDA
ADVOGADO
:
Edemar Junior
:
A. P. A.
APELADO
:
BANCO REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO DO EXTREMO SUL-BRDE
:
OS MESMOS
MPF
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RELATÓRIO

Trata-se de ação declaratória ajuizada pelo INCRA em face de RIO DAS COBRAS FLORESTAL LTDA., por meio da qual pretende a declaração da nulidade do título de domínio dos imóveis rurais denominados ‘Fazenda Rio das Cobras’ e ‘Fazenda Pinhal Ralo’, situados no município de Quedas do Iguaçu/PR, concedidos indevidamente pelo Estado do Paraná a particulares, por constituírem áreas de domínio da União.
Eis o relato da pretensão inicial, segundo a sentença:
‘Sustenta, em síntese: a) que no Processo Administrativo n. 54200.002501/2003-54 foi elaborado um estudo que apurou que os títulos dominiais das terras objeto dos autos advêm de título definitivo outorgado em 19/04/1923 pelo Estado do Paraná em favor da Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, cuja área original alcançava cerca de 63.004,000 hectares; b) que dita alienação processou-se sob a égide da primeira Constituição Republicana, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, a qual transferiu para os Estados-Membros as terras devolutas neles situadas, permanecendo com a União somente as faixa de dez léguas de largura na divisa do Brasil com os Paises vizinhos, posteriormente denominada faixa de fronteira; c) que o Município de Quedas do Iguaçu, onde situam-se as áreas, está encravado em sua quase totalidade na faixa de 66 a 100 km; d) que, a princípio, não havia qualquer óbice à alienação pelo Estado do Paraná, todavia, em 08 de março de 1940, estando o Estado do Paraná a sofrer retaliações comerciais em virtude de contratação de créditos não honrados pela Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, o Governo Federal editou o Decreto-lei n. 2.073, incorporando ao patrimônio da União todos os bens pertencentes à companhia; e) que, em 19/06/1944, o Estado do Paraná outorgou novo título à Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, desta feita denominado ‘Título de Revalidação’; f) que esse ‘Título de Revalidação’ não tem validade, pois o Estado do Paraná não poderia revalidar títulos de bens que não mais lhe pertenciam, eis que incorporados aos bens da União; g) que, além dessa nulidade, em 16 de julho de 1934, foi promulgada a nova Constituição Federal que, além de ampliar a faixa de fronteira de dez léguas (66 km) para 100 km, abrangendo as áreas em questão, estabeleceu, em seu art. 130, que nenhuma concessão de terras de superfície superior a dez mil hectares poderia ser feita sem autorização do Senado Federal e, no art. 166, que dentro de uma faixa de 100 km ao longo das fronteiras, nenhuma concessão de terras se efetuará sem audiência do Conselho Superior de Segurança Nacional, assim, o ‘Título de Revalidação’ seria nulo, por não ter observado esses requisitos; h) que, ainda que se considere que as terras pertenciam ao Estado do Paraná, só poderiam ter sido alienadas na forma e condições do art. 1º da Lei n. 68/1892 (Lei de terras do Estado), que previa venda direta ou pela transmissão de seu domínio útil via aforamento, observada a área máxima de 100 ou 2.000 hectares, conforme artigos 1º e 7º; i) que em 23 de abril de 1931, foi editado o Decreto n. 19.918 declarando a caducidade de todas as concessões efetuadas à Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, antes, portanto, da alienação feita pela Ferrovia à Colonizadora, em 1935; j) que, embora o Decerto-lei 2.073, de 8 de março de 1940, que incorporou a União todos os bens da Cia de Ferro, tenha sido editado após a alienação que a Ferrovia fez de tais terras à Colonizadora, em 1935, com essa alienação não houve a transferência do domínio, apenas da concessão, pois a Ferrovia não detinha o domínio; k) desde 1940 as terras aqui em discussão já estava reincorporadas à União, seja pela não colonização até 1940 (prazo de 50 anos previsto no decreto imperial) seja pela precariedade da concessão; l) que não foi observado o disposto no Decreto-Lei n. 1.414/ 1975, que dispôs sobre o procedimento ratificatório das concessões e alienações efetuadas na Faixa de Fronteiras de que trata a Lei n. 6.634/1979, pois nem todas as alienações ou concessões efetuadas na faixa de fronteira são passíveis de ratificação, mas somente aquelas acobertadas pelas disposições constantes do art. 7; m) que, quando as terras foram alienadas já existiam as restrições impostas pelo Decreto n. 10.105, de 5 de março de 1913, que fixava em 10.000 hectares o limite passível de alienação; n) que, quando levadas a registro, em 1938 e 1944, já existiam também as restrições e limitações fixadas pela própria Constituição Federal de 16 de julho de 1934; o) que tais terras jamais integraram validamente o patrimônio particular e não são passíveis de ratificação, portanto, quando a Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande alienou, em 03/12/1935, à Cia Colonizadoras e Mercantil Paranaense S/A uma vasta área medindo 63.004,0000 hectares, da qual foi destacada as áreas de que cuida o presente feito, o fez na condição de ‘non domino’; p) que, como as terras não se destacaram validamente do patrimônio federal, bem como jamais adquiriram a condição de bens alodiais, não há como entendê-las passíveis de convalidação mediante a ratificação dos correspondentes títulos; q) sendo os imóveis de propriedade da União, não há falar em indenização pela terra nua.
 
Argumenta, ainda, que a área aqui em debate está ocupada por diversas famílias de trabalhadores rurais sem terra, sendo necessário adotar providências com a máxima urgência, sob pena de instauração de gravíssimo conflito agrário, propondo-se, para tanto, a depositar em favor da ré os valores referentes à indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias erigidas no imóvel. Requerendo, assim, a designação de audiência de conciliação a fim de se acordar um valor a ser depositado, possibilitando a imediata posse do INCRA sobre as terras para que proceda a instauração de projeto fundiário para assentar as famílias lá existentes. Afirma que apresentará em audiência um laudo técnico elaborado pela Universidade Federal do Paraná, contendo o valor da indenização que entende devido, que já estão empenhados e que podem ser pagos imediatamente.
 
Ao final, o INCRA quer ver declarada a nulidade das titulações promovidas pelo Estado do Paraná em relação aos bens aqui em discussão, alcançando as titulações subsequentes, e o afastamento da obrigação de indenizar a terra nua. Admite o pagamento de indenização pelas benfeitorias feitas de boa-fé pela ré.’
A contestação apresentada pela ré restou assim resumida:
‘A ré RIO DAS COBRAS FLORESTAL LTDA apresentou contestação (fls. 131/170). Fez um breve relato acerca de suas atividades nas áreas aqui em discussão. Afirmou que ao longo dos anos suas terras foram invadidas por participantes do Movimento Sem Terra, o que levou ao ajuizamento de ações de desapropriações pelo próprio autor em manifesto reconhecimento da legitimidade do domínio. Mencionou que, nos idos de 1999, nova área de sua propriedade foi invadida e que obteve a reintegração de posse, mas, diante da forte resistência dos invasores e da omissão do Poder Público em cumprir a determinação judicial, as terras continuam ocupadas por mais de quatro mil famílias que a exploram de maneira indevida, devastando as reservas florestais nativas e plantadas. Narra que procurou negociar a situação com o poder público, que foi concluída em 21 de outubro de 2003, no Palácio do Governo do Estado do Paraná, com a presença do Governador do Estado, do Ministro do Desenvolvimento Agrário, do Presidente do INCRA, de vários Deputados Estaduais e de representantes do Movimento dos Trabalhadores Sem terra, no entanto, a autora, em vez de cumprir o então acordado, preferiu ingressar com a presente ação.
Em sede de preliminar, arguiu a ocorrência de prescrição. No mérito, aduz, em resumo: a) que a gleba denominada ‘Pinhal Ralo’ não se originou do Decreto Imperial e do ato de revalidação de 1913, mas possui outra origem, não questionada pela autora; b) que, em relação à gleba ‘Rio das Cobras’, com Registro n. 7.997, com data de 19 de abril de 1926, do Registro de Imóveis de Guarapuava, originou-se da revalidação de concessão firmado pelo Estado do Paraná em 19 de junho de 1913; c) que a revalidação tinha por finalidade dar consequência ao preconizado pelo Imperador através do Decreto n. 10.432 de 1889, ratificada pelo Decreto n. 305/1890; d) que, posteriormente, em 07 de março de 1901, foi editado Decreto n. 3.947, com a finalidade de consolidar todas as clausulas dos decretos relativos à concessão da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande; e) que, como a primeira Constituição Federal promulgada em 24 de fevereiro de 1891 havia transferido as terras devolutas para os Estados-membros, fez-se necessário e revalidação da concessão realizada pela União, o que foi realizado pelo ato jurídico firmado em 19 de junho de 1913; f) que, em 1926, a Estrada de Ferro procedeu ao registro da propriedade junto a competente serventia da Comarca de Guarapuava, sendo que antes disso o título dominial havia sido levado a registro em 24 de junho de 1913, no Departamento do Arquivo Público da Serventia do Interior e Justiça do Estado do Paraná; g) que a propriedade sobre a denominada área rural Rio das Cobras já havia se consolidado em 1913 em favor da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, razão pela qual as legislações que se sucederam após 1913, não poderiam afetá-la ou prejudicá-la, como o Decreto-Lei n. 2.073, de 08 de março de 1940, que incorporou ao patrimônio da União as terras devolutas, as quais, anteriormente, estavam sob a jurisdição dos Estados, pois em 1940 o imóvel Rio das Cobras já não mais poderia ser considerada terra devoluta, ou mesmo a ampliação da faixa de fronteira pela Constituição Federal de 1934, de 66 km para 100 km, eis que só poderiam valer para as novas concessões, não para aquelas já perfeitamente perfectibilizadas; h) que houve autorização do Conselho Superior de Segurança Nacional sob n. 1.711 (conforme registro 1.260 da Serventia Imobiliária de Foz do Iguaçu), atendendo a exigência do art. 166 da Constituição então vigente; i) que a revalidação não ocorreu em 1944, mas sim em 19 de junho de 1913, sendo que a data de 19 de junho de 1944 refere-se ao dia em que foi realizado o registro (1.258) na serventia de Foz do Iguaçu, mas antes já existia registro; j) que a Lei Estadual n. 68/1892, que não permitia a concessão gratuita pelo Estado do PR, não tem incidência, pois a origem da transferência da gleba Rio das Cobras se situa em decretos editados pelo Imperador do Brasil e pelo Marechal Deodoro da Fonseca, atos, portanto, de outro poder, não do Estado, além de ser posterior a 1913; k) que o Imóvel Rio das Cobras situava-se, quando da concessão, além da faixa de segurança de até 10 léguas (66 km) prevista na Lei Imperial n. 601 e na Constituição Republicana de 1891; l) que o Decreto n. 19.918, de 23 de abril de 1931, que a autora alega ter declarado a caducidade de toda as concessões efetuadas à Cia Estrada de Ferro, na verdade se limita apenas às concessões para a construção da linha de Porto União à Foz do Iguaçu, do ramal das Sete Quedas e do ramal de Guarapuava a sua ligação com a Estrada de Ferro do Paraná, nada dispondo quanto à Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, que se constitui no objeto de concessão através do Decreto Imperial n. 10.432 e dos Decretos Republicanos n. 305 e 3.947; m) que concessão para a construção e exploração da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande seria diversa da concessão dominial da gleba chamada Rio das Cobras, que visava forçar, pela iniciativa privada, a ocupação e o desenvolvimento da região; n) que não procede o argumento de que o Decreto-Lei n. 2.073 de 8 de março de 1940 teria rescindido a concessão de domínio da gleba Rio das Cobras, pois este se refere apenas à concessão da estrada de ferro; o) que a concessão que deu origem ao título dominial aperfeiçoada em 1913 não versou sobre concessão de terras em área de fronteira, porque a Constituição de 1891 limitava essa faixa à uma extensão de 66 Km e a Rio das Cobras encontrava-se fora desse limite, sendo que a ampliação dessa extensão feita posteriormente não pode afetar a concessão já realizada e p) que deve prevalecer a fixação centenária da faixa de fronteira em dez léguas (aproximadamente 66 km) feita pela Lei n. 601.’
Em 05 de novembro de 2004, dando continuidade à tentativa de conciliação, as partes concordaram com o pagamento em dinheiro do valor estimado em R$ 75.000.000,00 a título de indenização pelas benfeitorias existentes no local, sendo dada plena e cabal quitação sobre os direitos envolvendo a posse e propriedade (Evento 3 – AUDIÊNCI25).
Após longa discussão sobre a liberação ou não do montante acordado em benefício da empresa ré e sua credora BRDE (admitida como assistente simples), em cumprimento de decisão proferida em agravo de instrumento, na data de 20/04/2005 foram expedidos os alvarás para levantamento dos valores (Evento 3 – ALVARA176).
Prosseguiu-se a discussão sobre a necessidade de devolução ou não do valor levantado antecipadamente.
Efetivada prova pericial, inclusive sobre madeiras irregulares apreendidas, tendo as partes discordado dos valores apurados.
Sobreveio, então, julgamento conjunto com a ação nº 5005191-35.2014.404.7005, ajuizada pela parte ré para obtenção de indenização pela terra nua e lucros cessantes.
No que se refere aos presentes autos, o dispositivo foi assim redigido(Evento 3 – SENT546):
III. 1) em relação aos os autos n. 2004.70.05.005184-9:
a) declino da competência à Subseção Judiciária de Pato Branco quanto ao julgamento do feito no que diz respeito ao imóvel denominado Fazenda Pinhal Ralo (matrícula 23.945 do Cartório de Registro de Imóveis de Laranjeiras do Sul).
Para tanto, promova a secretaria a redistribuição do feito por meio do E-PROC, ficando a cargo da parte autora, considerando o grande número de volumes dos autos e dos autos suplementares, extrair cópia dos autos e digitalizar o feito para, após a redistribuição, anexar os arquivos ao novo processo formado.
 
b) afasto as preliminares arguidas e, no mérito, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido, extinguindo o feito com resolução de mérito, nos termos no art. 269, I, do Código de Processo Civil, para o fim de declarar a nulidade da alienação do imóvel denominado Fazenda Rio das Cobras, matrículas de números 9.192, 9.176, 6.505, 6.506, do Cartório de Registro de Imóveis de Quedas do Iguaçu/PR, efetuada pela Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande à Companhia Colonizadora e Mercantil Paranaense S/A, em 03/12/1935, bem como as alienações que se sucederam inclusive a em favor da RIO DAS COBRAS FLORESTAL LTDA, bem como reconheço o domínio da União sobre tais imóveis e torno definitiva a imissão de posse já efetuada em favor do INCRA, desobrigando essa autarquia de efetuar o pagamento de quaisquer indenizações.
 
c) CONDENO a ré RIO DAS COBRAS FLORESTAL LTDA a restituir ao INCRA os valores levantados nestes autos, devidamente atualizado pelo IPCA-E desde a data do levantamento (20/04/2005 – fls. 1074 e 1076), no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de execução da caução.
 
d) CONDENO a ré RIO DAS COBRAS FLORESTAL LTDA ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), atualizáveis a partir da presente data pelo IPCA-E, considerando o valor já levantado, a complexidade da matéria, a duração da demanda, a necessidade de dilação probatória alongada, a quantidade de recursos envolvidos no feito, o zelo e a boa qualidade do trabalho do patrono da parte autora, na forma do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.
 
e) CONDENO a ré RIO DAS COBRAS FLORESTAL LTDA a restituir ao INCRA os valores por este adiantados a título de honorários ao peritos judiciais nomeados tanto para a avaliação das madeiras retiradas ilegalmente dos imóveis (fl. 1270) quanto para a avaliação das benfeitorias (fl. 2050).
 
f) Oficie-se ao Cartório de Registro de Imóveis de Laranjeiras do Sul determinando o cancelamento da averbação n. 35 da matrícula de n. 23.946, nos termos do item II.2.f. Outrossim, solicite-se cópia atualizada das matrículas 22.555 e 22.557, com toda a cadeia dominial, inclusive do imóvel de origem, para fins de verificação da regularidade da caução oferecida.’
Apela a requerida (APELAÇÃO547), cujas razões foram sintetizadas pelo representante do Ministério Público Federal, Procurador Regional da República, Dr. Carlos Eduardo Copetti Leite, nos termos que seguem:
 
