Cuidam os autos de relatório de auditoria operacional nas ações do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Adoto como relatório a instrução a seguir transcrita, elaborada no âmbito da Secretaria de Controle Externo da Agricultura e do Meio Ambiente (SecexAmbiental), que contou com a anuência do escalão dirigente da unidade técnica especializada (peças 60-62):
Fonte: Cruzamento de dados efetuado pelo TCU.
Cabe destaque a redução do percentual de indícios de irregularidades encontrados entre 2012 e 2015. Esse fato é atribuído à evolução do Título 30 do Manual Operativo da Conab (MOC) e evolução da metodologia de fiscalização realizada pela Conab.
Caso confirmados os casos de irregularidades apontados, a aplicação de recursos do PAA em beneficiários fornecedores irregulares representará o valor total de R$ 96.248.263,99, entre os exercícios de 2012 a maio de 2015, atualizados até o dia 28/3/2016.
A principal causa para a situação encontrada é a fragilidade dos documentos e comprovações exigidos para a aprovação dos projetos do PAA/CDS. A exigência de Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) e demais formulários de cadastro utilizados como comprovantes para enquadramento são declaratórios e não há conferências adicionais, fiscalizações in loco ou procedimentos de cruzamento de dados com outras bases governamentais para verificação do perfil dos beneficiários.
Ademais, os processos de aprovação dos projetos do PAA/CDS apresentam diversas inconsistências em sua documentação comprobatória. Esse fato pôde ser observado nos processos de auditoria de conformidade no programa nos estados de Sergipe, Bahia, Minas Gerais e São Paulo. Em São Paulo foi identificado que 90,5% dos processos de PAA/CDS não apresentavam a DAP Pessoa Jurídica.
Além dos indícios de irregularidades, foram identificados fatores de risco, que não constituem indícios, mas devem ser objeto de avaliação pela Conab pois é provável a ocorrência de irregularidades ou inconsistências. Os fatores de risco identificados estão relacionados na Tabela abaixo.
Tabela 2 – Situações de risco relacionadas ao perfil dos beneficiários.
Ocorrência |
2012 |
2013 |
2014 |
2015 |
|
Qtd. |
% |
Qtd. |
% |
Qtd. |
% |
Qtd. |
% |
Titulares de mandatos eletivos |
49 |
0,06% |
1 |
0% |
1 |
0% |
0 |
0% |
Detentores de emprego/cargo publico |
2.181 |
2,5% |
1.369 |
3,5% |
1.376 |
3,6% |
93 |
3,4% |
Empresários do ramo não agrícola |
745 |
0,8% |
362 |
0,9% |
464 |
1,2% |
29 |
1,0% |
Não possui vínculo com imóvel rural no SNCR |
65.023 |
75,2% |
31.241 |
81,9% |
31.531 |
84,0% |
2063 |
77,0% |
Total removidas as duplicatas |
65.583 |
75,91% |
31.487 |
82,63% |
31.797 |
84,77% |
2.082 |
77,74% |
Fonte: Cruzamento de dados efetuado pelo TCU. *Valor excluído duplicidades não corresponde a soma dos valores anteriores, pois há vários candidatos enquadrados em mais de um requisito. Porcentagem calculada dividindo o número de beneficiários irregulares pela quantidade de beneficiários contemplados no respectivo ano.
Quanto as situações de riscos identificadas, cabe destaque para número de beneficiários fornecedores que não possuíam registro no Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR). A Lei 5.868/1972, em seu art. 2º, cria a obrigatoriedade que qualquer pessoa que explore a atividade agrícola, pecuária, extrativa vegetal o agroindustrial seja cadastrado no SNCR, com exceção dos agricultores inscritos no Sistema de Inforamçõe de Projetos de Reforma Agrária (SIPRA). Com média de 1,8% de beneficiários fornecedores irregulares no SNCR aumenta o risco de irregularidades no Programa, pois não é possível verificar a real quantidade de beneficiários com área superior a 4 módulos fiscais.
Cabe destaque a situação das DAPs a serem apresentadas à Conab para verificação da documentação, antes de formalizar a CPR. O Decreto 7.775/2012 define que a aptidão para participação do PAA é avaliada por meio de apresentação da DAP. No entanto, o Título 30 do Manual de Operações da Conab (MOC) ao relacionar a documentação obrigatória a ser apresentada define que devem apresentar a DAP somente os beneficiários não relacionadas na DAP jurídica. Ocorre que para obter a DAP jurídica é necessário que somente 60% dos associados ou cooperados sejam detentores de DAP pessoa física, conforme o art. 11, da Portaria MDA 26/2014.
A exceção criada pelo MOC abre a possibilidade para que pessoas não vinculadas à agricultura familiar participem do Programa, pois o fato de constar na relação de entidade com DAP jurídica não garante que a pessoa é vinculada à agricultura familiar. Além disso, no caso de utilização da DAP jurídica, não é analisado o extrato da DAP, com no mínimo 30 dias de vigência, o que aumenta o risco de pessoas com DAPs vencidas integrarem a CPR Doação.
Para a solução dos problemas apresentados e considerando as causas identificadas, propõe-se a expedição de determinação à Conab para que:
a) estabeleça controles internos adicionais nos processos do PAA/CDS, de modo a proporcionar o cumprimento do art. 16, caput e §1º, a exemplo de: cruzamento de dados, sistematização de procedimentos e instrução processual, checagem das informações fornecidas pelo beneficiário, mecanismos de controle de qualidade das instruções processuais, revisão do trabalho – externa ao departamento responsável, fiscalização em campo;
b) em obediência ao princípio da legalidade e da eficiência constantes do art. 37 da CF, envie plano de providências para confirmação das irregularidades e/ou correção dos registros, e de recuperação do montante financeiro referente à diferença entre o valor de aquisição dos produtos e o valor de mercado do produto à época da operação, conforme histórico de preços da bolsa de mercadorias/CONAB e demais custos incorridos para as operações em que forem confirmadas as irregularidades.
Espera-se com a adoção das medidas propostas a recuperação do prejuízo referente a diferença entre o valor pago aos beneficiários irregulares e o valor de mercado dos produtos, alinhado a uma aplicação futura de recursos aderente às normas e objetivos do Programa, além de diminuição de inconformidades processuais e aumento da expectativa de controle.
A adoção de critérios formais para a distribuição de recursos do PAA irá contribuir para o cumprimento de objetivos do Programa.
A distribuição de recursos do PAA/CDS entre os estados da federação não cumpre com o objetivo fundamental expresso no artigo 3º, inc. III da CF/88 de diminuição das desigualdades regionais e prejudica o cumprimento dos objetivos do Programa tanto no que se refere à agricultura familiar quanto no que se refere à população em estado de insegurança alimentar.
Não foi identificado, na legislação que permeia a Compra com Doação Simultânea do Programa de Aquisição de Alimentos, a definição clara de como deve ocorrer a partilha dos recursos entre os estados brasileiros de forma a atender os objetivos e finalidades definidos na Lei 10.696/2003 e no Decreto 7.775/2012.
Nota-se, pela análise dos mapas da Figura 3, que a distribuição dos recursos entre os estados da federação não privilegia estados onde os agricultores têm menores rendas e/ou que possuam maior percentual da população em situação de insegurança alimentar.
Figura 3 – Mapas de aplicação de recursos pelo PAA de 2012-2014, quantidade de estabelecimentos da agricultura familiar e renda média da agricultura familiar
Fonte: Mapas confeccionados pelo TCU com base em dados da Conab e do Censo Agropecuário.
Os mapas a seguir mostram que a distribuição dos recursos entre os estados da federação também não privilegia estados que possuem menor IDHM ou que possuem o maior percentual da população do estado em insegurança alimentar leve, moderada ou grave.
Figura 4 – Aplicação de recursos PAA/CDS 2012-2014, percentual da população em insegurança alimentar e IDHM
Fonte: Mapas confeccionados pelo TCU com base em dados da Conab, PNDA 2013 – Segurança Alimentar e do sítio www.atlasbrasil.org.br
Do total de gastos da Compra com Doação Simultânea, entre 2012 e 2014, nota-se uma concentração de recursos em alguns estados como São Paulo (23,85%), Bahia (9,32%) Minas Gerais (7,34%), Santa Catarina (5,37%) e Paraná (5,24%). Os estados com maior aplicação de recursos da CDS são os que possuem uma agricultura familiar mais organizada e estruturada empresarialmente e com maior força econômica.
Os mapas mostram os estados coloridos em tons de vermelho e laranja como os mais necessitados de doações de alimentos, que é um dos objetivos do PAA/CDS. Há certa correlação entre a quantidade de estabelecimentos da agricultura familiar com a aplicação de recursos, no entanto os estados com menor renda média da agricultura familiar não são os que possuem maior aplicação de recursos da CDS.
Apenas o estado da Bahia está entre os maiores recebedores de recursos do PAA no período avaliado e é inserido como estado prioritário para o recebimento de recursos pelos critérios adotados pela auditoria. Cabe destacar que os critérios escolhidos foram utilizados para demonstrar que a aplicação de recursos da CDS não está aderente aos objetivos e finalidades do Programa e não significa que são os melhores critérios para a distribuição da CDS entre os agricultores familiares.
Como resultado dessa distribuição dos recursos do PAA/CDS entre os estados da federação, o cumprimento dos objetivos do programa, quais sejam fortalecer a agricultura familiar, gerando renda para esse grupo populacional e de combater a insegurança alimentar e nutricional, por meio de doação de alimentos, é prejudicado. Além disso, essa alocação de recursos acaba por aprofundar as diferenças regionais, contrariando o objetivo fundamental da república, disposto no art. 3º, inc. III da CF/88, de diminuição das desigualdades regionais.
A principal causa para essa situação encontrada é a ausência de formalização de critérios objetivos para a distribuição dos recursos entre os estados da federação, tendo como base os objetivos da política pública. Dessa forma, informalmente os recursos são distribuídos conforme os seguintes critérios: carteira de propostas de cada estado; a média da execução dos últimos três anos; e a tendência dos últimos três anos. Tais critérios não garantem o atendimento a estados ou regiões que mais necessitam desses recursos de acordo com os objetivos e finalidades do Programa.
Para a solução dos problemas apresentados e considerando as causas identificadas, propõe-se que o Grupo Gestor do PAA, o MDS e a Conab desenvolvam, regulamentem e apliquem critérios de alocação dos recursos entre os estados de modo a cumprir os objetivos e finalidades do PAA/CDS, estabelecidos na Lei 10.696/2003 e no decreto 7.775/2012, o princípio da eficiência, definido no art. 37 da CF/88 e do art. 3º, inc. III da CF/88.
Espera-se que com a adoção das medidas propostas que haja prioridade à aplicação de recursos em unidades da federação com maior necessidade, em consonância com os objetivos e finalidades do PAA. Dessa forma, será possível obter maior eficiência dos recursos públicos aplicados.
A implantação de uma sistemática de monitoramento e avaliação do PAA/CDS é fundamental para o aperfeiçoamento constante da política.
As ações governamentais no PAA/CDS não têm sido acompanhadas suficientemente para aferir seus resultados e utilizá-los para a promoção de aperfeiçoamentos da política. O andamento e o resultado de suas operações não têm sido monitorados e avaliados de forma condizente com as finalidades do Programa elencadas no art. 2º do Decreto 7.775/2012.
