Direito Agrário

Infração em contrato de arrendamento e a possibilidade de revisão contratual a fim de manter a continuidade contratual

Direito Agrário - foto: Albenir Querubini

por Paulo Roberto Kohl.

 

O presente artigo visa debater sobre a infração contratual diversa do inadimplemento em contrato de arrendamento, sobretudo pelo arrendatário, e a possibilidade de revisão contratual, a fim de manter a continuidade contratual.

Sabe-se que os contratos agrários possuem prazo e forma de resolução/resilição/rescisão prevista em Lei (Estatuto da Terra – Lei 4.504/64 e seu respectivo regulamento – Dec. 59.566/65). Referidos contratos, tais como contratos administrativos e trabalhistas, possuem forte dirigismo estatal de modo a preservar a função social da propriedade, bem como a posição do arrendatário no contrato de arredamento, parte mais frágil da relação[1].

É preciso destacar que muitas vezes os arrendatários se tratam de pequenos agricultores/pecuaristas cuja principal fonte de renda advém do imóvel arrendado, cujos frutos da produção são utilizados para fomentar o comércio local, a manutenção da família e honrar compromissos bancários como contratos de crédito rural, sobretudo custeio e investimentos.

A função precípua do contrato agrário é preservar a função social da propriedade, no aspecto econômico, ambiental e social. Ou seja, dar destino econômico para o imóvel, plantando culturas anuais, permanentes e/ou pastagens e criando animais para engorda. Preservar o meio ambiente, tal qual previsto nas normas que regulamentam a matéria, sobretudo Código Florestal. E, no aspecto social, mediante sua produção agropecuária, o arrendatário contribui para a geração de empregos diretos e indiretos no campo, além de fomentar a economia local, seja realizando investimentos na propriedade, compra e venda de grãos e animais para cooperativas, cerealistas, açougues e frigoríficos locais, regionais, além de exportação de alimentos.

Portanto, levando-se em consideração tais circunstância a penalidade de resilição ou resolução antecipada do contrato em virtude de infração contratual deve ser a ultima ratio no contrato agrário, sob pena de grave lesão a princípios e normas especiais de Direito Agrário.

Primeiramente, é importante destacar que, pretendendo a resilição antecipada do contrato, o denunciante deverá realizar prévia notificação à parte adversa, preservando-se, ainda, os investimentos do possuidor, conforme destaca o Código Civil.

Com efeito, preceitua o art. 473 do Código Civil:

 Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.

  

Além disso, preceitua a Constituição Federal, no art. 5º, LV: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

O contraditório previsto juntamente com a ampla defesa na Constituição Federal (art. 5º, LV, da CF), constitui a mais óbvia condição para um procedimento e processo justo e é inseparável de qualquer ideia de administração organizada da Justiça, funcionando como verdadeira cardine della ricerca dialettica pela justiça do caso concreto (MARINONI, Curso de Direito Constitucional, 2012, p. 646).

Para que o arrendatário possa exercer, em plenitude, a garantia do contraditório e da ampla defesa é indispensável que seja oportunizada a denúncia motivada e prévia à parte adversa relatando os fatos que entende serem motivadores da resilição unilateral.

Sabe-se que a mora não se constituiu de forma automática, de modo que constatada a possível ocorrência de infração contratual, caberia à parte adversa interpelar o contratado constituindo-o em mora, mediante prévia notificação, nos termos do art. 473, Código Civil.

Ainda mais se justifica quando inexiste cláusula resolutiva expressa no contrato e o arrendatário tenha realizado investimentos na propriedade objeto do contrato.

Como dito, diante do dirigismo estatal dos contratos agrários é previsto a irrenunciabilidade de normas legais por parte do arrendatário, de formar a preservar a sua condição de vulnerabilidade, bem como contribuir para garantir o cumprimento da função social da propriedade.

Preceitua o Estatuto da Terra:

Art. 92. A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, nos termos desta Lei.

§1° O proprietário garantirá ao arrendatário ou parceiro o uso e gozo do imóvel arrendado ou cedido em parceria.