‘a) Em relação a ação de nulidade dominial nº 2004.70.05.005184-9:
a.1) a decadência do direito das autoras de demandarem a nulidade dos títulos que transferiram a propriedade do imóvel Rio das Cobras, eis que não se trata de bem público e o direito da administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis decai em 5 (cinco) anos, sob pena de afronta ao princípio da segurança jurídica;
a.2) não há nulidade no título que privatizou o imóvel Rio das Cobras, tampouco na cadeia de transmissão dominial que se seguiu;
a.3) que o imóvel não encontrava em área de fronteira;
a.4) que a estrada de ferro São Paulo-Rio Grande foi construída, tendo sido inaugurada em 17/12/1910;
a.5) que o fato de a estrada não ter sido construída em sua integralidade não configura inadimplemento da obrigação assumida pela Cia. Estrada de Ferro, visto que a Cláusula 46 do Decreto n. 3.947, de 07 de março de 1901 estabeleceu que ‘a perda de privilégio, garantia de juros e mais favores de que trata a presente concessão, não será applicada ao trecho ou trechos da estrada que se acharem concluidos no fim do prazo estipulado para conclusão das obras de toda a estrada’.
a.6) que o trecho dentro do Estado do Paraná foi construído, razão pela qual as terras correspondentes ao imóvel Rio das Cobras não se encontram contaminadas pelo deficit explicitado pela sentença;
a.7) que a incorporação das terras que pertenciam a empresa Brazil Railway Company ao patrimônio da União realizada pelo Decreto-Lei n. 2.436/40 não atingiu o imóvel Rio das Cobras, que havia sido vendido para a Companhia Colonizadora e Mercantil Paranaense S.A. em 03/12/1935, conforme Registro n. 12.551 do Livro 3-G, folha 195, do Ofício de Imóveis de Guarapuava – PR);
a.8) que o Decreto-Lei n. 2.436/40 comandou a arrecadação dos bens pertencentes às empresas ali arroladas pois estas deviam à União, e não porque os bens estivessem contaminados por vício de origem, ou por nulidade dos títulos de aquisição de domínio;
a.9) que o imóvel Rio das Cobras foi entregue pelo Estado do Paraná à Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, como pagamento pela conclusão das obras do tronco principa das linhas férreas dentro daquele Estado, razão pela qual essa gleba não pode ter sido atingida pelo Decreto n. 19.917 (que se refere ao ramal de Paranapanema – de Jaguariaiva a Ourinhos), tampouco pelo Decreto n. 19918 (que se refere à linha férrea de Porto União a Foz do Iguaçu, ao ramal de Sete Quedas e ao ramal Guarapuava, bom como sua ligação com a Estrada de Ferro do Paraná, razão pela qual não se pode fundamentar a ilegitimidade dos títulos dominiais em dispositivos destes Decretos.
a.10) que a autorização n. 1711 do Conselho Nacional de Segurança que concedeu a autorização à Companhia Colonizadora e Mercantil Paranaense S.A. para vender aos Srs. José Ermínio de Moraes e Paulo Pereira Inácio parcela de terras do imóvel Rio das Cobras é a prova contundente que o imóvel não foi incorporado ao patrimônio público por nenhum dos preceitos legais editados anteriormente, reconhecendo sua legítima inserção no patrimônio privado, além de ter o efeito de convalidar eventuais ilicitude pretéritas;
a.11) que a sentença, ao afastar a posse de boa fé, ponto de convergência entre as partes, para descaracterizá-la como mera detenção, ultrapasssou os limites objetivos da lide e ao mesmo tempo transgrediu os preceitos dos artigos 128 e 460 do CPC;
a.12) da mesma forma, ao julgar improcendente o pedido de indenização aceitos pelas rés, prestou jurisdição de ofício, o que é defeso pelo artigo 2º do CPC;
a.13) alegação de domínio por parte da União Federal não é suficiente para desconstituir o título de propriedade devidamente transcrito no Registro Imobiliário competente, o que só pode ser feito através de ação anulatória do título particular de propriedade, pelo que tal alegação não impede a prescrição aquisitiva por parte de particulares, pois trata-se de imóvel particular;
a.14) a caducidade da concessão, mote para a sentença descaracterizar a posse, não ocorre de pleno direito e depende de prévio processo administrativo, assegurado o direito à ampla defesa e ao contraditório, o que não ocorreu relativamente ao imóvel Rio das Cobras ou ao trecho da ferrovia que lhe corresponde;
a.15) que a posse mantém as mesmas características com que foi adquirida (CC, artigo 1.203) e que o possuidor com justo título tem por si a presunção boa-fé (CC, art. 1.201, § ú), que assim deverá ser qualificada enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro dominial (CC, art. 1.245);
a.16) que as benfeitorias realizadas no imóvel devem ser indenizadas à apelante, as quais somavam R$ 256.181.159,08 em janeiro de 2010, conforme perícia realizada no feito, sendo que desse valor devem ser descontados os R$ 75.000.000,00 depositados em juízo pelo INCRA em 15.03.2005.’
O INCRA também apela (APELAÇÃO552) especificamente quanto à fixação dos honorários de sucumbência. Assevera que o valor arbitrado a título de honorários advocatícios não condiz com o resultado da ação, na qual reconhecida a nulidade do título de domínio, considerando o elevado grau de dificuldade da demanda. Aduz que deve ser avaliada a proporcionalidade e razoabilidade do percentual fixado, em face do proveito econômico que poderia ter sido obtido. Pretende a fixação de honorários no percentual mínimo de 1% do valor da causa, consoante o novo CPC.
Com as contrarrazões (CONTRAZ553 e CONTRAZ555) e o parecer do representante do Ministério Público Federal, Procurador Regional da República, Dr. Carlos Eduardo Copetti Leite, junto a este Tribunal, opinando pelo improvimento dos apelos (Evento 8 – PARECER1), vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator

VOTO

Atendidos os requisitos de admissibilidade, devem ser conhecidos os recursos de apelação.
Inicialmente examino as razões recursais da ré Rio das Cobras Florestal Ltda., dependendo do resultado, subsidiariamente, será examinado o recurso do INCRA, no tocante à majoração da verba honorária.
Decadência
Alega a apelante que o exercício da pretensão com o objetivo de desqualificar uma situação jurídica pré-existente não se confunde com a configuração de uma nova situação jurídica, o que levaria ao cabimento da tese de usucapião. Aduz que não devem ser admitidos os direitos e ações do Estado sem qualquer limitação no tempo, sob pena de inviabilizar a segurança jurídica, sendo que o direito da administração anular seus atos decai em cinco anos.
Ocorre que a presente ação discute acerca de bens de natureza eminentemente pública de propriedade da União, por se situarem na faixa de fronteira, com características de inalienabilidade e indisponibilidade, não sujeitas à aquisição por usucapião (Súmula nº 340 do STF, art. 200 do Decreto-lei nº 9.760/46, art. 2º do Código Civil e art. 183, § 3º da CF), não se aplicando, por consequência, nem mesmo o prazo prescricional do Decreto nº 20.910/32 ou o disposto no art. 54 da Lei 9.784/99.
Neste sentido é a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NULIDADE DE TÍTULOS E DE REGISTRO IMOBILIÁRIO. MEDIDA LIMINAR. SUSPENSIVIDADE DE QUAISQUER PAGAMENTOS DECORRENTES DE DESAPROPRIAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. A legitimidade do Ministério Público para promover Ação Civil Pública está prevista pela própria lei que a instituiu, pelo art. 81 do Código do Consumidor e pelo art. 129 da Constituição Federal. No caso, o cabimento de tal ação decorre dos riscos de o erário ser obrigado a pagar elevadas indenizações por desapropriações de terras que, finalmente, constata-se que são da propriedade da União Federal.
2. As nulidades de caráter absoluto, a teor do que dispõe o art. 146 e seu parágrafo único, do Código Civil Brasileiro, podem ser alegadas a qualquer tempo e devem ser pronunciadas pelo Juiz, quando conhecer do ato e seus efeitos, desde que devidamente provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento da parte. De mais a mais, os bens públicos são imprescritíveis.
3. A ação civil pública não visa rescindir a sentença proferida na ação desapropriatória e sim decidir sobre quem tem titularidade para levantar o preço.
4. A liminar concedida encontra respaldo no parágrafo único do art. 34 do Decreto-lei nº 3.365/41.
(Agravo de Instrumento nº 96.04.49740-5/PR, 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, relatora juíza Luíza Dias Cassales, DJ de 16/09/98, p. 393)
E também do Superior Tribunal de Justiça:
CIVIL. ALIENAÇÃO DE BEM PÚBLICO. FALTA DE AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA. PRESCRIÇÃO.
Não prescreve a ação para obter declaração de nulidade de venda de bem público, sem autorização legislativa, posto que a inalienabilidade dos bens públicos impede a sua perda e a aquisição por outrem pelo decurso de tempo.
(Recurso Especial nº 11.831/PB, 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator ministro Dias Trindade, DJ de 17/05/93, p. 9329)
 
