Não é possível o registro de escritura pública de compra e venda de imóvel rural, tendo em vista a não identificação da fração ideal alienada como corpo certo e a descrição precária do imóvel
O Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (CSM/SP) julgou a Apelação Cível nº 0005085-94.2014.8.26.0189, onde se decidiu não ser possível o registro de escritura pública de compra e venda de imóvel rural, tendo em vista a não identificação da fração ideal alienada como corpo certo e a descrição precária do imóvel, violando o Princípio da Especialidade Objetiva. O acórdão teve como Relator o Desembargador Hamilton Elliot Akel e o recurso foi, por unanimidade, julgado improvido.
O caso trata de dúvida suscitada em face da negativa de registro de escritura pública de compra e venda em razão de violação do Princípio da Especialidade Objetiva, tendo em vista que a fração ideal de terreno adquirida não se identifica como corpo certo, dada a precariedade da descrição da área maior. Em suas razões, o recorrente alegou que, ainda que a área maior esteja precariamente descrita, deveria ser permitido o registro, para que depois se possibilitasse o ajuizamento de ação de usucapião em condomínio. Afirmou, também, que não é viável a retificação da área maior nem a extinção do condomínio, tendo em vista que já não se sabe quem seriam os condôminos, não sendo possível refazer a comunhão.
Ao analisar o recurso, o Relator entendeu ser incontroverso que a descrição da área maior de onde é tirada a fração adquirida pelo recorrente é precária, não permitindo a definição do imóvel rural como corpo certo, o que impede o registro pretendido. Além disso, o Relator observou que o imóvel em questão deveria ter sido georreferenciado previamente ao desmembramento, conforme art. 176, §§ 3º e 5º da Lei de Registros Públicos. Por fim, destacou que “não se compreende exatamente o que o recorrente entende por ‘usucapião em condomínio’ (fls. 60/63). Ao que parece, pretende a usucapião sobre a fração de que seria proprietário em condomínio com os detentores das demais partes ideais do todo. Ora, desse raciocínio não se depreende por que motivo considera possível o registro. Ao contrário, no caso do recorrente, a usucapião seria justamente a forma de aquisição da propriedade, que, por ser originária, não encontraria os óbices acima mencionados.”
Diante do exposto, o Relator votou pelo improvimento do recurso.
Acórdão – DJ nº 0005085-94.2014.8.26.0189 – Apelação Cível
: 28/10/2015
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0005085-94.2014.8.26.0189, da Comarca de Fernandópolis, em que é apelante APARECIDO ORATI, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE FERNANDÓPOLIS.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI (VICE PRESIDENTE), GUERRIERI REZENDE (DECANO), ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO, RICARDO ANAFE.
São Paulo, 07 de outubro de 2015.
ELLIOT AKEL
RELATOR
Apelação Cível nº 0005085-94.2014.8.26.0189
Apelante: Aparecido Orati
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Fernandópolis
Voto nº 34.285
REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – IMÓVEL RURAL – NÃO IDENTIFICAÇÃO COMO CORPO CERTO – DESCRIÇÃO PRECÁRIA – QUEBRA DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE OBJETIVA – IMPOSSIBILIDADE DE REGISTRO DE ESCRITURA PÚBLICA DE VENDA E COMPRA – RECURSO DESPROVIDO.
Trata-se de dúvida suscitada em face da negativa de registro de escritura pública de venda e compra em razão da quebra do princípio da especialidade objetiva, já que a fração ideal de terreno adquirida não se identifica como corpo certo, dada a precariedade da descrição da área maior. Acolheu-a a sentença de fls. 48/50.
O recorrente alega que, malgrado a precariedade da descrição da área maior, deveria ser permitido o registro, para que depois se possibilitasse o ajuizamento de usucapião em condomínio. Afirma que não é viável a retificação da área maior nem a extinção do condomínio, visto que já não se sabe quem seriam os condôminos, não se podendo, a essa altura, refazer a comunhão.
A Douta Procuradoria opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
O recurso não merece provimento.
Inobstante a negativa de registro empurre o recorrente à usucapião, não se vislumbra, na esfera administrativa, no presente caso, outra solução.
É incontroverso que a descrição da área maior – de onde tirada a fração adquirida pelo recorrente – é precária e não permite a definição do imóvel, rural, como um corpo certo.
Os itens 12.1 e 12.1.1, do Capítulo XX, das NSCGJ prescrevem:
12.1. O acesso ao fólio real de atos de transferência, desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais dependerá de apresentação de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) ou Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional estabelecida pelo INCRA, observados os prazos regulamentares.
12.1.1. A descrição precária do imóvel rural, desde que identificável como corpo certo, não impede o registro de sua alienação ou oneração, salvo quando sujeito ao georreferenciamento ou, ainda, quando a transmissão implique atos de parcelamento ou unificação, hipóteses em que será exigida sua prévia retificação.
A leitura a contrario sensu do item 12.1.1 não deixa dúvidas. Uma vez que o imóvel rural em questão – fração ideal de área maior descrita precariamente – não pode ser identificado como corpo certo, o registro resta impedido. Ademais, segundo o artigo 176, parágrafos 3º e 5º, da Lei de Registros Públicos, o imóvel, desmembrado de área maior, teria que passar por georreferenciamento.
O registro da escritura, aqui, feriria o princípio da especialidade objetiva. Para Afrânio de Carvalho, o princípio da especialidade do imóvel significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro (Reg de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei 6015/73, 2a ed., Rio de Janeiro, 1977, p. 219). Por isso, o imóvel deve estar perfeitamente descrito no título objeto de registro de modo a permitir sua exata localização e individualização, não se confundindo com nenhum outro.
A mitigação do princípio não é possível, pois o registro da escritura – que não se refere ao todo, mas a parte ideal – não permitiria identificar o imóvel e isso criaria enorme insegurança jurídica, além de significar afronta ao mencionado artigo 176, da Lei de Registros Públicos e às Normas de Serviço.
Por fim, não se compreende exatamente o que o recorrente entende por “usucapião em condomínio” (fls. 60/63). Ao que parece, pretende a usucapião sobre a fração de que seria proprietário em condomínio com os detentores das demais partes ideais do todo. Ora, desse raciocínio não se depreende por que motivo considera possível o registro. Ao contrário, no caso do recorrente, a usucapião seria justamente a forma de aquisição da propriedade, que, por ser originária, não encontraria os óbices acima mencionados.
Nesses termos, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.
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