Por sua vez, preceitua o Dec. 59.566/65, Regulamento do Estatuto da Terra:

Art 13. Nos contratos agrários, qualquer que seja a sua forma, conterão, obrigatoriamente, clausulas que assegurem a conservação dos recursos naturais e a proteção social e econômica dos arrendatários e dos parceiros-outorgados a saber (Art. 13, incisos III e V da Lei nº 4.947-66);

I – Proibição de renúncia dos direitos ou vantagens estabelecidas em Leis ou Regulamentos, por parte dos arrendatários e parceiros-outorgados (art.13, inciso IV da Lei número 4.947-66);

II – Observância das seguintes normas, visando a conservação dos recursos naturais:

a) prazos mínimos, na forma da alínea ” b“, do inciso XI, do art. 95e da alínea ” b “, do inciso V, do art. 96 do Estatuto da Terra:

[…]

Art 40. O arrendador é obrigado:

[…]

II – a garantir ao arrendatário o uso e gôzo do imóvel arrendado, durante todo o prazo do contrato (artigo 92, § 1º do Estatuto da Terra);

 

Nesse sentido, os agraristas Oswaldo Optiz e Silva C. B. Opitz:

Por força do art. 566 do CC, II, o locador é obrigado a garantir o uso do prédio. A regra, embora seja geral, não se aplica aos contratos agrários, por força do CC, mas por imposição de norma idêntica existente no art. 92 da Lei n. 4.504/64, e art. 40, II, do Regulamento. Acrescenta-se aqui mais o gozo do imóvel, além do uso (a garantir o uso e o gozo do imóvel arrendando, durante todo o prazo do contrato). Já se entendia que na expressão uso estava compreendida também a garantia da fruição da coisa locada do art. 566 do CC.

 Essa garantia corresponde à entrega do imóvel, em estado de servir ao uso a que se destina, e mantê-lo nesse estado, pelo tempo do contrato agrário, salvo cláusula expressa em contrário (Regulamento, art. 12, parágrafo único). (OPTIZ, Curso Completo de Direito Agrário, 2016, p. 294).

Sobre Direito Agrário, afirma Arnaldo Rizzardo (Curso de Direito Agrário, edição 2015):

Visa o direito agrário à regulamentação das regras que tratam do uso e proveito da propriedade rural. Constitui o conjunto de normas que disciplina a atividade do homem sobre a terra e as relações entre as pessoas tendo como centro a terra produtiva ou a atividade agrária. Busca regulamentar e dirigir a atuação do homem sobre a natureza enquanto explora suas riquezas.

 E prossegue o ensaísta ao falar sobre os princípios que orientam o Direito Agrário:

– o condicionamento da propriedade à função social, princípio que visa promover a justiça social, bem como incentivar a utilização mais adequada da propriedade com a finalidade do desenvolvimento da sociedade. De observar que, se a propriedade não cumpre a função social, não é garantida, mas fica passível de ser retirada por meio de desapropriação, a fim de que passe a ser utilizada por quem, em princípio, melhor possa aproveitá-la.           

– a predominância do interesse público sobre o individual, tanto que a legislação do direito agrário assenta-se sobre três grandes princípios informadores, os quais são a função social da propriedade, a justiça social e a prevalência do interesse público;

– a proteção da propriedade familiar e da pequena e média propriedade;

– a permanência na terra daqueles que a tornam produtiva com o seu trabalho e o da família;

– a proteção do trabalhador rural;

Em seu art. 103, preconiza a aplicação do Estatuto “de acordo com os princípios da justiça social”. Estabelece como elemento importante a conciliação da liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.

Realiza-se a justiça social por meio da distribuição da terra e da conciliação da liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.

Destaca-se, ainda, que é do entendimento doutrinário que o arrendatário é parte vulnerável do contrato, de modo que as interpretações contratuais e legais deverão obedecer tal princípio. Nesse sentido, Nery Jr. in Leis Civis e Processuais Civis comentadas, 2015, verbis:

Forma dos contratos agrários (3). Vulnerabilidade do arrendatário ou parceiro. O D 59566/66 13 prevê uma série de medidas obrigatórias visando à “proteção social e econômica dos arrendatários e parceiros-outorgados”: proibição de renúncia de direitos ou vantagens legalmente estabelecidas, de serviço gratuito do arrendatário ou parceiro-outorgado, pagamento do arrendatário ou parceiro que não seja por dinheiro em espécie. Nota-se aí um claro reconhecimento da situação de vulnerabilidade do arrendatário/parceiro em relação ao proprietário da terra, restringindo a autonomia privada no que diz respeito aos contratos agrários, visto que, neste caso, ela figura como instrumento de exercício de poder de uma das partes (como apontado por Paulo Lôbo. Contratante vulnerável e autonomia privada, in Cardoso Neves. Direito & justiça social, pp. 159/-160).