Outrossim, o Excelso Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Cível Ordinária nº 551/PR, já se manifestou sobre a impossibilidade de se reconhecer a prescrição ou decadência da Ação Declaratória de Nulidade, conforme excerto de voto a seguir transcrito:
‘(…) Quanto a prescrição da ação declaratória de nulidade suscitada pelos réus, reconhecê-la seria em última análise permitir o direito de usucapir os imóveis públicos, o que esbarraria em vedação expressa da Constituição Federal. (Súmula 340/STF e Constituição Federal, artigos 183, § 3º e 191, parágrafo único). (…)’ (ACO 551/PR, STF, Relator Ministro Moreira Alves, DJe 27/03/2000)
Ainda que não se trate de ação de usucapião, plenamente aplicável a tese exposta, no caso concreto em julgamento.
Mérito
Quanto à questão de fundo da presente ação, a controvérsia cinge-se à (in)validade de título de propriedade outorgado pelo Estado do Paraná, em favor da Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande.
Primeiramente, necessário um breve histórico sobre o imóvel ‘Rio das Cobras’ objeto do litígio.
O imóvel Rio das Cobras decorre de uma área destacada de 63.004,000 hectares registrada sob o n. 7.997, no 1º Ofício de Guarapuava, em 14/04/1926.
Segundo constou da sentença, pelo estudo do historiador Professor Ruy Christovam Wachowicz, em 1889, pouco antes do fim da monarquia, por meio do Decreto n. 10.432, foi concedida pelo prazo de 90 anos a organização, construção, uso e gozo de uma estrada de ferro que ligasse o Estado de São Paulo ao do Rio Grande do Sul.
De acordo com o decreto inicial, seria concedida à empresa construtora da ferrovia uma faixa de 30 km para cada lado do eixo da estrada, o que, posteriormente, por conta do Decreto n. 305 de 1890, foi reduzido para 15 km.
Surgiu, assim, a companhia denominada ‘Chemins de Fer Sud Quest Brésilien‘, com capital predominantemente francês e belga, tendo sido iniciado os trabalhos.
Contudo, em 1893, o Decreto n. 1.386 ‘autorizou a transferência de todos os direitos e obrigações cedidas a Teixeira Soares para a Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, a qual então passou a ser a real concessionária das respectivas vias férreas‘.
Em 1901, por meio do Decreto n. 3.497, restou estabelecido o prazo de 50 anos a contar da concessão para utilização dos terrenos, tendo em vista que o interesse do governo era de colonizar a região. Também constou da Cláusula 46 que ‘a perda de privilégio, garantia de juros e mais favores de que trata a presente concessão, não será applicada ao trecho ou trechos da estrada que se acharem concluidos no fim do prazo estipulado para conclusão das obras de toda a estrada‘.
A partir de 1908 a Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande ‘passou a fazer parte do grande complexo econômico predominantemente norte-americano organizado em Portland, Estado do Maine, o qual se tornou conhecido no Brasil por Brazil Railway Company, que por sua vez fazia parte do poderoso grupo norte-americano denominado ‘Sindicado Farquahr”.
Após sucessivas alterações no traçado da ferrovia, em 1916, pelo Decreto n. 11.905 ‘a São Paulo – Rio Grande, ficou obrigada a construir, em território paranaense, além da linha tronco Itararé-Marcelino Ramos, já construída, os ramais a) Pôrto União-Foz do Iguaçu e sub-ramal de Sete Quedas, b) Guarapuava, c) Jaguaraiva-Ourinhos‘.
Consta que foi efetivamente construído apenas o ramal Paranapanema (Jaguaraiva-Ourinhos), sendo o Estado do Paraná obrigado a titular novas extensões de terras (nos termos da Constituição Republicana de 1891, que atribuía a propriedade das terras devolutas aos Estados, com exceção da faixa de fronteira estabelecida em 10 léguas ou 66 km, que pertencia à União).
Não sendo localizadas mais terras disponíveis no trecho compreendido pelo trajeto da ferrovia, eis que os territórios cortados pela linha férrea já eram ocupados e titulados por terceiros, o que representaria em grande ônus decorrente de desapropriações, concordou-se, assim, que a compensação fosse realizada em terras devolutas existentes em qualquer localidade do Estado do Paraná.
Nesses termos, o Estado do Paraná, entre 1911 a 1918, titulou à Cia São Paulo – Rio Grande as seguintes áreas: Legru, Iguaçu, Lageado do Leãozinho, Rio XV de Novembro, Lageado Liso, Uruguai, Rancho Grande em 1911; Rio do Engano e Periri em 1912; Rio Preto, Chapecó, Pinhão e Arroio Bonito em 1913; Rio Claro, Rio do Peixe, Serra da Esperança e Rio da Areia em 1917 e Chopim e Rio das Cobras em 1918.
A perícia apontou que o imóvel Rio das Cobras encontra-se situado a 87 km de distância da faixa de fronteira, não sendo, portanto, de domínio da União.
Prosseguindo no histórico, em 1917 foram editados os Decretos 256 e 957, com o intuito de reestruturar as concessões anteriores, incluindo a construção de um ramal que ligasse a ferrovia até Guarapuava e posteriormente a Foz do Iguaçu e Sete Quedas, ligando o oeste paranaense ao Atlântico. Então, foi assinado, em 23 de agosto de 1920, um novo contrato com a Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, sendo tituladas em favor da companhia para tanto as glebas Santa Maria, Silva Jardim, Riozinho e Missões.
Em novembro de 1920, entretanto, a Cia Estrada de Ferro comunicou ao governo que não poderia executar as obrigações assumidas e transferiu a responsabilidade à Companhia Brasileira de Viação e Comércio – BRAVIACO para construção do ramal Guarapuava, juntamente com apenas parcelas das terras tituladas em seu favor.
Na sequência, após a revolução de 1930, o interventor federal no Paraná, general Mário Tourinho, expediu os Decretos nº 300, de 30 de novembro de 1930 e nº 20, de 5 de janeiro de 1931, rescindindo o contrato de 23 de agosto de 1920 que havia sido transferido à BRAVIACO, determinando a reversão das obras para o Estado do Paraná e declarando nulos os título expedidos à Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande vinculados ao contrato celebrado.
Contudo, os decretos rescisórios foram declarados insubsistentes pelo STF na Apelação Cível n. 9.621, eis que o interventor no Estado não tinha poderes para rescindir a concessão realizada pelo Governo Federal, in verbis:
a) Pelo Decreto Imperial nº 10.432, de 7 de novembro de 1889, as áreas disputadas, pertencentes ao país, foram integradas na concessão outorgada à Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, e assim jamais entraram no domínio do Estado, como terras devolutas, consoante a atribuição do art. 64 da Constituição de 1891.
b) A tentativa de apossamento sumário, indisfarçável desrespeito ao citado Decreto Imperial e ao Decreto nº 2073 do Governo Provisório da 1ª República, foi rechaçada por este Supremo Tribunal, que declarou inoperante o Dec. nº 300 de 1930, por ser ditatorial, e suscetível de controle judicial, mesmo em face do art. 18 das Disposições Transitórias da Constituição de 1934, e decreto Interventorial nº 20, que não fora formalmente aprovado pelo Governo Federal, nos termos dos Decretos nºs. 19.398/30 e 20.348/31.
c) Se a Justiça local deu ganho de causa ao Estado do Paraná, a sua decisão não é, evidentemente, exequível contra a União, a quem os Decretos-leis 2.073 e 2.436 imputaram bens e direitos das Companhias em cujo nome os imóveis estavam registrados.
d) ‘Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional’, órgão criado para a administração das glebas descritas, tem irrecusável interesse em impedir o cancelamento dos registros, promovido pelo Estado do Paraná, a quem jamais, a nenhum título, elas pertenceram, e assim são de absoluta procedência os embargos de fls. 3 a 15, deduzidos perante o M. Juiz da Comarca de Foz do Iguaçu e remetidos a esta Corte Suprema com competência constitucional para a matéria (art. 101, nº I, letra e). (grifei)
A partir daqui entendeu o Juízo a quo que o julgamento mencionado, especificamente a letra ‘a’, contribui para a conclusão de que, embora o repasse de terras à Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande tenha sido operado pelo Estado do Paraná entre 1911 a 1920, posteriormente à promulgação da Constituição de 1891, envolvendo áreas fora do eixo da ferrovia, o Estado não poderia requerer o domínio sobre tais terras.
Ocorre que, segundo entendo, na decisão do STF acima citada, ao fazer referência ao Decreto nº 300 de 1930, relaciona-se com a transferência da obrigação à BRAVIACO, restringindo-se às áreas de terras vinculadas àquele contrato, razão porque não tem o condão de alcançar as áreas que já haviam sido transferidas ao patrimônio da Cia. Estrada de Ferro por conta do cumprimento da obrigação assumida em decorrência do Decreto Imperial nº 10.432, de 7 de novembro de 1889, relacionada à construção do eixo originário da ferrovia.
Prossegue o julgador descrevendo que, ainda em 1930, o Governo Federal decretou a ocupação da São Paulo – Rio Grande e, pelos decretos 19.917 e 19.918, ambos de 24 de abril de 1931, foi declarada a caducidade das concessões à Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande para a construção da linha férrea do ramal do Paranapanema (de Jaguariaiva a Ourinhos) e de Porto União à Foz do Iguaçu, do ramal das Sete Quedas e do ramal de Guarapuava, e sua ligação com a Estrada de Ferro do Paraná.
A Constituição Federal de 1934 ampliou a faixa de fronteira de 10 léguas (66km) para 100 km.
Em 03/12/1935, a Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande vendeu à Companhia Colonizadora e Mercantil Paranaense S/A a área em questão.
Na sequência, o Decreto-Lei n. 2.436, de 22 de julho de 1940 incorporou ao patrimônio da União todo o patrimônio da empresa Brazil Railway Company.
Resta saber se a área estava abrangida pela declaração de caducidade em 1931, se poderia ter sido vendida em 1935 e se ocorreu a incorporação do imóvel ao patrimônio da União em 1940?
Consoante exposto no relato, dentro do Estado do Paraná, foi concluída a linha tronco Itararé-Marcelino Ramos. Assim, poderia o imóvel Rio das Cobras ter sido concedido em pagamento do trecho efetivamente construído?
Segundo consta, teria ocorrido a solenidade de inauguração da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande em 17 de dezembro de 1910.
A empresa apelante defende, nesse sentido, que a área do imóvel Rio das Cobras foi titulada por conta da conclusão da obra da linha principal, não sendo relacionada com as áreas advindas de complementação, referentes à ampliação do trajeto em 1916. Logo, os decretos de caducidade nºs 19.917 e 19.918 de 1931 não teriam alcançado a área dada em pagamento pelo trecho principal da ferrovia.
Afirma que a área não foi atingida pelo Decreto-Lei n. 2.436 de 1940, que incorporou ao patrimônio da União os bens existentes em nome da Brazil Railway Company e empresas dela dependentes, consoante art. 1º:
Art. 1° Ficam incorporados ao patrimônio da União, com as ressalvas do art. 5°, os bens e direitos existentes em território  nacional, da Brazil  Railway Company e as  seguintes empresas dela dependentes: Empresa de Armazens Frigoríficos, Southern Brazil Lumber and Colonization Company, Companhia Indústrias Brasileiras de Papel, Brazil Land Cattle and Packing Company, Companhia Port of Pará, Companhia Estrada de Ferro São Paulo  Rio Grande, Southern, São Paulo Railway Company, Companhia Mogiana de  Estrada de Ferro, Sorocabana Railway Company, Companhia Estrada de Ferro Norte do Paraná, Compagnie Auxiliaire de Chemins de Fer au Brésil e Compagnie du Port de Rio Grande do Sul.
De fato, quando da edição do Decreto-Lei n. 2.436 em 1940, o imóvel já havia sido vendido pela Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande para a Companhia Colonizadora e Mercantil Paranaense S.A., mediante Escritura Pública de Compra e Venda lavrada em 22 de novembro de 1935 e registrada em 03 de dezembro de 1935 (registro nº 12.551 do Livro 3-G, folha 195, do Ofício de Imóveis de Guarapuava).
Neste aspecto, entendo que o decreto-lei em referência não alcançou o imóvel que não integrava mais o patrimônio da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande.
Veja-se que dentre a exposição dos motivos justificadores do Decreto-Lei n. 2.436 de 1940 não se encontra o inadimplemento do contrato de concessão questionado, mas sim dívidas contraídas pela empresa Brazil Railway Company, apenas vinculada à Cia. Estrada de Ferro.
Assim, não há como se atribuir efeito retroativo ao decreto-lei, o qual não deverá afetar o negócio jurídico perfeito e acabado.
Por sua vez, no que se refere à abrangência da declaração de caducidade das concessões, promovida pelos Decretos nºs 19.917 e 19.918 de 1931, observa-se que o primeiro é referente ao ramal Paranapanema (de Jaguariaiva a Ourinhos), sendo o segundo relacionado à linha férrea de Porto União à Foz do Iguaçu, do ramal das Sete Quedas e do ramal de Guarapuava, e sua ligação com a Estrada de Ferro do Paraná.
Portanto, todas as áreas abrangidas pelos Decretos nºs 19.917 e 19.918 de 1931 referem-se a  alterações no traçado da ferrovia, promovidas pelo Decreto nº 11.905 de 1916, que ampliou o trajeto inicial, consoante expressa indicação em seu texto.
Logo, segundo entendo, a caducidade declarada não abrange a área de terras concedida em pagamento pela conclusão e entrega da linha principal, originalmente prevista, sob pena de enriquecimento ilícito do Estado.
Em reforço, a Cláusula 46 do Decreto n. 3.947, de 07 de março de 1901 estabeleceu que ‘a perda de privilégio, garantia de juros e mais favores de que trata a presente concessão, não será applicada ao trecho ou trechos da estrada que se acharem concluidos no fim do prazo estipulado para conclusão das obras de toda a estrada‘.
Resta saber se o imóvel Rio das Cobras está vinculado ao pagamento da ferrovia principal, nos termos do expresso na Claúsula I do Decreto n. 10.432 de 1889:
‘E’ concedido á companhia que o Engenheiro João Teixeira Soares organisar, privilegio por 90 annos para construcção, uso e gozo de uma estrada de ferro que, partindo das margens do Itararé, na Provincia de S. Paulo, vá terminar em Santa Maria da Bocca do Monte, na Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul, em entroncamento com a linha de Porto Alegre a Uruguayana, com dous ramaes: o primeiro, separando-se da linha principal em Imbituva e passando por Guarapuava, descerá o Piquiry até á sua confluencia no rio Paraná, fornecendo dous sub-ramaes, um destinado a ligar as secções navegaveis deste ultimo rio, outro destacando-se em Guarapuava e seguindo o Iguassú até á sua foz; o segundo ramal, divergindo da linha principal nas immediações da cidade da Cruz Alta, acompanhará o Ijuhy Grande e irá terminar nas margens do Uruguay.’
Primeiramente, observa-se que o trajeto inicial já ‘passava por Guarapuava’, razão que afasta a tentativa do INCRA de relacionar o imóvel Rio das Cobras especificamente à construção do sub-ramal Guarapuava a Foz do Iguaçu, com base no atestado no documento do Evento 3 – OUT2 – fl.06, segundo grau.
Veja-se que tal atestado data de 1911, antes, portanto, da própria obrigação adicional assumida em 1916 pelo Decreto n. 11.905.
Eis o teor do Decreto 19.917:
‘O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da atribuição que lhe confere o art. 1º do decreto n. 19.398, de 11 de novembro de 1930; tendo em vista o relatório apresentado com o ofício n. 27, de 11 de abril do corrente ano, pela comissão incumbida de proceder ao exame dos atos relativos á execução dos contratos da ‘Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande’ com o Governo Federal; e
Considerando que pelo contrato celebrado ex-vi do decreto número 11.905, de 19 de janeiro de 1916, a ‘Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande’ se obrigou a concluir, no prazo de um ano, o primeiro trecho do ramal do Paranapanema, de Jaguariaiva a São José, ficando esse trecho sujeito ao regime da garantia de juros, logo que fosse entregue ao transito público (clausula 8, § 1º);
Considerando, entretanto, que a referida companhia, embora tivesse, construído e entregue ao tráfego provisório, desde 1915, esse trecho de Jaguariaiva a São José, ainda não o concluiu na conformidade das especificações aprovadas pelo Governo, faltando ainda dotá-lo de parte do material de tração e rodante;
Considerando que o decreto n. 13.312, de 4 de dezembro de 1918, fixou o dia 7 de julho de 1919 para inicio da contagem dos prazos fixados no mencionado contrato, de forma que o dito prazo de um ano para conclusão do trecho de Jaguariaiva a São José, expirou a 7 de junho de 1920; e
Considerando que, assim, a concessão desse trecho caducou, independentemente de interpelação judicial, por não se achar o mesmo concluído no fim do prazo correspondente (cláusula 50, alínea a, do citado contrato);
Considerando que, não obstante estar a ‘Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande’ obrigada a construir, independentemente de qualquer acréscimo de responsabilidade da União, o prolongamento do ramal da Paranapanema, de São José a Ourinhos, o Governo contratou com a mesma companhia, nos termos do decreto n. 12.491, de 31 de maio de 1917, a construção desse prolongamento com recursos fornecidos pelo próprio Governo;
Considerando, porem, que ficou estipulada no mesmo contrato (cláusula IV) que aquela companhia reembolsaria o Governo de todas as importâncias pagas para a construção desse prolongamento, até à terminação do prazo para início das obras a que se refere o n. 3 da clausula 7 do contrato de 24 de janeiro de 1916, entre as quais as desse prolongamento, prazo esse que expirou a 7 de junho de 1923 (decreto n. 16.029, de 30 de abril de 1923);
Considerando, entretanto, que a ‘Companhia Estrada de ferro São Paulo-Rio Grande’ não eembolsou o governo, até aquela data, de importância alguma despendida com a construção do prolongamento do ramal de Paranapanema, de São José a Ourinhos; e
Considerando que, na conformidade da cláusula V do mesmo contrato (decreto n. 12.491, de 31 de maio de 1917), ficou também estipulado que
‘Si a companhia deixar, por qualquer motivo, de reembolsar o governo, no prazo estipulado, da importância adiantada, nos ‘termos da cláusula precedente, caducará, isso facto e assim será declarado por ato do Governo, independentemente de qualquer formalidade judicial e sem que a companhia tenha direito a indenização alguma, a concessão em vigor, de todo o ramal do Paranapanema (Jaguariaiva a Ourinhos), o qual ficará pertencendo ao Governo, com todo o seu material fixo e rodante e desde logo encorporado à Estrada de terra do Paraná para todos os efeitos do contrato de arrendamento de 24 de janeiro de 1926’.
Considerando, também, que a cláusula XVII do termo de revisão autorizado pelo decreto n. 16.259, de 12 de dezembro de 1923, estipulou que, nos termos da citada cláusula V do dito contrato de construção de 1917.
‘fica todo o canal do Paranapanema (Jaguariaiva a Ourinhos) com todo o seu material fixo e rodante, encorporado à Estrada de ferro do Paraná’
para todos os efeitos do contrato de arrendamento desta;
Considerando, todavia, que na cláusula XIX do mesmo termo de revisão foi concedida a ‘Companhia Estrada (de Ferro São Paulo-Rio Grande’ a faculdade de fazer cessar essa incorporação, voltando o ramal do Paranapanema ao regime do contrato de 24 de janeiro de 1916, desde que seja concluído o reembolso ao governo das importâncias por este despendidas na construção do mesmo ramal e indenizado o governo de todas as despesas consequentes da incorporação;
Considerando, porem, que a clausula V do mesmo termo de revisão estabeleceu uma nova taxa adicional sobre as passagens e fretes, destinada ao pagamento das despesas com a conclusão dos trabalhos de construção do ramal do Paranapanema até Ourinhos, e, sucessivamente, a reembolsar, a União das importâncias por esta gastas naquela construção até a data desse termo de revisão;
Considerando, assim, que o Governo seria reembolsado com o próprio produto daquela taxa adicional, das despesas feitas em a construção do ramal do Paranapanema, de forma que, concluído esse reembolso, a companhia tinha a faculdade de fazer cessar a encorporação desse ramal, sem despender importância alguma.
Considerando, porem, que essa faculdade de reembolso pela companhia havia ficado extinta em 7 de junho de 1923, quando a expiração do prazo a que se refere o n. 3 da cláusula 7 do contrato de 24 de janeiro do 1916, operou a incorporação do ramal do Paranapanema a Estrada de Ferro do Paraná (cláusula V do citado contrato de 1917), e, por conseguinte, ao patrimônio da União;
Considerando que a alienação dos bens imóveis do Estado só poderá ser feita mediante autorização em lei de orçamento ou em lei especial (art. 768 do Código de Contabilidade, aprovado pela lei n. 4.632, de 6 de janeiro de 1923, art. 162);
Considerado, assim, que não era lícito ao Poder Executivo restabelecer, na revisão de contrato feita nos termos do decreto n. 16.259, de 12 de dezembro de 1928, aquela faculdade de desincorporarão de um ramal que já pertencia à União desde 7 de junho daquele ano, – salvo autorização legislativa expressa, o que não houve, visto como a referida revisão só fundou no n. XLVII do art. 97 da lei n. 4.632, de 6 de janeiro de 1923, que não autorizou o Executivo a assim dispor desse bem patrimonial da União;
Considerando, portanto, que é nula de pleno direito a cláusula XIX do termo de revisão autorizado pelo decreto n. 16.259, de 12 de dezembro de 1923, que visava alienar do patrimônio da União uma linha férrea que já se achava a ele encorporada, por força do próprio contrato anterior, e com cuja construção a União despendera, até entre, a importância de 8.418:491$171, tendo sido despendidos, até 31 de dezembro de 1930, mais 13.877:593$632, por conta do produto da taxa adicional de 40% sobre as tarifas, e nada, tendo despendido a ‘Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande’, à qual couberam, entretanto, os lucros da empreitada da construção;
Considerando que da aplicação dessa cláusula nula, combina da com a cláusula V do mesmo termo de revisão, resultaria a possibilidade da entrega do ramal do Paranapanema á ‘Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, sem que esta sequer reembolsasse a União das despesas feitas com a sua construção, de vez que esse reembolso seria feito com o produto da arrecadação da citada taxa adicional;
Considerando que a condição resolutiva expressa, contida na cláusula V do referido contrato autorizado pelo decreto n. 12.491, da 31 de maio de 1917, operou de pleno direito (parágrafo único do art; 119 do Código Civil), independentemente de ato do Governo declarando haver a concessão caducada, – declaração essa que só vale como tal e não como decretação, nada mais significando que a simples menção de um fato preexistente, já consumado, cuja determinante não está na vontade do Poder Público e sim na da outra parte contratante, que pela sua omissão, infringente das obrigações contratuais, deu causa e eleito à condição resolutiva expressa; mas,
Considerando que essa declaração e oportuna e convincente para orientação das autoridades e funcionários que teem de fiscalizar e aplicar os contratos de concessão, de forma a evitar interpretações capciosas o imprimir unidade; a ação que se desenvolve através dos vários órgãos da administração pública:
Resolve declarar a caducidade da concessão à companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande’ do ramal do Paranapanema (de Jaguariaiva a Ourinhos), de acordo com a condição resolutiva contida na cláusula V do contrato celebrado ex-vi do decreto n. 42.491, de 34 de maio de 1917, a qual operou de pleno direito em 7 de junho de 1923, pela inadiplemento da obrigação estipulada na cláusula IV do mesmo contrato, ficando esse ramal encorporado, definitivamente, à Estrada de Ferro do Paraná, na conformidade da mencionada Cláusula V.
Rio de Janeiro, 24 de abril de 1931, 110º da Independência e 43º da República.
GETÚLIO VARGAS
José Americo de Almeida’
Eis o teor do Decreto 19.918:
‘O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da atribuição que lhe confere o art. 1º do decreto n. 19.398, de 11 de ovembro de 1930; tendo em vista a relatório apresentado com o oficio n. 27, de 11 de abril do corrente ano, pela comissão incumbida de proceder ao exame dos atos relativos á execução dos contratos da ‘Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande’, com o Governo Federal; e de acordo com o estipulado na cláusula 50 do contrato de consolidação celebrado ex-vi do decreto n. 11.905, de 19 de janeiro de 1916; bem como;
Considerando que a ‘Companhia Estrada de Ferro São Paulo Rio Grande’ se obrigou a construir as seguintes linhas e ramais:
a) de Porto União à Foz do Iguassú e ramal das Sete Quedas;
b) ramal de Guarapuava e sua ligação com a Estrada de Ferro de Paraná; cujos trabalhos de construção deveria iniciar dentro do prazo de três (3) anos alíneas a e b, § 2º, da cláusula 8 do citado contrato;
Considerando que a última prorrogação desse prazo expirou em 7 de junho de 1923 (decreto n. 16.029, de 30 de abril de 1923), sem que, houvessem sido iniciados os trabalhos de construção, tendo assim caducado, independentemente de interpelação judicial, as concessões dessas linhas e ramais, na conformidade da alínea b da cláusula 30 do referido contrato; e
Considerando que, embora essa condição resolutiva expressa haja operado de pleno direito (Código Civil, art. 119, parágrafo único), independentemente de ato do Governo, declarando terem caducado as concessões, essa declaração é oportuna e conveniente para orientação das autoridades e funcionários que teem de fiscalizar e aplicar os contratos de concessão, de forma a evitar interpretações capciosas e imprimir unidade à ação que se desenvolve através dos vários órgãos da administração pública:
Resolve declarar a caducidade das concessões à ‘Companhia Estradas do Ferro São Paulo – Rio Grande’ para a construção da linha férrea de Porto União à Foz do Iguassú, do ramal das Sete Quedas e do ramal de Guarapuava e sua ligação com a Estrada de Ferro do Paraná, de acordo com a condição resolutiva contida na cláusula 50, alínea b, do contrato de 24 de janeiro de 1916, autorizado pelo decreto n. 11.905, de 19 de janeiro de 1916, a qual operou de pleno direito, em 7 de junho do 1923, pelo inadimplemento da obrigação estipulada no § 2º da cláusula 8º do mesmo contrato.
Rio de Janeiro, 24 de abril de 1931, 110º da Independência e 43º da República.
Getulio Vargas
José Américo de Almeida.’
Diante do transcrito não devem remanescer dúvidas que ambos os decretos de caducidade restringem-se apenas sobre as obrigações adicionais decorrentes do Decreto n. 11.905 de 1916, não se relacionando com a obrigação principal relacionada ao Decreto Imperial n. 10.432 de 1889.
No que se refere ao Termo de Audiência para início dos trabalhos de medição, no qual constou a confecção de estudos sobre a linha entre União da Vitória e Foz do Iguaçu, observa-se que o decreto de caducidade referiu-se  à linha férrea de Porto União à Foz do Iguaçu. No caso os municípios são diversos, eis que o Município de União da Vitória fica localizado no Estado do Paraná, sendo o Município de Porto União pertencente ao Estado de Santa Catarina. Não se extrai, assim, a ligação da área com a construção do sub-ramal Guarapuava-Foz do Iguaçu, como indicou o INCRA na petição do Evento 3, segundo grau.
No mais, a menção sobre a realização de estudos de um ramal ligando União da Vitória e Foz do Iguaçu, não tem o condão de alterar a conclusão exposta. Até mesmo porque constou do documento que o imóvel Rio das Cobras encontra-se localizado no Município de Guarapuava, no qual já havia previsão da localização da ferrovia principal, desde 1889.
Quanto às linhas complementares estabeleceu o Decreto n. 11.905/1916 uma série de privilégios e garantias, dentre as quais a cessão gratuita de novos terrenos devolutos compreendidos na zona máxima de 15 km para cada lado das linhas, não excedente à média de 9 km.
Ocorre que antes da edição do Decreto n. 11.905 de 1916 já havia indicativos de que a área em questão (imóvel Rio das Cobras) estava expressamente vinculada ao trajeto principal, tendo sido oferecida em pagamento nos termos do Decreto n. 10.432 de 1889.
É o que se extrai do teor do Título de Revalidação de Concessão nº 13 de 1913 (Evento 3 – OUT2, segundo grau):
‘Faz saber que, gozando a Companhia de Estrada de Ferro S. Paulo-Rio Grande de cessão gratuita  de terrenos devolutos e nacionais  e bem assim dos   comprehendidos nas sesmarias e  posses, nos termos  e para os fins dos  Decretos números 10.432,  de 9 de Novembro de 1889, 305 de 7  de Abril de 1890 e 3.947 de 7 de Março de  1901, fez medir e demarcar uma área contendo seiscentos e trinta milhões e quarenta mil metros quadrados, no lugar denominado Rio das Cobras, municipio de Guarapuava; pelo que, provando  ter observado as Leis e Regulamentos em vigor e effectuando  todos os pagamentos  devidos, fica a mesma Companhia, pelo presente titulo de revalidação  de concessão, investida dos direitos, que lhe conferem  os citados Decretos, sobre  as terras comprehendidas na área medida, salvo as  restricções delles constantes  e o direito  de terceiros. E, para finneza, manda passar o presente titulo de  revalidação de concessão, que vai devidamente sellado.’
Veja-se que, segundo os documentos anexados ao Evento 3 – OUT2, segundo grau, o trabalho de medição iniciou-se ainda no ano de 1911, consoante requerimento encaminhado.
Nos termos destes novos documentos anexados, observa-se que a área Rio das Cobras atendia os requisitos expressos no decreto imperial, estando situada dentro da zona de 15 km do trajeto da ferrovia (fl. 06).
Assim, independentemente da natureza jurídica do Título de Revalidação de Concessão nº 13, desde 1913, antes, portanto, da ampliação do trajeto acordada em 1916, o imóvel Rio das Cobras já estava atrelado à construção da linha principal, decorrente do título de domínio conferido pelas disposições dos Decretos nº 10.432 de 1889 e nº 305 de 1901, em favor da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande.
Diante do exposto, não tendo a área sido atingida pelos decretos de caducidade nºs 19.917 e 19.918 de 1931, não sendo atribuído efeito retroativo ao decreto-lei de incorporação de bens nº  2.436 de 1940, foi legítima a alienação realizada à Companhia Colonizadora e Mercantil Paranaense S.A. em 1935, porquanto havia a obrigação legal de utilização dos bens no prazo limite de 50 anos a contar da edição do Decreto n. 10.432/1889, consoante Decreto n. 3.947/1901. Além do mais, o prazo de 50 anos expirou em 1939, antes da edição do Decreto-Lei n. 2.436/1940, o qual somente incorporou ao patrimônio da União os imóveis que ainda pertenciam à Cia Estrada de Ferro, não alcançando o imóvel Rio das Cobras alienado em 1935.
Ressalta-se que não havia necessidade de cumprimento do requisito expresso no art. 130 da Constituição de 1934 (autorização do Senado Federal), eis que em 1934 o imóvel já era patrimônio privado, na medida em que transferido à Cia. Estrada de Ferro, sendo que o dispositivo questionado somente incide sobre áreas públicas, o que não era mais o caso.
Pelos mesmos fundamentos, dispensada a audiência do Conselho Superior de Segurança Nacional.
A controvérsia aqui instalada já restou examinada nesta Corte, quando declarada a nulidade dos registros imobiliário originários do ‘Imóvel Chopinzinho’, o qual, diferentemente do imóvel Rio das Cobras, foi dado em pagamento complementar pelo Estado do Paraná (TRF4, AC 5056165-28.2013.404.7000, TERCEIRA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, juntado aos autos em 13/11/2014), in verbis:
‘A origem da formação territorial do Oeste do Estado do Paraná remonta à concessão feita pelo Império de grandes extensões de terras a empresas construtoras de ferrovias, como forma de remuneração do trabalho realizado. Assim, por meio do Decreto nº 10.432, de 9 de novembro de 1889, já nos dias finais do Império, D. Pedro II concedeu ao engenheiro João Teixeira Soares uma área de terras devolutas equivalente a 9 km de cada lado da margem da linha da estrada de ferro que deveria construir entre os Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul, além de dois ramais. O governo provisório da República, posteriormente, manteve essas concessões e, por diversas sucessões, os direitos e obrigações constantes deste decreto foram subrrogados à Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, por meio de Decreto nº 1.386, de 6 de maio de 1893.
Nessa época, as terras devolutas, segundo o art. 64 da Constituição Federal de 1891, pertenciam aos Estados, de modo que a concessão feita pelo Império e, posteriormente, pela União, só foi possível, porque o Estado do Paraná havia assumido compromissos contratuais com a União para a transferência dessas grandes extensões de terras. Ocorre que seria impossível ao Paraná honrar esse compromisso, pois os territórios cortados pela linha ferroviária já eram ocupados e titulados a terceiros, o que lhe traria o imenso ônus de promover a desapropriação de grandes áreas. Assim, o Paraná negociou a entrega de terras fora do eixo da ferrovia, titulando em favor da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande as áreas denominadas Chopim; Rio D’Areia; Rio das Cobras; Iguaçu e Serra da Esperança.
Após a conclusão das obras das linhas férreas, instaurou-se controvérsia entre a companhia e o Estado do Paraná acerca da suficiência das terras tituladas em favor da companhia. No entanto, foi reconhecido, pelo Estado do Paraná, o direito da companhia a uma complementação de 2.100.000 hectares, titulando em seu favor as glebas Andrada, Chopinzinho, Pinhão e Arroio Bonito.
Em resumo, é importante destacar que a área aqui discutida está inserida no perímetro da gleba Chopinzinho e que esta área está vinculada ao contrato celebrado para construção da estrada de ferro que ligava os Estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul. A gleba Chopinzinho corresponde a uma parte da complementação devida à companhia, em face da insuficiência da primeira titulação feita pelo Estado do Paraná. Portanto, esta linha restou quitada com a entrega das glebas Chopim; Rio D’Areia; Rio das Cobras; Iguaçu e Serra da Esperança, em um primeiro momento, e das glebas Andrada, Chopinzinho, Pinhão e Arroio Bonito, a título de complementação.
Em 23 de agosto de 1920, o Estado do Paraná celebrou novo contrato com a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande para construção de um ramal que ligasse Guarapuava a Foz do Iguaçu. Para tanto, foram tituladas em favor da companhia as glebas Missões, Riozinho, Santa Maria e Silva Jardim. Posteriormente, a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande transferiu à BRAVIACO a concessão da construção do ramal Guarapuava-Foz do Iguaçu, juntamente com as terras entregues pelo Estado do Paraná como pagamento das obras – à exceção da gleba Missões e outras -, além daquelas glebas tituladas a título de complementação do pagamento (Andrada, Chopinzinho, Pinhão e Arroio Bonito).
No entanto, com a vitória da Revolução de 1930, assumiu, no Paraná, o interventor general Mário Tourinho que deu início a estudos sobre a regularidade das concessões de terras, concluindo que a BRAVIACO não vinha cumprindo o contrato assumido. Com isso, expediu os Decretos nº 300, de 30 de novembro de 1930 e 20, de 5 de janeiro de 1931, rescindindo o contrato de 23 de agosto de 1920 que havia sido transferido à BRAVIACO, determinando a reversão das obras para o Estado do Paraná e declarando nulos os título expedidos à Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande vinculados ao contrato celebrado. O interventor pagou caro pelas medidas tomadas contra o grande capital, pois foi demitido pelo presidente Getúlio Vargas.
A gleba Chopinzinho, com isso, passava ao domínio do Estado do Paraná, pois havia sido entregue à BRAVIACO em pagamento da construção do ramal Guarapuava-Foz do Iguaçu.
É evidente que a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande recorreu ao Poder Judiciário contra essa medida, surgindo daí uma séria controvérsia dominial.
Aliado a isso, por meio dos Decretos-leis nº 2.073, de 8 de março de 1940 e 2.436, de 22 de julho de 1940, a União determinou a incorporação dos bens da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande ao seu patrimônio, louvando-se em ‘imperativos morais e econômicos do Estado’. Iria Zanoni Gomes destaca que ‘da avaliação feita pelo Governo da União acerca dos negócios da companhia e que resultou no Decreto-Lei nº 2.073, concluiu o Governo que, por um lado, o patrimônio dessa empresa se formara com receitas e lucros sonegados dos cofres públicos e, por outro, essa empresa devia ainda ao Patrimônio Nacional, importância superior a três milhões de libras que recebera a título de adiantamento para ser deduzida de sua receita bruta, a que ela, não obstante expressa convenção, jamais cumprira. (…) A incorporação, portanto, significou uma desapropriação em pagamento, utilizada pelo Governo para a defesa do decoro e do erário públicos’ (1957: A revolta dos posseiros. 2. ed., Edições Criar, p. 32-33).
Para administrar os bens incorporados, a União criou a SEIPN – Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional.
Esses fatos conduziram a uma disputa judicial entre a União e o Estado do Paraná, com acompanhamento atento da Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, todos eles reclamando o domínio sobre essas áreas. A solução dessa demanda foi efetivada pelo Supremo Tribunal Federal na Apelação Cível nº 9.621/PR.
Como ressalta Maria Cristina Colnaghi, ‘com a incorporação, a disputa sobre a posse das Glebas Missões e Chopim, entre outras, passou a se desenvolver entre a União e o Estado do Paraná. Este, além de basear-se em sentença favorável ao cancelamento dos títulos da referida companhia, defendia a determinação constitucional que dava aos Estados o domínio das terras devolutas. Aquela, defendia que tendo as terras pertencido à Companhia São Paulo-Rio Grande foram automaticamente incorporadas ao Patrimônio Nacional. Além do que, defendia que as terras a que esses títulos referiam-se não se incluíam entre as integradas ao domínio do Estado do Paraná por força da Constituição de 1981, porque a essa época não eram mais devolutas, visto que já haviam sido cedidas por ato imperial, confirmado pelo Governo Provisório da República, através do Decreto n. 305, de 7 de abril de 1890’ (Colonos e poder: a luta pela terra no Sudoeste do Paraná, dissertação de mestrado, Curitiba, 1994, p. 48-49).
Assim, na Apelação Cível nº 9.621/PR, estava em disputa a validade de decretos expedidos pelo interventor federal no Estado do Paraná que rescindiu contratos feitos com a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, bem como a posterior transferência à Companhia Brasileira de Viação e Comércio (BRAVIACO), com o consequente cancelamento das transcrições dos títulos de domínio de terras outorgados àquelas companhias. Como se vê, tratava-se, na origem, de uma demanda entre a BRAVIACO e o Estado do Paraná, na qual o Tribunal de Justiça do Paraná havia decidido em favor do Estado. Tendo em vista que a União Federal e a Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional não haviam participado da lide, houve a interposição de embargos de terceiro, tendo o Juízo de primeiro grau reconhecido sua incompetência, por se tratar de demanda entre dois entes políticos (União e Estado do Paraná), e remetido os autos ao Supremo Tribunal Federal que aceitou sua competência, recebendo a ação civil originária como embargos de terceiro.
Neste julgamento, o Supremo Tribunal Federal decidiu:
a) Pelo Decreto Imperial nº 10.432, de 7 de novembro de 1889, as áreas disputadas, pertencentes ao país, foram integradas na concessão outorgada à Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, e assim jamais entraram no domínio do Estado, como terras devolutas, consoante a atribuição do art. 64 da Constituição de 1891.
b) A tentativa de apossamento sumário, indisfarçável desrespeito ao citado Decreto Imperial e ao Decreto nº 2073 do Governo Provisório da 1ª República, foi rechaçada por este Supremo Tribunal, que declarou inoperante o Dec. nº 300 de 1930, por ser ditatorial, e suscetível de controle judicial, mesmo em face do art. 18 das Disposições Transitórias da Constituição de 1934, e decreto Interventorial nº 20, que não fora formalmente aprovado pelo Governo Federal, nos termos dos Decretos nºs. 19.398/30 e 20.348/31.
c) Se a Justiça local deu ganho de causa ao Estado do Paraná, a sua decisão não é, evidentemente, exequível contra a União, a quem os Decretos-leis 2.073 e 2.436 imputaram bens e direitos das Companhias em cujo nome os imóveis estavam registrados.
d) ‘Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional’, órgão criado para a administração das glebas descritas, tem irrecusável interesse em impedir o cancelamento dos registros, promovido pelo Estado do Paraná, a quem jamais, a nenhum título, elas pertenceram, e assim são de absoluta procedência os embargos de fls. 3 a 15, deduzidos perante o M. Juiz da Comarca de Foz do Iguaçu e remetidos a esta Corte Suprema com competência constitucional para a matéria (art. 101, nº I, letra e).
Portanto, chamado a se manifestar, o Supremo Tribunal Federal decidiu que as áreas integradas na concessão que o Governo Imperial fizera à Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, pelo Decreto nº 10.432/1889 jamais entraram no domínio do Estado do Paraná e foram, posteriormente, legitimamente incorporadas ao patrimônio nacional.
A BRAVIACO, como se pode concluir, foi derrotada duas vezes: no Juízo Estadual, quando foi reconhecida a validade dos decretos expedidos pelo interventor general Mário Tourinho; e no Supremo Tribunal Federal, quando a Superintendência das Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional foi vencedora contra o Estado do Paraná, assegurando-se a incorporação determinada pelos Decretos-leis nº 2.073, de 8 de março de 1940 e 2.436, de 22 de julho de 1940. Como consequência, não tem validade a cadeia dominial oriunda de título transmitido pela BRAVIACO.’
Como se viu, não se trata de imóvel transferido à BRAVIACO, eis que relacionado com a construção da ferrovia principal, a qual foi concluída pela Cia Estrada de Ferro, bem como não fazia mais parte de seu patrimônio quando do decreto de incorporação.
Alegam os apelantes, ainda, que teria ocorrido a ratificação de domínio pelo Conselho Nacional de Segurança através da Autorização nº 1711 de 1944, a indicar que o imóvel não foi incorporado ao patrimônio público federal.
Segundo consta referida autorização foi concedida à Companhia Colonizadora e Mercantil Paranaense S.A. para venda de 52.688 hectares de terra do imóvel Rio das Cobras.
De fato, inexiste dúvidas de que ao examinar o pedido de autorização de venda o Conselho Nacional de Segurança exerceu a conferência da cadeia sucessória, representando a autorização concedida em convalidação de eventuais vícios que ainda persistiam sobre a área.
Reconhecida a propriedade da área em favor da empresa Rio das Cobras Florestal, improcedente o pedido do INCRA de anulação do título de domínio, prossegue-se com o exame da indenização pela benfeitorias úteis e necessárias, nestes autos.
Direito de Indenização
Os pontos controvertidos apontados pelo INCRA ao Evento 3 – PET538 – não tem influência para o resultado da presente ação, porquanto referentes a parcela insignificante frente ao total reclamado, podendo a lide ser desde logo julgada no estado em que se encontra, sem necessidade de complementação da perícia.
Ademais, a manifestação do MPF do Evento 3 – PROMOÇÃO496 – expressamente consignou a desnecessidade de nova remessa dos autos aos peritos, porquanto superáveis as inconformidades existentes.
O presente processo está devidamente instruído com a prova pericial e três laudos complementares, além dos laudos elaborados pela equipe técnica do MPF e os pareceres do INCRA, fornecendo elementos suficientes para o julgamento da lide no estado em que se encontra, no que tange à definição do quantum devido.
Segundo constou da origem, nos autos n. 2004.70.05.005184-9 a RIO DAS COBRAS FLORESTAL LTDA pleiteia a indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias, e, nos autos n. 500519135.2014.404.7005, requer a indenização pela terra nua, pela mata nativa, pelas benfeitorias não indenizadas no âmbito da ação declaratória de nulidade, pela depreciação monetária e juros dos valores pagos como indenização do reflorestamento, das estradas e da infra-estrutura do complexo agrícola, pelos lucros cessantes pela privação do uso das áreas agrícolas e pelos viveiros florestais.
Portanto, o exame nestes autos restringe-se às benfeitorias úteis e necessárias. A avaliação da terra nua, das florestas nativas, dos lucros cessantes decorrentes da exploração de lavouras e da comercialização de sementes, serão objeto de avaliação nos autos do processo nº 500519135.2014.404.7005.
Deverá ser excluído do exame, ainda, as benfeitorias existentes no imóvel Pinhal Ralo, ante o reconhecimento da incompetência territorial do juízo para exame da questão, ponto não recorrido pelas partes, mantendo-se a sentença, in verbis:
II.1.3. Da incompetência deste juízo para decidir acerca do domínio do imóvel denominado ‘Pinhal Ralo’ discutida nos autos n. 2004.70.05.005184-9 e da indenização sobre essa área discutida nos autos 5005191-35.2014.404.7005.
 
