Decisão da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF4 mantém sentença que anulou as multas oriundas de auto de infração aplicado a arrozeiros do Rio Grande do Sul, considerando que canal de irrigação não pode ser equiparado a curso natural d´água para o fim da infração administrativa ambiental prevista nos artigos 70 da Lei Federal nº 9.605/1998, artigo 3º, II, e artigo 66, caput, do Decreto Federal nº 6.514/2008 e artigo 206 da Lei Estadual nº 11.520/2000.
Conforme restou consignado no julgado, a obstrução de canal de irrigação para lavoura de arroz não gera ilícito ambiental, por não caracterizar obstrução de livre circulação de águas correntes naturais.
Portanto, nesses casos, é nulo o auto de infração ambiental aplicado aos produtores rurais.
J. B.B. M. e L.G.X. M. ajuizaram ação ordinária, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, em face do INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA, objetivando a nulidade das multas oriundas de auto de infração lavrado em razão de dano por alterar regime de água, sem autorização do órgão ambiental competente. Sustentam que a represa não foi instalada em curso d’água, mas, sim, em canal de irrigação artificial construído há 40 anos.
A tutela antecipada foi deferida (evento 7 – DECLIMTUTELA1).
Apelou o IBAMA, sustentando a regularidade do processo administrativo, porquanto devidamente caracterizada a infração administrativa, sendo competente para lavrar o referido auto. Quanto ao mérito, refere que pelo Relatório de Fiscalização 062/2008 e pelo parecer ambiental emitido pelo engenheiro florestal vinculado ao escritório regional de Santa Maria é possível concluir que o barramento então existente fora construído sobre canal de irrigação que é alimentado por curso natural de água, qual seja, a Sanga do Passo do Bento, integrante do sistema hídrico do Rio Vacacaí (evento 43 – APELAÇÃO1).
Com as contrarrazões e o parecer do representante do Ministério Público Federal junto a este Tribunal, Procurador Regional da República Paulo Cogo Leivas, opinando pelo provimento da apelação (evento 4 – PARECER1), vieram os autos.
É o relatório.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
VOTO
A insurgência cinge-se à anulação Auto de Infração n.º 497744 – D lavrado pelo IBAMA, em 09.09.2008, devido à suposta instalação de represa em curso d’água no Banhado do Empedrado, aplicando multa por alteração de regime de águas, sem autorização do órgão ambiental competente.
O magistrado de origem entendeu que, diante da prova emprestada, não impugnada pelo IBAMA, demonstrou tratar-se, na realidade, de canal de irrigação e não de curso natural d´água. Assim, inexistente o ilícito pelo qual os autores foram autuados, qual seja, a obstrução da livre circulação de águas correntes naturais.
De fato, nada há a reparar na bem prolatada sentença, cujo trecho transcrevo, adotando os seus fundamentos como razões de decidir:
O mérito da demanda já foi analisado pelo ilustre Juiz Federal Lademiro Dors Filho na decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela (evento nº 07), razão pela qual, evitando tautologia, transcrevo-a para integrá-la como fundamentação desta sentença, ‘verbis’:
No caso em apreço, a parte autora requer a concessão de decisão que determine a suspensão da exigibilidade do crédito originado do auto de infração nº 497744.
O referido auto de infração foi lavrado por supostamente ter sido instalada represa em curso d’água, no Banhado do Empedrado, alterando o regime de águas, sem autorização do órgão ambiental competente (anexo AUTO4 – evento 1).
Com efeito, a Lei Estadual 11.520/00, em seu artigo 206, dispõe que, in verbis:
Art. 206 – É proibida a implantação de mecanismos que obstruam a livre circulação de águas correntes naturais (rios, arroios etc), com vista ao uso restrito para um ou mais empreendedores em prejuízo à coletividade.
Ocorre que da documentação carreada aos autos é possível verificar-se que o Ministério Público promoveu a Ação Civil Pública nº 129/1.09.0000428-2, em face de João Batista Botega Cheron, imputando-lhe ‘a prática de ilícito ambiental consistente em barramento e desvio de curso d’água para a irrigação de lavoura de arroz, sem licença ou autorização do órgão competente’ (anexo OUT8 do evento 1).