Características dos contratos agrários. Têm os seguintes fins: (i) fornecer e conservar ao empreendedor agrário, durante a época acertada nos mesmos contratos, o gozo da terra e de suas pertenças, objeto da atividade da empresa; (ii) dividir, mediante as oportunas formas contratuais típicas, os riscos e lucros da gestão da empresa (Carrara. Contratti agrari, p. 2).

Além dos princípios de direito agrário previstos naquele dispositivo (disposições dos ET 92, 93 e 94, quanto ao uso ou posse temporária da terra; dos ET 95 e 96, no tocante ao arrendamento rural e à parceria agrícola, pecuária, agroindustrial e extrativa; obrigatoriedade de cláusulas irrevogáveis, que seriam estabelecidas pelo IBRA – cujas competências foram transferidas ao INCRA –, que visem à conservação de recursos naturais; proibição de renúncia, por parte do arrendatário ou do parceiro não proprietário, de direitos ou vantagens estabelecidas em leis ou regulamentos; proteção social e econômica aos arrendatários cultivadores diretos e pessoais).

 

Portanto, devem ser observados princípios de direito agrário e dos contratos agrários para a análise de casos que envolvem pedido de resilição de contratos de arrendamento, a fim de se preservar os direitos do arrendatário e a manutenção do contrato até o seu término.

Com efeito, conforme se verificou acima, ao mesmo tempo em que o Estatuto da Terra preserva a liberdade de contratação, exige um standard de regras e princípios de aplicação obrigatória, devendo ser cumpridas pelas partes, sobretudo a obrigação da garantia de continuidade do contrato, salvo convenção específica em contrário.

Em não ocorrendo as hipóteses previstas contratualmente, e não sendo do interesse mútuo das partes, a resilição contratual somente poderá ocorrer em decorrência daquilo previsto em lei.

Assim, quando as partes deixam de indicar as estritas hipóteses para resilição do contrato somente será possível se cumprida as hipóteses legais. Ou seja, na ausência de hipóteses indicadas contratualmente, a intenção das partes quando da contratação é a preservação da continuidade contratual, amparando-se pelo princípio da boa-fé objetiva.

É importante destacar, também, que o Estatuto da Terra prevê norma específica sobre as cláusulas essenciais do contrato de arrendamento e parceria e cujas condições que devem constar do instrumento escrito, à luz do art. 95, V, d, Lei 4.947/66, dentre as quais a formas de extinção e rescisão contratual, verbis:

  

Na parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, observar-se-ão os seguintes princípios:

[…]

XI – na regulamentação desta Lei, serão complementadas as seguintes condições que, obrigatoriamente, constarão dos contratos de arrendamento:

[…]

d) formas de extinção ou rescisão

 

Quando ausente à forma de extinção e rescisão contratual, não é qualquer mera infração causa idônea para a extinção antecipada do contrato, sobretudo levando-se em consideração que a extinção antecipada sempre trará inúmeros prejuízos ao arrendatário, parte mais vulnerável do contrato.

Diante da natureza e dos princípios dos contratos agrários, deve-se levar em consideração que na dúvida quando da interpretação das cláusulas contratuais, deve prevalecer a interpretação mais favorável ao arrendatário, parte hipossuficiente.

Por sua vez, sabe-se que o art. 475 do Código Civil faculta a possibilidade da parte lesada em pedir a resolução, verbis:

 Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.

 

Porém, a regra geral prevista no Código Civil, deve dar espaço à norma especial que enumera as hipóteses para o despejo, e, consequentemente, a resolução do contrato, nos termos do art. 32 do Regulamento:

Art 32. Só será concedido o despejo nos seguintes casos:

I – Término do prazo contratual ou de sua renovação;

II – Se o arrendatário subarrendar, ceder ou emprestar o imóvel rural, no todo ou em parte, sem o prévio e expresso consentimento do arrendador;

III – Se o arrendatário não pagar o aluguel ou renda no prazo convencionado;

IV – Dano causado à gleba arrendada ou ás colheitas, provado o dolo ou culpa do arrendatário;

V – se o arrendatário mudar a destinação do imóvel rural;

VI – Abandono total ou parcial do cultivo;

VII – Inobservância das normas obrigatórias fixadas no art. 13 dêste Regulamento;

VIII – Nos casos de pedido de retomada, permitidos e previstos em lei e neste regulamento, comprovada em Juízo a sinceridade do pedido;

IX – se o arrendatário infringir obrigado legal, ou cometer infração grave de obrigação contratual.

