por Clairton Kubaszwski Gama.
Recentemente, no julgamento do Recurso Extraordinário – RE nº 883542/SP, o Supremo Tribunal Federal – STF reafirmou sua jurisprudência sobre a constitucionalidade da Contribuição Sindical Rural – CSR, fiscalizada e arrecadada pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA.
Este recurso foi interposto pela CNA em uma ação de cobrança contra proprietário rural do estado de São Paulo. O Tribunal estadual paulista havia entendido pela caracterização de bitributação, uma vez que a CSR possui a mesma base de cálculo do Imposto Territorial Rural – ITR: o valor do imóvel rural. Tal entendimento, contudo, foi reformado pelo STF, por meio de seu Plenário Virtual, que consolidou a jurisprudência da Corte no sentido da validade da cobrança da CSR e, ainda, reconheceu a repercussão geral do julgamento do recurso fixando a seguinte tese: “A Contribuição Sindical Rural, instituída pelo Decreto-Lei 1.661/1971, não configura hipótese de bitributação e tal tributo foi recepcionado pela ordem constitucional vigente”.
A decisão do STF pela existência da repercussão geral foi proferida por unanimidade. Já com relação ao mérito, ou seja, quanto à validade da cobrança da CSR, o recurso da CNA foi provido por maioria, restando vencido o ministro Marco Aurélio.
O Plenário Virtual do STF é um sistema informatizado que permite que os ministros realizem a votação por meio eletrônico. Para que uma questão possa ser submetida à análise através do Plenário Virtual, é necessário que o ministro relator do processo se manifeste pela reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, o que ocorreu no presente caso, no qual a relatoria estava a cargo do ministro Gilmar Mendes.
A Contribuição Sindical Rural é uma contribuição social com fundamento constitucional no art. 149 da Constituição Federal, instituída pela União Federal e cuja administração, fiscalização e arrecadação foi delegada à Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil. A base legal desta contribuição está no Decreto-Lei nº 1.661/1971 e na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, em seus artigos 578 e seguintes.
Trata-se, portanto, de espécie de tributária. Dessa forma, o pagamento da CSR é obrigatório e independe de o contribuinte ser ou não filiado a sindicato. Quer dizer, a CSR não se confunde com a contribuição assistencial (também conhecida como “taxa assistencial”) destinada a custear as atividades assistenciais do sindicato, que não possui natureza tributária e, justamente por isso, tem sua exigência adstrita àqueles que forem vinculados ao sindicato. Aliás, o STF já decidiu que é inconstitucional impor a contribuição assistencial a quem não for sindicalizado. E este entendimento foi reafirmado pelo Plenário Virtual em março deste ano no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.018.459, com repercussão geral reconhecida e igualmente de relatoria do ministro Gilmar Mendes.
Os contribuintes da CSR são os produtores rurais, pessoas física ou jurídica, que possuam empregados; ou, mesmo sem empregados, que exercem sua atividade rural em área superior a dois módulos rurais da respectiva região; ou ainda, que sejam proprietários rurais de mais de um imóvel rural cuja soma das áreas seja superior a dois módulos rurais da respectiva região.
O cálculo da CSR para os produtores rurais pessoa física é feito tomando como base, como já dito, o valor do imóvel rural declarado pelo próprio contribuinte na declaração do ITR. Já para as pessoas jurídicas, a base de cálculo é apurada a partir da Parcela do Capital Social – PCS atribuída ao imóvel. As alíquotas da CSR obedecem a uma tabela progressiva, variando de 0,02% a 0,8%.
No caso do RE nº 883542/SP, a tese defendida pelo contribuinte (produtor rural) era de que haveria bitributação, uma vez que a CSR e o ITR utilizam a mesma base de cálculo (valor do imóvel rural) e o art. 154, I da Constituição Federal veda a instituição de impostos com mesma base de cálculo. Todavia, a jurisprudência do STF já vinha entendendo pela improcedência desta alegação, o que restou agora confirmado em sede de repercussão geral.
O entendimento do STF é no sentido de que a disposição do inciso I do art. 154 da Constituição não é aplicável às contribuições (espécie tributária a qual pertence a CSR), mas apenas aos impostos. Trata-se de entendimento embasado numa interpretação literal do texto da Constituição. Ocorre que o sistema constitucional tributário não deveria ser interpretado apenas literalmente. Era imperioso que se fizesse uma interpretação teleológica da questão, pois parece não haver motivo para que o constituinte originário tivesse pretendido limitar a previsão do referido dispositivo apenas aos impostos.
De qualquer modo, ainda há a possibilidade de que existam pontos não examinados neste recurso, os quais poderão ser objeto de Embargos de Declaração. Também é possível que questões não abordadas no recurso e, consequentemente, não apreciadas pelos ministros neste julgamento, venham a ser levadas ao STF por meio de outros processos.