Verificou-se que os indicadores acompanhados no PAA não são suficientes para aferir o desempenho das iniciativas, a efetividade e eficiência do programa, conforme os critérios definidos nos documentos Técnica de Indicadores de Desempenho para Auditorias do Tribunal de Contas da União (Portaria Segecex 33/2010) e Orientações Básicas Aplicadas à Gestão Pública do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). Os indicadores existentes apenas relatam os processos e não as finalidades do programa preconizadas no art. 2º do Decreto 7.775/12, dispostas, resumidamente, na figura a seguir.
Figura 5 – Finalidades do PAA, conforme art. 2º do Decreto 7.775/12
Fonte: Elaborado pelo TCU com dados do Decreto 7.775/2012.
Não existe um documento com a formalização dos indicadores para a CDS ou o PAA. Nas entrevistas realizadas com o GGPAA e o MDS foram relatados alguns indicadores utilizados que são resultados das normas criadas pelo GGPAA. Na Ata de Reunião Extraordinária do GGPAA, realizada em 10/7/2015 foi apresentado um balanço da execução do PAA entre 2003 e 2014. Nota-se que no balanço apenas é apresentado dados referentes à execução do Programa (processos de trabalho) e não consta informações sobre a efetividade do PAA e alterações provocadas na realidade. Na página da internet http://dados.gov.br/dataset/paa-programa-de-aquisicao-de-alimentos-da-agricultura-familiar são apresentados três indicadores de resultados governamentais relativos ao PAA, que são: Volume de recursos liberados para o PAA; quantidade de alimentos comprados pelo PAA; e quantidade de agricultores cadastrados no PAA. Cabe destaque que mesmo com esses indicadores cadastrados, na página da internet não há informação sobre a apuração e resultados.
Os indicadores identificados são relacionados aos insumos, processos ou a produtos e não abordam aspectos de resultado e de impacto da política pública, ou seja, não medem o alcance dos objetivos e finalidades e os efeitos na sociedade a médio e longo prazo. Tais indicadores não demonstram, por exemplo, qual foi a influência do PAA em termos de inclusão social dos fornecedores frente ao momento anterior à implantação da política pública, o quanto o PAA incentivou e valorizou o consumo de produtos da agricultura familiar ou qual foi a influência do programa no fortalecimento dos circuitos locais e regionais e redes de comercialização durante esse período.
No que se refere à finalidade “promover o acesso à alimentação, em quantidade, qualidade e regularidade necessárias, às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, sob a perspectiva do direito humano à alimentação adequada e saudável” a situação é ainda mais crítica, uma vez que, segundo o próprio MDS, não há precisão da quantidade de pessoas atendidas e pôde-se verificar isso nos TCs 013.059/2014-9 (MA, PI, CE), 010.395/2013-0 (MG) e 014.012/2014-6 (SP), que há recebimentos fictícios, falta de controle por parte das unidades recebedoras e beneficiários consumidores que não preenchem os requisitos, colaborando com a imprecisão.
Como efeito da ausência de um sistema de monitoramento e avaliação eficiente nota-se que não há coleta sistemática de informação sobre insumos, produtos, atividades e circunstâncias que são relevantes para a efetiva implementação da política pública de forma consistente com as finalidades descritas no art. 2º do Decreto 7.775/2012. Dessa forma, não é possível uma análise de custo benefício da política, bem como a correção de problemas de desempenho ou o desenvolvimento de aprimoramentos na política.
A causa identificada para essa situação é de que não houve iniciativa do MDS, da Conab ou do GGPA no sentido de formalizar e implementar dinâmica de monitoramento e avaliação do PAA/CDS que contenha os elementos necessários para a aferição do cumprimento das finalidades dispostas no art. 2º do Decreto 7.775/2012, conforme boas práticas descritas no componente “Monitoramento e Avaliação” do Referencial de Avaliação de Governança de Políticas Públicas do TCU.
Para a solução dos problemas apresentados e considerando as causas identificadas, propõe-se, em conformidade com as boas práticas descritas no Componente “Monitoramento e Avaliação” do Referencial de Avaliação de Governança de Políticas Públicas do TCU, em obediência aos princípios da eficiência e da publicidade, constantes do art. 37 da CF/88, recomendar ao MDS que, em conjunto com a Conab e o GGPAA, formalize e implemente rotinas de monitoramento que compreendam, pelo menos: i. definição do escopo, do propósito e dos demandantes do sistema de monitoramento e avaliação desde o momento de formulação da política; ii. identificação de indicadores-chave de progresso para os principais objetivos da política; iii. disponibilidade suficiente de dados confiáveis e relevantes para dar suporte aos relatórios de desempenho da política; iv. identificação dos principais agentes responsáveis pelo fornecimento e utilização de dados e informações; v. comunicação regular sobre o progresso da política, mediante relatórios de implementação, às principais partes interessadas; vi. monitoramento e avaliação dos progressos para os principais produtos (deliverables) da implementação; vii. internalização de lições aprendidas antes do início de etapas subsequentes, no caso de políticas constituídas por iniciativas sequenciadas; viii. distinção entre os fatores endógenos e exógenos na avaliação do sucesso ou fracasso da política; ix. comunicação programada dos resultados da avaliação, de modo a promover a retroalimentação tempestiva no âmbito do ciclo de políticas públicas; e x. desenvolvimento de mecanismos para monitorar, avaliar e reportar resultados dos esforços cooperativos.
Espera-se com a implementação dessa proposta que os gestores do PAA sejam capazes de avaliar a gestão do Programa de Aquisição de Alimentos, em especial da Compra com Doação Simultânea de forma abrangente, e que essa avaliação possibilite: i) examinar, com juízo crítico e face às mudanças subsequentes, a justificação lógica do programa em termos da adequação dos seus objetivos e estratégias; (ii) comparar a consecução das metas alcançadas com as estabelecidas, identificando as razões de sucesso e insucesso; (iii) verificar a eficiência dos procedimentos utilizados na execução do programa e da qualidade do desempenho gerencial; (iv) determinar a eficiência econômica do programa; (v) determinar e traçar a causalidade dos efeitos e impacto do programa e, (vi) identificar as lições aprendidas e propor recomendações, de modo a reforçar os acertos e/ou, se necessário, ajustar, reorientar e modificar objetivos, metas, arranjos organizacionais e recursos do Programa.
A instituição de padrões de conciliação entre a oferta e a demanda de alimentos irá reduzir o desperdício de alimentos e a ocorrência de inconformidades.
A aquisição de alimentos do PAA/CDS não é planejada de forma a conciliar a demanda das entidades recebedoras de alimentos e as características do público por elas atendido com a oferta de produtos dos beneficiários fornecedores do PAA, conforme art. 4º da Resolução 59/2013 do GGPAA.
Verificou-se que as Superintendências da Conab não têm cumprido com a obrigação de conciliar a aquisição de alimentos do PAA/CDS com a demanda das entidades recebedoras e as características do público por elas atendido com a oferta de produtos dos beneficiários fornecedores.
Foram construídas planilhas eletrônicas para comparar as quantidades ofertadas de produtos discriminados nas CPRs analisadas nos TCs 010.395/2013-0, 012.707/2014-7, 013.059/2014-9, 014.012/2014-6, 015.449/2014-9 e 024.124/2014-1 com o consumo médio per capita divulgados pelo IBGE na Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 – Análise do Consumo Alimentar Pessoal no Brasil, de forma a permitir a identificação de divergências significativas entre a oferta e a demanda de produtos do PAA.
Os resultados dessa comparação revelam números bastante distorcidos entre a quantidade entregue por CPR e os parâmetros de consumo médios coletados pelo IBGE. A tabela abaixo foi construída com exemplos de situações encontradas no cruzamento de dados nas planilhas eletrônicas. Nota-se que as CPRs selecionadas possuem uma relação de consumo (quantidade de produtos fornecida por número de beneficiários consumidores por ano) muito superior à média detectada pelo IBGE na Pesquisa.
Tabela 3 – Análise das CPRs por Consumo do IBGE
Número da CPR |
Produto |
Quantidade Produto (Kg) |
Nome Consumidor |
Quantidade Total Atendidos |
Consumo médio anual IBGE kg/ano |
Consumo anual Conab Beneficiários kg/ano |
Índice consumo beneficiários/IBGE |
SP/2011/02/0006 |
Pepino |
29.764,00 |
Associação Crescendo em Cristo |
51 |
0,108 |
583,61 |
540378% |
SP/2012/02/0290 |
Inhame |
13.113,00 |
Igreja do Evangelho Quadrangular |
32 |
0,36 |
409,78 |
113828% |
SP/2012/02/0311 |
Cenoura |
18.393,00 |
Prefeitura Municipal de Itapera |
60 |
0,468 |
306,55 |
65502% |
SP/2011/02/0173 |
Milho |
90.000,00 |
Mitra Diocesana de Presidente Prudente |
76 |
2,664 |
1184,21 |
44452% |
SP/2013/02/0061 |
Pimenta |
15.000,00 |
Fundo Municipal de Assistência Social |
350 |
0,252 |
42,86 |
17007% |
SP/2011/02/0212 |
Mel de Abelha |
300,00 |
Instituição Nosso Lar |
20 |
0,108 |
15,00 |
13889% |
MA/2011/02/0142 |
Melancia |
32.140,00 |
Associação da Casa Familiar Rural de Alto Alegre do Pindaré – MA |
52 |
1,944 |
618,08 |
31794% |
MA/2011/02/0038 |
Quiabo |
5.480,00 |
Assembleia de Deus |
20 |
0,144 |
274,00 |
190278% |
PR/2012/02/0138 |
Abóbora |
3.000,00 |
APMF Colégio Estadual Iraci Salete Strozake |
30 |
0,36 |
100,00 |
27778% |
BA/2011/02/0113 |
Abóbora |
22.089,00 |
Pastoral da Criança |
50 |
0,36 |
441,78 |
122717% |
BA/2012/02/0174 |
Coco |
16.128,00 |
Casa de Repouso São Vicente de Paula |
62 |
0,432 |
260,13 |
60215% |
BA/2011/02/0113 |
Banana |
72.782,00 |
Pastoral da Criança |
50 |
6,912 |
1455,64 |
21060% |
Fonte: Desenvolvido pelo TCU, com dados do Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 – Análise do Consumo Alimentar Pessoal no Brasil do IBGE e de CPR constantes nos TCs 014.012/2014-6; 015.449/2014-9, 024.124/2014-1 e 013.059/2014-9.
Em alguns dos exemplos apresentadas na Tabela 1, mesmo sem realizar a comparação com os dados da Pesquisa do IBGE, a comparação da quantidade de alimentos entregues com os beneficiários consumidores apresenta algumas situações esdrúxulas. Como a aquisição de 90.000 quilos de milho para 76 pessoas, na CPR SP/2011/02/0173, isso sem levar em consideração as dificuldades para armazenagem desses produtos. Outra situação anormal é a aquisição de 72.782 quilos de banana para atender 50 pessoas, constante na CPR BA/2011/02/0113.
De acordo com o Título 30 do MOC, a vigência da CPR é de no mínimo 6 meses até o limite máximo de 24 meses. Os cálculos foram utilizados como se os alimentos fossem entregues para consumo durante um ano, no entanto o resultado seria igualmente expressivo caso fosse utilizado o consumo das pessoas pela vigência máxima das CPRs.