Nos casos em análise, o imóvel denominado ‘Fazenda Pinhal Ralo’, objeto da matrícula n. 23.945, situa-se no município de Rio Bonito do Iguaçu (fl. 44 do laudo pericial acostado aos autos suplementares).
 
As ações que discutem posse e propriedade sobre imóveis possuem natureza de direito real. Assim sendo, para fins de fixação da competência judicial para processar e julgar a causa, aplica-se o disposto no art. 95, do Código de Processo Civil, verbis:
 
‘Art 95. Nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa. Pode o autor, entretanto, optar pelo foro do domicílio ou de eleição, não recaindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova’.
 
Segundo a doutrina e a jurisprudência predominantes, a regra prevista no art. 95 do CPC estabelece a competência absoluta do juízo para processar e julgar a causa, razão pela qual pode e deve ser apreciada ex officio, mesmo que as partes não hajam cogitado o tema, porque não se lhe aplica o teor da Súmula nº 37 do STJ, que apenas abrange as hipóteses de competência territorial relativa(‘Súmula 33 do STJ: A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício’).
 
A Fazenda Pinhal Ralo está sediada em Rio Bonito do Iguaçu, município que integra a Subseção Judiciária de Pato Branco/PR, motivo pelo qual declino da competência à essa subseção para julgamento de ambos os autos no que toca a tal área.
 
