“O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu provimento ao Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) 26277, para determinar à União que permita o acesso do Estado do Paraná aos documentos firmados com os produtores rurais daquela unidade da federação, no que diz respeito à utilização de organismos geneticamente modificados (transgênicos) sem origem certificada, relativos à safra de 2004.
O governo paranaense questionava ato omissivo do ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que não procedeu à entrega, ao estado, de ‘fotocópias dos termos de compromisso, responsabilidade e ajustamento de conduta firmados por produtores rurais que pretendem plantar e comercializar soja da safra 2004 sem certificação de origem em seu território’.
O ministro Gilmar Mendes registrou que a Lei 12.527/2011 estabeleceu procedimentos aptos à garantia do direito fundamental de acesso à informação, inclusive dispondo como regra geral a publicidade, sendo o sigilo a exceção, privilegiando, além do mais, a cultura da transparência na administração pública.
Segundo o relator, a preocupação do estado tem fundamento, tendo em vista as inúmeras manifestações de parte da sociedade civil organizada, entre elas grupos de estudiosos, pesquisadores e profissionais da área de saúde que condenam o consumo de alimentos derivados de transgênicos.
O ministro Gilmar Mendes apontou que o tema do recurso é tratado em outros processos no STF. A Lei paranaense 14.162/2003, que tratava da proibição do cultivo de transgênicos foi declarada inconstitucional pelo Supremo no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3035, com fundamento na indevida invasão da competência privativa da União.
Outra norma do Paraná (Lei 14.861/2005), que regulamentou o direito à informação quanto aos alimentos e ingredientes alimentares que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, foi, também, declarada inconstitucional pelo STF, com o entendimento de que a competência concorrente dos entes federativos para legislarem sobre produção, consumo e proteção e defesa à saúde não autoriza o estado a estabelecer norma regulamentadora na disciplina dos transgênicos de modo contraposto à legislação federal sobre a mesma matéria.
‘Este quadro demonstra a indisposição do Estado do Paraná em relação à produção e comercialização de alimentos a partir de grãos geneticamente modificados, o que demonstra o interesse quanto às informações que digam respeito aos dados almejados’, apontou o relator.
No RMS 26277, o governo paranaense alegava que a decisão do Ministério afronta os artigos 5º, incisos X, XII e XXXIII, e 37, caput, da Constituição Federal, e as Leis 8.159/1991 e 10.650/2003, tendo em vista a ausência de sigilo nas informações solicitadas”.
Fonte: STF, 25/08/2016.
Confira a íntegra da decisão:
RECURSO ORD. EM MANDADO DE SEGURANÇA 26.277 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. GILMAR MENDES
RECTE.(S) :ESTADO DO PARANÁ
ADV.(A/S) :PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO PARANÁ
RECDO.(A/S) :UNIÃO
ADV.(A/S) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
DECISÃO: Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança impetrado pelo Estado do Paraná contra ato omissivo do Ministro de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que não procedeu à entrega, ao recorrente, de “fotocópias dos termos de compromisso, responsabilidade e ajustamento de conduta firmados por produtores rurais que pretendem plantar e comercializar soja da safra 2004 sem certificação de origem em território paranaense” (fl. 14).
Na origem, o Superior Tribunal de Justiça denegou a segurança, em julgado cuja ementa reproduzo a seguir: “ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – PLANTIO DE OGM (ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS) – LEI 10.814/03. 1. O propósito do Estado do Paraná de instaurar competência concorrente com a União para legislar sobre o cultivo dos transgênicos foi obstado pelo STF, que suspendeu, em decisão liminar, os efeitos da Lei Estadual 14.162/03. 2. As informações técnicas sobre o plantio de transgênicos, concentradas no Ministério da Agricultura, não podem ser repassadas ao Estado, por ausência de previsão legal. 3. Mandado de segurança denegado”. (fl. 243)
No recurso, o impetrante insiste na concessão da segurança com a alegação de afronta aos arts. 5º, X, XII e XXXIII e 37, caput, do texto constitucional, e às Leis 8.159/91 e 10.650/2003, tendo em vista a ausência de sigilo nos dados requeridos ao impetrado.