Importante destacar que esses casos não se tratam necessariamente de fraude ou desvio, mas revelam descontrole e falta de planejamento entre as aquisições efetuadas pela Conab e a quantidade demandada pelas organizações recebedoras nos processos do PAA/CDS.
Como efeito dessa situação nota-se que a falta de planejamento para a conciliação entre a oferta de alimentos da agricultura familiar e a demanda das unidades recebedoras pode resultar em desperdício, fraudes e atendimento a pessoas que não estejam incluídas no público alvo da política pública, causando inclusive prejuízos financeiros.
As atividades de fiscalização empreendidas pela Sufis/Conab, conforme consta no gráfico a seguir, reforçam a situação de inconformidades existente no Programa, em que apenas 16% das operações fiscalizadas entre 2012 e julho de 2015 foram consideradas regulares.
Figura 6 – Resumo dos resultados das fiscalizações do PAA/CDS entre os exercícios de 2012 e julho de 2015 feitas pela Sufis/Conab.
Fonte: Gráfico confeccionado pelo TCU com base em dados da Sufis/Conab.
Como causa para essa situação foi identificado que não existe uma rotina de trabalho formalizada para que as Sureg da Conab realizem o planejamento e a fiscalização das entregas referentes às CPRs de sua jurisdição de forma a conciliar a demanda das entidades recebedoras de alimentos e as características do público por elas atendido com a oferta de produtos dos beneficiários fornecedores do PAA/CDS.
Para a solução dos problemas apresentados e considerando a causa identificada propõe-se determinar à Conab que, em obediência ao princípio da eficiência do art. 37 da CF/88 e de forma a atender ao art. 6º do Decreto 7.775/2012, formalize rotina de trabalho para que as Suregs realizem o planejamento e a fiscalização das entregas referentes às CPRs de sua jurisdição, de forma a conciliar a demanda das entidades recebedoras e as características do público por elas atendido com a oferta de produtos pelos beneficiários fornecedores do PAA/CDS.
Espera-se com a implementação dessa proposta que haja diminuição do desperdício de alimentos, fraudes e atendimento a pessoas que não estejam incluídas no público alvo da política pública.
A implementação de regras para avaliação prévia e fiscalização da capacidade das unidades recebedoras favorecerá melhora da qualidade e da regularidade das entregas do PAA.
Os procedimentos adotados pelos operadores do PAA/CDS para avaliação das unidades recebedoras e para fiscalização da atuação dessas entidades no Programa são insuficientes para assegurar o cumprimento de suas obrigações, principalmente no que se refere à conferência da pesagem, da qualidade e do acondicionamento dos produtos recebidos, comprometendo assim os objetivos do programa expressos no art. 19, inc. III, da Lei 10.696/2002 c/c arts. 14, 15 e 16 do Decreto 7.775/2012 e contrariando o princípio da eficiência do art. 37 da CF/88.
Ocorre que a avaliação realizada pela Conab, em momento prévio à formalização da CPR, não é suficiente para garantir a capacidade da unidade recebedora de executar todas as suas obrigações. Cabe destaque para a falta de informação quanto à capacidade de a unidade recebedora realizar a pesagem e a armazenagem dos produtos a serem recebidos do PAA, obedecendo aos padrões sanitários e agroeconômicos. Como essas informações não são solicitadas e não constam nos processos da CDS em sistema informatizado, as fiscalizações realizadas pela Conab tornam-se mais subjetivas.
Quanto às fiscalizações, no Manual de Fiscalização (PAA/CDS) não há previsão quanto a averiguação de três informações prestadas na Proposta de Participação: os critérios de definição dos produtos distribuídos aos beneficiários consumidores; a articulação do projeto com outros programas sociais desenvolvidos junto aos beneficiários consumidores; e a descrição dos procedimentos de entrega dos produtos aos beneficiários consumidores. Essas informações já são prestadas no momento da apresentação da Proposta de Participação. A verificação da veracidade e operacionalidade dessas informações no momento da fiscalização é facilitada, pois a comparação da realidade com o informado na Proposta já é suficiente para identificação de indícios de irregularidades.
Como efeito dessa situação encontrada nota-se que as fiscalizações da Conab se tornam menos eficiente devido a não conferência de informações prestadas no Termo de Compromisso da Unidade Recebedora e a falta de informações prévias sobre a estrutura necessária para recepção, conferência e acondicionamento dos alimentos a serem recebidos. Além disso, tal situação pode gerar desvios no destino dos alimentos, bem como desperdício e risco de consumo de alimentos fora dos padrões mínimos de qualidade por problemas de acondicionamento, conforme foi constatado nos TCs 024.124/2014-1, em Sergipe, que pode ser verificado em trecho reproduzido do relatório de auditoria e figura abaixo:
“Outra situação grave é que algumas Unidades Recebedoras sequer possuem sede para receber os alimentos. Nesses casos, os alimentos são distribuídos a partir do caminhão de entrega ou na garagem de alguma casa ou mesmo na rua. Em outros casos, a sede é precária e funciona de forma improvisada (…)”.
Figura 7 – Fotos da estrutura de unidades recebedoras em Sergipe.
Fonte: TC 24.124/2014-1. Fotos feitas pela equipe de fiscalização na sequência: Associação Compromisso com Cristo – CPR SE-202-02-0052; Associação Moradores e Amigos Bairro Eucalipto – CPR SE-2011-02-0095; Associação Povoado Tanque Vermelho – CPR SE-2012-02-005; e Pista do Pau Grande – CPR SE-2012-02-0052.
A causa identificada para a situação encontrada é ausência de formalização de uma rotina para avaliação prévia e fiscalização posterior por parte da Conab das unidades recebedoras quanto à capacidade de cumprimento das obrigações previstas nos normativos aplicáveis. Além disso, o Manual de Fiscalização do Programa de Aquisição de Alimentos da Modalidade Compra com Doação Simultânea não define procedimentos para verificar a veracidade de informações presentes no Termo de Compromisso da Unidade Recebedora.
Para a solução dos problemas apresentados e considerando a causa identificada propõe-se recomendar à Conab para que, em obediência ao princípio da eficiência inscrito no art. 37 da CF/88 e de modo a cumprir o art. 19, inc. III, da Lei 10.969/2002 c/c art. 14, 15 e 16 do Decreto 7.775/2012, assim como o anexo III do MOC, Título 30, em conjunto com o MDS e o GGPAA, desenvolva e implemente rotina de avaliação prévia e de fiscalização da capacidade das unidades recebedoras para recepção, conferência e acondicionamento dos alimentos entregues pelo PAA/CDS e que estruture suas fiscalizações de modo a conferir informações prestadas no Termo de Compromisso da Unidade Recebedora.
Como benefícios da adoção da recomendação proposta espera-se que haja melhor controle das entregas do PAA por parte das unidades recebedoras, bem como melhores condições de armazenamento, conservação e distribuição dos alimentos entregues no âmbito do Programa.
A diminuição da relação de dependência da unidade recebedora em relação a unidade fornecedora na estrutura do PAA favorecerá o controle social das entregas efetuadas.
Foi constada relação de fragilidade e de dependência das unidades recebedoras em relação às organizações fornecedoras na operacionalização do PAA/CDS, principalmente no que se refere à falta de instrumentos que possibilitem o planejamento do recebimento de produtos por parte das entidades recebedoras e à possibilidade de ser substituída na Cédula de Produto Rural a qualquer momento, a critério da organização fornecedora, conforme item 18 do Título 30 do Manual de Operações da Conab (MOC).
Conforme já citado, o PAA/CDS possui dupla finalidade: aumento da renda dos agricultores familiares, pela ótica da oferta de produtos, e a redução da insegurança alimentar e nutricional, por uma ótica da demanda de produtos. Não foi encontrado normativo que favoreça ou dê maiores poderes as unidades fornecedoras no processo. Porém, como essas entidades são responsáveis pela organização e elaboração da proposta de participação, podendo inclusive substituir as unidades recebedoras e alterar livremente o tipo, a quantidade e a periodicidade das entregas, ficam em posição privilegiada no processo.
Conforme o PAA/CDS está organizado, a unidade recebedora não possui garantia de quando ou de quais produtos listados na Proposta de Participação e na CPR ela receberá. Na Proposta existe um campo de “Previsão de Entregas”, em que são preenchidos o produto, a quantidade, a unidade de comercialização e o total de em quilos. No entanto, sem previsão temporal das entregas nem do quantitativo de entregas. Não há informação quanto a quantidade de entregas e as datas em que ocorrerão.
“Nessa esteira, a ausência dessas definições permite, também, que os fornecedores entreguem seus produtos como julgarem conveniente, sem avaliarem as necessidades do ente recebedor e a perecibilidade dos alimentos. Portanto, a ausência desses parâmetros possibilita que o fornecedor entregue seus produtos em função de sua capacidade de produção e da avaliação entre preços de mercado e preços pagos pela Conab, desatrelada de qualquer ponderação quanto as necessidades de consumo dos recebedores.”Esse fato foi identificado nas auditorias de conformidade realizadas pelo TCU nas Superintendências Regionais (Sureg) da Bahia e de Sergipe (TC 024.124/2014-1), de São Paulo (TC 014.012/2014-6) e de Santa Catarina (TC 028.937/2014-7). No relatório de Santa Catarina é ressaltada tal situação, conforme figura ao lado.
“(…) comportamento passivo da Unidade Recebedora e do conselho encarregado pelo controle social, pois, quando da apresentação da proposta de participação pela Organização Fornecedora, consideram o recebimento de alimentos como benesse, o que os impediria de criticar seu conteúdo, especialmente o cronograma do projeto, no qual estão previstos os produtos, as quantidades e a periodicidade das entregas que lhe dizem respeito”Outro fato que demonstra a situação de dependência da unidade recebedora na execução do PAA/CDS é a possibilidade da organização fornecedora de substituí-la a qualquer momento. No Termo de Compromisso há uma cláusula que prevê que “pode ser rescindido por qualquer uma das partes mediante comunicação expressa, com antecedência mínima de trinta dias”. Essa possibilidade garante maior poder de barganha à organização fornecedora, uma vez que a instituição que recebe os alimentos, mesmo que haja problemas na entrega das mercadorias, em caso de rescisão, deixaria de recebê-las por não ter substitutos à organização fornecedora na CPR. O TC 014.012/2014-6 de São Paulo retrata essa realidade, conforme ilustra a figura ao lado.
Como efeito dessa situação, há um favorecimento da ocorrência de inconformidades, pois a unidade recebedora, por receio de ser excluída da CPR e não receber mais doação de alimentos, tende a adotar comportamento passivo em relação à organização fornecedora, o que inibe eventuais denúncias de irregularidades da CPR e a reinvindicação de seus direitos como integrante do PAA/CDS.
