terça-feira , 27 maio 2025
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Direito Agrário - Foto: Caroline Mattioni

Os limites legais das penalidades administrativas impostas pela Fiscalização do Ministério da Agricultura

por Alexandre Victor Abreu

Se você atua no agronegócio, em indústrias de laticínios ou na produção ou fabricação de produtos de origem animal (carnes, leite, ovos, mel, etc), e possui o selo do Serviço De Inspeção Federal (SIF), provavelmente já se deparou com uma fiscalização do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).

O Serviço de Inspeção Federal, vinculado ao Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal – DIPOA, é o órgão responsável por assegurar a qualidade de produtos de origem animal comestíveis e não comestíveis destinados ao mercado interno e externo, bem como de produtos importados.

Ainda que sua empresa atue em conformidade com as exigências legais, em especial ao RIISPOA – Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal – Decreto n° 9.013, de 2017, é possível que já tenha sido autuada, especialmente diante do crescente rigor do órgão quanto às condições das estruturas físicas e ao cumprimento dos regulamentos específicos de cada produto, como exemplo análises físico-químicas e microbiológicas e rotulagem.

Infelizmente, a relação entre os empreendedores e a administração pública nem sempre é equilibrada, o que muitas vezes gerar um sentimento de injustiça diante das autuações recebidas em razão das ações fiscalizatórias. Soma-se a isso o fato de que diversas decisões do MAPA têm se baseado no Ofício Circular nº 40/2023/DIPOA, recentemente revogado e substituído pelo Ofício Circular nº 4/2025.

Esses documentos vêm sendo utilizados como fundamento para aplicar multas no valor máximo previsto, com acréscimo de 10% por reincidência, nos casos em que a empresa já tenha sido autuada pelo mesmo motivo. Essa prática tem gerado impactos financeiros relevantes, sobretudo em empresas de pequeno e médio porte, e, pior, são aplicadas sem a devida fundamentação individualizada sobre as circunstâncias concretas ou análise do grau de reprovabilidade da conduta.

O Ofício Circular nº 40/2023/DIPOA/MAPA, assim como o nº 4/2025, são atos administrativos internos, de natureza meramente instrumental e orientativa. Ou seja, servem para padronizar interpretações e diretrizes entre unidades do MAPA, sem força normativa e sem criar obrigações para os administrados.

De acordo com o entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), atos administrativos sem previsão legal expressa e sem força normativa não podem impor obrigações ou penalidades aos particulares, sob pena de violação aos princípios da legalidade, da reserva legal e da segurança jurídica.

Portanto, a utilização dos referidos ofícios como único ou principal fundamento para a majoração automática de penalidades representa ato administrativo nulo, por vício de competência normativa e por desvio de finalidade, conforme disposto na Lei nº 9.784/1999.

Ressalte-se que, ao impor a cobrança da multa no valor máximo, acrescidas de 10% para cada reincidência específica constatada, sem previsão legal ou regulamentar expressa, o MAPA ultrapassa os limites da legalidade, convertendo indevidamente os ofícios circulares em atos normativos disfarçados, desprovidos de legitimidade e validade jurídica.

Logo, infere-se que as sanções pecuniárias fixadas sob este fundamento ferem, diretamente, os princípios jurídicos norteadores da Administração Pública, pois não guardam observância obrigatória das disposições legais que vinculam a aplicação de penalidades, segundo o próprio regulamento definido pelo MAPA. Há vício de ilegalidade, portanto, por ausência de correta aplicação das disposições da Lei nº 14.515/2022.

Desse modo, entendo que não dispondo a Lei acerca dessa situação (possibilidade de aplicação de multa no valor máximo em caso de reincidência), não poderia o MAPA criar regra que a própria Lei não impôs, sendo possível questionar essas decisões e termos de julgamento administrativo pela via judicial, visando o reconhecimento da ilegalidade da aplicação do Ofício-Circular nº 40/2023/DIPOA/SDA/MAPA e/ou Ofício-Circular nº 4/2025, que são instrumentos inadequados para estipular mecanismos de gradação e majoração de penalidades administrativas e buscando até mesmo a restituição de multas cobradas e já quitadas, mas que foram aplicadas no patamar mais alto sob este fundamento.

No mesmo sentido, importante ressaltar que a apresentação de defesas e recursos administrativos bem fundamentados pode evitar a configuração de reincidência, protegendo sua empresa contra multas ainda maiores em eventuais futuras fiscalizações.

Conhecer a infinidade de normas que regem a relação entre a fiscalização do Ministério da Agricultura – MAPA (e outros órgãos reguladores da indústria de alimentos) e o fiscalizado só é possível a partir da experiência e especialização, sobretudo diante da complexidade e especificidade das normas aplicáveis aos Laticínios, granjas, frigoríficos, dentre outros.

Diante da complexidade da legislação que rege a atuação do Ministério da Agricultura e seus desdobramentos sobre empresas fiscalizadas, especialmente no setor de produtos de origem animal, é essencial compreender os limites legais das penalidades impostas e os meios adequados de impugnação. A apresentação de defesas e recursos administrativos bem estruturados pode não apenas evitar autuações indevidas, como também preservar a regularidade e sustentabilidade da atividade empresarial, especialmente frente ao risco de reincidência e de aplicação de multas exacerbadas sem base legal adequada.

Alexandre Victor Abreu é Advogado com quase 10 anos de experiencia nas áreas de Direito Ambiental e Regulatório de Alimentos. Graduado pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Especialista em Direito Ambiental e Urbanístico e em Direito Processual Civil pela PUC-MG. Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB-MG. E-mail: [email protected]

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