terça-feira , 23 abril 2024
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Direito Agrário - foto: Alexandre Selistre

Reconhecimento Legislativo da Preocupação com o Bem-Estar Animal no Cavalo Crioulo

por Alexandre Valente Selistre.

 

Ao tropel dos cascos de uma buena égua crioula, que cruzava a galope estendido a linha de chegada, ao cumprir 750 quilômetros, durante 15 dias ininterruptos, Jura do Rincão da Querência e Luís Umberto Silva Rodrigues, consagravam seu bicampeonato. Pela segunda vez, comprovaram as qualidades que distinguem o cavalo crioulo: Rusticidade, Resistência e capacidade de Recuperação, na 20ª Marcha Anual de Resistência em Quaraí/RS. Dois dias depois, aos 04 de julho de 2022 foram promulgadas as Leis n°s 14.392 e 14.394, ambas reconhecendo como manifestações culturais, em âmbito nacional, as duas principais provas equestres da raça crioula, a Marcha de Resistência e o Freio de Ouro, respectivamente.

Sua justificativa coroa o que o gaúcho, tido como centauro da Pampa, dada sua intrínseca ligação com o cavalo e o gado, há bastante tempo preconizava, ao testar doma, seleção racial e melhoramento genético nestas duas relevantes provas que retratam a dura lida campeira. O Freio de Ouro, por sua vez, premiará o cavalo e a égua que se destacarem nas etapas de andadura, figura, volta sobre patas e esbarrada, além da mangueira e das paleteadas com bovinos, uma das mais prestigiadas provas na exposição da Expointer.

Despretensiosamente, tais legislações contém apenas três artigos cada, assim como são simples os gaúchos e os cavalos crioulos. Todavia representam toda uma tradição quase penta-centenária, condicionada geopoliticamente por uma cultura augural, consequência do habitat, da vastidão do ancestral bioma Pampa, na conjunção de grupos étnicos nativos e hispano-lusitanos. Agora oficialmente timbrada como bem de natureza imaterial, compondo manifestação do patrimônio cultural brasileiro, conforme o parágrafo 7° inserido ao artigo 215 da CF88, pela Emenda Constitucional n° 96.

Muito embora, para a Associação Brasileira dos Criadores de Cavalos Crioulos, a ABCCC, os compositores de cavalos marcheiros e ginetes do Freio de Ouro, a ressalva quanto à crueldade e maus-tratos seja desnecessária. Desde 2015 houve uma decisão paulista contestada, que proibiu a realização de provas de laço e vaquejadas em rodeios, inclusive na Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos (TJSP, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2146983-12.2015.8.26.0000, Rel. Des. Péricles Piza, julgada em 09.12.2015), baseada em interpretação quanto ao artigo constitucional 225, §1°, inciso VI.

Desconsiderou a Lei dos Rodeios (n° 10.519/2002, que determina normas de fiscalização sanitária dos animais envolvidos em provas campeiras), além da Lei Estadual nº 14.843, de 21 de março de 2016, que instituiu 26 de março como o Dia do Laço no Rio Grande do Sul. Tais regramentos reforçam a valorização desta ferramenta do peão, símbolo de sua cultura e tradição, o cavalo. De fato, no Estado do Rio Grande do Sul existem mais de vinte mil laçadores, concorrendo em cerca de quatrocentos rodeios ao ano. Só na Festa de Barretos a expectativa de público é de novecentos mil espectadores, ainda somados a outros duzentos rodeios menores pelo interior de São Paulo. Os rodeios concentram demonstrações da destreza nas fainas boiadeiras, onde o peão mostra habilidade ao montar a cavalo, laçar ou ginetear, reproduzindo o serviço das estâncias. São expressões culturais do homem do campo, trazidas para a cidade.