Nos autos da mencionada Ação Civil Pública a situação foi analisada, sendo que na sentença que julgou improcedente o pedido do MP o Ilustre Juiz de Direito Rafael Pagnon Cunha assim explicitou:
‘(…) é possível concluir das fotografias (…), realizadas antes do desfazimento da barragem, e das fotografias (…), realizadas após o desfazimento da barragem, que o barramento então existente fora construído sobre canal de irrigação, e não sobre curso natural de água – ou ‘águas correntes naturais’, para utilizar a expressão legal.
Lembro que são conceitos diversos: canal de irrigação é obra humana, artificial; o curso d’água ali existente não é natural.
A natureza do curso d’água em questão (se natural ou artificial) não é enfrentada no relatório de ocorrência ambiental (…), no auto de constatação ambiental (…) e nem no parecer administrativo do Ministério Público (…).
Além disso, a própria linha reta do curso d’água evidencia que se trata de canal de irrigação, pois, fosse curso natural, apresentaria sinuosidade, conforme a topografia do terreno ao longo de sua extensão (…)’. Grifei
Inexistem nos autos novos elementos aptos a ensejar mudança no entendimento manifestado.
Vale frisar que o Auto de Infração nº 497744 foi lavrado devido a suposta instalação de represa em curso d´agua no Banhado do Empedrado, alterando o regime de águas, sem autorização do órgão ambiental competente.
Os Autores teriam, dessa forma, conforme o auto, cometido infração, nos termos dos artigos 70 da Lei Federal 9.605/98, artigo 3º, II e artigo 66, caput do Decreto Federal nº 6.514/08 e artigo 206 da Lei Estadual 11.520/00, os quais dispõem, respectivamente, que:
Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
(…)
Art. 3º As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções:
(…)
II – multa simples;
(…)
Art. 66. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, atividades, obras ou serviços utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, em desacordo com a licença obtida ou contrariando as normas legais e regulamentos pertinentes: (Redação dada pelo Decreto nº 6.686, de 2008)
Multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).
Art. 206 – É proibida a implantação de mecanismos que obstruam a livre circulação de águas correntes naturais (rios, arroios etc), com vista ao uso restrito para um ou mais empreendedores em prejuízo à coletividade. Grifei.
Ocorre que a prova emprestada, não impugnada pelo IBAMA, demonstrou tratar-se, na realidade, de canal de irrigação e não de curso natural d´água. Assim, inexistente o ilícito pelo qual os Autores foram autuados, qual seja, a obstrução da livre circulação de águas correntes naturais.
Acrescento, por oportuno, que o próprio IBAMA, em sua contestação, referiu que o barramento existente quando da autuação fora construído sobre um canal de irrigação (evento nº 19, CONT1, fls. 07 e 09).
Ressalto, por fim, que o Réu alegou na contestação que ‘a maior parte dos cursos d´água naquela região sofreu processos de retificação ou desvio, ou, simplesmente, desapareceu, para dar lugar a lavouras de arroz e/ou áreas de pastoreiro em sistemas de rodízios e a Lagoa Tarumã foi drenada e virou uma lavoura’ (evento nº 19, CONT1, fl. 8). Ocorre que, mesmo que anteriormente no local existisse um curso d´agua, o fato é que, no momento da autuação, o barramento estava construído sobre um canal de irrigação, pelo que não restou demonstrada a infração em comento.
Logo, a procedência do pedido é medida que se impõe!
III – DISPOSITIVO
Ante o exposto, ratifico a decisão que antecipou os efeitos da tutela e julgo procedente o pedido, com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, I, do Código de Processo Civil, para anular as multas oriundas do auto de infração nº 497744.
Condeno o Réu ao ressarcimento das custas iniciais adiantadas pela parte autora e ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), de acordo com o disposto no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil. Tal montante deverá ser atualizado monetariamente, até a data do efetivo pagamento, pelo índice IPCA-E.
Sem custas remanescentes, pois o Réu é isento (art. 4º da Lei nº 9.289/96).
Sentença sujeita ao reexame necessário (evento 35 – SENT1).
Com efeito, conforme bem observado, o próprio IBAMA, ora apelante, em sua contestação, referiu que o barramento existente quando da autuação fora construído sobre um canal de irrigação (evento nº 19, CONT1, fls. 07 e 09).
Assim, em nada havendo a reparar na bem prolatada sentença, nega-se provimento à apelação e à remessa oficial.
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação e à remessa oficial.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator