Sentença proferida pela Subseção Judiciária de Chapecó rejeitou pedido do INCRA de cancelamento de matrículas de imóvel produtivo denominado Fazenda Itália II.
No ano de 2015 o INCRA ajuizou pedido de cancelamento de matrículas do imóvel, sustentando que referido bem, a despeito de se tratar de imóvel produtivo, teria sido irregularmente destacado do patrimônio da União e que se trataria de imóvel localizado em faixa de fronteira, ou seja, a menos de 150 km da República da Argentina.
Intimados, os atuais proprietários contestaram o pedido afirmando que possuem o referido bem agrário, dando-lhe função social, mediante produção agrícola, desde o ano de 1991. Além disso, juntaram documentação de órgãos públicos, comprovante que referido bem se trata de propriedade privada, pelo menos, desde o ano de 1875, conforme juntaram escritura pública de compra e venda. Além disso, comprovaram o regular destaque do patrimônio público do Estado do Paraná no ano de 1895, conforme transcrição do Arquivo Público do Estado. Afirmaram que ao tempo destas transcrições o imóvel não se encontrava na faixa de fronteira, bem como teriam tempo de usucapião suficiente para fins de comprovar que o imóvel não se tratava de terra devoluta.
O Juízo Federal rejeitou o pedido do INCRA, acolhendo os argumentos dos proprietários. Destacou o Juízo em sua decisão:
[…]
Dito isso, observo que no caso há prova de que a área em questão foi incorporada ao patrimônio de particulares há mais de 100 anos.
A escritura de compra e venda realizada de Ignacio Fernandes de Siqueira e sua esposa Anna Maria Duarte, os quais já haviam adquirido as terras de Jesuíno André de Siqueira e sua esposa Maria da Encarnação, para Francisco Dimas dos Santos em 24/09/1875. Embora não indique a área, a descrição do imóvel coincide com o último ato registral identificado na cadeia dominial da ‘Fazenda Itália II’.
Na mesma linha, transcrição obtida junto ao Arquivo Público do Paraná da qual se extrai despacho proferido pelo Juiz Distrital determinando o registro da área denominada ‘Fazenda São Francisco, de propriedade de Francisco Dimas dos Santos’ [Registro de Terras da Vila de Boa Vista de Palmas] no ano de 1895. Essa transcrição, além de identificar a área e seus limites, também indica sua extensão [‘tem esse terreno uma légua mais ou menos de comprimento e meia légua mais ou menos de largura].
Feitas as ressalvas decorrentes do precário sistema de registro de imóveis existente à época, e embora haja significativa incerteza quanto à exata dimensão desse imóvel, tratar-se-ia de área suficientemente extensa e que corresponde àquela objeto da presente lide.
Acrescente-se que a legislação do Estado do Paraná à época vigente, datada de 1892, estabelecia da competência do Juiz Distrital sob a direção dos respectivos Juízes, o serviço registral quando as terras não fossem situadas na Capital do Estado: Lei n. 68, de 1982 e Decreto n. 1-A, de 08/04/1893, ambos do Estado do Paraná – caso dos autos (3773961 e 3773965).
Tratando-se de área já incorporada ao patrimônio de particulares ao menos desde 1895, perde relevância a discussão quanto à validade da suposta transferência que teria sido feita pelo Estado do Paraná no ano de 1917, pela singela razão de que não se tratava de terra devoluta, de domínio público.
Portanto os elementos disponíveis nos autos indicam que a área correspondente a ‘Fazenda Itália II’ passou a integrar legitimamente o patrimônio de particulares ainda no ano de 1895, encontrando-se nessa condição há mais de 120 anos.
O transcurso de enorme lapso temporal sem qualquer oposição da União, aliado à boa-fé dos particulares, são circunstâncias que não podem ser desconsideradas, como entendeu o STF ao julgar a ACO n. 79/MT.
[…]
Outro aspecto fundamental no presente caso é que embora o imóvel se situe dentro do limite da atual faixa de fronteira localiza-se completamente fora da faixa de fronteira vigente à época da transferência que se alega ter sido feita a non domino pelo Estado do Paraná.
De acordo com as conclusões do próprio INCRA, o imóvel ‘Fazenda Itália II’ encontra-se inserido na área de faixa de fronteira de 150 km.
Porém a faixa de fronteira vigente à época em que feito o registro da área quanto à venda ao então proprietário Francisco Dimas dos Santos era de 10 léguas [66 km], situando-se o imóvel em questão em local muito distante desse limite.
[…]
Acrescente-se que para o acolhimento do pedido de cancelamento dos registros, além de conferir eficácia retroativa à faixa de fronteira de 150 km, teriam de ser desconsideradas ainda: a) a prova nos autos quanto à área não constituir terra devoluta; b) a inexistência de prova quanto à indispensabilidade daquela área para defesa do território nacional.
A decisão ainda está sujeita ao duplo grau de jurisdição. Porém, a sentença encerra controvérsia que iniciou ainda no ano de 2015, quando do ajuizamento da ação de cancelamento da matrícula.
Cabe registrar que parte da referida área encontra-se ocupada por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra desde o ano de 2014, sob a justificativa de que referido bem se trataria de terra devoluta, e, portanto, pública. Embora já ter sido proferida decisão para reintegração de posse pela Justiça Agrária do Estado de Santa Catarina, referido cumprimento de reintegração foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal, em Suspensão de Liminar interposta também pelo INCRA, aguardando decisão em recurso já interposto pelos proprietários.
Atuaram na defesa dos proprietários os advogados agraristas Paulo Roberto Kohl e Sérgio Dalben.
Conheça a íntegra da sentença (clique no link):
Sentença Processo n. 0004391-74.2015.4.04.8002
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