Resta apurar, assim, o valor das benfeitorias úteis e necessárias do imóvel Rio das Cobras, de acordo com a prova dos autos, incluindo-se aqui a indenização do reflorestamento.
Inicialmente, observo que restou estabelecido no decorrer da ação os pontos controvertidos do litígio, dentre os quais não se encontrava a posse de boa-fé e o dever de indenizar as benfeitorias.
Ainda no início do feito, para fins de imissão na posse, pelo INCRA foi ofertado o valor de R$ 75.000.000,00 (Evento 3 – AUDIÊNCIA25), referente à indenização das benfeitorias, de acordo com laudo da FUPEF (que apurou o total de R$ 77.613.461,48, alternativa 4, referente aos imóveis Rio das Cobras e Pinhal Ralo). O acordo proposto não foi homologado ante a discordância do MPF, tendo o Juízo entendido pela necessidade de realização de prova pericial, decisão questionada por meio de agravo de instrumento.
Diante da não homologação do acordo, considerando que o Ministério Público Federal atuou fortemente na lide para demonstrar a excessividade do valor proposto, em defesa do interesse público, registra-se que nada impede a revisão dos valores, sob o crivo do contraditório judicial, ainda que as partes tenham considerado o montante incontroverso à época.
Ademais, o levantamento realizado pela FUPEF em 2004 levou em conta apenas a Matrícula 9.192, enquanto a prova pericial de 2010 contemplou as matrículas 9.192, 9.176, 6.505 e 6.506. O imóvel de matrícula 23.945 refere-se à fazenda Pinhal Ralo, devendo ser excluído das considerações realizadas para fins de quantificação da indenização.
O laudo elaborado pelo INCRA em conjunto com a FUPEF indica que o imóvel Rio das Cobras é composto por 4 matrículas localizadas no Município de Quedas do Iguaçu, no Estado do Paraná (Evento 3 – ANEXO569, fl. 20):
– Mat. 9.176 com área registrada de 1.388,4 hectares e área medida de 1.424,78 hectares;
– Mat. 6.505 com área registrada de 1.415,0 hectares e área medida de 1.455,26 hectares;
– Mat. 6.506 com área registrada de 4.233,40 hectares e área medida de 4.241,17 hectares;
– Mat. 9.192 com área registrada de 13.961,08 hectares e área medida de 16.611,96 hectares;
Desta forma, possui uma área registrada de 20.997,8826 hectares e uma área medida de 23.733,18 hectares, existindo uma diferença de 2.735,3 hectares.
No que se refere à área medida constatada, desde já, importa registrar que a empresa ré não faz jus à área não constante dos registros públicos, isso porque não se pode conceder a propriedade da parte não registrada em seu nome, o que deveria ter sido objeto de ação própria para reivindicar tal área, eis que a propriedade somente prova-se mediante registro, não se mostrando viável o pagamento de qualquer indenização por área não registrada, apenas medida.
Nota-se que a Norma de Execução INCRA/DT/Nº 52, de 25 de outubro de 2006, disciplina que, havendo divergência entre a área registrada e a área medida, para fins de avaliação da terra nua, será sempre considerada a menor. Tal procedimento mostra-se adequado e justo, não devendo ser indenizado o que é decorrente de apropriação indevida, como excedente de matrícula ou sobra de terra que não tenha sido destacada legalmente do poder público, em especial quando localizada na faixa de fronteira, como no caso.
Constatou-se pela perícia (Evento 3 – AUTO1, fl. 10, processo 5005191-35.2014.4.04.7005): 4.144,62 ha de culturas permanentes (incluindo todas as matrículas), dos quais 152,03 ha de eucalipto, 2.147,17 pinus, 1.775,69 araucária e 72,73 experimento. Apenas a área da matrícula 9.192 atinge o total de 4.024,4879 ha. A área das matrículas 9.176, 6.505 e 6.506 juntas alcança apenas 123,1650 ha (32,8636 de pinus e 90,3014 de eucaplyptus).
O perito estimou os valores apenas para as matrículas 9.176, 6.505 e 6.506 em R$ 234.281,39 (eucaplyptus) e R$ 758.057,04 (pinus). Total de R$ 992.338,43, considerando a comercialização à época da imissão na posse (QUESITO 16).
Observa-se, ainda, com relação ao imóvel Rio das Cobras a constatação de 3.831,8254 hectares incluídos em áreas de preservação permanente, 4.488,3716 ha de reserva legal e 3.625,939 ha de área com remanescente florestal (de acordo com a perícia), que não possuem valor comercial, ante a necessidade de proteção ambiental. Total 11.946,136 ha.
Consigna-se que, ainda em 1997, o IBAMA indeferiu novo plano de manejo florestal porque a empresa já havia explorado exaustivamete a área.
As benfeitorias não reprodutivas e reprodutivas estão elencadas ao Evento 3 – ANEXO572, fls. 90/137, avaliação que foi contemporânea à época dos fatos.
Consta a identificação de 52 itens de benfeitorias não reprodutíveis avaliadas em R$ 3.567.377,46 e R$ 939,60 de benfeitorias reprodutivas (Evento 3 – ANEXO570, fl. 11/12). Registra-se que o INCRA concorda com estes valores, consoante parecer do Evento 3 – OUT506, fl. 11.
No laudo da FUPEF foram elaboradas 4 alternativas para avaliação do reflorestamento, tendo a FUPEF considerado a Alternativa 4 mais apropriada tecnicamente para obtenção dos ativos florestais porque considera as projeções volumétricas na idade de rotação e nos preços atuais da madeira, com total de R$ 73.630.690,06 (sendo R$ 3.567.377,46 para benfeitorias não reprodutivas; R$ 939,60 para cultura permanente; R$ 70.062.373,00 para o reflorestamento), apenas referente ao imóvel Rio das Cobras (Evento 3 – ANEXO570, fl. 11/12). O laudo encontra-se no ANEXO570, fls. 24/103.
O INCRA, por sua vez, considerou correta a Alternativa 1, com total de R$ 43.251.935,06 (sendo R$ 3.567.377,46 para benfeitorias não reprodutivas; R$ 939,60 para cultura permanente; R$ 39.683.618,00 para o reflorestamento), resultado que considera os resultados do inventário florestal e os preços históricos da madeira corrigidos pelo IGPM.
As diferenças das alternativas resumem-se à época das árvores em pé, considerando a idade das madeiras e os preços históricos x atual.
As alternativas 3 e 4 levam em conta o prognose da produção de madeira roliça em pé ao longo da rotação inteira (20 anos para pinus e 25 para araucária). Ou seja, fazem uma projeção futura do custo do reflorestamento caso fosse vendido no final da rotação, considerando o lucro máximo e descontando os custos com a manutenção. Enquanto as alternativas 1 e 2 consideram os preços da época da imissão na posse.
Veja-se que o valor da terra nua já leva em conta a existência de reflorestamento, motivo porque projetar o crescimento das mudas plantadas, representaria em enriquecimento ilícito.
O perito apontou que a área de reflorestamento atinge 4.147,6529 no imóvel Rio das Cobras. (Evento 3 – AUTO1, fl. 10, dos autos do processo 5005191-35.2014.4.04.7005).
No que se refere ao total qualiquantitativo de cada espécie de madeira, diante de diferenças apuradas entre o laudo da FUPEF, o inventário de 2009 e a perícia, os peritos consignaram que os volumes projetados levaram em conta um bom manejo dos reflorestamentos, o que de fato não ocorreu, ante a ocupação pelo MST que não se utilizou das práticas adequadas para exploração da madeira, fator determinante para a diferença apurada em 2009.
Também a declividade não foi considerada um fator que difilcutasse a colheita da madeira, eis que os povoamentos florestais não estavam incluídos em tais áreas.
No que se refere ao reflorestamento, persiste nos autos a discussão sobre o reflorestamento ser espécie de benfeitoria ou ‘frutos pendentes’, consoante disciplina do art. 1.214 do Código Civil. Caso considerados frutos pendentes deveria ser pago apenas os custos de implantação e manutenção, indenizando-se as plantas pelo atual estado de rotação, não podendo ser calculado o valor das plantações com base na prognose futura, pois se estaria indenizando todo o lucro possível da empresa, como espécie de lucros cessantes, o que não se mostra viável.
Consoante estabelece o art. 1.214, § único, do Código Civil, a indenização dos frutos pendentes deve ser efetuada com base no custo até então despendido por quem detinha a posse do imóvel, e esse parece ser o caso do reflorestamento, sob pena de autorizar a indenização com base em estimativa de produção, considerando ao final todo o lucro possível, desprezando-se qualquer infortúnio que pudesse provocar perda no rendimento ao longo de 20 anos (tempo estimado para a idade de rotação final do ciclo).
Entendo, assim, deva ser adotado o valor atual do reflorestamento calculado à época da imissão na posse e não sua projeção para o futuro.
Veja-se que a prognose leva em conta um horizonte de 20 anos para exploração de Pinus e de 25 anos para exploração de Araucária e Eucaliptos, de acordo com o Termo de Referência expedido pelo Grupo Técnico do INCRA constituído pela Portaria/INCRA/Nº 1.151/03. Em fevereiro de 2004 os lotes reflorestados tinham entre um e dezessete anos, constando-se que haviam lotes que demandariam até 23 anos para completar a rotação final do ciclo. Além disso, a estimativa de produção foi efetuada levando em conta a capacidade máxima de produção.
No caso, a avaliação levou em conta o valor estimado da produção de araucárias, no total de R$ 21.481.109,00, desconsiderando que 61,97% da área plantada estava integralmente protegida em área de Reserva Legal, de Manejo Sustentável (AMS), ou nas matas ciliares. Ainda com relação à área restante, não haviam garantias de que pudessem ser exploradas com extração de madeira, ante as sérias restrições ambientais sobre espécie considerada em extinção.
Destaca-se que a araucária não possui mais boa aceitação no mercado, por conta das restrições existentes, não sendo o preço tão valorizado de forma a despertar interesse dos compradores, razão porque deve ser calculado apenas o valor comercializável à época pelos preços atuais e não mediante projeção futura.
Ocorre que o perito não estimou os valores das madeiras em pé à época da imissão da posse, razão porque estou por adotar as estimativas do laudo da FUPEF.
Alega o perito que a NBR 8799 estabelece que deve ser considerada a projeção futura. Ocorre que a NBR 8799 de 1985 diverge do atual Código Civil de 2002, segundo o qual não existe mais a figura da benfeitoria ‘reprodutiva’ ou ‘não reprodutiva’.
 Assim, prevalece a classificação como frutos pendentes, os quais ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio(art. 1.214, § único, do CC).
Sobre as benfeitorias existentes no local, ante às modificações provocadas pelo decurso do tempo, o perito consignou que sua mensuração seria intangível na data de elaboração do laudo pericial, razão porque estou por adotar os apontamentos da FUPEF, eis que mais aproximados da época da imissão de posse, no valor de R$ 3.568.317,06 (Evento 3 – LAUDPERI473, fl. 7).
No 3º laudo complementar (Evento 3 – LAUDPERI528, fl. 24) os peritos concordaram com os argumentos do MPF, no sentido de que deve ser deduzido da indenização pelo reflorestamento os valores dos custos de oportunidade da terra e dos impostos (ITR), no total de R$ 3.583.252,35, referente ao imóvel Rio das Cobras unicamente. Ocorre que estas deduções foram consideradas para a hipótese de ser adotada a tese de projeção futura das plantações, de acordo com a idade de rotação, o que não ocorreu, razão porque entendo não deva ser realizado o desconto apontado.
O valor apurado na perícia para as matrículas 9.176, 6.505 e 6.506 (R$ 992.338,43 – referente às áreas do imóvel Rio das Cobras não incluídas no primeiro laudo da FUPEF) deve ser somado ao montante indicado na Alternativa 1 da FUPEF – R$ 43.251.935,06 (sendo R$ 3.567.377,46 para benfeitorias não reprodutivas; R$ 939,60 para cultura permanente; R$ 39.683.618,00 para o reflorestamento) que melhor representa a indenização devida a título de benfeitorias nestes autos, porquanto mais contemporânea à imissão na posse, de acordo com o montante histórico, nos termos da fundamentação.
Total de R$ 44.244.273,49, posicionado para julho de 2004.
Importa esclarecer que a maior parte das inconformidades do MPF e do INCRA quanto ao laudo pericial restringem-se à forma de cálculo das projeções futuras das plantações, contudo, considerando corretos os valores contemporâneos à data da imissão da posse, entendo que as quantias apontadas pela FUPEF possam ser adotadas, na medida em que retratam a situação mais próxima da encontrada quando da invasão de terras.
Considerando que ocorreu o levantamento da importância de R$ 75.000.000,00 nestes autos (R$ 75.551.980,50 atualizado para 20/04/2005, consoante alvarás do Evento 3 – ALVARA176), cabível autorizar-se a compensação do saldo remanescente (R$ 30.755.726,51) com eventual indenização a ser apurada nos autos do processo nº 5005191-35.2014.4.04.7005, oportunidade em que poderá ser determinada a restituição de eventual excesso encontrado.
Inexiste prejuízo na determinação, posto que não se afigura razoável determinar-se a restituição do saldo remanescente nestes autos quando identificada a possibilidade de ser devida indenização complementar pela terra nua no processo nº 5005191-35.2014.4.04.7005.
Diante do resultado, parcial provimento da apelação da ré, prejudicada a apelação do INCRA referente à majoração dos honorários advocatícios.
Assim, em decorrência da improcedência da ação proposta pelo INCRA, os honorários advocatícios devem ser arbitrados em favor da empresa ré.
Quanto ao valor dos honorários advocatícios, vale dizer que o art. 20, § 4º, do CPC, norma vigente à época da prolação da sentença, permitia que os honorários fossem arbitrados com base na equidade, valendo-se dos critérios elencados nas alíneas ‘a’, ‘b’ e ‘c’ do § 3º desse artigo.
O mencionado dispositivo não impunha ao julgador a aplicação dos limites percentuais mínimos ou máximos no arbitramento dos honorários. Ao contrário, a Lei conferia e confere tal tarefa ao prudente arbítrio do juiz.Ou seja, os honorários advocatícios podiam ser mensurados conforme apreciação equitativa do julgador, em observância ao disposto no referido § 4º do artigo 20 do CPC/73, não estando este adstrito aos limites previstos no § 3º (entre 10 e 20% do valor da causa/condenação).
Considerando o disposto no artigo 20, o tempo de tramitação do feito (mais de 10 anos), o trabalho desenvolvido pelo advogado, a necessidade de dilação probatória, a natureza e alta complexidade da causa, a verba honorária deve ser fixada 1% sobre o valor da condenação (R$ 44.244.273,49), atualizada de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal, valor que reputo razoável e que atende aos referidos ditames legais.
Por fim, os próprios fundamentos desta decisão, bem como a análise da legislação pertinente à espécie, já são suficientes para o prequestionamento da matéria junto às Instâncias Superiores.
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação da ré, prejudicada a apelação do INCRA.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator

