“Um agricultor do município de Tangará (SC) terá que pagar multa de R$ 67.807,00 ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por ter destruído 6,36 hectares de floresta nativa pertencente ao Bioma Mata Atlântica em 2008. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) deu provimento a recurso do Ibama, considerando a autuação legal.
A Justiça Federal de Joaçaba (SC) havia anulado a penalidade, levando o instituto a recorrer ao tribunal. Segundo a relatora, desembargadora federal Marga Inge Barth Tessler, o Ibama realizou fiscalização em área onde se identificou intervenção ambiental fruto de interferência humana com derrubada aleatória de mata nativa em meio a florestas nativas secundárias.
‘Há indicativos de aproveitamento de lenha e de material que formaria feno em local recoberto por pastagens. Os fiscais também identificaram emprego de trator, motosserra e foices, sendo que o executado não possuía autorização para a supressão de vegetação’, concluiu a desembargadora.
O autor alegou ainda que a perícia não identificou as espécies afetadas na perícia, fazendo uma apreciação genérica da área. Para a desembargadora, a circunstância de impossibilidade de identificação das espécimes por ausência de vestígios de mata derrubada não deve acobertar a conduta do proprietário da terra.
Marga ressaltou que entre a vistoria ocorrida em 2008 e o laudo pericial emitido em 2015 passaram-se muitos anos, sendo possível a alteração do cenário ambiental lá encontrado.
‘Acatar tal tese na presente situação significaria legitimar a atitude degradatória ao meio ambiente, restando o infrator impune em virtude de o mesmo não ter deixado vestígios. Haveria ofensa aos princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente. Outrossim, não se pode olvidar da presunção de veracidade do servidor do Ibama que identificou a espécie vegetal à época da fiscalização e lavrou a multa’, concluiu a desembargadora”.
Fonte: TRF4.
Confira a íntegra da decisão:
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5003541-72.2013.4.04.7203/SC
RELATORA: DESEMBARGADORA FEDERAL MARGA INGE BARTH TESSLER
RELATÓRIO
Trata-se apelação interposta contra sentença de procedência aos embargos à execução fiscal, declarando a nulidade da CDA em razão de incerteza sobre os fatos relatados no auto de infração quanto à supressão de floresta nativa. Honorários em 10% sobre o valor da causa, a cargo do IBAMA.
O IBAMA apela afirmando a legalidade do auto de infração e a independência das esferas penal e administrativa, sendo a absolvição criminal irrelevante para a manutenção da multa, porquanto não foi caso de declaração de inexistência do crime ou da autoria. Alega a presunção de veracidade do ato administrativo e que a perícia não foi conclusiva porque realizada muitos anos depois dos fatos.
Com contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
O executado foi autuado por ter destruído 6,36 hectares de floresta nativa pertencente ao Bioma Mata Atlântica, em 2008 (art. 50c/c 70 da lei 9605/98, art.3º, dec. 6514/08, art. 50c/c art. 49 da Lei nº 4771/65), gerando o auto de infração nº 450468-D. Multa de R$ 67.807,10 em março de 2013.
Conforme a descrição contida no PAD do ev.9 – procadm2, o MPF solicitou ao IBAMA vistoria no local de infração, quando se constatou descumprimento de embargo, dando origem ao novo auto de infração, protocolado sob o nº 559136 – D, em 2009. Foi oportunizada apresentação de projeto de reparação, de alegações finais. O processo foi a julgamento administrativo, que homologou a multa e o embargo ao local (ev.9, procadm2, pág.111).
O processo foi enviado para inscrição em dívida ativa, ocorrida em março de 2013. Iniciada a execução fiscal, a qual embargada e sentenciada, deu origem ao presente recurso.
Devidamente processado o feito, foi proferida sentença que, alinhada com sentença penal absolutória transitada em julgado a favor do executado, concluiu que :
Ressalto, ainda, que foi realizado perícia na área, sendo conclusivo
De outro lado, na ação penal nº 071.09.000834-1, que teve trâmite na Comarca de Tangará/SC, em que se discutiu os mesmos fatos que originaram o Auto de Infração nº 450741 – D, foi proferida sentença absolvendo o ora embargante, nos seguintes termos (evento nº 01/OUT8):
(…)
Na hipótese, como já dito, sempre houve a simples menção de que foram destruídos 6,36 hectares de floresta nativa pertencente ao Bioma Mata Atlântica, porém sem qualquer laudo técnico que comprovasse efetivamente que as árvores cortadas compunham algum dos tipos de florestas(nativas) previstos como constituintes da Mata Atlântica (Floresta Ombrófila Densa ou Aberta, Mata de Araucárias, Floresta Estacional, manquezais, vrejos interioranos, entre outros).
Outrossim, a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina vem se inclinando pela exigência de prova pericial, a fim de comprovar a materialidade de crimes ambientais como o em comento.
