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Direito Agrário - foto: Prof. Júlio Barcelos

Decreto institui o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas

Por Albenir Querubini – @albenirquerubini.

Foi publicado hoje o Decreto nº 11.815, de 5 de dezembro de 2023, que institui o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis e o seu Comitê Gestor Interministerial.

O Decreto merece atenção de quem atua nas demandas jurídicas do agronegócio, especialmente porque traz conceitos e definições técnicas a serem observadas pelos produtores rurais, a exemplo do conceito de pastagem degradada trazida em seu art. 2º, que conceitua como pastagens degradadas:  “aquelas resultantes do processo evolutivo da perda de vigor, produtividade e capacidade de recuperação natural, que: a) gera sua incapacidade para sustentar os níveis de produção e a qualidade exigida pelos animais; e b) culmina com a degradação avançada dos recursos naturais, em razão de manejos inadequados, diferenciando-se do conceito de vegetação secundária definido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente.

Tais conceitos passam a servir de base normativa para os negócios jurídicos envolvendo o domínio, a propriedade e a cessão temporária da posse de imóveis rurais, assim como naqueles envolvendo crédito e financiamento privado da atividade agrária.

Cabe recordar que a UBAU realizou em 21/02/2022 o evento “SIPADE: Sistema para apoio no diagnóstico de pastagem degradadas“, na qual o Dr. Carlos Alberto Valera,  Promotor de Justiça do MPMG, foi entrevistado pela Dra. Paula Angélica Reis Carneiro acerca da recuperação de pastagens degradadas pelo Ministério Público. Muito da lógica do Decreto nº 11.815/2023 foi objeto do referido evento que se encontra disponível em: https://www.youtube.com/live/qXCrcojolkA?si=zyYbhTrf3qmtZEy7 .
Cabe ressaltar que a boa intenção do Decreto em dispor sobre a substituição das áreas de pastagens degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis deve observar critérios técnicos e a viabilidade econômica para os produtores rurais, não podendo se transformar em uma imposição sob pena de romantismo. Aliás, a lógica das políticas públicas em matéria agrária devem se pautar por critérios técnicos e em respeito aos direitos de propriedade e liberdade econômica de produção, uma vez que ao Estado brasileiro cabe o fomento da atividade agrária e que nossa Política agrícola se orienta pela constante modernização das cadeias produtivas e da promoção da sustentabilidade.
Por fim, não pode ser ignorado que o Brasil é o país mais avançado em termos de agricultura preservacionista, sendo que a rotação de culturas e o sistema de plantio direto é uma realidade do agro nacional e, da mesma forma,  é o país que mais inova no desenvolvimento de práticas sustentáveis para as atividades agropecuárias.

Confira a íntegra do Decreto nº 11.815/2023:

DECRETO Nº 11.815, DE 5 DE DEZEMBRO DE 2023

Institui o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis e o seu Comitê Gestor Interministerial.

O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, caput, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965, e nos art. 3º e art. 4º da Lei nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991,

DECRETA:

Art. 1º  Fica instituído o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis – PNCPD, com a finalidade de promover e coordenar políticas públicas destinadas à conversão de pastagens degradadas em sistemas de produção agropecuários e florestais sustentáveis, com vistas ao fomento de boas práticas agropecuárias que levem à captura de carbono em nível superior ao da pastagem degradada.

Art. 2º  Para fins do disposto neste Decreto, consideram-se:

I – pastagens degradadas – aquelas resultantes do processo evolutivo da perda de vigor, produtividade e capacidade de recuperação natural, que:

a) gera sua incapacidade para sustentar os níveis de produção e a qualidade exigida pelos animais; e

b) culmina com a degradação avançada dos recursos naturais, em razão de manejos inadequados, diferenciando-se do conceito de vegetação secundária definido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente;

II – sistemas de produção agropecuários e florestais sustentáveis – aqueles que, respeitadas as normas de uso da terra de cada território, podem incluir modelos produtivos que convertam pastagens degradadas em:

a) lavoura, unicamente com culturas temporárias ou em sistema integrado, como a integração lavoura-pecuária-floresta – ILPF, a integração lavoura-pecuária – ILP ou a integração lavoura-floresta – ILF, conforme as condições de solo e clima, o que pode ser feito em cultivo consorciado, em sucessão ou em rotação, desde que:

1. haja benefícios mútuos para todas as atividades; e

2. tenha por objetivo otimizar o uso de recursos naturais, principalmente terra, para elevar os patamares de produtividade, diversificar a produção e gerar produtos de qualidade;

b) pastagem melhorada, entendida como uma estratégia destinada à intensificação dos sistemas pecuários, com o objetivo principal de recuperação do vigor, da produtividade e da capacidade de regeneração natural da forrageira, para sustentar os níveis de produção e qualidade exigidos pelos animais;

c) floresta plantada, entendida como uma estratégia viável para a recuperação de pastagens com média-alta degradação e com alta produção de biomassa e captura de carbono, na qual podem ser utilizadas espécies florestais para múltiplos fins madeireiros e não madeireiros; ou

d) agrofloresta, entendida como uma forma de uso e ocupação do solo em que espécies arbustivas e ou arbóreas são plantadas ou manejadas em associação com culturas agrícolas ou forrageiras para compor sistemas produtivos mais próximos da natureza, com o objetivo de fornecimento de alimentos, especiarias, plantas medicinais, produtos madeireiros e não madeireiros, bioativos, produtos para alimentação animal, matéria-prima para construção civil, como palha e bambu, e para artesanato, como sementes e fibras; e

III – boas práticas agropecuárias sustentáveis – uso de bioinsumos, plantio direto, sistema sempre verde, rastreabilidade agropecuária, certificações trabalhistas no campo, certificações produtivas, agricultura digital e avaliação da descarbonização.