“Essa situação acarreta um estado de incerteza nas entidades recebedoras, pois sem saber que produtos e em quais quantidades irá receber ou se irá recebê-los, elas acabam por adquirir os alimentos em outras fontes – através de compras ou outras doações. Conforme relato de várias dessas entidades, inúmeras foram as vezes onde adquiriram os alimentos e um ou dois dias depois chegam as doações da Conab. Outra situação relatada foi o recebimento de alimentos acima da capacidade de consumo, por concentrarem vários períodos de entrega em uma única entrega.”Além disso, a falta de cronogramas e de um prévio aviso sobre a data e a quantidade a ser entregue atrapalha o planejamento das unidades recebedoras, o que pode acarretar desperdício de alimentos ou a doação para pessoas que não possuem as características de beneficiário consumidor do PAA. Esse fato inviabiliza um planejamento da logística de alimentos, já que não é conhecido quando ocorrerá a entrega de produtos nem se pode ter certeza que ela ocorrerá. Esses danos foram retratados no TC 028.937/2014-7, relativo à Superintendência Regional (Sureg) de Santa Catarina, conforme figura ao lado.
Como causa para essa situação foi identificado que a estrutura de funcionamento do PAA/CDS não oferece condições suficientes para o equilíbrio entre as instituições participantes, uma vez que não há participação formal da unidade recebedora na definição do cronograma e nas condições de entrega e a possibilidade de substituição de fornecedores, sem a interrupção das entregas.
Para a solução dos problemas apresentados e considerando a causa identificada propõe-se recomendar ao MDS, à Conab e ao GGPAA que crie mecanismos para equilibrar as condições de participação no PAA/CDS entre unidades fornecedoras e unidades recebedoras, a exemplo de: participação formal da unidade recebedora na definição do cronograma e das condições de entrega, oferecimento de canais de comunicação com a Conab sobre descumprimentos dessas condições das CPRs e possibilidade de manifestação da unidade recebedora em eventual exclusão da CPR.
Como benefícios da adoção da recomendação proposta espera-se que haja melhorias no controle social das entregas, bem como a redução do desperdício de alimentos e melhorias no planejamento no uso das mercadorias entregues no PAA/CDS por parte das unidades recebedoras.
A regulamentação da aquisição de mercadorias processadas, beneficiadas e industrializadas no PAA/CDS tende a aumentar a eficiência no cumprimento dos objetivos do Programa
Os processos de trabalho definidos pela Conab para aquisição de alimentos processados, beneficiados ou industrializados da Compra com Doação Simultâneas prejudicam o cumprimento dos objetivos e finalidades do PAA definidos no art. 19 da Lei 10.696/2003.
O art. 19 da Lei 10.696/2003 estabelece como finalidade do PAA incentivar a agricultura familiar com fomento à produção com sustentabilidade, ao processamento de alimentos e industrialização e à geração de renda. O item 4 do Título 30 do MOC da Conab regulamenta a questão e define que entre os produtos amparados pela CDS estão os industrializados, processados e beneficiados e que, para ser classificado nessa categoria, é necessário que pelo menos um dos produtos caracterizados como matéria-prima seja de produção própria do beneficiário fornecedor.
Essa formatação do programa estabelecida no item 4 do Título 30 do MOC da Conab não é compatível com o artigo 19 da Lei 10.696/2003, uma vez que abre a possibilidade de comercialização pelo PAA/CDS de produtos que utilizam matéria prima produzida na agricultura familiar de maneira apenas residual não favorecendo o fomento ao processamento de alimentos, industrialização ou geração de renda da agricultura familiar. Exemplo dessa distorção foi constatada no TC 015.449/2014-9 no estado do Paraná, conforme texto reproduzido na figura abaixo.
“(…) identificou-se que os insumos necessários para a produção de pães, bolos e bolachas passam, em sua maioria, por algum grau de industrialização. Caso emblemático ocorre com a farinha de trigo, que é a matéria prima básica de todos esses alimentos, posto que os agricultores, em questão, não cultivam o trigo e, por consequência, também não o beneficiam para produzir a farinha. Por essa razão, a farinha é adquirida no comércio local, assim como, o fermento, a gordura vegetal, e, alguns casos, inclusive os ovos são comprados. Isso ocorre porque, em que pese, os fornecedores sejam efetivamente agricultores, os insumos necessários para a produção desses alimentos não fazem parte de sua atividade agrícola. Isto é, os agricultores podem ser criadores de bovinos, suínos, ou produtores de soja, milho, laranja, hortaliças, entre outros e, ainda assim, se habilitam a produzirem pães, bolos e bolachas.”Se o agricultor familiar não produz a maior parte da matéria-prima do produto beneficiado que ele está vendendo ao Programa e faz aquisição dos demais insumos em outros estabelecimentos, adquirindo produtos de empresas que não se enquadram nas características do Programa, o recurso do PAA está sendo partilhado entre o agricultor familiar, o mercado local e as demais empresas que produzem as demais matérias-primas. Essa realidade reduz a eficiência do Programa de cumprir sua finalidade de incrementar a renda proveniente da agricultura familiar, por meio de incentivo à produção, distorcendo a finalidade para a qual o PAA/CDS foi concebido.
Foi identificado também que empresas terceirizadas, não constantes na Proposta de Participação, são responsáveis pela industrialização dos alimentos produzidos pela agricultura familiar, prática que não se coaduna com os objetivos e finalidades do Programa de Aquisição de Alimentos. A Lei delimita a dispensa de licitação somente para os alimentos produzidos pelos beneficiários fornecedores do Programa, não se estendendo a empresas que não possuem participação no PAA. A participação de empresas terceirizadas no processo de industrialização ou processamento dos produtos foge do escopo do PAA e gera uma ilegalidade, devido a aquisição de produtos com dispensa de licitação.
Verificou-se também que o processo de industrialização, beneficiamento ou processamento em alguns casos não é favorável ao agricultor familiar, pois apenas um pequeno percentual do valor dos produtos lhe é destinado. Isso ocorre devido ao limite financeiro que é atribuído a cada agricultor familiar, atualmente de R$ 8.000,00, ser relativo ao produto entregue na unidade recebedora e não a valoração da produção do agricultor. Esse fato é exemplificado no TC 028.937/2014-7 de Santa Catarina, que, na análise da CPR SC 2012-02-0139 e da CPR SC 2013-01-0104, evidenciou que a Cooperativa adquiria peixes a R$ 3,00/Kg e esses passavam por processamento e eram entregues nas unidades recebedoras, como “Bolinho e quibe de peixe/fishburger”, a um valor superior a R$ 10,00/Kg.
“No formato em que as CPRs estão sendo executadas o que se percebe é que parcela significativa da renda fica em poder dos intermediários empreendedores – cooperativas e empresas beneficiadoras – muitas das vezes se utilizando de um frágil vínculo com os agricultores familiares para legitimar suas propostas de participação. Deste modo, aproveitam-se de recursos públicos para obtenção de vantagem comercial sobre os demais agentes de mercado.”Nota-se que o beneficiário fornecedor, que é a quem o Programa tem por objetivo apoiar, recebe apenas trinta por cento do valor do produto entregue à unidade recebedora e todo o restante é dividido entre a cooperativa e a indústria terceirizada. Na proposta de participação não existe campo para definição de quanto será pago pela matéria-prima do agricultor familiar. Somente é definido o valor do produto a ser entregue na unidade recebedora. Nesse caso o beneficiário produtor fica sujeito ao preço definido pela organização fornecedora, o que caracteriza desvio de finalidade dos recursos do PAA/CDS, conforme exemplificado no trecho da figura reproduzido do TC 028.937/2014-7, relativo ao estado do Paraná.
Como efeitos dessa situação encontrada, há uma diminuição da eficiência do programa, já que recursos aplicados na Compra com Doação Simultânea de produtos beneficiados não são totalmente aplicados na agricultura familiar, pois a maior parte é aplicada em diversos insumos no comércio, sem relação com os objetivos do Programa. Além disso, nos casos em que empresas industrializam a produção, os beneficiários fornecedores são prejudicados na divisão dos valores a receber pelos produtos entregues para processamento ou industrialização, diminuindo também a eficiência no uso dos recursos e no cumprimento dos objetivos e finalidade do PAA.
Como causa para essa situação foi identificado que o GGPAA não realizou a regulamentação do Programa de Aquisição de Alimentos, definida no art. 21 do Decreto 7.775/2012, quanto a aquisição de produtos beneficiados, processados e industrializados na Compra com Doação Simultânea.
Para a solução dos problemas apresentados e considerando a causa identificada propõe-se determinar ao Grupo Gestor do PAA que regulamente a aquisição de produtos beneficiados, processados e industrializados pela Compra com Doação Simultânea operada pela Conab, conforme incisos I e IX do art. 21 do Decreto 7.775/2012, de forma a evitar que os recursos do programa sejam utilizados em finalidade diversa dos objetivos e finalidades do Programa.
Como benefícios da adoção da determinação proposta espera-se que os recursos do programa tenham maior eficiência para cumprir os objetivos do programa nas entregues de mercadorias processadas provenientes da agricultura familiar.
O estabelecimento de regras de atuação conjunta entre os participantes do PAA contribuirá para que suas políticas se reforcem mutuamente
Os atores envolvidos na operacionalização do PAA não criaram condições suficientes para atuação conjunta e sinérgica entre si, de modo que seus esforços individuais se reforcem mutuamente. Não foram identificados, dentre os diversos normativos e atas de reunião analisados, definição formal de objetivos comuns entre os envolvidos na gestão, normatização e operacionalização do PAA/CDS. Tanto o Decreto 7.775/2012 quanto as resoluções editadas pelo GGPAA não tratam especificamente dos objetivos de comum acordo e alinhamento entre as organizações envolvidas ou de seus integrantes.
No que tange à estrutura de governança vigente entre as instituições envolvidas no PAA, também não foi possível identificar normativo ou documento que formalize os papéis e responsabilidades definindo como o esforço cooperativo dessas instituições será liderado. Assim, no que se refere aos objetivos comuns, tanto o Decreto 7.775/2012, quanto as Resoluções definidas pelo GGPAA, não tratam especificamente desses assuntos.
Quanto aos mecanismos de coordenação e relacionamento horizontal entre os atores públicos e privados envolvidos na operacionalização do PAA, o art. 22 do Decreto 7.775/2012 estabelece um comitê consultivo, composto por representantes governamentais e da sociedade civil, com finalidades de assessoramento e de acompanhamento das atividades do Programa, mas que também não tem as funções e os papéis de seus membros definidos formalmente, o que acarreta dificuldades para que o comitê exerça suas funções. Foi identificado que não existe integração completa entre os sistemas de informações utilizados, pois o MDS não tem acesso aos dados da CDS operada pela Conab em tempo real.
Como efeitos dessa situação encontrada, nota-se que, sem a definição dos instrumentos básicos de coordenação dos integrantes do GGPAA e de coerência entre suas políticas, há uma tendência de que haja uma fragmentação da missão e a sobreposição de programas, principalmente entre os Ministérios do Desenvolvimento Agrário, da Agricultura e do Desenvolvimento social e Combate à Fome.
Além disso, as ações e os objetivos específicos das intervenções empreendidas principalmente pelo MDA, Mapa, MDS e Ministério da Educação e que tem conexão com o PAA como, por exemplo, reforma agrária, desenvolvimento rural, combate da pobreza no campo, programas de agroindustrialização, alimentação escolar, segurança alimentar, etc, não estão alinhadas e os resultados comuns esperados com a implementação dessas iniciativas não se reforçam mutuamente, podendo inclusive, existir sobreposição e duplicidade de esforços, bem como paralelismo de ações entre iniciativas governamentais conexas ao PAA.