A propósito:
“APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. DANIFICAÇÃO DE VEGETAÇÃO SECUNDÁRIA EM ESTÁGIO MÉDIO DE REGENERAÇÃO, DO BIOMA DA MATA ATLÂNTICA (LEI N. 9.605/98, ARTS. 38-A, CAPUT).IMPRESCINDIBILIDADE DA PERÍCIA TÉCNICA POR PROFISSIONAL HABILITADO.MATERIALIDADE NÃO EVIDENCIADA. […] não há como imputar ao acusado o crime ambiental previsto no art. 38-A, caput, da Lei n 9.605/98, quando ausente no caderno processual laudo técnico hábil a demonstrar se o dano ocorrido dera-se em área de Bioma Mata Atlântica, bem como inexiste certificação pericial da extensão do dano e da classificação científica da vegetação atingida, mormente se na hipótese a infração deixou vestígios.”(Ap. Criminal n. 2010.017169-2, Rel. Des. Salete Silva Sommariva, j. em 6/7/2010).
No caso concreto, além do feito não ter sido instruído com prova pericial (a qual entendo prescindível desde que suprida por elementos concretos), o levantamento realizado pelo IBAMA é deveras vago, não individualizando a vegetação destruída, razão pela qual não pode servir de base para uma condenação.
Nesse sentido:
“Em matéria criminal tudo deve ser preciso e certo,sem que ocorra possibilidade de desencontro na apreciação da prova. Desde que o elemento probante não se apresente com cunho de certeza, a absolvição do réu se impõe.”(RJTJSP 10/545).
Assim, ausente a comprovação da elementar do tipo penal “florestas nativas”, a absolvição do Réu, por não comprovada a materialidade delitiva, é medida que se impõe.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a denúncia de fls. II/III e, por conseguinte, ABSOLVO o acusado EVANDRO RANDON, já qualificado, da imputação que lhe foi feita nestes autos, o que faço com fundamento no art. 386, incisos II, do CPP.
Sem custas.
Transitado em julgado, arquive-se, com as anotações e baixa devidas.
Nesse cenário, tendo a sentença penal absolutória reconhecido a ausência de materialidade do crime ambiental, os seus termos vincula o Juízo Cível, nos termos do art. 66 do CPC. (sic)
o perito no sentido de não haver a possibilidade de identificar “que espécimes foram suprimidos, pois não restam vestígios dos mesmos nas áreas”.
Considerando a existência de sentença penal absolutória reconhecendo a inexistência material do crime ambiental, aliada à conclusão do perito no sentido de que não é possível identificar quais espécimes foram suprimidas, tenho que não permanece a certeza dos fatos relatados no Auto de Infração e, por consequência, da CDA que embasa a execução fiscal, notadamente porque não restou confirmada judicialmente, na ação penal e tampouco nos presentes embargos, a supressão de floresta nativa, pertencente ao Bioma Mata Atlântica, objeto de especial preservação, fato que deu origem à lavratura do Auto de Infração, cuja multa está sendo cobrada na execução fiscal.
Por tais motivos, procedem as razões que justificaram a propositura da presente demanda, devendo ser declarada a nulidade da CDA nº 21505, ficando prejudicadas as demais alegações das partes.
Da leitura do trecho acima, ressai que as fundamentações sentenciais, tanto cível quanto crime, residem na ausência de materialidade do crime, pois a jurisprudência penal exige prova pericial comprovando que as árvores cortadas compunham floresta nativa. Ambos juízos entenderam que no presente caso a perícia é insuficiente a demonstrar a degradação ambiental.
Porém, diversamente da inclinação da magistrada de origem, há sim responsabilização administrativa pelo dano ambiental. A instância criminal vincula a esfera cível apenas nos casos de negativa do fato ou da autoria (respectivamente, art. 386, IV e VI do CPP).
Na hipótese sob exame, o executado foi absolvido em processo criminal gerado por apontado crime ambiental pelos mesmos fatos discutidos no juízo cível. Mas não houve, na solução da controvérsia penal, o reconhecimento da inexistência do fato. A decisão absolutória limitou-se à negativa de provas, inciso II, do art. 386, do CPP, o que não impede de examinar a questão sob o ponto de vista administrativo, como fruto de interpretação sistemática dos art. 66 e 67, III, do CPP.
E nesse aspecto, a sentença merece reforma.
Apesar de a perícia dos autos ser considerada insuficiente para fins penais, é plenamente válida para fins administrativos comprovando a ocorrência da situação capitulada no arts. 50 c/c 70 da Lei 9605/98, art.3º, Dec. 6514/08, a seguir transcritos:
Lei nº 9.605/98:
Art. 50. Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Decreto nº 6.514/08:
Art. 3o As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções:
[…]
II – multa simples;
[…]
VII – embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas;
Com efeito, nos termos do procedimento administrativo acostado aos autos, em 28/10/08, o IBAMA realizou fiscalização em área onde se identificou intervenção ambiental fruto de interferência humana com derrubada aleatória de mata nativa em meio a florestas nativas secundárias. Há indicativos de aproveitamento de lenha e de material que formaria feno em local recoberto por pastagens. Os fiscais também identificaram emprego de trator, motosserra e foices (ev.9, procadm 2, pag.6). Restou consignado que o executado não possuía autorização para a supressão de vegetação (ev.9-procadm2, pag.14).