A Advocacia-Geral da União apresentou contrarrazões ao recurso (fls. 263-277) com os seguintes argumentos: (i) ausência de prequestionamento; (ii) impossibilidade de dilação probatória em mandado de segurança; (iii) necessidade de manutenção da decisão a quo para garantir o “direito de privacidade dos empresários rurais face ao Estado do Paraná, uma vez que os projetos pessoais sobre a plantação de alimentos geneticamente modificados já se submete ao crivo do poder de polícia da União”; e (iv) o Estado do Paraná não teria interesse administrativo legítimo quanto às informações solicitadas, haja vista as competências legislativa e fiscalizatória exclusivas da União nessa seara, reconhecidas pelo STF.
A Procuradoria-Geral da República se manifestou pelo desprovimento do recurso em parecer assim fundamentado:
“5. Com efeito, patente que, ao pálio de contrariedade, por parte do STJ, aos termos dos art. 5º, X, XII e XXXIII e 37, caput (princípio da legalidade e da publicidade), bem como aos das Leis 8.159/91 e 10.650/03, esconde o recorrente interesse ilegítimo em desfavor dos agricultores que firmaram, junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Termos de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Condutas. 6. É que, como posto no acórdão recorrido, visível a pretensão do recorrente de afastar de sua região territorial o plantio de soja geneticamente modificada, o que, inclusive, lhe levou à edição da lei 14.162/03, em que instituíra tal proibição, norma, todavia, declarada inconstitucional por esse Pretório Excelso na ADI 3035, ocasião em que se reconheceu a invasão, por parte do Ente Federado, à competência da União. 7. Sendo assim, correta a Corte de origem ao indeferir a pretendida ordem, já que, acaso concedesse, estaria corroborando com a pretensão escusa do ente recorrente”. (fls. 287/288)
É o relatório.
Decido.
Inicialmente, registro que o tema de fundo deste mandamus é tratado em outros processos em trâmite nesta Corte. Vejamos.
O impetrante editou a Lei Estadual 14.162/2003, que tratava da proibição de cultivo, manipulação, importação, industrialização e comercialização de organismos geneticamente modificados destinados à produção agrícola, alimentação humana e animal, no âmbito do Estado do Paraná, a qual foi declarada inconstitucional pelo STF no julgamento da ADI 3.035, de minha relatoria, com fundamento na indevida invasão da competência privativa da União. Confira-se a ementa desse julgado:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra a lei estadual paranaense de nº 14.162, de 27 de outubro de 2003, que estabelece vedação ao cultivo, a manipulação, a importação, a industrialização e a comercialização de organismos geneticamente modificados. 2. Alegada violação aos seguintes dispositivos constitucionais: art. 1º; art. 22, incisos I, VII, X e XI; art. 24, I e VI; art. 25 e art. 170, caput, inciso IV e parágrafo único. 3. Ofensa à competência privativa da União e das normas constitucionais relativas às matérias de competência legislativa concorrente. 4. Ação Julgada Procedente”. (ADI 3.035/PR, de minha relatoria, Tribunal Pleno, DJ 14.10.2005)
No ano de 2005, outra norma editada pelo Estado do Paraná (Lei Estadual 14.861/2005), que regulamentou o direito à informação quanto aos alimentos e ingredientes alimentares que contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente modificados, foi, também, declarada inconstitucional pelo STF, com o entendimento de que a competência concorrente dos entes federativos para legislarem sobre produção, consumo e proteção e defesa à saúde não autoriza o Estado do Paraná a estabelecer norma regulamentadora na disciplina dos transgênicos de modo contraposto à legislação federal sobre a mesma matéria. Eis a ementa desse precedente:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 14.861/05, DO ESTADO DO PARANÁ. INFORMAÇÃO QUANTO À PRESENÇA DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS EM ALIMENTOS E INGREDIENTES ALIMENTARES DESTINADOS AO CONSUMO HUMANO E ANIMAL. LEI FEDERAL 11.105/05 E DECRETOS 4.680/03 E 5.591/05. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE PARA DISPOR SOBRE PRODUÇÃO, CONSUMO E PROTEÇÃO E DEFESA DA SAÚDE. ART. 24, V E XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ESTABELECIMENTO DE NORMAS GERAIS PELA UNIÃO E COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DOS ESTADOS. 1. Preliminar de ofensa reflexa afastada, uma vez que a despeito da constatação, pelo Tribunal, da existência de normas federais tratando da mesma temática, está o exame na ação adstrito à eventual e direta ofensa, pela lei atacada, das regras constitucionais de repartição da competência legislativa. Precedente: ADI 2.535-MC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 21.11.03. 2. Seja dispondo sobre consumo (CF, art. 24, V), seja sobre proteção e defesa da saúde (CF, art. 24, XII), busca o Diploma estadual impugnado inaugurar regulamentação paralela e explicitamente contraposta à legislação federal vigente. 3. Ocorrência de substituição – e não suplementação – das regras que cuidam das exigências, procedimentos e penalidades relativos à rotulagem informativa de produtos transgênicos por norma estadual que dispôs sobre o tema de maneira igualmente abrangente. Extrapolação, pelo legislador estadual, da autorização constitucional voltada para o preenchimento de lacunas acaso verificadas na legislação federal. Precedente: ADI 3.035, rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 14.10.05. 4. Declaração de inconstitucionalidade conseqüencial ou por arrastamento de decreto regulamentar superveniente em razão da relação de dependência entre sua validade e a legitimidade constitucional da lei objeto da ação. Precedentes: ADI 437-QO, rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.02.93 e ADI 173- MC, rel. Min. Moreira Alves, DJ 27.04.90. 5. Ação direta cujo pedido formulado se julga procedente”. (ADI 3.645/PR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, DJ 1.9.2006)
O tema dos transgênicos voltou a esta Corte no julgamento da Ação Civil Originária (ACO) 1.134/PR, julgada em 2009, na qual o Ministério Público Federal requereu a decretação de intervenção federal no Porto de Paranaguá, em razão de regra estabelecida pela autoridade portuária no sentido de proibir o embarque de soja transgênica. Sobre essa ACO, o relator decidiu monocraticamente pela perda superveniente de objeto, considerando notícias de que a situação havia sido normalizada na localidade.
Este quadro demonstra a indisposição do Estado do Paraná em relação à produção e comercialização de alimentos a partir de grãos geneticamente modificados, o que demonstra o interesse quanto às informações que digam respeito aos dados almejados.
Tal preocupação tem fundamento, quando se tem em vista as inúmeras manifestações de parte da sociedade civil organizada, entre elas grupos de estudiosos, pesquisadores e profissionais da área de saúde que condenam o consumo de alimentos derivados de transgênicos.
No entanto, o objeto deste writ é bem mais singelo do que o tratado nos processos citados, uma vez que o pedido restringe-se ao acesso aos documentos firmados entre produtores rurais do Estado do Paraná e a União, para o plantio e comercialização de soja da safra 2004 sem certificação de origem naquele território.
Registre-se que a Lei 12.527/2011 estabeleceu procedimentos aptos à garantia do direito fundamental de acesso à informação, inclusive dispondo como regra geral a publicidade, sendo o sigilo a exceção, privilegiando, além do mais, a cultura da transparência na administração pública. Confira-se o que diz a lei a respeito das exceções ao primado da transparência:
“Art. 4º Para os efeitos desta Lei, considera-se: […] III – informação sigilosa: aquela submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado;”
Ante o exposto, dou provimento ao recurso, para determinar à União que permita o acesso do Estado do Paraná aos documentos (termos de compromisso, ajustamento de conduta, convênios e congêneres) firmados com o produtores rurais daquele Estado, no que diz respeito à utilização de organismos geneticamente modificados sem origem certificada, relativos à safra de 2004.
Publique-se.
Brasília, 8 de agosto de 2016.
Ministro GILMAR MENDES
Relator