 Parágrafo único. No caso do inciso III, poderá o arrendatário devedor evitar a rescisão do contrato e o conseqüente despejo, requerendo no prazo da contestação da ação de despejo, seja-lhe admitido o pagamento do aluguel ou renda e encargos devidos, as custas do processo e os honorários do advogado do arrendador, fixados de plano pelo Juiz. O pagamento deverá ser realizado no prazo que o Juiz determinar, não excedente de 30 (trinta) dias, contados da data da entrega em cartório do mandado de citação devidamente cumprido, procedendo-se a depósito, em caso de recusa.

Por sua vez, o próprio Código Civil prevê no art. 479 a possibilidade de evitar a resolução: a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Como já se demonstrou, a resilição contratual é medida extrema, ainda mais levando-se em consideração contratos agrários. Para as partes a extinção antecipada do contrato deve ser interpretada como ultima ratio, penalidade gravíssima para o arrendatário.

Já se destacou que, a despeito da previsão contida no art. 475 do Código Civil, esta se trata de norma geral que deverá ceder às normas especiais de direito material constantes do Estatuto da Terra.

Ainda que haja a possibilidade de extinção/resolução prevista no art. 475 do Código Civil, o mesmo Código garante a observância de princípios gerais contratuais de modo a preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé, sobretudo na hipótese de cumprimento substancial do contrato.

Preceituam os arts. 421 e 422 do Código Civil:

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

 

Por isso, que, verificada eventual onerosidade em algumas cláusulas contratuais é admitido, com fundamento no princípio da conservação do contrato, corrigir distorções e/ou modificar cláusulas, evitando-se a resolução antecipada, a fim de preservar a boa-fé e a função social do contrato.

Nery Junior afirma: o contrato tem de ser entendido não apenas como as pretensões individuais dos contratantes, mas como verdadeiro instrumento de convívio social e de preservação dos interesses da coletividade. Interessa a toda a sociedade, na medida em que os standards contratuais são paradigmáticos para outras situações assemelhadas (NERY JUNIOR, 2017, p. 963).

Outrossim, destaca-se enunciado da Jornada I DirCiv STJ 22: Função social do contrato. Cláusula geral. Conservação do contrato. “A função social do contrato, prevista no CC 421, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas.”

Portanto, não é qualquer infração contratual que dará ensejo à extinção antecipada do contrato de arrendamento. É preciso ser gravíssima e, antes disso, o contrato deverá ser preservado.

Fatores como o cumprimento substancial do contrato, dando-se função social à propriedade; realização de melhorias no imóvel; adimplemento das demais obrigações ajustadas pelas partes; e comportamento de acordo com a boa-fé objetiva, devem ser levados em consideração nesses casos.

Sabe-se que o cumprimento substancial das cláusulas contratuais havidas entre as partes evita a extinção do contrato antes do término do seu prazo.

Nesse sentido: adimplemento substancial. Jornada IV DirCiv STJ 361: “O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do CC 475”.

E mais: caracterização do adimplemento substancial. Jornada VII DirCiv STJ 586. “Para a caracterização do adimplemento substancial (tal qual reconhecido pelo Enunciado 361 da IV Jornada de Direito Civil – CJF), levam-se em conta tanto aspectos quantitativos quanto qualitativos”.

Ora, quando o arrendatário confere à propriedade função social, preconizada constitucionalmente[2], a extinção antecipada deve ser analisada com reservas. Eventual infração poderá dar ensejo, ao invés da extinção, reparação material, que poderá ser facilmente comprovado através de documentos e perícia.

Diante dessas circunstâncias, a fim de evitar a resolução antecipada do contrato é perfeitamente possível a revisão do contrato agrário levando-se em consideração as normas e princípios de DIREITO AGRÁRIO acima já amplamente demonstrados.