O embargante se defendeu (pag.23). Houve nova vistoria em 07/05/09, que detectou que a área desmatada foi utilizada para cultivo agrícola (plantação de milho). Em outra parte da área, foi identificado satisfatório desenvolvimento de plantas nativas de ocorrência natural (pag.70). Na segunda vistoria também se consignou que a utilização de máquinas/trator ocorreu revolvimento em um dos pontos da leira, com exposição dos remanescentes florestais, objetos da área autuada (pag.72).
Mais adiante, o laudo técnico formulado pelo IBAMA conclui que (ev.9- procadm7, pag. 9):
(…) a vistoria in loco permitiu constatar que o interessado continua utilizando a área, assim como, constatado quando da autuação por descumprimento do embargo em 07/05/2009, não tendo efetuado nenhuma ação para recuperação da área degradada.
Entendemos que o simples abandono de parte de área do polígono O1, onde esta ocorrendo a regeneração natural. não satisfaz a recuperação, que deve ser incrementado com a introdução de mudas de espécies nativas diversas para que se promova a recuperação do local restabelecendo no futuro a consolidação da floresta ao nível que se encontrava por ocasião da autuação.
Por sua vez, no laudo técnico realizado nestes autos (ev.53), demonstra que houve supressão de vegetação, situação essa incontroversa. As fotos da pág. 4 do ev. 53 indicam claramente a supressão de vegetação do “ponto 1/área 1”. Há a resposta ao quesito número 4 de que atualmente a área está sendo usada para cultivo de soja, a qual havia sido recentemente colhida (pág.10).
Considero suficiente o conjunto probatório acima exposto para demonstrar destruição de florestas nativas, sendo hábil o título executivo, devendo ser mantida a cobrança da multa.
Destaco o quesito 3, qual seja:
Quesito 3: Há como identificar se os espécimes eventualmente suprimidos podem ser qualificadas como componentes da “floresta nativa pertencente ao bioma mata atlântica?
R: Não há como identificar que espécimes foram suprimidos, pois não restam mais vestígios dos mesmos nas áreas,
A resposta aqui dada não é robusta o suficiente para, por si só, afastar responsabilização do executado. A circunstância de impossibilidade de identificação das espécimes por ausência de vestígios não deve acobertar a conduta do proprietário da terra. Mister observar que entre a vistoria ocorrida em 2008 e o laudo em 2015 passaram-se muitos anos, sendo possível a alteração do cenário ambiental lá encontrado. Acatar a tese de ausência de vestígios na presente situação significaria legitimar a atitude degradatória ao meio ambiente, restando o infrator impune em virtude de o mesmo não ter deixado vestígios. Haveria ofensa aos princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente. Outrossim, não se pode olvidar da presunção de veracidade do servidor do Ibama que identificou a espécie vegetal à época da fiscalização e lavrou a multa.
Portanto, os dispositivos da Lei 9.605/98 estipulam que a conduta consistente em destruir ou danificar floresta corresponde a infração administrativa, sendo que essa infração poderá ser punível com multa simples, tal como procedeu o IBAMA e assim deve ser mantido.
Invertida a sucumbência.
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
EMENTA
AMBIENTAL. SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA. EFEITOS CÍVEIS. ART.66 DO CPP. RESPONSABILIZAÇÃO ENQUADRADA NA LEI Nº 9605/98. MANUTENÇÃO DA MULTA.
1. Na hipótese sob exame, o executado foi absolvido em processo criminal gerado por apontado crime ambiental pelos mesmos fatos discutidos no juízo cível. Mas não houve, na solução da controvérsia penal, o reconhecimento da inexistência do fato. A decisão absolutória limitou-se à negativa de provas, inciso II, do art. 386, do CPP, o que não impede de examinar a questão sob o ponto de vista administrativo, como fruto de interpretação sistemática dos art. 66 e 67, III, do CPP.
2. Apesar de a perícia dos autos ser considerada insuficiente para fins penais, é plenamente válida para fins administrativos comprovando a ocorrência da situação capitulada no arts. 50 c/c 70 da Lei 9605/98, art.3º, Dec. 6514/08, que estipulam que a conduta consistente em destruir ou danificar floresta corresponde a infração administrativa, sendo que essa infração poderá ser punível com multa simples, tal como procedeu o IBAMA e assim deve ser mantido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de fevereiro de 2018.
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