A principal causa para essa situação encontrada é que não houve iniciativa dos membros do GGPAA para formalizar normativo, ou qualquer outro instrumento válido, que defina os elementos básicos de coordenação entre seus integrantes e a coerência entre suas políticas que tenham influência ou conexão com o PAA.
Para a solução dos problemas apresentados e considerando a causa identificada propõe-se recomendar ao Grupo Gestor do PAA para que formalize normativo, ou qualquer outro instrumento válido, que defina os elementos básicos de coordenação entre seus integrantes e a coerência entre suas políticas que tenham influência ou conexão com o PAA, como: i. objetivos coerentes, de comum acordo, e alinhados entre todas as organizações envolvidas; ii. estrutura de governança vigente, assim como dos papéis e das responsabilidades, incluindo-se como o esforço cooperativo será liderado; e iii. mecanismos de coordenação e relacionamento horizontal entre atores públicos e privados.
Como benefícios da adoção da recomendação proposta espera-se que haja consistência lógica entre as intervenções governamentais conexas ao PAA alinhando ações, produtos e impactos em função dos problemas a serem atacados; integração dos objetivos e metas propostos por essas intervenções entre todos os entes governamentais envolvidos; bem como coordenação e coerência entre as iniciativas governamentais conexas ao PAA, de forma que as ações e os objetivos das intervenções empreendidas pelos diversos atores sejam alinhados, os resultados esperados possam ser alcançados e reforcem-se mutuamente.
Conclusão
O Programa de Aquisição de Alimentos, intrinsecamente relacionado ao Programa Fome Zero, integra o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN e tem por finalidade garantir o direito fundamental de acesso à alimentação além de auxiliar na comercialização de produtos da agricultura familiar.
Essa política, em conjunto com outros benefícios sociais, visa contribuir para o combate à miséria e servir de estímulo para que o agricultor familiar mantenha-se no campo e produzindo. O auge, em termos de recursos aplicados, do PAA foi em 2012 com R$ 586.567,131,00. Já em 2015 foram aplicados R$ 287.515.216,00 na aquisição de alimentos, o que aumenta a necessidade de eficiência da política para continuar a atender seus objetivos. As análises efetivadas neste trabalho mostram que ainda há muitas oportunidades de melhoria em sua gestão.
A primeira conclusão deste trabalho é que os procedimentos e controles adotados na avaliação da adequação dos beneficiários fornecedores do programa não são suficientes para garantir a correta aplicação dos quesitos determinados na Lei 12.512/2011. Ademais foi constatado que não há definição formal de como deve ser realizada a distribuição dos recursos da Compra com Doação Simultânea entre estados e regiões, o que tende a agravar as diferenças regionais existentes.
Os procedimentos adotados pela Conab na aquisição de alimentos processados ou beneficiados pela CDS não estão aderentes aos objetivos e finalidades do Programa, uma vez que beneficiam empresas terceirizadas e organização fornecedora, além de não garantirem que os produtos entregues são de produção do beneficiário fornecedor.
Foi constatada uma relação de dependência e fragilidade da unidade recebedora em relação à organização fornecedora, quanto ao planejamento e execução da CPR-Doação, o que favorece a ocorrência de inconformidades no Programa. Ademais, não foi identificado procedimento ou processo formal para a conciliação da demanda das entidades recebedoras e as características do público beneficiado com a oferta de produtos, o que tem potencial de causar prejuízos às unidades recebedoras.
A avaliação das unidades recebedoras realizada pela Conab em momento anterior à formalização da CPR não possui abrangência suficiente para garantir que essas unidades possuem capacidade de executar todas as suas obrigações previstas nos normativos quanto à CDS, com destaque para conferência de pesagem e armazenamento de produtos.
As ações governamentais no Programa não são adequadamente acompanhadas e monitoradas de forma que possibilite a utilização dessas informações no aperfeiçoamento da política. Os indicadores de desempenho estabelecidos são direcionados aos processos do PAA e não aos impactos da política. Além disso não foi identificado regras para atuação conjunta com objetivos comuns entre os envolvidos na gestão do Programa.
Espera-se que a adoção dessas medidas pelo Poder Público possa aumentar a eficiência não só da Compra com Doação Simultânea, mas de todo o Programa de Aquisição de Alimentos pela redução dos desperdícios de alimentos, melhor aplicação dos recursos entre os estados e regiões e melhor seleção dos beneficiários fornecedores e consumidores a integrar o Programa. Essas medidas são essenciais à eficiência do PAA, principalmente no atual momento de cortes orçamentários.
Proposta de Encaminhamento.
Ante o exposto, submete-se o presente relatório à consideração superior com as seguintes propostas:
Determinações
Determinar à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, combinado com o art. 250, inciso II, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, que:
a) estabeleça controles internos adicionais nos processos do PAA/CDS, de modo a proporcionar o cumprimento do art. 16, caput e §1º da Lei 12.512/2011, a exemplo de: cruzamento de dados, sistematização de procedimentos e instrução processual, checagem das informações fornecidas pelo beneficiário, mecanismos de controle de qualidade das instruções processuais, revisão do trabalho – externa ao departamento responsável, fiscalização em campo.
b) em obediência ao princípio da legalidade e da eficiência constantes do art. 37 da CF, envie plano de providências para confirmação das irregularidades e/ou correção dos registros, além da recuperação do montante financeiro referente à diferença entre o valor de aquisição dos produtos e o valor de mercado do produto à época da operação, conforme histórico de preços da bolsa de mercadorias/CONAB e demais custos incorridos para as operações em que forem confirmadas as irregularidades.
c) em obediência ao princípio da eficiência do art. 37 da CF/88 e de forma a atender ao art. 6º do Decreto 7.775/2012, formalize rotina de trabalho para que as Suregs realizem o planejamento e a fiscalização das entregas referentes às CPRs de sua jurisdição de forma a conciliar a demanda das entidades recebedoras e as características do público por elas atendido com a oferta de produtos dos beneficiários fornecedores do PAA/CDS.
Determinar ao Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos (GGPAA), com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, combinado com o art. 250, inciso II, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, que regulamente a aquisição de produtos beneficiados, processados e industrializados pela Compra com Doação Simultânea operada pela Conab, conforme incisos I e IX do art. 21 do Decreto 7.775/2012, de forma aderente aos objetivos e finalidades do Programa;
Recomendações
Recomendar à Companhia de Abastecimento Nacional (Conab) com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, combinado com art. 250, inciso III, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União que:
d) em obediência ao princípio da eficiência inscrito no art. 37 da CF/88, e de modo a cumprir o art. 19, inc. III da Lei 10.969/2002 c/c art. 14, 15 e 16 do Decreto 7.775/2012, assim como o anexo III do MOC, Título 30, em conjunto com o MDS e o GGPAA, desenvolva método de avaliação prévia e da capacidade das unidades recebedoras para recepção, conferência e acondicionamento dos alimentos entregues pelo PAA/CDS.
e) que estruture suas fiscalizações de modo a conferir informações prestadas no termo de Compromisso da Unidade Recebedora
Recomendar ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), à Companhia de Abastecimento Nacional (Conab) e ao Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos (GGPAA) com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, combinado com art. 250, inciso III, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União que:
f) desenvolva métodos que permitam a equidade de participação da organização fornecedora e da unidade recebedora no Programa, como participação da definição das entregas e segurança quanto manutenção de sua participação no PAA.
g) desenvolva, regulamente e aplique critérios de alocação dos recursos entre os estados de modo a cumprir os objetivos e finalidades da Compra com Doação Simultânea e do Programa de Aquisição de Alimentos, estabelecidos na Lei 10.696/2003 e no decreto 7.775/2012, e o princípio da eficiência, definido no art. 37 da Constituição Federal.
h) em conformidade com as boas práticas descritas no Componente “Monitoramento e Avaliação” do Referencial de Avaliação da Governança de Políticas Públicas do TCU, em obediência aos princípios da eficiência e da publicidade, constantes do art. 37 da CF/88, formalize e implemente rotinas de monitoramento que compreendam, pelo menos: i. definição do escopo, do propósito e dos demandantes do sistema de monitoramento e avaliação desde o momento de formulação da política; ii. identificação de indicadores-chave de progresso para os principais objetivos da política; iii. disponibilidade suficiente de dados confiáveis e relevantes para dar suporte aos relatórios de desempenho da política; iv. identificação dos principais agentes responsáveis pelo fornecimento e utilização de dados e informações; v. comunicação regular sobre o progresso da política, mediante relatórios de implementação, às principais partes interessadas; vi. monitoramento e avaliação dos progressos para os principais produtos (deliverables) da implementação; vii. internalização de lições aprendidas antes do início de etapas subsequentes, no caso de políticas constituídas por iniciativas sequenciadas; viii. distinção entre os fatores endógenos e exógenos na avaliação do sucesso ou fracasso da política; ix. comunicação programada dos resultados da avaliação, de modo a promover a retroalimentação tempestiva no âmbito do ciclo de políticas públicas; x. desenvolvimento de mecanismos para monitorar, avaliar e reportar resultados dos esforços cooperativos.
Recomendar ao Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos (GGPAA) com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, combinado com art. 250, inciso III, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União que formalize normativo, ou qualquer outro instrumento válido, que defina os elementos básicos de coordenação entre seus integrantes e a coerência entre suas políticas que tenham influência ou conexão com o PAA, como: i. objetivos coerentes, de comum acordo, e alinhados entre todas as organizações envolvidas; ii. estrutura de governança vigente, assim como dos papéis e das responsabilidades, incluindo-se como o esforço cooperativo será liderado; e iii. mecanismos de coordenação e relacionamento horizontal entre atores públicos e privados.
2. Incluído na pauta de julgamentos da sessão do Plenário de 19/10/2016, sobreveio solicitação dos órgãos interessados em apresentar novos esclarecimentos acerca dos fatos apontados na auditoria. Solicitei, então, a exclusão de pauta e autorizei, excepcionalmente, a realização de reunião, na SecexAmbiental, para a apresentação de comentários adicionais dos gestores.
3. Realizada a reunião, sobrevieram aos autos dois documentos. O primeiro, consubstanciado em manifestação da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, de 4/11/2016, subscrita pela Secretária-Adjunta (peça 66), encaminhando Nota Técnica nº 16/2016, daquele órgão, prestando esclarecimentos adicionais.
4. O segundo documento, Ofício PRESI nº 561, de 4/11/2016, subscrito pelo Presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), por intermédio do qual encaminhava a Nota Técnica Dipai/Supaf nº 002/012/2016, de 4/11/2016, também com esclarecimentos adicionais (peça 67).
5. Por meio de despacho, os autos foram restituídos à unidade técnica para exame dos novos elementos apresentados (peça 68).
6. No âmbito da SecexAmbiental, os documentos apresentados foram devidamente analisados, tendo sido elaborada instrução adicional (peça 70), datada de 24/2/2017, integralmente transcrita a seguir, com a qual se manifestaram de acordo os dirigentes da unidade técnica especializada (peças 71 e 72):
Trata-se de solicitação do Gabinete do Excelentíssimo Ministro Augusto Nardes, peça 68, para análise de esclarecimentos adicionais enviados pela Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (SESAN/MDSA) e pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) juntados aos autos nas peças 66 e 67, respectivamente.