VOTO-VISTA

Pedi vista para examinar a matéria aqui discutida, considerando os muitos precedentes apreciados em circunstâncias fáticas bastante assemelhadas, que foram abarcados pelo decidido no âmbito do egrégio Supremo Tribunal Federal na Apelação Cível nº 9.621-1/PR.
Após um período de intensa divergência entre os integrantes da 3ª e 4ª Turmas, a questão foi pacificada, tendo a maioria dos seus integrantes perfilhado a tese desenvolvida no precedente em referência, que teve a seguinte ementa:
Embargos de terceiro, deduzidos por Emprêsas Incorporadas ao Patrimônio Nacional perante o Juiz de Direito de Foz do Iguaçú, e por êste remetidos ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, à consideração do que envolvem litígio entre o Estado do Paraná e a União (Constituição, art. 101, nº I, c). – As áreas integradas na concessão que o Govêrno Imperial fizera à Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, pelo Decreto nº 10.432 – de 9 de novembro de 1889, jamais entraram no domínio do Estado do Paraná, porque não eram terras devolutas em 24 de fevereiro de 1891, quando foi promulgada a Constituição da República. – Se a Justiça local, com base no Decreto Ditatorial nº 300 de 1930 e Interventorial nº 20 de 1931, deu ganho de causa ao Estado do Paraná, em 21 de junho de 1940 (acórdão com trânsito em julgado em 28 de setembro do mesmo ano, contra as Companhias Estradas de Ferro São Paulo – Rio Grande e Brasileira de Viação e Comércio), tal decisão seria inexequível contra a União, a cujo Patrimônio estavam os imóveis incorporados ex vi dos Decretos-leis 2073 e 2436 de 1940. – Embargos julgados procedentes. (ACi 9621, Relator(a):  Min. ANTONIO MARTINS VILAS BOAS, Tribunal Pleno, julgado em 11/10/1963, DJ 07-11-1963 PP-03852 EMENT VOL-00561-01 PP-00012).
Pois bem, embora a área aqui versada não esteja incluída naquela cogitada pelo STF na Apelação Cível nº 9.621-1/PR, a situação jurídica das terras é a mesma, sendo aplicável o precedente em referência. Em vista disso, peço a máxima vênia para divergir do eminente Relator e manter a sentença de primeiro grau quanto ao ponto. A solução dada aqui é a mesma já expressa em inúmeros julgados por mim relatados na última década.
Repasso resumidamente os fatos que conduziram à controvérsia atual, utilizando o histórico da bem lançada sentença:
O imóvel Rio das Cobras aqui em discussão decorre de uma área destacada de 63.004,000 hectares registrada sob o n. 7.997, no 1º Ofício de Guarapuava, em 14/04/1926, transmitida pelo Estado do Paraná à Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande. Por sua vez, esta companhia, em 03/12/1935, vendeu a área para a Companhia Colonizadora Mercantil Paranaense S/A, que, vendeu parte da área para José Ermínio de Moraes e outros, os quais venderam à Cia de Celulose e Papel do Iguaçu. Posteriormente o imóvel foi transmitido para a Giacomel Indústria de Produtos Agropecuários de quem a ré Rio das Cobras Florestal Ltda adquiriu em 2003 (conforme cadeia dominial anexada às fls. 28/33).
Para melhor elucidar a questão acerca da concessão de terras à Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, trago à colação trechos do estudo apresentado pelo Professor Ruy Christovam Wachowicz, em 05 de setembro de 1969, no Simpósio Nacional de Professores Universitários de História – ANPUH, cuja comunicação intitulada ‘O Comércio de Madeira e a Atuação da Brazil Railway no Sul do Brasil’ foi publicada nos Anais do V Simpósio, disponível no endereço eletrônico http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S05.16.pdf.
Segundo o historiador, ainda no século XIX, diante da dificuldade de acesso às fronteiras do sul, o governo imperial, nos últimos dias da monarquia, ciente dessa deficiência estratégica, baixou o Decreto n. 10.432 de 9 de novembro de 1889. Tal decreto ‘concedia por 90 anos ao engenheiro João Teixeira Soares ou à Companhia que êste organizasse, a construção, usos e gozo de uma estrada de ferro, que partindo de Itararé, Província de São Paulo, fôsse ter a Santa Maria da Bôca do Monte, no Rio Grande do Sul. Esta linha tronco contaria com dois ramais em direção ao oeste, um no Paraná e outro no Rio Grande do Sul’.
Prosseguindo, afirma que ‘porém, o país não dispunha de capitais para tanto e teve que lançar mão do seu patrimônio de terras, para implantação de tais serviços’. O Decreto n. 10.432 então, segundo aponta o autor, ‘garantia juros à companhia construtora de 6% ao ano sôbre o capital de no máximo 37 contos de réis por quilômetro construído, no prazo de 30 anos. O referido decreto cedia ainda, gratuitamente, à companhia construtora, os terrenos devolutos, e bem assim, os compreendidos nas sesmarias e posses, exceto as indenizações que fôssem de direito numa faixa de 30 quilômetros para cada lado do eixo da estrada, contanto que a àrea total de tais terrenos não excedesse à média de 9 quilômetros para cada lado, na extensão total das linhas concedidas’. Conclui o professor que ‘isso significava que o govêrno brasileiro cederia à construtora uma superfície correspondente à extensão quilométrica da estrada, multiplicada por 18’.
Posteriormente, aponta o autor, o governo provisório da República, por meio do decreto n. 305 de 07 de abril de 1890 revalidou a concessão, no entanto reduziu ‘para 15 quilômetros de cada lado do eixo da ferrovia a faixa que poderiam ser demarcadas as terras’; reduziu a garantia de juros para no máximo 30 contos de réis por quilômetro e alterou o traçado dos ramais’. Na verdade, coube à Teixeira Soares ou a companhia que este organizasse uma área total de terras correspondente a 9 quilômetros para cada lado da extensão total de suas linhas. Foi então que o engenheiro Teixeiras Soares organizou uma companhia denominada ‘Chemins de Fer Sud Quest Brésilien’, com capital predominantemente francês e belga, dando início aos trabalhos.
Em 1893, segundo o autor, o Decreto n. 1.386, de 6 de junho daquele ano, ‘autorizou a transferência de todos os direitos e obrigações cedidas a Teixeira Soares para a Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, a qual então passou a ser a real concessionária das respectivas vias férreas’.
Em 1901, pelo Decreto n. 3.497, ficou consignado que a companhia cessionária deveria utilizar os terrenos que lhe cabiam em razão da concessão no prazo de 50 anos a contar da concessão. Pois o intuito do governo era também de colonizar a região.           
Relata o ilustre Professor que em 1908 a Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande ‘passou a fazer parte do grande complexo econômico predominantemente norte-americano organizado em Portland, Estado do Maine, o qual se tornou conhecido no Brasil por Brazil Railway Company, que por sua vez fazia parte do poderoso grupo norte-americano denominado ‘Sindicado Farquahr”.
O traçado da ferrovia que deveria ser construído pela Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande foi alterado diversas vezes e, em 1916, pelo Decreto n. 11.905 de 19 de janeiro, ‘a São Paulo – Rio Grande, ficou obrigada a construir, em território paranaense, além da linha tronco Itararé-Marcelino Ramos, já construída, os ramais a) Pôrto União-Foz do Iguaçu e sub-ramal de Sete Quedas, b) Guarapuava, c) Jaguaraiva-Ourinhos’.
De acordo com o relatos do historiador, dentre os ramais acima, a Brazil Railway Co, chegou a construir efetivamente apenas o ramal Paranapanema (Jaguaraiva-Ourinhos) e, como o contrato para esses novos ramais estava colocado nos mesmos termos dos demais, o Estado do Paraná obrigou-se a titular novas extensões de terras.
É importante destacar, como bem colocou o autor, que a titulação das terras se deu pelo Estado do Paraná e não pela União, porque, embora a concessão fosse federal, sob a égide da Constituição Republicana de 1891 todas as terras devolutas pertenciam aos Estados, com exceção apenas das terras situadas em faixa de fronteira que, à época, era de 10 léguas, ou 66 Km.
A empresa Brazil Railway Co passou a reivindicar as terras que, por contrato, lhe cabiam. Então, aponta Wachowicz, o Estado do Paraná efetuou um levantamento de terras devolutas existentes na região e:
‘Feito o levantamento, constatou-se que, no trecho Itararé a União da Vitória apenas três terras devolutas, relativamente, pequenas, ainda existiam, achando-se o restante das terras em domínio particular, por posses anteriores à data da concessão e legitimadas de acôrdo com a lei de terras do Estado, respeitadas as disposições da lei de 1850 e o regulamento de 30 de janeiro de 1854.
A soma dessas três áreas longe estava de atingir o quantum de terras cabíveis à Brazil Railway Co. Para evitar gravíssimos problemas de desapropriação, o Govêrno do Estado e a Companhia construtora concordaram em que a compensação fôsse feita em terras devolutas ‘onde quer que elas existiam no Estado’.’
Assim, o Estado do Paraná, entre 1911 a 1918, titulou à Cia São Paulo – Rio Grande as seguintes áreas: Legru, Iguaçu, Lageado do Leãozinho, Rio XV de Novembro, Lageado Liso, Uruguai, Rancho Grande em 1911; Rio do Engano e Periri em 1912; Rio Preto, Chapecó, Pinhão e Arroio Bonito em 1913; Rio Claro, Rio do Peixe, Serra da Esperança e Rio da Areia em 1917 e Chopim e Rio das Cobras em 1918.
Nesse ponto, faço um parênteses, para esclarecer que, segundo apontou a perícia (fl. 25 dos autos suplementares), o imóvel Rio das Cobras não estaria situado a menos de 66 quilômetros da faixa de fronteira. Aponta que a área que se encontra mais próxima da fronteira dista 87 quilômetros da mesma. É por tal razão que tanto o INCRA quanto a ré Rio das cobras concordam que, a princípio, a localização do imóvel não gera a nulidade do título outorgado pelo Estado do Paraná pois, naquela época, tais terras não estavam localizadas na faixa de fronteira, de forma que de fato pertenciam ao domínio do Estado do Paraná.
Voltando ao histórico das titulações de terras à Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, prossegue o professor Wachowicz apontando que em 1917 foram editados os decretos 256 e 957 reestruturando as concessões anteriores para incluir a construção de um ramal que ligasse a ferrovia até Guarapuava e posteriormente a Foz do Iguaçu e Sete Quedas, ligando o oeste paranaense ao Atlântico. Então, foi assinado, em 23 de agosto de 1920, um novo contrato coma a Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, sendo tituladas em favor da companhia para tanto as glebas Santa Maria, Silva Jardim, Riozinho e Missões.
Ainda no ano de 1920, narra o autor que, em 22 de novembro, a Cia Estrada de Ferro comunicou ao governo que não poderia executar as obrigações contratuais e transferiu os direitos e obrigações à Companhia Brasileira de Viação e Comércio – BRAVIACO a concessão da construção do ramal de Guarapuava, juntamente com as terras entregues pelo Estado do Paraná como pagamento das obras. No entanto, aponta o autor que teve ‘a São Paulo – Rio Grande o cuidado de, no ato da transferência, excluir ilegalmente da concessão à Braviaco várias glebas de terras, as quais lhe foram tituladas pelo Estado do Paraná, apesar de não ter construído nem um quilômetro do chamado ramal de Guarapuava’.
Portanto, extrai-se da narração acima, que a gleba Rio das Cobras, assim como tantas outras glebas tituladas pelo Estado do Paraná à Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande e, algumas, posteriormente cedidas à BRAVIACO, foram dadas em pagamento em substituição as terras que situavam-se no perímetro de 9 quilômetros de cada lado do eixo por onde a ferrovia deveria passar. Por óbvio, essas terras repassadas pelo Estado do Paraná, ao contrário do que defende a ré, não foram dadas em pagamento pela integralidade de linha férrea que deveria ligar os Estados de São Paulo ao Rio Grande do Sul, mas tão somente pelas linhas que cortariam o Estado do Paraná. Isso porque cabia aos demais Estados por onde a ferrovia passasse realizar o repasse das terras que seriam cortadas pela ferrovia em seus territórios.
Ocorre que, após a revolução de 1930, o interventor federal no Paraná, general Mário Tourinho, expediu os Decretos nº 300, de 30 de novembro de 1930 e 20, de 5 de janeiro de 1931, rescindindo o contrato de 23 de agosto de 1920 que havia sido transferido à BRAVIACO, determinando a reversão das obras para o Estado do Paraná e declarando nulos os título expedidos à Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande vinculados ao contrato celebrado.
Todavia, referidos decretos rescindiam uma concessão outorgada pelo Governo Federal, de forma que o interventor federal no Estado do Paraná não tinha poderes para tanto. Tais decretos inclusive foram declarados insubsistentes pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Apelação Cível n. 9.621/PR, que assim concluiu:
a) Pelo Decreto Imperial nº 10.432, de 7 de novembro de 1889, as áreas disputadas, pertencentes ao país, foram integradas na concessão outorgada à Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, e assim jamais entraram no domínio do Estado, como terras devolutas, consoante a atribuição do art. 64 da Constituição de 1891.
b) A tentativa de apossamento sumário, indisfarçável desrespeito ao citado Decreto Imperial e ao Decreto nº 2073 do Governo Provisório da 1ª República, foi rechaçada por este Supremo Tribunal, que declarou inoperante o Dec. nº 300 de 1930, por ser ditatorial, e suscetível de controle judicial, mesmo em face do art. 18 das Disposições Transitórias da Constituição de 1934, e decreto Interventorial nº 20, que não fora formalmente aprovado pelo Governo Federal, nos termos dos Decretos nºs. 19.398/30 e 20.348/31.
c) Se a Justiça local deu ganho de causa ao Estado do Paraná, a sua decisão não é, evidentemente, exequível contra a União, a quem os Decretos-leis 2.073 e 2.436 imputaram bens e direitos das Companhias em cujo nome os imóveis estavam registrados.
d) ‘Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional’, órgão criado para a administração das glebas descritas, tem irrecusável interesse em impedir o cancelamento dos registros, promovido pelo Estado do Paraná, a quem jamais, a nenhum título, elas pertenceram, e assim são de absoluta procedência os embargos de fls. 3 a 15, deduzidos perante o M. Juiz da Comarca de Foz do Iguaçu e remetidos a esta Corte Suprema com competência constitucional para a matéria (art. 101, nº I, letra e). (grifei)
Ainda, como se vê na letra ‘a’ acima, no julgamento da apelação cível mencionada o Supremo Tribunal Federal também entendeu que todas as áreas repassadas à Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande em razão da concessão outorgada aquela companhia pelo Decreto Imperial n. 10.432, de 7 de novembro de 1889, pertenciam ao país, uma vez que a expedição do decreto se deu antes da promulgação da Constituição de 1891 que atribuiu aos estados a propriedade das terras devolutas. E, como no momento da promulgação da Constituição os bens já integravam o patrimônio da Companhia, nunca chegaram a integrar o patrimônio do Estado do Paraná.
Portanto, de acordo com referido julgado, embora o repasse de terras à Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande tenha sido operado pelo Estado do Paraná entre 1911 a 1920, ou seja, posteriormente à promulgação da Constituição de 1891, e tenha envolvido terras que não necessariamente se localizavam no eixo da ferrovia, como eram terras que se destinavam a substituir as outorgadas juntamente com a concessão de 1889, o Estado do Paraná não poderia requerer o domínio sobre tais terras.
Essa discussão sobre a regularidade dos decretos emitidos pelo Governo do Paraná e a titularidade das terras, ou seja, se seriam do Estado do Paraná ou da União, só foi resolvida pelo Supremo Tribunal Federal em 1982, quando já tinha sido emitido o Decreto-Lei n. 2.436, de 22 de julho de 1940 incorporando ao patrimônio da União todo o patrimônio da empresa Brazil Railway Company.
Ocorre que, paralelamente a essa discussão, ainda em 1930, o Governo Federal decretou a ocupação da São Paulo – Rio Grande e, pelos decretos 19.917 e 19.918, ambos de 24 de abril de 1931, foi declarada a caducidade das concessões à Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande para a construção da linha férrea do ramal do Paranapanema (de Jaguariaiva a Ourinhos) e de Porto União à Foz do Iguaçu, do ramal das Sete Quedas e do ramal de Guarapuava, e sua ligação com a Estrada de Ferro do Paraná.
Portanto, não foi apenas o Decreto-Lei n. 2.436, de 22 de julho de 1940 que incorporou as terras da Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande situadas no Estado do Paraná ao patrimônio da União, pois já no ano de 1931, com o decretos 19.917 e 19.918 ocorreu essa incorporação. E a existência de incorporações anteriores é até mesmo confirmada no próprio decreto de 1940, ao estabelecer em seu Art. 5º que os regimes jurídicos e o sistema de administração dos bens já anteriormente incorporados ao patrimônio da União ou ocupados pelo Governo Federal se manteriam inalterados.
Acerca da caducidade das concessões, a empresa Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande publicou, em maio de 1932, um apanhado de explicações e esclarecimentos (disponível no endereço eletrônico  https://archive.org/details/companhiaestrada1932comp) no qual, no tocante às concessões acima referidas, reconheceu que houve atraso no cumprimento das obrigações assumidas.
Desta forma, com a caducidade das concessões em razão do descumprimento das obrigações por parte da cessionária, o poder público apossa-se imediatamente de todos os bens envolvidos na concessão.
A meu ver, com a caducidade dos contratos de concessão, a consequência natural e legal é que extinguem-se todas as cláusulas, inclusive as que concediam à Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande a possibilidade de exploração das terras a ela repassadas pelo prazo de 50 anos. Assim, as terras que a empresa cessionária ainda não tinha explorado (ou colonizado) no momento da caducidade dos contratos retornaram automaticamente ao patrimônio do órgão público concedente. Não se pode admitir, como defende a ré, que a construção da ferrovia e a exploração das terras sejam objeto de concessões diferentes, uma vez que esta foi concedida em razão daquela. Admitir o contrário iria resultar em um prejuízo ainda maior à União que não obteve a construção da ferrovia e ficaria sem ter o direito de reaver as terras que foram dadas como forma de pagamento pela obra não cumprida. Seria, outrossim, privilegiar a empresa inadimplente que acabaria por receber o pagamento pelo que não cumpriu.
Assim sendo, assiste razão ao INCRA ao afirmar que a venda de uma vasta área de terras feita pela Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande à Companhia Colonizadora e Mercantil Paranaense S/A em 03/12/1935 foi feita na condição de a non dominus. Ou seja, quando a Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande vendeu as terras aqui em discussão elas já não lhe pertenciam mais, pois em 1931 haviam retornado ao patrimônio da União. Portanto, referida venda é nula de pleno direito, assim como são nulas as demais vendas eis que o imóvel de fato pertencia à União.
Quanto aos títulos de revalidação registrados em 08/02/1938 e em 19/04/1944 respectivamente no 1º Ofício de Guarapuava e 1º Ofício de Foz do Iguaçu (fl. 28), entendo, como bem apontou a ré, que constituem registros lavrados em multiplicidade, não constituindo títulos novos outorgados pelo Estado do Paraná, mas sim se remetem ao concedido em 1913.
Ainda, não há falar em ratificação do título de domínio na faixa de fronteira. A uma porque, como já mencionado, no momento da revalidação do título pelo Estado do Paraná (em 1913) as terras não se localizavam na faixa de fronteira, que era considerada, na época, de 66 km. A duas porque, como visto, a venda a non dominus foi realizada pela Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, não pelo Estado do Paraná. E, a três, porque ainda que se considere os limites de faixa de fronteiras vigentes em 1935, que era de 100 Km de acordo com a Constituição de 1934, as diversas leis que surgiram para a ratificação de terras públicas alienadas ou concedidas pelos Estados dentro da faixa de fronteiras não se operavam de ofício.
A Lei 4.947/66, em seu art. 5º, autorizou o Poder Executivo a ratificar as alienações e concessões de terras já feitas pelos Estados na Faixa de Fronteiras, se entender que se coadunam com os objetivos do Estatuto da Terra. Obviamente que a existência deste dispositivo não acarreta a ratificação automática de todos os títulos de domínio na faixa de fronteiras, haja vista a discricionariedade outorgada ao Poder Executivo, além da comprovação de sua adequação aos objetivos do Estatuto da Terra.
Outro diploma legal que permitiu essa ratificação foi o Decreto-lei nº 1.414/75 que, em seu art. 1º, fez referência à Lei nº 4.947/66:
Art. 1º A ratificação das alienações e concessões de terras devolutas na faixa de fronteiras, a que se refere o § 1º do artigo 5º da Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966, será feita de acordo com as normas estabelecidas no presente Decreto-lei.
§ 1º O processo de ratificação alcançará as alienações e concessões das terras devolutas promovidas pelos Estados, na faixa de domínio da União.
§ 2º Ficam igualmente sujeitas às disposições do presente Decreto-lei as terras devolutas estaduais, localizadas na faixa de interesse da segurança nacional, alienadas ou concedidas sem o prévio assentimento do Conselho de Segurança Nacional.
Tal ratificação dependia de requerimento da parte interessada (art. 2º), o qual deveria ser instruído com alguns documentos específicos (art. 3º), a fim de instruir processo administrativo do INCRA (art. 4º), cuja ratificação só ocorrerá se for verificado que foram atendidas as condições previstas no Decreto-lei nº 1.414/75 (art. 5º).
Este decreto-lei foi regulamentado pelo Decreto nº 76.694/75 que fixou o procedimento e os requisitos para a referida ratificação, deferindo ao INCRA, em seu art. 8º, legitimidade para decretar a nulidade do título e incorporá-lo ao domínio da União:
Art. 8º Verificada a impossibilidade da ratificação requerida, o INCRA promoverá, nos termos do art. 6º do Decreto-lei nº 1.414, de 18 de agosto de 1975, a decretação de nulidade do título e a conseqüente incorporação do imóvel ao domínio da União, indenizadas as benfeitorias úteis e necessárias de propriedade do pretenso titular da área e procedendo, quanto aos legítimos ocupantes, na forma do Estatuto da Terra, assegurando-lhes o acesso ao domínio da área efetivamente explorada.
Posteriormente, a Lei nº 9.871/99 estabeleceu prazo de dois anos para as ratificações de concessões e alienações de terra feitas pelos Estados na faixa de fronteira. Estes prazos foram sucessivamente prorrogados pelas Leis nº 10.164/00, 10.363/01 e 10.787/03.
Como se vê, não se trata de ratificação automática de todos os títulos de domínio na faixa de fronteiras, mas de análise pontual de cada requerimento dirigido ao INCRA. No presente caso, não há nenhuma prova de ratificação para os títulos discutidos.
(evento nº 3, SENT546, fls. 33-41).
Nas razões da apelante Rio das Cobras Florestal Ltda, teria ocorrido a decadência do direito de a União decretar a nulidade dos títulos que teriam operado a transferência da propriedade, com o quê se resguardaria a segurança jurídica. A estrada de ferro de São Paulo – Rio Grande foi construída e inaugurada em 07.12.1910. O fato de não ter sido construída na integralidade não geraria inadimplemento em face da cláusula nº 46 do Decreto nº 3.947/1901, pois, nos termos dessa cláusula, ‘a perda de privilégio, garantia de juros e mais favores de que trata a presente concessão, não será applicada ao trecho ou trechos da estrada que se acharem concluidos no fim do prazo estipulado para conclusão das obras de toda a estrada’, e, assim, como um trecho da estrada foi feito, não houve o descumprimento. O Decreto-lei nº 2.436/40 não teria atingido o imóvel Rio das Cobras, pois havia sido vendido para a Companhia Colonizadora Mercantil Paranaense S.A. em 03/12/1935, conforme anotação registral no Ofício de Registro de Imóveis de Guarapuava. A autorização nº 1.711 do Conselho Superior de Segurança Nacional permitiu à Companhia Colonizadora Mercantil Paranaense S.A. a venda do imóvel aos Srs. José Ermírio de Moraes e Paulo Pereira Ignácio. A alegação de domínio por parte da União não é suficiente para desconstituir o título de propriedade. Em resumo, as alegativas de Rio das Cobras Florestal Ltda.
Percorrendo o raciocínio do eminente Relator, observo que fez uma leitura restritiva do acórdão proferido na Apelação Cível nº 9.621-1/PR, não admitindo que a tese acolhida pelo STF tenha incidência ao presente caso. A tese só teria na sua ótica aplicação no caso do Decreto nº 300/1930, relacionado à BRAVIACO e áreas vinculadas àquele contrato e não teria como alcançar ‘áreas que já haviam sido transferidas ao patrimônio da Cia. Estrada de Ferro por conta do cumprimento da obrigação assumida em decorrência do Decreto Imperial nº 10.432, de 7 de novembro de 1889’. Acolhe a tese de que o imóvel Rio das Cobras foi dado em pagamento do trecho construído, o trecho principal.
Aqui o ponto de divergência com o douto voto do Relator.
Transcrevo o texto do Decreto nº 10.432 de 1889 antes referido:
Clausulas a que se refere o Decreto n. 10.432 desta data
I
    E’ concedido á companhia que o Engenheiro João Teixeira Soares organisar, privilegio por 90 annos para construcção, uso e gozo de uma estrada de ferro que, partindo das margens do Itararé, na Provincia de S. Paulo, vá terminar em Santa Maria da Bocca do Monte, na Provincia de S. Pedro do Rio Grande do Sul, em entroncamento com a linha de Porto Alegre a Uruguayana, com dous ramaes: o primeiro, separando-se da linha principal em Imbituva e passando por Guarapuava, descerá o Piquiry até á sua confluencia no rio Paraná, fornecendo dous sub-ramaes, um destinado a ligar as secções navegaveis deste ultimo rio, outro destacando-se em Guarapuava e seguindo o Iguassú até á sua foz; o segundo ramal, divergindo da linha principal nas immediações da cidade da Cruz Alta, acompanhará o Ijuhy Grande e irá terminar nas margens do Uruguay.
    Além do privilegio, o Governo concede:
    1º Cessão gratuita de terrenos devolutos e nacionaes, e bem assim dos comprehendidos nas sesmarias e posses, excepto as indemnizações que forem de direito, em uma zona maxima de 30 kilometros para cada lado do eixo das linhas de que se trata, comtanto que a área total de taes terrenos não exceda da que corresponder á média de nove (9) kilometros para cada lado da extensão total das referidas linhas.
    A companhia deverá utilisar esses terrenos dentro do prazo de cincoenta (50) annos a contar da data da approvação do Poder Legislativo, sob pena de perder o direito aos que não tiverem sido utilisados ao findar aquelle prazo.
    2º Direito de desapropriar, na fórma do Decreto n. 816 de 10 de Julho de 1855, os terrenos de dominio particular, predios e bemfeitorias, que forem precisos para o leito da estrada, estações, armazens e outras dependencias, especificados nos estudos definitivos.
    3º Preferencia, em igualdade de circumstancias, para lavra de minas na zona privilegiada, sendo expresso em contracto especial o numero de datas que o Governo julgar conveniente conceder, bem como as condições a que deva ficar sujeito a empreza.
II
    Si no prazo de um anno, contado da data em que pelo Poder Legislativo for approvada a presente concessão na parte dependente daquelle poder, não estiver incorporada a companhia, caducará a mesma concessão.
(…)
XXXV
    A construcção das obras não será interrompida; e, si o for por mais de tres mezes, caducarão o privilegio, a garantia e mais favores acima mencionados, salvo caso de força maior, julgada tal pelo Governo, e sómente por elle.
    Si no prazo fixado na clausula 4ª não estiverem concluidos todos os trabalhos de construcção da estrada, e esta aberta ao trafego publico, a companhia pagará uma multa de 1 a 2% por mez de demora sobre as quantias despendidas pelo Governo com a garantia até essa data.
    E, si passados 12 mezes além do prazo acima fixado, não ficarem concluidos todos os trabalhos acima referidos, e não estiver a estrada aberta ao trafego publico, ficarão tambem caducos o privilegio, a garantia e mais favores já mencionados, salvo caso de força maior, só pelo Governo como tal reconhecido.
(…)
Em 1916, por força do Decreto nº 11.905, houve a consolidação do contrato, e ali se expressa novamente a obrigação de construir a estrada entre Porto União e Foz do Iguaçu:
CAPITULO II
DAS ESTRADAS SEM GARANTIA DE JUROS
8
    A Companhia obriga-se a construir, independentemente de qualquer accrescimo de responsabilidade da União (clausula 3), as seguintes linhas e ramaes de sua concessão:
 a) – Porto União á Foz do Iguassú, e ramal de Sete Quedas;
   