Porém este divertimento popular também possui um cunho esportivo, onde a competição é intrínseca. Pelo prêmio, alguns competidores ou organizadores, despropositadamente, preconizam velocidade e brutalidade. Submeter os animais a maus tratos, agressões, ferimentos, más acomodações, exaustão, sede, fome ou medo, em nome do entretenimento, de fato é moralmente questionável. Até que ponto alguns seres humanos, ditos racionais e superiores, teriam direito de agredirem animais? Em contraponto, a desconsideração com o bem-estar animal não é regra! Proprietários e competidores sabem que seu sucesso depende de animais bem cuidados. Inobstante, por vezes, estes animais expoentes de rodeio, são mais bem tratados e longevos que aqueles comuns.

Os criadores da raça equina Crioula, sócios da ABCCC, por exemplo, já estão promovendo normas assertivas nos regulamentos das provas que chancela, precauções que respeitem o bem-estar animal, seja pela boa disposição, conforto, saúde e segurança. É o que se chama de “Sangue Zero” evitando qualquer espécie de sangramento, além de também realizar antidoping e medidas de resguardo veterinário dos animais expostos. São providências relevantes, certamente um caminho sem volta, validando a perseverança e continuidade destas importantes provas seletivas.

Por questão de civilidade, o Direito não pode deixar de se envolver e analisar a questão do bem-estar animal. Desde a Declaração Universal dos Direitos dos Animais (proclamada pela UNESCO em Bruxelas em 27/01/1978), passando pelo Relatório Brambell e pela atual Constituição Federal, em seu artigo 225, §1°, inciso VI, até a penalização pela Lei dos Crimes Ambientais, no artigo 32 da Lei nº 9.605/1998, o homem conscientizou-se de que os animais são sencientes, dotados de sensibilidade, podendo sofrer física e mentalmente, e, portanto, passíveis de proteção legal.

Em uma análise jurídica, é elementar compreender que os animais não têm personalidade, não podem figurar como sujeitos de direito, outrossim, pertençam a uma espécie de regime intermediário, exatamente em reconhecimento a sua senciência. Por fazerem parte da fauna, merecem proteção ambiental, especialmente quando padecem de crueldade! É necessário fortalecer o amparo jurídico e tutela jurisdicional em caso de violação, para estes seres maravilhosos, implicando diretamente o pecuarista e representando a evolução da sociedade. Contudo a necessidade de legislação para esclarecer cidadãos urbanos, que antropomorfizam pets e muito pouco convivem com o campo, ao pretenderem impedir provas equestres, motivados pelo desconhecimento de uma manifestação cultural, deveria ser elementar.

Alexandre Valente Selistre – Advogado agrarista e produtor rural. Especialista em Direito Agrário e Ambiental aplicado ao Agronegócio pelo I-UMA. Mestre e Doutor em Agronegócios pela UFRGS. Pesquisador integrante do NESPRO/UFRGS. É membro da União Brasileira de Agraristas – UBAU.

Confira as leis publicadas:

 

LEI Nº 14.392, DE 4 DE JULHO DE 2022

Reconhece a Marcha de Resistência do Cavalo Crioulo do Rio Grande do Sul como manifestação da cultura nacional.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º  Fica reconhecida a Marcha de Resistência do Cavalo Crioulo do Rio Grande do Sul como manifestação da cultura nacional.

Art. 2º Compete ao poder público assegurar a livre realização das atividades que compreendem a Marcha de Resistência do Cavalo Crioulo do Rio Grande do Sul.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 4 de julho de 2022; 201o da Independência e 134o da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO

Carlos Alberto Gomes de Brito

LEI Nº 14.394, DE 4 DE JULHO DE 2022

Reconhece a competição Freio de Ouro como manifestação da cultura nacional.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º  A competição Freio de Ouro fica reconhecida como manifestação da cultura nacional.

Art. 2º Compete ao poder público garantir a livre realização das atividades que compreendem a competição Freio de Ouro, resguardadas as normas legais de proteção aos animais.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 4 de julho de 2022; 201o da Independência e 134o da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO
Carlos Alberto Gomes de Brito

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