Art. 3º  O PNCPD buscará viabilizar o acesso a financiamentos, com recursos externos sem subvenção ou com recursos de programas existentes, que deverão estar vinculados à obrigação de investimento na conversão de pastagens degradadas em sistemas de produção agropecuários e florestais sustentáveis.

Parágrafo único.  O Ministério da Agricultura e Pecuária, com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, deverá auxiliar na captação de recursos externos, sem a necessidade de subvenção do Governo federal, para financiar as atividades desenvolvidas no âmbito do PNCPD.

Art. 4º  O PNCPD apoiará exclusivamente empreendimentos que:

I – estejam inscritos no Cadastro Ambiental Rural e:

a) em conformidade com o disposto na Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012; ou 

b) em cumprimento do Programa de Regularização Ambiental, previsto no Decreto nº 7.830, de 17 de outubro de 2012;

II – no prazo de dez anos, contado da data de ingresso no PNCPD:

a) reduzam as suas emissões ou aumentem a absorção de gases de efeito estufa, por meio do uso de práticas sustentáveis do ponto de vista ambiental, social e de governança; e

b) não apresentem aumento das emissões de gases de efeito estufa advindas da mudança no uso da terra; e

III – observem, no caso de financiamento, as condições previstas em normas relativas a crédito rural, aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional.

Parágrafo único. Será dada preferência aos empreendimentos com excedente de reserva legal que preencham os requisitos para a obtenção da Cota de Reserva Ambiental prevista na Lei nº 12.651, de 2012.

Art. 5º  São objetivos do PNCPD:

I – promover a conversão de pastagens degradadas em sistemas de produção agropecuários e florestais sustentáveis;

II – contribuir para o cumprimento das metas de recuperação de pastagens degradadas, de redução do desmatamento e de recuperação da vegetação nativa previstas nos compromissos internacionais assumidos pelo Governo da República Federativa do Brasil e nos seguintes Planos e Políticas:

a) Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária, com vistas ao Desenvolvimento Sustentável (2020-2030) – Plano ABC+;

b) Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, instituída pelo Decreto nº 8.972, de 23 de janeiro de 2017;

c) Planos de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento desenvolvidos ou em desenvolvimento para os biomas Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampa e Pantanal, de que trata o Decreto nº 11.367, de 1º de janeiro de 2023;

d) Política Nacional da Biodiversidade, instituída pelo Decreto nº 4.339, de 22 de agosto de 2002; e

e) Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca, instituída pela Lei nº 13.153, de 30 de julho de 2015; e

III – incentivar as instituições financeiras e o mercado de capitais a viabilizar soluções financeiras para:

a) a implementação e a sustentabilidade do PNCPD; e

b) a descarbonização e o aumento da sustentabilidade social e ambiental da atividade agropecuária dos produtores rurais em seu portfólio de clientes, com a priorização de empreendimentos do agronegócio que:

1. invistam em tecnologia;

2. utilizem boas práticas agropecuárias sustentáveis;

3. implementem a recuperação ambiental; e

4. contribuam para a segurança alimentar e o aumento da resiliência climática.

Parágrafo único.  O PNCPD estabelecerá medidas e ações de monitoramento que visem mitigar o risco de que a conversão de áreas de pastagens degradadas incentive a expansão de atividades agropecuárias em áreas de vegetação nativa.

Art. 6º  A implementação do PNCPD observará a cooperação entre órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital e municipal e a participação de organizações da sociedade civil nacionais e estrangeiras.

Art. 7º  Fica instituído o Comitê Gestor Interministerial do PNCPD, órgão consultivo e deliberativo, ao qual compete:

I – definir os eixos, as diretrizes, as metas e as ações do PNCPD;

II – estabelecer:

a) os critérios e os requisitos para os financiamentos realizados com recursos externos captados para a implementação do PNCPD;

b) os parâmetros de avaliação e de cumprimento das ações do PNCPD; e

c) as medidas e as ações a serem adotadas para contribuir com o cumprimento das metas estabelecidas;

III – monitorar a implementação, a execução e a efetividade do PNCPD;

IV – promover a articulação entre os órgãos e as entidades públicas e as organizações da sociedade civil, com a finalidade de implementar programas, planos, projetos e ações do PNCPD;

V – avaliar periodicamente a execução do PNCPD;

VI – elaborar relatório anual sobre a execução e a efetividade do PNCPD;

VII – revisar e propor atualizações do PNCPD; e

VIII – elaborar e aprovar o seu regimento interno.