(…) 
SECÇÃO VIII
DAS PENALIDADES
50
    Salvo caso de força maior, julgado tal sómente pelo Governo, a concessão caducará, independentemente de interpellação ou acção judicial:
    a) em relação a cada um dos trechos de Jaguariahyva, a S. José, ou de Hansa a Porto União, mencionados nos numeros 1º e 2º da clausula 7 do presente contracto, se as respectivas obras não se acharem concluidas no fim dos correspondentes prazos;
    b) em relação aos trechos referidos no numero 3º da mesma clausula, e ás restantes linhas e ramaes de que trata a clausula 8, se os trabalhos de construcção não forem iniciados e terminados dentro dos prazos para esse fim respectivamente estabelecidos ou se, uma vez começados, vierem a ser interrompidos por mais de tres mezes.
    § 1º. Os prazos, a que se refere esta clausula, ficam interrompidos emquanto durar a actual crise financeira; cessada que seja esta, a juizo do Governo, este, com antecedencia nunca inferior a seis mezes, dará conhecimento á Companhia do dia em que os ditos prazos começarão a correr.
    § 2º. A caducidade da concessão, nos termos da presente clausula, não será applicada aos trechos da, estrada que se acharem concluidos ao tempo em que fôr decretada, conservando a Companha, pelo prazo da concessão, além dos trechos ou trafego, a propriedade das obras construidas nos trechos não inaugurados ; sendo, porém, facultado ao Governo desapropriar essa, obras quando o julgar conveniente.
(…)
É incontroverso que não foram iniciadas as obras referentes à construção do dito ramal Porto União – Foz do Iguaçu e também não quanto ao ramal até Sete Quedas.
Houve, assim, o descumprimento das obrigações assumidas e o Decreto nº 19.918 de 24/04/1931 declarou a caducidade das concessões à Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, decreto do Chefe do Governo Provisório, não sujeito ao devido processo como reclama a apelante:
O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da atribuição que lhe confere o art. 1º do decreto n. 19.398, de 11 de novembro de 1930; tendo em vista a relatório apresentado com o oficio n. 27, de 11 de abril do corrente ano, pela comissão incumbida de proceder ao exame dos atos relativos á execução dos contratos da ‘Companhia Estrada de Ferro São Paulo- Rio Grande’, com o Governo Federal; e de acordo com o estipulado na cláusula 50 do contrato de consolidação celebrado ex-vi do decreto n. 11.905, de 19 de janeiro de 1916; bem como;
      Considerando que a ‘Companhia Estraad de Ferro São Paulo Rio Grande’ se obrigou a construir as seguintes linhas e ramais: 
      a) de Porto União à Fox do Iguassú e ramal das Sete Quedas;       b) ramal de Guarapuava e sua ligação com a Estrada de Ferro de Paraná; cujos trabalhos de c construção deveria iniciar dentro do prazo de três (3) anos alíneas a e b, § 2º, da cláusula 8 do citado contrato;
      Considerando que a última prorrogação desse prazo expirou em 7 de junho de 1923 (decreto n. 16.029. de 30 de abril de 1923), sem que, houvesse sido iniciados os trabalhos de construção, tendo assim caducado, independentemente de interpelação judicial, as concessões dessas linhas e ramais, na conformidade da alínea b da cláusula 30 do referido contrato; e
       Considerando que, – embora essa condição resolutiva expressa haja operado de pleno direito (Código Civil, art. 119, parágrafo único), independentemente de ato do Governo, declarando terem caducado as concessões – essa declaração é oportuna e conveniente para orientação das autoridades e funcionários que teem de fiscalizar e aplicar os contratos de concessão, de forma a evitar interpelações capciosas e imprimir unidade à ação que se desenvolve através dos vários orgãos da administração pública:
        Resolve declarar a caducidade das concessões à ‘Companhia Estradas do Ferro São Paulo-Rio Grande’ para a construção da linha férrea de Porto União à Foz do Iguassú, do ramal das Sete Quedas e do ramal de Gnarapuava e sua ligação com a Estrada de Ferro do Paraná, de acordo com a condição resolutiva contida na cláusula 50, alínea b, do contrato de 24 de janeiro de 1916, autorizado pelo decreto n. 11.908, de 19 de janeiro de 1916, a qual operou de pleno direito, em 7 de junho do 1923, Pelo inadimplemento da obrigação estipulada no § 2º da cláusula 8º do mesmo contrato.
Neste caminhar, afigura-se venda a ‘non domino’ aquela do início da cadeia dominial que a recorrente quer fazer prevalecer, na transferência do imóvel em 03/12/1935 à Companhia Colonizadora Mercantil Paranaense S.A., diante da caducidade operada de pleno direito em face do descumprimento da obrigação na forma em que consolidada em 1916 pelo Decreto nº 11.905. Assim, o título nº 13 emitido pelo Estado do Paraná em favor da Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, que foi registrado no 1º Ofício de Guarapuava, discriminando área de 63.004,000 hectares, é nulo em face da caducidade ocorrida de pleno direito.
Impressiona a autorização nº 1.711 do Conselho Superior de Segurança Nacional para a venda do imóvel aos Srs. José Ermírio de Moraes e Paulo Pereira Ignácio, contudo, a autorização era necessária apenas para o controle de propriedades em zona de fronteira. Não tinha o antigo Conselho competência para decidir ou autorizar transferências imobiliárias, nem para regularizar terras públicas.
Decorre daí a nulidade das alienações subseqüentes e o título sequer poderia ter sido registrado. Por outro lado, a tese de que houve uma dação em pagamento pela construção do trecho principal da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande também não merece acolhimento. Em primeiro lugar, a área inicialmente concedida era a marginal às linhas férreas e estas não foram construídas, isto é incontroverso nos autos, não há fundamento para uma dação em pagamento em áreas diversas e muito mais extensas daquelas em que foi construída a linha principal. A sentença observou com acerto de que caduca a concessão do ramal, sem efeito as concessões ligadas à linha em questão. O acórdão lançado na Apelação Cível nº 5056165-28.2013.404.7000/PR não aproveita a tese da recorrente. O título nº 13, aquele transcrito no Registro Imobiliário de Guarapuava, e como se percebe claramente, foi expedido somente em face da obrigação descumprida da construção do ramal ferroviário mencionado, ramal nunca iniciado, embora tenha tido o seu traçado original alterado.
Acaso se considere não atingido pela caducidade conforme pretende a apelante, foi atingido de pleno direito pela cláusula resolutiva expressa que pairava sobre as cessões gratuitas imperiais. Veja-se que do Decreto 305 de 24/10/1890 até 24/10/1940 transcorreram os 50 anos, daí ditas terras reverteram ao domínio da concedente União, ainda que registradas em nome da Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, o foram sob condição resolutiva. O título nº 13 expedido pelo Estado do Paraná faz menção expressa ao fato:
ESTADO DO PARANÁ
Presidente do Estado
Faz saber que, gozando a Companhia Estrada de Ferro S Paulo – Rio Grande de cessão gratuita de terrenos devolutos e nacionais e bem assim dos comprehendidos nas sesmarias e posses, nos termos e para os fins dos Decretos números 10.432 de 9 de novembro de 1889, 305 de 7 de abril de 1890 e 3.947 de 7 de março de 1901, fez medir e demarcar uma área contendo seiscentos e trinta milhões e quarenta mil metros quadrados, no logar denominado Rio das Cobras, município de Guarapuava, pelo que, provando ter observado as Leis e Regulamentos em vigor e effectuando todos os pagamentos devidos, fica a mesma Companhia, pelo presente título de revalidação de concessão, investida dos direitos que lhe conferem os citados Decretos, sobre as terras comprehendidas na área medida, salvo as restricções delles constantes e o direito de terceiros. E, para firmeza, manda passar o presente título de revalidação de concessão, que vai devidamente sellado.
Secretaria d’Estado dos Negócios de Obras públicas, e Colonisação. Corytiba, 19 de junho de 1913.
É o caso mesmo do que foi julgado pelo STF na Apelação Cível nº 9.621-1/PR, em que a referida Corte Superior reconheceu que as terras não eram devolutas em 24/02/1891 e que o domínio era da União, força de incorporação das terras por meio do Decreto-lei nº 2.073 de 08/03/1940 e do Decreto-lei nº 2.436 de 22/07/1940. A Constituição Federal de 1988, nos artigos 183 e 191, afirma que os bens públicos não estão sujeitos à prescrição aquisitiva e não estavam desde a vigência do Código Civil de 1.916, na forma da Súmula nº 340 do STF. Ato nulo não prescreve segundo precedentes do STJ (REsp. nº 311.044/RJ, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, 6ª Turma, julgado em 27/08/2002, DJ 23/09/2002, p. 401). A ‘ratio decidendi’ na Apelação Cível nº 9.621-1/PR nos conduz ao efeito transcendente, assim, alcança o presente caso.
Quanto à indenização por benfeitorias, tenho que deve ser paga e Rio das Cobras Florestal Ltda já recebeu R$ 75.000.000,00, valor objeto de ajuste entabulado no curso desta causa, fruto de mútuo acordo entre o INCRA e a referida empresa, que merece prestígio à vista da precisão das avaliações técnicas que lhe deram origem, com o quê reformo a sentença no tópico em que determina a devolução dessa quantia, de modo a dispensá-la, por obra do recurso da empresa, sem, contudo, promover a majoração da indenização.
Por fim, a respeito da verba advocatícia, acolho a pretensão recursal do INCRA a fim de promover a sua majoração para R$ 80.000,00, observados os parâmetros da jurisprudência desta Corte, a complexidade da demanda e o trabalho desenvolvido.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso da parte ré, em menor extensão que o eminente Relator, e dar parcial provimento ao recurso do INCRA.
É o voto.
Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Relatora