É remansoso o entendimento segundo o qual a extinção do contrato deve ser a ultima ratio, o último caminho a ser adotado e percorrido, somente quando (e se) esgotados todos os meios possíveis para a revisão.

Além disso, é possível a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, já que para garantir o cumprimento do contrato, o Juízo poderá, alternativamente, impor outras formas de compensação que não a resolução do contrato, quando presentes circunstâncias que não eram previstas/conhecidas pelas partes quando da assinatura do contrato.

Sobre o tema, Nery Jr.:

Caso o réu não concorde em modificar equitativamente as condições de contrato e sendo do interesse da parte onerada a manutenção do contrato, o juiz pode, ex officio, corrigir as distorções e modificar a cláusula contratual, fazendo a revisão judicial do contrato. O fundamento para esse agir do juiz é a incidência das cláusulas gerais da função social do contrato (CC 421) e da boa-fé objetiva (CC 422), bem como a natureza jurídica das normas de ordem pública, de que se revestem referidas cláusulas (CC 2035 par. ún.) (NERY JR., 2017, p. 1044). 

 

Dentre os pedidos específicos de revisão contratual, a parte poderá manejar que sejam corrigidas distorções e aclarar contradições havidas no instrumento contratual firmado entre as partes, sobretudo quando ausentes cláusulas obrigatórias, à luz do art. 13, do Dec. 59.566/64[3], para fins de:

(i) preservar o contrato firmado entre as partes, evitando-se sua resolução antecipada;

(ii) em sendo comprovada eventual infração contratual noticiada, a fim de evitar a resolução antecipada, autorizar a reparação (ou compensação) de valores ao invés da resolução do contrato;

(iii) corrigir equívocos interpretativos, a fim de estabelecer cláusulas específicas que ensejarão a resolução do contrato, a fim de evitar novas infrações por ambas as partes e garantir a segurança jurídica, sempre preservando o prazo integral do contrato;

(iv) declarar a nulidade da cláusula que veda o direito ao ressarcimento e retenção por benfeitorias realizadas no imóvel, eis que ilegal (contra legem) e irrenunciável pelo arrendatário, e, portanto, nula de pleno direito;

(v) demais modificações entendidas pelo Juízo, a fim de conservar o contrato firmado entre as partes, sempre se levando em consideração a legislação agrária e a hipossuficiência do arrendatário.

Portanto, como se vê, o ordenamento jurídico faculta e oportuniza aos contratantes ou ao Juízo a adoção de medidas alternativas à extinção antecipada do contrato agrário quando presentes hipóteses que apontam para o cumprimento substancial do contrato e da função social da propriedade, sendo plenamente possível a revisão contratual visando à manutenção da continuidade contratual.

Notas:           

[1] Dec. 59.566/66. Art 13. Nos contratos agrários, qualquer que seja a sua forma, contarão obrigatoriamente, clausulas que assegurem a conservação dos recursos naturais e a proteção social e econômica dos arrendatários e dos parceiros-outorgados a saber (Art. 13, incisos III e V da Lei nº 4.947-66); I – Proibição de renúncia dos direitos ou vantagens estabelecidas em Leis ou Regulamentos, por parte dos arrendatários e parceiros-outorgados (art.13, inciso IV da Lei número 4.947-66);

[2] CF. Art. 5º. XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;

[3] Dec. 59.566/66. Art 13. Nos contratos agrários, qualquer que seja a sua forma, contarão obrigatoriamente, clausulas que assegurem a conservação dos recursos naturais e a proteção social e econômica dos arrendatários e dos parceiros-outorgados a saber (Art. 13, incisos III e V da Lei nº 4.947-66);

I – Proibição de renúncia dos direitos ou vantagens estabelecidas em Leis ou Regulamentos, por parte dos arrendatários e parceiros-outorgados (art.13, inciso IV da Lei número 4.947-66);

II – Observância das seguintes normas, visando a conservação dos recursos naturais:

a) prazos mínimos, na forma da alínea ” b “, do inciso XI, do art. 95 e da alínea ” b “, do inciso V, do art. 96 do Estatuto da Terra:

– de 3 (três), anos nos casos de arrendamento em que ocorra atividade de exploração de lavoura temporária e ou de pecuária de pequeno e médio porte; ou em todos os casos de parceria;