Neste sentido, importante observar que há diversas questões a respeito da CSR que ainda pendem de uma definição jurisprudencial. É o caso, por exemplo, da aplicação do disposto no art. 142 do Código Tributário Nacional. Com efeito, sendo a natureza tributária da CSR indiscutível, ela deve atenção ao referido dispositivo do CTN, que prevê a necessidade de o tributo ser constituído previamente na esfera administrativa por meio do lançamento e consequente notificação do contribuinte a respeito do tributo lançado. E não são raros os casos em que os contribuintes da CSR não são notificados administrativamente do lançamento deste tributo.
Assim, em não havendo a notificação administrativa do contribuinte acerca do lançamento, considera-se que o crédito tributário não restou constituído. Em outras palavras: sem notificação do lançamento, não há crédito tributário.
Cabe registrar que a mera publicação de editais, conforme previsto no art. 605 da CLT, não supra a necessidade de notificação do contribuinte acerca do lançamento, como exigido pelo art. 145 do CTN, pois os editais, via de regra, não especificam a quem se dirigem nem qual o valor efetivamente devido. A jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região já se pronunciou neste sentido, afirmando que “ausente a notificação do sujeito passivo do lançamento tributário exigida no art. 145 do CTN, deve ser determinada a extinção da ação de cobrança de contribuição sindical (…).” (TRT/4, 5ª Turma, RO 0020157-21.2016.5.04.0511, Redator: Karina Saraiva Cunha, 14/12/2016).
Outra questão que pende de definição jurisprudencial diz respeito à destinação do produto da arrecadação da CSR. É que, como já dito, a contribuição sindical rural é uma contribuição com suporte constitucional no art. 149. E as contribuições caracterizam-se pela ocorrência de situações em que o Estado atua relativamente a um determinado grupo de contribuintes. Não se trata de uma ação geral, como nos impostos, nem de uma ação específica e divisível, como nas taxas. Trata-se de uma ação voltada a finalidades específicas, constitucionalmente destacadas como autorizadoras de tributação especial.
A Constituição Federal de 1988, ao alcançar às contribuições indiscutível caráter tributário, colocou a finalidade como critério definidor deste tipo tributário, passando a destinação legal do produto da arrecadação a ser aspecto relevante para a determinação da própria natureza tributária desta exação. A destinação da arrecadação das contribuições, portanto, é determinante para a sua própria caracterização, sendo que o critério de validade constitucional das contribuições é justamente a sua adequação às finalidades previstas nos arts. 149 e 149-A da Constituição.
Quer dizer, é a destinação da arrecadação às finalidades constitucionalmente previstas que justifica e legitima a instituição da contribuição, sob pena de, descumprida a destinação, acabar por descaracterizar o tributo.
E, no que tange à CSR, o art. 589, I, “d”, da CLT prevê que, da importância arrecada, 20% será destinado para a “Conta Especial Emprego e Salário”. Ocorre que esta conta não possui especificidade e tampouco relação com o grupo de contribuintes sujeitos ao pagamento da contribuição em tela. Em verdade, esta fração de 20% que é destinada a tal conta representa “imposto travestido de contribuição”, já que estes 20% ingressam em conta única do Tesouro Nacional, sem qualquer especificidade de retorno.
Bem se vê, portanto, que, em que pese o recente julgamento com repercussão geral pelo STF, as discussões a respeito da validade da CSR estão longe de serem encerradas. Ainda há diversos pontos que pendem de definição e comportam argumentações em todos os sentidos.
*Clairton Kubaszwski Gama, advogado, sócio do escritório Kubaszwski Gama Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário. É membro da União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU e do Instituto Nacional de Estudos Jurídicos e Empresariais – INEJE. É integrante do Grupo de Estudos em Tributação Internacional da Faculdade Brasileira de Tributação.
Veja também:
– Aproveitamento de créditos de PIS e COFINS pelo produtor rural: a visão do CARF a respeito da definição de insumos (Portal DireitoAgrário.com, 06/2017)
– Funrural: o julgamento do STF e os próximos passos do produtor (Portal DireitoAgrário.com, 03/04/2017)
– STF julga que contribuição de empregador rural pessoa física ao Funrural é constitucional (Portal DireitoAgrário.com, 02/04/2017)
– Empregador rural pessoa física não deve pagar contribuição previdenciária sobre comercialização de produtos agrícolas sob pena de bitributação (Portal DireitoAgrário.com, 27/10/2016)
– Produtor-empregador rural pessoa física não está obrigado a recolher a contribuição social do salário-educação (Portal DireitoAgrário.com, 29/06/2016)
* Para tirar eventuais dúvidas, fazer algum comentário, corrigir alguma falha no texto ou críticas, entre em contato com a Equipe do Portal DireitoAgrário.com pelo seguinte e-mail: [email protected]