VOTO DIVERGENTE

Embora formada maioria para julgar procedente a ação anulatória ajuizada pelo INCRA, peço vênia para divergir. E faço-o não porque considere comprovada a tese de que a área em questão (Rio das Cobras) não estivesse abrangida pelo Decreto n.º 19.918/1931, que decretou a caducidade da concessão de terras – a questão que dominou os debates no julgamento da apelação – mas, sim, por fundamentos outros, também invocados pela parte apelante em seu recurso (evento 3, APELAÇÃO547), a saber, a regularidade dominial da propriedade no Registro de Imóveis e o longo decurso temporal transcorrido sem qualquer oposição da União ou do INCRA quanto à propriedade que se supunha da apelante.
Diferentemente do que tem se alegado em outros casos de transferências de terras a particulares, realizadas no Estado do Paraná, neste caso não se fala em nulidade na transferência da propriedade – ao menos da transferência originária, para o primeiro proprietário privado; o que se argumenta é que, após a transferência da propriedade ao domínio privado, teria havido a resolução da mesma, por força do implemento da condição resolutiva, a saber, a não construção da linha férrea que teria sido condicionante à transferência do bem. Esta distinção – nulidade da transferência x implemento da condição resolutiva – produz consequências jurídicas extremamente relevantes. Como refere a doutrina, ‘não se deve confundir nulidade com a resolução. A propriedade resolúvel é adquirida por ato válido e devidamente formalizado, enquanto a propriedade nula se origina de ato sem validade, por haver sido praticado por quem não era dono, por faltar formalidade essencial ao título etc’. (Darcy Bessone, Direitos Reais, São Paulo, Saraiva, 1988, p. 78).
Vejamos o que diz o INCRA na petição inicial da ação declaratória de nulidade de título dominial (grifei):
12. (…) A origem dominial das terras sob comentário advém de titulo definitivo outorgado em 19.04.1926 pelo Estado do Paraná em favor da Companhia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, cuja área original alcançava cerca de 63.004,0000 (Sessenta e três mil hectares). Conseqüentemente, dita alienação processou-se sob a égide da primeira Constituição Republicana, promulgada aos 24 de fevereiro de 1891, a qual transferiu para os Estados-membros então ‘criados’ as terras devolutas neles situadas, permanecendo com a União somente a faixa de dez léguas de largura na divisa do Brasil com os Países vizinhos, posteriormente denominada de faixa de fronteira, ou de segurança nacional.
13. Assim sendo e considerando que o Município de Quedas do Iguaçu está encravado em sua quase totalidade na Faixa de 66 a 100 km, conforme demonstração da planta em anexo (doc. n° 02), elaborada pela Divisão de Cartografia do INCRA/SEDE, não havia, em principio, qualquer óbice à efetivação da referida alienação pelo Estado do Paraná. Ocorre, todavia, que posteriormente, isto é, em 8 de março de 1940, estando o Estado do Paraná a sofrer retaliações comerciais em virtude da contratação de créditos (no exterior) não honrados pela Cia Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, o Governo Federal fez editar o Decreto-lei n° 2.073, incorporando ao patrimônio da União, todos os bens a ela pertencentes, inclusive e, principalmente, as terras rurais situadas nos Estados de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná.
Pois bem.
De início, é necessário esclarecer que a participação do Estado do Paraná foi apenas a de emitir um título para que a área rural pudesse ser inscrita no Registro de Imóveis, certamente por questões relativas à exata individualização do mesmo e a necessária distinção das terras devolutas que, a partir da Constituição de 1891, foram repassadas ao domínio dos Estados; a transferência do bem, como é incontroverso nos autos, deu-se ainda no tempo do Império à Companhia encarregada da construção das ferrovias, e posteriormente, com a proclamação da República, veio a ser ratificada por uma série de Decretos. Houve, inequivocamente, a concessão das terras por parte do Governo Central (Governos Imperial e Federal) ao particular, o que, repito, é incontroverso nos autos.
No tocante à suposta resolução da propriedade pelo inadimplemento da condição, tem-se uma situação jurídica completamente distinta da nulidade. Esta, como já dito, inquina o ato jurídico desde o início; a resolução, por sua vez, não retira a validade originária do ato, mas apenas tem o condão de desfazê-lo a partir de determinado momento.
Todavia, para que se considere ocorrida a resolução da propriedade, é preciso uma ação (de direito material) daquele a quem a resolução beneficia, para que este fenômeno jurídico seja declarado e, mais ainda, em se tratando de imóveis, seja registrado no competente ofício imobiliário, para que produza eficácia perante terceiros.
Veja-se: segundo pretende o INCRA, a própria União teria considerado caduca a concessão das terras concedidas à Cia. Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, e o fez através do Decreto n.º 19.918/1931, no qual se lê, em seus consideranda:
O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da atribuição que lhe confere o art. 1º do decreto n. 19.398, de 11 de novembro de 1930; tendo em vista a relatório apresentado com o oficio n. 27, de 11 de abril do corrente ano, pela comissão incumbida de proceder ao exame dos atos relativos á execução dos contratos da ‘Companhia Estrada de Ferro São Paulo- Rio Grande’, com o Governo Federal; e de acordo com o estipulado na cláusula 50 do contrato de consolidação celebrado ex-vi do decreto n. 11.905, de 19 de janeiro de 1916; bem como;
Considerando que a ‘Companhia Estrada de Ferro São Paulo Rio Grande’ se obrigou a construir as seguintes linhas e ramais:
a) de Porto União à Fox do Iguassú e ramal das Sete Quedas; b) ramal de Guarapuava e sua ligação com a Estrada de Ferro de Paraná; cujos trabalhos de c construção deveria iniciar dentro do prazo de três (3) anos alíneas a e b, § 2º, da cláusula 8 do citado contrato;
Considerando que a última prorrogação desse prazo expirou em 7 de junho de 1923 (decreto n. 16.029. de 30 de abril de 1923), sem que, houvesse sido iniciados os trabalhos de construção, tendo assim caducado, independentemente de interpelação judicial, as concessões dessas linhas e ramais, na conformidade da alínea b da cláusula 30 do referido contrato; e
Considerando que, – embora essa condição resolutiva expressa haja operado de pleno direito (Código Civil, art. 119, parágrafo único), independentemente de ato do Governo, declarando terem caducado as concessões – essa declaração é oportuna e conveniente para orientação das autoridades e funcionários que teem de fiscalizar e aplicar os contratos de concessão, de forma a evitar interpelações capciosas e imprimir unidade à ação que se desenvolve através dos vários orgãos da administração pública:
Resolve declarar a caducidade das concessões à ‘Companhia Estradas do Ferro São Paulo-Rio Grande’ para a construção da linha férrea de Porto União à Foz do Iguassú, do ramal das Sete Quedas e do ramal de Gnarapuava e sua ligação com a Estrada de Ferro do Paraná, de acordo com a condição resolutiva contida na cláusula 50, alínea b, do contrato de 24 de janeiro de 1916, autorizado pelo decreto n. 11.908, de 19 de janeiro de 1916, a qual operou de pleno direito, em 7 de junho do 1923, Pelo inadimplemento da obrigação estipulada no § 2º da cláusula 8º do mesmo contrato.
Pois bem: após a emissão do Decreto, qual a providência efetiva tomada pela União para ‘orientação das autoridades e funcionários que teem de fiscalizar e aplicar os contratos de concessão, de forma a evitar interpelações capciosas e imprimir unidade à ação que se desenvolve através dos vários orgãos da administração pública’? Não se sabe. Aparentemente, nada foi feito. Ora, em se tratando de propriedade imobiliária, já sob a égide do Código Civil de 1916, qualquer modificação da propriedade – o que se dá com a caducidade decorrente do implemento de condição resolutiva – depende da transcrição ou inscrição no Registro de Imóveis (art. 676 do CC/1916), sem o que estariam completamente desprotegidos os terceiros de boa-fé e o próprio proprietário do bem. As únicas formas de aquisição da propriedade que não dependem de registro são as decorrentes de direito hereditário, usucapião ou acessão.
Assim dispunha o Código Civil da época:
Art. 530. Adquire-se a propriedade imóvel:
I – pela transcrição do título de transferência no Registro do Imóvel;
II – pela acessão;
III – pelo usucapião;
IV – pelo direito hereditário.
Art. 531. Estão sujeitos à transcrição, no respectivo Registro, os títulos translativos da propriedade imóvel, por ato entre vivos.
Art. 532. Serão também transcritos:
I – os julgados, pelos quais, nas ações divisórias, se puser termo à indivisão;
II – as sentenças, que, nos inventários e partilhas, adjudicarem bens de raiz em pagamento das dívidas da herança;
III – a arrematação e as adjudicações em hasta pública.
Art. 533. Os atos sujeitos à transcrição (arts. 531 e 532) não transferem o domínio, senão da data em que se transcreverem (arts. 856, 860, parágrafo único).
Art. 534. A transcrição datar-se-á do dia em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.
Art. 859. Presume-se pertencer o direito real à pessoa, em cujo nome se inscreveu, ou transcreveu.
A absoluta inação quanto à regularização da situação, ante o Registro de Imóveis, só pode ter decorrido de uma das seguintes hipóteses: a) a primeira, é de ter a própria União interpretado que o imóvel Rio das Cobras não estivesse abrangido pela área citada no Decreto de caducidade, tese esta defendida pela Rio das Cobras Florestal Ltda. e havia sido acolhida pelo voto do Relator originário do feito (evento 37, voto2); b) a segunda é que tal inação decorreu de desídia, negligência, o que por certo também produz efeitos jurídicos.
Verifiquemos a primeira situação: a União teria interpretado o Decreto de forma a não incluir a área denominada Rio das Cobras nas áreas que teriam caducado e revertido ao domínio público; interpretação esta, aliás, compatível com a conduta posterior de não reivindicar a área, de não promover as alterações cabíveis no Registro de Imóveis, de expedir, através do Conselho Nacional de Segurança, autorização para a venda da área, etc. Esta interpretação não seria desarrazoada, tanto que foi acolhida pelo eminente Relator originário e consta de pareceres juntados aos autos. Poderia a União (ou o INCRA), depois de várias décadas, modificar a sua interpretação em prejuízo do particular? A resposta é negativa. Haveria, na hipótese, inegável ocorrência de venire contra factum proprium, em violação aos princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica, de observância indispensável para a Administração. Não há como, depois de 90 anos (se considerada a suposta caducidade ocorrida em 1923), que o ente público simplesmente mude de idéia e passe a ter como seu aquilo que há muito era tido, de forma legítima, regular e retratada no Registro de Imóveis, como de outrem. Tal conduta violaria manifestamente o princípio da boa-fé objetiva, também de observância obrigatória para o Estado.
Analisemos, então, a segunda situação: a União realmente acreditava que o imóvel Rio das Cobras fora abrangido pela caducidade declarada através do Decreto 19.918/1931, mas não adotou as medidas necessárias junto ao Registro de Imóveis por desídia. Neste caso, tendo em vista a obrigação legal que já existia quanto à inscrição de todos os atos relativos à transferência de imóveis no Ofício Imobiliário, não havia fundamento algum para que se deixasse de providenciar à necessária inscrição deste ato de reversão. A desídia – se foi o caso – não é fundamento jurídico válido para se invocar em seu benefício, mormente em detrimento de terceiros, ainda mais terceiros de boa-fé. Desse modo, essa conduta desidiosa equivale ao reconhecimento tácito de que, efetivamente, o imóvel não fora abrangido pelo Decreto que declarou a caducidade da concessão de várias glebas.
Desse modo, temos uma situação de uma área de terras que integrou o domínio particular durante décadas, sem qualquer tipo de oposição. Se não houvesse a circunstância de que quem ora contesta a propriedade é a Fazenda Pública, reconhecer-se-ia a ocorrência da usucapião tranquilamente, pois, além da posse mansa e pacífica, estão presentes o justo título e a boa-fé.
Retomando a linha de raciocínio antes delineada, e sempre repetindo que a alienação originária da propriedade foi válida – o que é reconhecido na própria petição inicial do INCRA – e que o direito do ente público sobre o bem adviria da resolução da propriedade – um novo fato jurídico decorrente do negócio jurídico anteriormente entabulado (condição com que fora gravada a concessão para construção da via férrea), é imperioso reconhecer que os efeitos da suposta resolução devem estar adstritos a algum limite temporal para que sejam reconhecidos. Com efeito, e com a devida vênia de entendimentos diversos, é equivocada a concepção de que a passagem do tempo não teria qualquer influência, no tocante a bens públicos; o fato de estes não serem passíveis de usucapião não impede a incidência das demais normas legais que dispõem sobre os efeitos da passagem do tempo, inclusive as que tratam de prescrição e decadência, e que podem incidir sobre ações reais ou direitos formativos relacionados a imóveis.
A concessão com cláusula resolutiva, como a que se tem nos autos, possui a natureza jurídica de doação com encargo; em casos tais, a resolução da doação face à inexecução não fica disponível ao doador sem limitação temporal; há um prazo prescricional (ou decadencial, se se considerar que a resolução é um direito potestativo do doador) a ser observado, como já se decidiu em outras oportunidades. Acerca do tema, cito o precedente do STJ:
RECURSO ESPECIAL. DOAÇÃO DE TERRENO PÚBLICO. REVOGAÇÃO. INEXECUÇÃO DE ENCARGO. PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA. ART. 177 DO CÓDIGO CIVIL/16. PRECEDENTES.
1. O prazo prescricional para revogação de doação de terreno público por inexecução de encargo é de vinte anos, nos termos do art. 177 do Código Civil de 1916.
2. O art. 178, § 6º, I, do Código Civil de 1916 aplica-se apenas às hipóteses de revogação de doação por ingratidão do donatário. Precedentes.
3. Recurso especial provido.
REsp 231945/SP, 2.ª Turma, rel. Min. João Otávio Noronha, DJ 18/08/2006)
A questão que se impõe, então, é a seguinte: a simples edição do Decreto 19.918/31 bastava para que a caducidade produzisse efeitos perante terceiros? A resposta, salvo melhor juízo, é negativa, pois, como mencionado repetidamente acima, da concessão decorre um novo ato de transferência da propriedade para a União, ato este que, para produzir efeitos perante terceiros, com eficácia constitutiva, tinha que ser levado ao Registro de Imóveis. E para o exercício deste direito – no caso, o direito formativo de efetuar o registro – há de se observar o prazo vintenário, há muito já decorrido.
De se ressaltar, também, que o registro não constitui mera burocracia despida de qualquer importância substancial; ao contrário, é apenas com o registro que se garante a necessária publicidade acerca do domínio imobiliário. Afinal, a característica primordial dos direitos reais é a sua oponibilidade erga omnes, que decorre do seu propalado caráter absoluto, em oposição à característica de relatividade que possuem os direitos pessoais. E, em termos de imóveis, a oponibilidade erga omnes só é garantida a partir do registro dos atos concernentes a direitos reais imobiliários no Registro de Imóveis competente.
Cabe, aqui, o seguinte ensinamento doutrinário:
‘As situações jurídicas imobiliárias são absolutas: por serem inerentes aos imóveis e constituírem relações duradouras, devem ser conhecidas de todos, pois são suscetíveis de afetar todos aqueles que entrem em relação com o imóvel. Para que sejam aplicáveis erga omnes devem ser tornadas públicas, o que se dá com a inscrição no Registro de Imóveis. Conforme observa Diez-Picazo, a respeito dos direitos reais: ‘Pode ser dito que um negócio constitutivo de direito real, que não seja dotado da necessária publicidade, e em particular da inscrição no Registro, em relação aos terceiros de boa-fé não alcança plena efetividade e, por conseguinte, em alguma medida não chega a ser um autêntico direito real’ ‘(L. Diez-Picazo, Fundamentos del Derecho Civil Patrimonial, t. III, Madrid, 1995). (Luiz Guilherme Loureiro, Registros Públicos: teoria e prática, 4.ª ed., Rio de Janeiro, Forense, São Paulo, 2013, p. 278).
Superada a questão da ineficácia do Decreto de caducidade da concessão, em relação aos particulares, ainda que se tratasse de nulidade – ou seja, invalidade do ato, mesmo assim disso não decorreria necessariamente o desfazimento de todas as conseqüências jurídicas daí decorrentes. Veja-se que, em situação de verdadeira nulidade de títulos translativos de propriedade, o STF decidiu por não prejudicar os terceiros de boa-fé, em homenagem aos princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica. Assim foi ementado o acórdão:
EMENTA: ATO ADMINISTRATIVO. Terras públicas estaduais. Concessão de domínio para fins de colonização. Área superiores a dez mil hectares. Falta de autorização prévia do Senado Federal. Ofensa ao art. 156, § 2º, da Constituição Federal de 1946, incidente à data dos negócios jurídicos translativos de domínio. Inconstitucionalidade reconhecida. Nulidade não pronunciada. Atos celebrados há 53 anos. Boa-fé e confiança legítima dos adquirentes de lotes. Colonização que implicou, ao longo do tempo, criação de cidades, fixação de famílias, construção de hospitais, estradas, aeroportos, residências, estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços, etc.. Situação factual consolidada. Impossibilidade jurídica de anulação dos negócios, diante das consequências desastrosas que, do ponto de vista pessoal e socioeconômico, acarretaria. Aplicação dos princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança legítima, como resultado da ponderação de valores constitucionais. Ação julgada improcedente, perante a singularidade do caso. Votos vencidos. Sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da segurança jurídica e da proteção à confiança legítima, não podem ser anuladas, meio século depois, por falta de necessária autorização prévia do Legislativo, concessões de domínio de terras públicas, celebradas para fins de colonização, quando esta, sob absoluta boa-fé e convicção de validez dos negócios por parte dos adquirentes e sucessores, se consolidou, ao longo do tempo, com criação de cidades, fixação de famílias, construção de hospitais, estradas, aeroportos, residências, estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços, etc..
(ACO 79/MT, rel. Min. Cezar Peluso, DJ 20/05/2012)
É claro que o caso destes autos é diferente, porque não envolve uma área de terra com as dimensões do precedente citado, e tampouco a construção de hospitais, aeroportos, escolas, etc. Todavia, parece-se que, ainda que consideradas as diferenças nas circunstâncias fáticas, as razões de decidir se encaixam à hipótese presente. Cito, do voto do relator no julgamento acima citado, o seguinte trecho:
Ora, assim como no direito alemão, francês, espanhol e italiano, o ordenamento brasileiro revela, na expressão de sua unidade sistemática, e, na sua aplicação, vem reverenciando os princípios ou subprincípios conexos da segurança jurídica e da proteção da confiança, sob a compreensão de que nem sempre se assentam, exclusivamente, na observância da pura legalidade ou das regras stricto sensu. Isto significa que situações de fato, quando perdurem por largo tempo, sobretudo se oriundas de atos administrativos, que guardam presunção e aparência de legitimidade, devem estimadas com cautela quanto à regularidade e eficácia jurídicas, até porque, enquanto a segurança é fundamento quase axiomático, perceptível do ângulo geral e abstrato, a confiança, que diz com a subjetividade, só é passível de avaliação perante a concretude das circunstâncias. A fonte do princípio da proteção da confiança está, aí, na boa-fé do particular, como norma de conduta, e, em consequência, na ratio iuris da coibição do venire contra factum proprium, tudo o que implica vinculação jurídica da Administração Pública às suas próprias práticas, ainda quando ilegais na origem. O Estado de Direito é sobremodo Estado de confiança.
Chama a atenção, pois, que a União não só nada fez para reivindicar área que alega ser sua, durante várias décadas, como ainda, instada a se manifestar sobre a alienação da mesma, através de um de seus órgãos – o Conselho Nacional de Segurança – manifestou-se favoravelmente; e mais, posteriormente, o próprio INCRA deu início a tratativas para a compra da gleba. Vê-se, portanto, que tanto há condutas omissivas – nada fazer quanto à suposta ocupação irregular do bem e os supostos registros irregulares no Cartório de Imóveis – como há condutas comissivas – autorização do Conselho Nacional de Segurança, tratativas para a compra da área – que caracterizam a conformidade e a concordância, durante longas décadas, do domínio da propriedade na forma como constava no Registro de Imóveis.
Conclusivamente, estes são os fundamentos do voto: a) não houve qualquer nulidade na transferência da propriedade, seja na transferência inicial, seja nas subsequentes, em toda a cadeia dominial; b) a reversão da concessão, que tem a natureza jurídica de resolução da propriedade, totalmente distinta da nulidade, depende, para produzir efeitos, do registro no Cartório de Imóveis, com eficácia constitutiva; c) este registro não ocorreu; d) na mais generosa das hipóteses, e sem levar em consideração, neste momento, os direitos de terceiros de boa-fé, o prazo máximo preclusivo para o registro da resolução da propriedade seria de 20 anos (art. 177 do CC/1916); e) este prazo já decorreu há muitos anos, de modo que a União não possui mais qualquer direito sobre o imóvel; f) mesmo se se tratasse de nulidade, a passagem de várias décadas sem qualquer providência permite que se considere convalidado o ato, face à absoluta omissão da União em tomar as providências necessárias para recuperar o seu alegado patrimônio, não apenas em função do dever de resguardar o seu patrimônio, mas também do dever de não sujeitar terceiros de boa-fé a riscos desnecessários.
Uma vez que a maioria já está formada para deferir a indenização por aquilo que foi elencado como benfeitorias e não reconhecer direito à indenização pela terra nua, deixo de manifestar-me sobre a questão dos valores, tendo em vista a definição do julgamento.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso da Rio das Cobras Florestal Ltda e julgar prejudicado o recurso do INCRA.
EDUARDO GOMES PHILIPPSEN
Juiz Federal Convocado

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