Na peça 66 a SESAN/MDSA encaminha Ofício 1.033/2016-GABIN/SESAN/MDSA, com Nota Técnica 16/2016 – GABIN/SESAN/MDSA em anexo. Na peça 67 consta o Ofício PRESI 561, de 4 de novembro de 2016 da Conab, com a Nota Técnica Conjunta Dipai/Supaf 002/012/2016 em anexo.
A Nota Técnica 16/2016 – GABIN/SESAN/MDSA apresenta considerações sobre duas determinações constantes da proposta de encaminhamento do Relatório de Auditoria Operacional no Programa de Aquisição de Alimentos – Modalidade Compra com Doação Simultânea, peça 60. As primeiras considerações são referentes a alínea “a”, item I da Proposta de Encaminhamento, transcrita a seguir:
I. Determinar à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, combinado com o art. 250, inciso II, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, que:
a) estabeleça controles internos adicionais nos processos do PAA/CDS, de modo a proporcionar o cumprimento do art. 16, caput e §1º da Lei 12.512/2011, a exemplo de: cruzamento de dados, sistematização de procedimentos e instrução processual, checagem das informações fornecidas pelo beneficiário, mecanismos de controle de qualidade das instruções processuais, revisão do trabalho – externa ao departamento responsável, fiscalização em campo.
A SESAN registra que o PAA tem como base fundamentar a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), o qual é de responsabilidade da Secretaria de Agricultura Familiar, atualmente na Secretaria Especial da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário da Casa Civil (SEAD/CC). Alega ainda que esse documento possui normativos específicos e uma rede de entidades credenciadas para emissão e monitoramento, e “não cabendo, portanto, à Conab estabelecer mecanismos de verificação da veracidade e validade das DAPs utilizadas para a execução do PAA, mas somente verificar o seu status para participação do programa”. Destaca ainda que:
Sendo assim, entende-se que a gestão do sistema da DAP, bem como das competências de validação e cancelamento, conforme disposto na Portaria já citada, encontram-se atualmente na Secretaria Especial da Casa Civil, não cabendo aos órgãos usuários do documento a verificação de sua veracidade.
Quanto a essas considerações cabe destacar que, conforme já mencionado no documento Análise dos Comentários da SESAN/MDS (peça 59), o art. 16 da Lei 12.512/2011 define que podem fornecer produtos ao PAA os agricultores familiares e os demais beneficiários que se enquadrem nas disposições da Lei 11.326/2006. O art. 4º do Decreto 7.775/2012, por sua vez, define que a comprovação da aptidão desses beneficiários fornecedores será feita por meio de apresentação da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP). A Lei 11.326/2006 define os seguintes critérios para definir o agricultor rural e empreendedor familiar rural:
Pratica atividade no meio rural;
Não detenha, a qualquer título, área maior que quatro módulos fiscais;
Utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas de seu estabelecimento;
Tenha percentual mínimo de renda familiar originada das atividades econômicas de seu estabelecimento, na forma definida pelo Poder Executivo;
Dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.
A DAP segundo a Portaria MDA 26/2014 é instrumento utilizado para identificar e qualificar as Unidades Familiares de Produção Rural. Essa Portaria define os requisitos para identificação dos beneficiários da DAP, que são semelhantes as estabelecidas pela Lei 11.326/2006, porém mais específicas e detalhando a forma de apuração. De acordo com o §2º do art. 4º da Portaria MDA 21/2014:
§ 2° A DAP é voluntária e os dados necessários para sua emissão são fornecidos unilateralmente pelo interessado, o que não impede o Poder Público a qualquer tempo confrontar os dados e elementos apresentados e promover os atos e diligências necessários a apuração da sua veracidade, e se for o caso, promover o respectivo cancelamento.
Nota-se então que a Portaria abre a possibilidade de o Poder Público confrontar os dados e elementos apresentados na DAP, e não restringe tal atividade à SEAD ou SAF. Destaca-se ainda que a Conab é unidade executora do Programa de Aquisição de Alimentos, operado por Termo de Cooperação, conforme o inciso II do art. 28 do decreto 7.775/2012 e de acordo com o art. 49 desse Decreto pode ser responsabilizada pela inclusão de participantes que não atendem aos requisitos legais do Programa.
Art. 49. A autoridade responsável pela unidade gestora ou executora do PAA que concorrer para o desvio de sua finalidade ou contribuir para a inclusão de participantes que não atendam aos requisitos legais, ou para pagamento à pessoa diversa do beneficiário final, será responsabilizada civil, penal e administrativamente.
A Instrução Normativa MP/CGU 1/2016, que dispõe sobre controle internos, gestão de riscos e governança no âmbito do Poder Executivo Federal, define controles internos da gestão no inciso V do art. 2º.
Art. 2º (…)
V – controles internos da gestão: conjunto de regras, procedimentos, diretrizes, protocolos, rotinas de sistemas informatizados, conferências e trâmites de documentos e informações, entre outros, operacionalizados de forma integrada pela direção e pelo corpo de servidores das organizações, destinados a enfrentar os riscos e fornecer segurança razoável de que, na consecução da missão da entidade, os seguintes objetivos gerais serão alcançados:
a) execução ordenada, ética, econômica, eficiente e eficaz das operações;
b) cumprimento das obrigações de accountability;
c) cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis; e
d) salvaguarda dos recursos para evitar perdas, mau uso e danos. O estabelecimento de controles internos no âmbito da gestão pública visa essencialmente aumentar a probabilidade de que os objetivos e metas estabelecidos sejam alcançados, de forma eficaz, eficiente, efetiva e econômica;
O cruzamento de dados elaborado pelo TCU identificou diversas falhas na DAP, que provavelmente são decorrentes de fraudes ou erros na prestação das informações pelos interessados. A SESAN alega que cabe a Conab apenas a verificação do status da DAP para a participação dos beneficiários no Programa conforme art. 4º do Decreto 7.775/2012. Todavia o art. 16 da Lei 12.512/2011 define que os beneficiários do PAA devem ser enquadrados nas disposições da Lei 11.326/2006, e os resultados do cruzamento de dados comprovaram que a DAP não fornece segurança razoável desse enquadramento.
Isto posto, esta Unidade Técnica entende que cabe a Conab, como unidade executora do Programa, a adoção de controles internos adicionais direcionados a “enfrentar os riscos e fornecer segurança razoável” e evitar perdas, mau uso e danos dos recursos públicos conforme definidos no art. 2º da IN MP/CGU 1/2016. Por conseguinte, entende-se que deva ser mantida a determinação direcionada à Conab.
Cabe destacar que, quanto ao apontado pela SESAN no parágrafo 15, da Nota Técnica 16/2016 – GABIN/SESAN/MDSA, “é notória a importância da qualificação constante dos controles adicionais, o que reforça a necessidade de consulta desse Tribunal à Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário sobre os batimentos e cruzamentos com outras bases de dados já existentes”, o Tribunal de Contas da União está executando Levantamento direcionado a verificações no Sistema DAP, e no âmbito desse Trabalho será deliberado melhorias para o Sistema direcionadas a SEAD. Esse fato, no entanto, não reduz a necessidade da Conab aprovar controles internos para mitigar o impacto do uso da DAP no Programa.
A Nota Técnica 16/2016 – GABIN/SESAN/MDSA também faz considerações referentes ao item II da Proposta de Encaminhamento da instrução da Unidade Técnica (peça 60), transcrita a seguir:
Determinar ao Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos (GGPAA), com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, combinado com o art. 250, inciso II, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, que regulamente a aquisição de produtos beneficiados, processados e industrializados pela Compra com Doação Simultânea operada pela Conab, conforme incisos I e IX do art. 21 do Decreto 7.775/2012, de forma aderente aos objetivos e finalidades do Programa;
A SESAN ressalta a importância dos produtos beneficiados/processados para a execução da Política de Segurança Alimentar e Nutricional, e destaca que essa industrialização é responsável por “fortalecer o desenvolvimento e a organização econômica da agricultura familiar, e possibilitar o atendimento da demanda das entidades e pessoas consumidoras desses alimentos com qualidade, diversidade e praticidade”. Destaca ainda que em 31/8/2016 o Grupo Gestor do PAA (GGPAA) aprovou uma proposta de alteração do Decreto 7.775/2012, com a inclusão da seguinte redação no art. 5º.
§ 2° É permitida a aquisição de produtos da agricultura familiar in natura, processados, beneficiados ou industrializados;
§ 3° As organizações fornecedoras poderão terceirizar o processamento, beneficiamento ou industrialização dos produtos a serem fornecidos para o PAA.
§ 4º O GGPAA estabelecerá as condições para a aquisição de produtos processados, beneficiados ou industrializados.
A Nota Técnica frisa que essa minuta de alteração já foi aprovada pela Consultoria Jurídica do MDSA, e será encaminhada para tramitação junto aos demais Ministérios e para avaliação da Presidência da República. Destaca ainda que a interpretação apresentada pelo Relatório de Auditoria proposto pela Unidade Técnica apresenta pontos de conflito com o estabelecido no âmbito do GGPAA. Dessa forma a Nota Técnica traça considerações acerca de entendimentos acerca da terceirização do processo de beneficiamento e utilização de insumos provenientes de terceiros.
Em relação à terceirização da produção a SESAN ressalta que a industrialização por encomenda é ato comercial regulamentar e consolidado, e que “em hipótese nenhuma, implica repasse ao particular das condições definidas para a agricultura familiar”, isso porque:
a) o custo de industrialização por encomenda é apenas parte dos custos de produção, visto que a matéria-prima é o maior custo associado;
b) o industrializador tem definido o seu custo de industrialização, em função do processo e do volume que se deseja industrializar;
c) a industrialização por encomenda ocorre por mecanismos tributários bem definidos, que é pela remessa de matérias-primas para a industrialização (com suspensão de tributos) e o retorno dos produtos industrializados. Logo, não se configura como ato de venda. Somente após o recebimento e a venda do produto industrializado é que incidem os tributos;
d) a venda do produto industrializado em terceiros é feito pelo CNPJ do autor (remetente) e não do industrializador;
e) o produto industrializado por encomenda, mantém os dados de rótulo do autor (remetente) e contempla a informação de quem efetivou a industrialização; e
f) a responsabilidade legal pelo produto é do autor (remetente).
A Nota Técnica demonstra as características das cooperativas, as quais são constituídas para prestar serviços aos seus associados, e destaca a Lei Geral do Cooperativismo (Lei 5.764/1971) que define a Política Nacional de Cooperativismo, e as classificações das sociedades cooperativas. Ressalta ainda que as cooperativas e demais organizações formais da agricultura familiar são atores reconhecidos no marco regulatório e não podem ser tratadas de forma dissociada de seus componentes, e ademais são também público beneficiário do PAA de acordo com o marco regulatório. Acerca da industrialização por terceiros, são relatadas as seguintes considerações:
29. Diante da diversidade de categorias das cooperativas, existem unidades ‘com maior potencial de organização, já consolidadas, e que possuem condições de investir em estruturas de beneficiamento; enquanto outras, de forma distinta, não possuem condições de imobilizar capital em uma estrutura agroindustrial, em face de custos de instalação e de manutenção, assim como de risco de ociosidades. Nestes casos, tem se verificado que há mais racionalidade econômica em manter o foco da cooperativa e demais organizações formais no aprimoramento da produção primária e in natura, e investir em alternativas de terceirização dos serviços de beneficiamento. A decisão sobre o modelo de beneficiamento ou processamento de seu produto, para entrega ao Programa, cabe à organização formal, que deve fazer esta avaliação em conjunto com seus cooperados ou associados. Inclusive, é importante lembrar que principalmente as associações ou cooperativas mais frágeis, compostas por agricultores mais vulneráveis, mormente os que pertencem à base do cadastro único (público prioritário do PAA), muitas vezes não têm, ainda, condições de manter uma estrutura própria para beneficiamento.