– de 5 (cinco), anos nos casos de arrendamento em que ocorra atividade de exploração de lavoura permanente e ou de pecuária de grande porte para cria, recria, engorda ou extração de matérias primas de origem animal;

– de 7 (sete), anos nos casos em que ocorra atividade de exploração florestal;

b) observância, quando couberem, das normas estabelecidas pela Lei número 4.771, de 15 de setembro de 1965, Código Florestal, e de seu Regulamento constante do Decreto 58.016 de 18 de março de 1966;

c) observância de práticas agrícolas admitidas para os vários tipos de exportação intensiva e extensiva para as diversas zonas típicas do país, fixados nos Decretos número 55.891, de 31 de março de 1965 e 56.792 de 26 de agôsto de 1965.

III – Fixação, em quantia certa, do preço do arrendamento, a ser pago em dinheiro ou no seu equivalente em frutos ou produtos, na forma do art. 95, inciso XII, do Estatuto da Terra e do art. 17 dêste Regulamento, e das condições de partilha dos frutos, produtos ou lucros havidos na parceria, conforme preceitua o art.96 do Estatuto da Terra e o art. 39 dêste Regulamento.

IV – Bases para as renovações convencionadas seguido o disposto no artigo 95, incisos IV e V do Estatuto da Terra e art. 22 dêste Regulamento.

V – Causas de extinção e rescisão, de acôrdo com o determinado nos artigos 26 a 34 dêste Regulamento;

VI – Direito e formas de indenização quanto às benfeitorias realizadas, ajustadas no contrato de arrendamento; e, direitos e obrigações quanto às benfeitorias realizadas, com consentimento do parceiro-outorgante, e quanto aos danos substanciais causados pelo parceiro-outorgado por práticas predatórias na área de exploração ou nas benfeitorias, instalações e equipamentos especiais, veículos, máquinas, implementos ou ferramentas a êle cedidos (art. 95, inciso XI, letra ” c “ e art.96, inciso V, letra ” e ” do Estatuto da Terra);

VII – observância das seguintes normas, visando à proteção social e econômica dos arrendatários e parceiros-outorgados (art.13, inciso V, da Lei nº 4.974-66):

a) concordância do arrendador ou do parceiro-outorgante, à solicitação de crédito rural feita pelos arrendatários ou parceiros-outorgados (artigo 13, inciso V da Lei nº 4.947-66);

b) cumprimento das proibições fixadas no art. 93 do Estatuto da Terra, a saber: – prestação do serviço gratuito pelo arrendatário ou parceiro-outorgado; – exclusividade da venda dos frutos ou produtos ao arrendador ou ao parceiro-outorgante; – obrigatoriedade do beneficiamento da produção em estabelecimento determinado pelo arrendador ou pelo parceiro-outorgante:

– obrigatoriedade da aquisição de gêneros e utilidades em armazéns ou barrações determinados pelo arrendador ou pelo parceiro-outorgante;

– aceitação pelo parceiro-outorgado, do pagamento de sua parte em ordens, vales, borós, ou qualquer outra forma regional substitutiva da moeda;

c) direito e oportunidade de dispor dos frutos ou produtos repartidos da seguinte forma (art.96,inciso V, letra ” f ” do Estatuto da Terra):

– nenhuma das partes poderá dispor dos frutos ou dos frutos ou produtos havidos antes de efetuada a partilha, devendo o parceiro-outorgado avisar o parceiro-outorgante, com a necessária antecedência, da data em que iniciará a colheita ou repartição dos produtos pecuários;

– ao parceiro-outorgado será garantido o direito de dispor livremente dos frutos e produtos que lhe cabem por fôrça do contrato;

– em nenhum caso será dado em pagamento ao credor do cedente ou do parceiro-outorgado, o produto da parceria, antes de efetuada a partilha.

Paulo Roberto Kohl – Advogado com atuação especializada em demandas jurídicas do Agronegócio. Membro e Coordenador Regional no Estado de Santa Catarina da UBAU – União Brasileira dos Agraristas Universitários e da Comissão de Direito Agrário e Questões do Agronegócio da OAB/SC. E-mail: paulokohl@gmail.com.

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REFLEXOS DA NOVA ORDEM CONTRATUAL CIVIL NOS CONTRATOS AGRÁRIOS (2005)

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