Parágrafo único.  O Comitê Gestor Interministerial poderá instituir grupos técnicos para implementar o PNCPD e promover debates sobre políticas setoriais sinérgicas e afins.

Art. 8º  O Comitê Gestor Interministerial será composto por:

I – um representante de cada um dos seguintes órgãos e das seguintes entidades:

a) Ministério da Agricultura e Pecuária, que o presidirá;

b) Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima;

c) Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar;

d) Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços;

e) Ministério da Fazenda;

f) Ministério das Relações Exteriores;

g) Banco Central do Brasil;

h) Comissão de Valores Mobiliários;

i) Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais;

j) Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária;

k) Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social;

II – dois representantes do setor agropecuário;

III – dois representantes da agricultura familiar e de povos e comunidades tradicionais; e

IV – dois representantes da sociedade civil.

§ 1º  Cada membro do Comitê Gestor Interministerial terá um suplente, que o substituirá em suas ausências e seus impedimentos.

§ 2º  Os membros do Comitê Gestor Interministerial a que se refere o inciso I do caput e os respectivos suplentes serão indicados pelos titulares dos órgãos e das entidades que representam.

§ 3º  Ato do Ministro de Estado da Agricultura e Pecuária disporá sobre a forma de indicação dos membros titulares e suplentes a que se referem os incisos II a IV do caput.

§ 4º  Os membros do Comitê Gestor Interministerial serão designados em ato do Ministro de Estado da Agricultura e Pecuária.

§ 5º  O Presidente do Comitê Gestor Interministerial poderá convidar para participar de suas reuniões, sem direito a voto:

I – representantes de outros órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, quando for discutida política pública relativa a áreas de sua competência; e

II – especialistas e representantes de outros órgãos e entidades, públicas ou privadas, para análise de assuntos específicos.

Art. 9º  O Comitê Gestor Interministerial terá a seguinte estrutura:

I – Plenário;

II – Secretaria-Executiva; e

III – grupos técnicos.

§ 1º  A Secretaria-Executiva do Comitê Gestor Interministerial será exercida pela Secretaria-Executiva do Ministério da Agricultura e Pecuária, à qual compete:

I – prestar apoio administrativo e técnico ao Comitê Gestor Interministerial;

II – convocar os membros do Plenário e dos grupos técnicos para as reuniões;

III – subsidiar tecnicamente a atuação do Comitê Gestor Interministerial;

IV – encaminhar a pauta, a documentação, os materiais de discussão e os registros das reuniões aos membros do Comitê Gestor Interministerial;

V – consolidar as atividades dos grupos técnicos instituídos no âmbito do Comitê Gestor Interministerial, exceto se houver disposição em contrário no ato que os instituir;

VI – encaminhar as minutas de atos normativos internos para análise do Plenário;

VII – praticar os atos administrativos e operacionais necessários ao funcionamento do Comitê Gestor Interministerial, facultada a solicitação de apoio administrativo e técnico aos seus outros membros;

VIII – registrar e encaminhar as atas das reuniões e os atos normativos internos para publicação; e

IX – receber e realizar o juízo de oportunidade e conveniência sobre as recomendações de órgãos e entidades que não compõem o Comitê Gestor Interministerial e o seu encaminhamento posterior ao Plenário para deliberação.

§ 2º  O regimento interno do Comitê Gestor Interministerial disporá sobre as competências e o funcionamento dos grupos técnicos de que trata o inciso III do caput.

Art. 10.  O Comitê Gestor Interministerial se reunirá, em caráter ordinário, trimestralmente e, em caráter extraordinário, sempre que convocado por seu Presidente ou por requerimento de um terço de seus membros.

§ 1º  A convocação para as reuniões ordinárias será feita com antecedência mínima de quinze dias e, para as reuniões extraordinárias, com antecedência mínima de sete dias.

§ 2º  Os membros do Comitê Gestor Interministerial e dos grupos técnicos que se encontrarem no Distrito Federal se reunirão presencialmente ou por videoconferência, e os membros que se encontrarem em outros entes federativos participarão da reunião por meio de videoconferência.

§ 3º  O quórum de reunião do Comitê Gestor Interministerial é de maioria absoluta e o quórum de aprovação é de maioria simples.

§ 4º  Na hipótese de empate, além do voto ordinário, o Presidente do Comitê Gestor Interministerial terá o voto de qualidade.

Art. 11.  A participação no Comitê Gestor Interministerial e nos grupos técnicos será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.

Art. 12.  Fica estabelecido o prazo de noventa dias, contado da data da primeira reunião do Comitê Gestor Interministerial, para a publicação de resolução que contenha a definição dos eixos, das diretrizes, das metas e das ações do PNCPD, conforme o disposto no inciso I do caput do art. 7º.

Art. 13.  Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 5 de dezembro de 2023; 202º da Independência e 135º da República.

GERALDO JOSÉ RODRIGUES ALCKMIN FILHO
Iraja Rezende de Lacerda
Dario Carnevalli Durigan
Anna Flávia de Senna Franco

Este texto não substitui o publicado no DOU de 6.12.2023.

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