(…)
32. Neste sentido, entende-se que a decisão de comercializar produtos processados, e para isso, encomendar a industrialização, ou qualquer serviço como limpeza/distribuição/ contabilidade etc., com o devido rateio dos custos incorridos entre o grupo responsável pela organização, é uma prerrogativa da categoria jurídica denominada cooperativa, assim como de seus associados.
(…)
33. Isto posto, é de se ressaltar que, no contexto da Preservação das premissas legais de fortalecimento e de desenvolvimento da agricultura familiar, não se vislumbra prejuízo aos agricultores familiares que compõem a organização que industrializa em terceiro, vez que as decisões de comercialização, terceirização do processamento e os descontos e rateios relativos aos valores são decididos por todos os seus membros associados. As decisões em assembleia para quaisquer ações de cooperativas são parte do cooperativismo.
A Nota Técnica complementa que a ausência de licitação na terceirização do processamento não representa dano ao erário ou custos adicionais ao Programa, uma vez que a dispensa de licitação só ocorre quando há a adoção de preços de mercado para todas as operações. A SESAN entende que a necessidade de licitação por parte das cooperativas ou organizações formais pode acarretar em dificuldades operacionais e inviabilizar a execução da política pública.
Em relação à inclusão de produtos processados pelo próprio beneficiário com utilização de insumos adquiridos de terceiros a SESAN destaca a pluriatividade existente na agricultura familiar e que a impossibilidade de que insumos de terceiros sejam utilizados no processamento, reduz a importância e potencialidade da agricultura familiar. Desta ainda que:
41. Sendo assim, uma família detentora da DAP pode produzir bens e serviços a partir de práticas não essencialmente agrícolas, mas que fundamentalmente são provenientes da sua mão de obra familiar, conforme art. 3° da Lei n° 11.326/2006.
42. Depreende-se disto que, desde que atendidos os critérios ‘de mão de obra e gestão do negócio rural, dispostos na Lei n° 11.326/2006, uma família pode praticar a produção de pães, doces, e outros produtos não importando a proveniência de seus insumos. Assim também é reconhecido o artesanato, o turismo rural, e outros produtos e serviços, que complementem sua renda e incentivem a produção diversificada.
A Nota Técnica destaca ainda que não há definição, nem no Programa ou no âmbito do Grupo Gestor, de que todos os insumos devem ser oriundos de produção própria do agricultor. Assim desde que atendidos os critérios de mão de obra e gestão do negócio rural, previstos na Lei 11.326/2006, uma família pode praticar o beneficiamento de produtos não importando a proveniência de seus insumos.
O Relatório elaborado pela unidade técnica apontou a falta de regulamentação existente sobre a aquisição de produtos processados, beneficiados, ou industrializados pelo Programa de Aquisição de Alimentos, e que os processos estabelecidos pela Conab, no Título 30 do MOC, não são compatíveis com as finalidades do Programa definidos no art. 19 da Lei 10.696/2003. Isto posto a determinação proposta foi para que o Grupo Gestor do PAA regulamente a aquisição desses produtos de forma aderente aos objetivos do Programa. No parágrafo 41 da Nota Técnica 5/2016/DECOM/SESAN/MDS, peça 57, a SESAN emite concordância com a determinação proposta.
41. Sendo assim, esta Sesan concorda com a determinação do TCU, de que existe a necessidade de delimitar as regras e procedimentos necessários, para se evitar que os recursos do programa sejam utilizados para fins diversos dos objetivos do PAA. Sendo assim, acata-se a determinação de forma aderente aos objetivos e finalidades do Programa, de elaborar e publicar uma resolução do GGPAA, que dispõe sobre regras e procedimentos para aquisição de mercadorias processadas, beneficiadas e industrializadas no PAA.
Cabe ressaltar que a única regulamentação existente é no Título 30 do MOC é que pelo menos um dos produtos caracterizados como matéria-prima seja de produção própria do beneficiário fornecedor. As considerações apresentadas pela SESAN não são direcionadas à determinação proposta pela Unidade Técnica, já que a própria Secretaria evidencia esforços com objetivo de regulamentar a matéria. As considerações apresentadas são direcionadas ao embasamento utilizado pela unidade técnica como desalinhamento entre os processos de aquisição de alimentos beneficiados utilizados e as finalidades do Programa.
A Unidade Técnica concorda com a SESAN quanto à importância das cooperativas para os agricultores familiares e dos produtos industrializados para a Política de Segurança Alimentar e Nutricional, no entanto a instrução (peça 60) aponta o fato de nas normas do PAA não existir nenhuma previsão de terceirização da produção, e nenhum processo de trabalho dos órgãos gestores para verificar a adesão dessa terceirização às finalidades do Programa.
Essa falta de normatização permite a ocorrência de situações que envolvem industrialização de alimentos prejudiciais aos beneficiários fornecedores, e demostra a falta de controle por parte da Conab e do Grupo Gestor para controlar esses desvios e definir quais limites de desconto dos produtores é possível, conforme transcrição do parágrafo 88 da instrução.
88. Verificou-se também que o processo de industrialização, beneficiamento ou processamento em alguns casos não é favorável ao agricultor familiar, pois apenas um pequeno percentual do valor dos produtos lhe é destinado. Isso ocorre devido ao limite financeiro que é atribuído a cada agricultor familiar, atualmente de R$ 8.000,00, ser relativo ao produto entregue na unidade recebedora e não a valoração da produção do agricultor. Esse fato é exemplificado no TC 028.937/2014-7 de Santa Catarina, que, na análise da CPR SC 2012-02-0139 e da CPR SC 2013-01-0104, evidenciou que a Cooperativa adquiria peixes a R$ 3,00/Kg e esses passavam por processamento e eram entregues nas unidades recebedoras, como “Bolinho e quibe de peixe/fishburger”, a um valor superior a R$ 10,00/Kg.
O inciso I do art. 19 da Lei 10.696/2003 estabelece como finalidade do PAA, “incentivar a agricultura familiar, promovendo a sua inclusão econômica e social, com fomento à produção com sustentabilidade, ao processamento de alimentos e industrialização e à geração de renda”. Em situações como a descrita não é claro se o incentivo do Programa é direcionado aos agricultores familiares ou às empresas responsáveis por realizar a industrialização.
Ademais a Lei 11.326/2006 caracteriza o agricultor familiar como “aquele que pratica atividades no meio rural” e “utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento”. A falta de regulamentação da Lei 11.326/2006 e do PAA quanto à industrialização levanta questionamentos se a produção terceirizada mantém a característica como produto da agricultura familiar, visto que esse processo não ocorre no meio rural e não necessariamente possui mão-de-obra predominante da agricultura familiar.
Quanto à questão da utilização de matérias-primas não produzidas pelo beneficiário fornecedor, novamente a instrução da Unidade Técnica chama atenção para a possibilidade de ocorrência de situações que diminuem a eficiência do Programa, conforme a situação constante no TC 015.449/2014-9 no estado do Paraná:
“(…) identificou-se que os insumos necessários para a produção de pães, bolos e bolachas passam, em sua maioria, por algum grau de industrialização. Caso emblemático ocorre com a farinha de trigo, que é a matéria prima básica de todos esses alimentos, posto que os agricultores, em questão, não cultivam o trigo e, por consequência, também não o beneficiam para produzir a farinha. Por essa razão, a farinha é adquirida no comércio local, assim como, o fermento, a gordura vegetal, e, alguns casos, inclusive os ovos são comprados. Isso ocorre porque, em que pese, os fornecedores sejam efetivamente agricultores, os insumos necessários para a produção desses alimentos não fazem parte de sua atividade agrícola. Isto é, os agricultores podem ser criadores de bovinos, suínos, ou produtores de soja, milho, laranja, hortaliças, entre outros e, ainda assim, se habilitam a produzirem pães, bolos e bolachas.”
Situações como essa têm potencial de redução da eficiência do Programa pois ao invés de fomentar o produtor que produz alimentos a especializar-se na industrialização da sua produção agregando renda, gera a possibilidade de detentores de DAP que não produzam alimentos, adquiram produtos de terceiros, que não necessariamente são da agricultura familiar, e os industrializem, o que reduz a eficiência do Programa em fomentar esse público alvo. O parágrafo 47 da Nota Técnica 16/2016 – GABIN/SESAN/MDSA apresentar essa situação.
Uma família detentora da DAP pode produzir bens e serviços a partir de práticas não essencialmente agrícolas, mas que fundamentalmente são provenientes da sua mão de obra familiar, conforme art. 3º da Lei n° 11.326/2006. Desde que atendidos os critérios de mão de obra e gestão do negócio rural, dispostos na Lei n° 11.326/2006, uma família pode praticar a produção de pães, doces, geleias e outros produtos, não importando a proveniência de seus insumos.
A determinação proposta visa a regulamentação dessas situações por parte do Grupo Gestor do PAA, no sentido de alinhar esses processos de industrialização com as finalidades do Programa, e torná-lo mais eficiente na aplicação dos recursos públicos. Por conseguinte, entende-se que deva ser mantida a determinação direcionadas ao GGPAA.
A Nota Técnica Dipai/Supaf 002/012/2016, peça 67, tece considerações adicionais da Conab sobre quatro deliberações propostas no Relatório de Auditoria Operacional no PAA/CDS elaborado pela Unidade Técnica. As primeiras considerações são referentes a determinação a seguir:
I. Determinar à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, combinado com o art. 250, inciso II, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, que:
a) estabeleça controles internos adicionais nos processos do PAA/CDS, de modo a proporcionar o cumprimento do art. 16, caput e §1º da Lei 12.512/2011, a exemplo de: cruzamento de dados, sistematização de procedimentos e instrução processual, checagem das informações fornecidas pelo beneficiário, mecanismos de controle de qualidade das instruções processuais, revisão do trabalho – externa ao departamento responsável, fiscalização em campo.
A SUPAF, de maneira semelhante à SESAN, alega que o Decreto 7.775/2012 estabelece que a comprovação dos beneficiários fornecedores será feita por meio da DAP e a Portaria MDA 26/2014 define que a emissão da DAP é de responsabilidade da Secretária de Agricultura Familiar (SAF). Ressalta que os controles adicionais seriam mais efetivos e teriam maior alcance se fossem realizados pela própria SEAD/CC.
A SUPAF destaca que desde 2015 as DAPs individuais passaram a ser automaticamente checadas no SigPAA, banco de dados da SEAD, que realiza cruzamentos com outras bases de dados como o Sistema de Controle de Óbitos (SISOBI). A SUPAF destaca ainda trecho do voto que fundamentou o Acórdão 3.205/2013 do Plenário do TCU que reviu o texto de determinação anterior:
Na oportunidade, o Plenário do Tribunal exarou o Acórdão n° 3.205/2013, que reviu o texto da determinação anterior, dispondo que o supracitado banco deveria informar à então Secretaria de Agricultura Familiar não mais as irregularidades com relação às DAPs detectadas nas fiscalizações realizadas no âmbito do Pronaf, mas sim “as impropriedades e irregularidades eventualmente constatadas no âmbito das operações relacionadas com o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar — Pronaf’, fundando-se, para tanto, no voto do Relator, Ministro Aroldo Cedraz, do qual se extrai:
“6.1. Entendo, entretanto, que assiste razão ao Recorrente quando propugna no sentido de que o Banco não pode ser enquadrado como entidade representativa dos beneficiários e nem está envolvido com o processo de emissão e homologação de DAP, na forma definida no art. 63 da Portaria SAF 12/2010. Tais funções estão adstritas às entidades credenciadas pelo MDA, às quais compete o enquadramento do produtor rural nos grupos do Pronaf, nos termos das normas regulamentadoras da matéria (Portarias SAF 12/2010 e MDA 17/2010).
6.2. Considero, também, adequada a argumentação de que não cabe ao Banco realizar a fiscalização propriamente dita da regularidade da DAP, mas sim a operação de crédito, nos aspectos definidos no MCR 2-7, além de adotar as medidas necessárias ao alcance da referida operação, como acolher a proposta do agricultor, verificar a validade da DAP no site do MDA, solicitar os documentos pessoais do interessado e do imóvel, pesquisas restrições, analisar a proposta, emitir o instrumento de crédito, entre outras.
(…).
6.6. A partir dessas considerações, e objetivando evitar dúvidas na interpretação quanto aos objetivos pretendidos pelo Tribunal, entendo que se deva reformular os termos da determinação endereçada ao Banco, de modo a deixar claro sobre a necessidade de que aquela Instituição Financeira leve ao conhecimento da Secretaria de Agricultura Familiar — SAF as irregularidades que, eventualmente, este venha a tomar conhecimento, direta ou indiretamente.” (TCU — Plenário — Processo n° 012.908/2010 – O — Acórdão n° 3.205/2013 — Publicado no DOU de 05/12/2013, Seção 1, p. 316, grifos nossos)”.
Em relação a essas considerações é importante ressaltar o papel da Conab como unidade executora do Programa de Aquisição de Alimentos, operado via Termo de Cooperação, e sua responsabilidade definida no art. 49 do Decreto 7.775/2012, já citado. A determinação proposta é no sentido de estabelecer controles adicionais sobre o Programa de Aquisição de Alimentos, e não sobre a emissão das DAPs, de responsabilidade da SAF. Esses controles visam a redução de ocorrências identificadas no cruzamento de dados realizado que demonstram situação de beneficiários fornecedores irregulares com participação no Programa.
Segunda a Nota Técnica a SUPAF já realiza alguns controles sobre as DAPs individuais, o que não justificaria a falta de responsabilidade em estabelecer controles adicionais.
Desde 2015 as DAPs individuais passaram a ser automaticamente checadas no SigPAA, base de dados que é enviada, quinzenalmente, pela SEAD/CC à Conab, que efetua batimentos e cruzamentos com outras bases de dados como, por exemplo, o Sistema de Controle de Óbitos (SISOBI).
Quanto ao Acórdão apontado, destaca-se as diferenças de atividade realizada pelo Banco do Brasil, que na execução da política de crédito exerce a função de instituição financeira, e a CONAB que é gestora do Programa de Aquisição de Alimentos, e tem dever de manter controles internos para garantir a segurança razoável da consecução da missão da entidade, conforme inciso V, art. 2º da IN MP/CGU 1/2016. Ademais o Manual de Crédito Rural no item 14-4B define que a classificação do produtor em pequeno, médio e grande é da instituição financeira. Dessa forma entende-se que deva ser mantida a determinação proposta.
Em seguida a Nota técnica faz consideração sobre a alínea “b” do item I da Proposta de Encaminhamento, transcrita a seguir:
I. Determinar à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, combinado com o art. 250, inciso II, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, que:
b) em obediência ao princípio da legalidade e da eficiência constantes do art. 37 da CF, envie plano de providências para confirmação das irregularidades e/ou correção dos registros, além da recuperação do montante financeiro referente à diferença entre o valor de aquisição dos produtos e o valor de mercado do produto à época da operação, conforme histórico de preços da bolsa de mercadorias/CONAB e demais custos incorridos para as operações em que forem confirmadas as irregularidades
A Conab ressalta que em 2015 foi instituído um novo módulo no SigPAA, o PPA Entregas, e que o período analisado pelo Tribunal, 2011 a 2014, as propostas de participação analisadas podem ter sofrido alterações.
A Nota Técnica enumera as ações da CONAB junto às Superintendências e possíveis dificuldades enfrentadas para o cumprimento da determinação.
Foi requerida, às Superintendências Regionais, observância às determinações do Tribunal. Para tanto estão sendo efetuadas reanálises das ocorrências de beneficiários fornecedores com indícios de não cumprimento dos requisitos do PAA/CDS. A partir da confirmação de possíveis irregularidades, todas as medidas saneadoras, ainda não implementadas, serão adotadas, com a aplicação das penalidades cabíveis às respectivas Organizações Fornecedoras.
De acordo com o art. 19 da Lei 10.696/2003 e art. 16 da Lei 12.512/2011, os preços pagos no PAA devem ser obrigatoriamente compatíveis com os preços vigentes no mercado, em âmbito local ou regional, aferidos e definidos segundo metodologia instituída pelo Grupo Gestor do PAA, como definido nas Resoluções n° 39, de 26/01/2010 e n° 59, de 10/07/2013.
Nos casos de indícios de problemas na emissão da DAP cabe registrar que a Conab não dispõe dos meios necessários para verificar o correto atendimento dos critérios para emissão do documento.
Registra-se que está em fase de desenvolvimento a Consulta Pública do PAA/Conab, de forma a disponibilizar em tempo real a execução dos projetos, favorecendo o monitoramento e controle social do Programa.
Cabe registrar que a determinação é direcionada à Conab para apresentar plano de providências para averiguar os indícios de irregularidades identificados pelo cruzamento de dados e comprovar a irregularidade ou a regularidade do beneficiário fornecedor. No caso de irregularidade, deve ser calculado o valor pago pelas mercadorias acima do valor de mercado, e essa diferença deve ser restituída aos cofres públicos.
Importante evidenciar que é possível o pagamento de valor acima do preço de mercado por mercadorias no PAA. A Resolução 39/2010 do GGPAA, que dispõe sobre o preço de referência para o Programa, define o §3º do art. 1º que “os preços estabelecidos com base nesse artigo não poderão ser inferiores aos estabelecidos no Programa de Garantia de Preços para a Agricultura Familiar – PGPAF”.
O PGPAF é um Programa Federal que garante, sempre que o preço de mercado está abaixo do preço de garantia da safra, um bônus equivalente a essa diferença de preços para o agricultor familiar aplicar no saldo devedor dos financiamentos de custeio do Pronaf. Dessa forma se os preços do PAA não podem ser inferiores aos preços do PGPAF, e os preços de garantia do PGPAF são para garantir bônus quando os preços de mercado estão inferiores, existe a possibilidade dos preços do PAA serem superiores aos preços de mercado. Por conseguinte, entende-se que deva ser mantida a determinação direcionadas à Conab.
Em seguida a Nota Técnica tece considerações sobre a alínea “c” do item I da Proposta de Encaminhamento, transcrita a seguir:
I. Determinar à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, combinado com o art. 250, inciso II, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, que:
c) em obediência ao princípio da eficiência do art. 37 da CF/88 e de forma a atender ao art. 6º do Decreto 7.775/2012, formalize rotina de trabalho para que as Suregs realizem o planejamento e a fiscalização das entregas referentes às CPRs de sua jurisdição de forma a conciliar a demanda das entidades recebedoras e as características do público por elas atendido com a oferta de produtos dos beneficiários fornecedores do PAA/CDS.
A SUPAF alega que as rotinas de trabalho, a partir de 2015, foram aprimoradas, com checklist e designação de um responsável formal pelo acompanhamento do projeto, além da edição de novos normativos:
a) Resolução GGPAA N’s 62/2013 e 72/2015 que qualifica as Unidades Recebedoras;
b) Título 30 do MOC e Normas da Organização — NOC 30.604 que promove maior envolvimento do Poder Público Municipal e da Unidade Recebedora na fase de elaboração da proposta;
c) Obrigatoriedade do uso do módulo PAA Execução para prestação de contas de projetos formalizados a partir de janeiro de 2015;
Cabe destacar que as análises realizadas no âmbito da auditoria operacional levaram em consideração todos os normativos existentes até março de 2015. Somente os exemplos de situações foram identificados no período de 2012 a 2014, pelas auditorias de conformidades realizadas pelas Secretarias Regionais do TCU.
Assim, mesmo com os novos normativos e procedimentos adotados, a conciliação de oferta e demanda da CPR de acordo com art. 4º da Resolução GGPAA 59/2013 não é realizada. O envolvimento do Poder Público municipal na elaboração da proposta de participação não garante às Suregs segurança suficiente para não executar procedimentos de análise quanto à oferta e demanda de produtos. Isto posto, entende-se que deva ser mantida a determinação direcionada à Conab.
A Nota Técnica Conjunta Dipai/Supaf 002/012/2016 também faz considerações referentes ao item II da Proposta de Encaminhamento da instrução da Unidade Técnica (peça 60), transcrita a seguir:
Determinar ao Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos (GGPAA), com fulcro no art. 43, inciso I, da Lei 8.443/1992, combinado com o art. 250, inciso II, do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, que regulamente a aquisição de produtos beneficiados, processados e industrializados pela Compra com Doação Simultânea operada pela Conab, conforme incisos I e IX do art. 21 do Decreto 7.775/2012, de forma aderente aos objetivos e finalidades do Programa;
Quanto a essa determinação a SUPAF alega que os alimentos produzidos pela agricultura familiar incluem os produtos beneficiados, processados e industrializados, com embasamento no art. 13 do Decreto 7.775/2012, que autoriza as organizações fornecedoras a deduzir os custos de beneficiamento ou processamento de alimentos. Assim entendem que essa aquisição está em conformidade com as finalidades do Programa.
Quanto a este ponto, no trabalho realizado não foi feito qualquer questionamento ou crítica sobre a possibilidade de agricultores familiares entregarem alimentos processados. A determinação proposta é direcionada à regulação pelo GGPAA da aquisição desses produtos, com objetivos de evitar situações identificadas no relatório de auditoria que não estão alinhadas às finalidades do PAA. Portanto, entende-se que deva ser mantida a determinação direcionada à Conab.
Os esclarecimentos adicionais enviados pela Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (SESAN/MDSA) e pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), juntados aos autos nas peças 66 e 67, foram devidamente analisados na presente instrução, tendo-se entendido em manter integralmente as propostas de determinações e recomendações constantes do Relatório de Auditoria Operacional no Programa de Aquisição de Alimentos – Modalidade Compra com Doação Simultânea (peça 60).
Assim, submetem-se os autos à consideração superior, propondo o seu encaminhamento ao gabinete do Relator, para apreciação e julgamento.
É o Relatório.