segunda-feira , 29 abril 2024
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Direito Agrário

Estudar Direito do Trabalho Agrário é preciso!

por Paulo Bonorino.

 

No Brasil, estudar Direito Agrário é preciso!”. Essa máxima de autoria do saudoso Mestre e Prof. Darcy Walmor Zibetti vem inspirando uma nova geração de juristas agraristas e operadores do Direito atentos ao desenvolvimento do agronegócio brasileiro.

Mas eu ousaria ir mais além, inspirado nessa célebre frase, e dizer: “No Brasil, é preciso estudar o Direito do Trabalho Agrário também!”.

Ao que os leitores indagarão, com certa surpresa, eu imagino: “- O que ele quer dizer com isso?”.

Explico: o trabalho realizado na fazenda, na granja, na estância, nos confinamentos, nas agroindústrias ou mesmo em um imóvel urbano, mas destinado à produção agrária, possui suas especificidades, particularidades e, sim, regras jurídicas próprias!

Sim, é isso mesmo! Apesar da Constituição Federal de 1988 ter equiparado o trabalho urbano e o rural no art. 7º, caput, no que concerne ao trabalho rural ainda há a previsão do Art. 186 da Carta Magna a definir que a propriedade rural atende a sua função social quando, simultaneamente, realiza seu aproveitamento racional e adequado, utiliza de forma adequada os recursos naturais disponíveis e preserva o meio ambiente, observa as disposições que regulam as relações de trabalho e realiza suas atividades de forma que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Não se trata de requisitos subjetivos, como se pode pensar a priori, visto que esses quatro requisitos do Art. 186 da CF foram devidamente regulamentados na Lei 8.629/93, a qual dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais previstos no Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira), Capítulo III (Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária da Constituição Federal).

Sendo assim, na Lei 8.629/93, encontram-se as definições do que é “observância das disposições que regulam as relações de trabalho” e “exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”. Veja-se o art. 9º, §§ 4º e 5º da referida Lei:

§ 4º A observância das disposições que regulam as relações de trabalho implica tanto o respeito às leis trabalhistas e aos contratos coletivos de trabalho, como às disposições que disciplinam os contratos de arrendamento e parceria rurais.

§ 5º A exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento das necessidades básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e não provoca conflitos e tensões sociais no imóvel.

Não se olvide ainda que, quanto ao vínculo empregatício agrário, há legislação específica, recepcionada pela CF/88, qual seja, a Lei 5.889/73 ou Estatuto do Trabalhador Rural.

Importa sobremaneira referir que já em seu artigo 1º, a referida Lei delimita que a CLT será aplicável somente naquilo que não colida com essa legislação especial.

A própria CLT também reforça essa ideia de forma expressa no seu art. 7º, letra “b”, ao pontuar que os preceitos ali constantes “salvo quando for em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam” aos trabalhadores rurais.

Inegável, então, que há uma vertente do direito do trabalho específica para as relações de trabalho e emprego inseridas no agronegócio, segmento tão importante para nossa economia e responsável por alimentar boa parte do mundo atualmente!

Assim, é de suprema importância destacar que o Estatuto do Trabalhador Rural prevê e formula seus próprios conceitos de empregado rural, empregador rural, grupo econômico, além de prever horário noturno diferente do previsto na CLT, autorização de produção agrária para subsistência do trabalhador e sua família em contrato próprio, definição legal do contrato de safra, contrato de trabalho por pequeno prazo (até 02 meses no período de um ano) para atividades de natureza temporária e desde que o empregador rural seja pessoa física e que explore a atividade diretamente.

Essas são apenas algumas das peculiaridades previstas no Estatuto do Trabalhador Rural, mas que não são as únicas aplicáveis às relações de trabalho do universo agrário.

Isso porque existem normas técnicas específicas para o trabalho agrário através da Norma Regulamentar 31 (NR-31), editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego e atualizada em dezembro de 2022, a qual define as regras de saúde e segurança do trabalho nas cadeias de agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e aquicultura.

Além dessa última, não se pode olvidar da incidência do direito coletivo, a fazer incidir as Convenções, os Acordos Coletivos e eventuais Sentenças Normativas, os usos e costumes da região e a legislação esparsa, sendo essa última aplicável desde que não colida com a Lei 5.889/73.

O próprio Estatuto da Terra, editado em 1964, prevê em seu art. 2º, § 1º, que a função social da propriedade agrária será integralmente atendida quando favorecer “o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias” e observar “as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem”, conceitos acima vistos.

Interessante observar que esses conceitos e definições do direito do trabalho agrário perpassam diversas décadas sem que haja colisão entre si. Ao contrário! Independentemente de terem sido introduzidos na década de 1960 pelo Estatuto da Terra, foram ratificados na Carta Magna de 1988, justamente no capítulo atinente à Ordem Econômica e Financeira e ganharam regulamentação logo a seguir na década de 1990, demonstrando vigor e valorizando, sim, o agronegócio, já que ao se estabelecerem conceitos, se está promovendo a segurança jurídica naquela atividade!

Mas, em pleno século XXI, quais as discussões e tendências que permeiam o Direito do Trabalho Agrário? Na atualidade, questões envolvendo o trabalho agrário análogo à condição de escravidão e as fiscalizações setoriais nas cadeias produtivas agrárias, auxiliadas por tecnologias como drones, imagens de satélite, entre outras modernidades são realidades e não mais tendências.

A informatização, o acesso à internet em propriedades rurais longínquas e onde há poucos anos não se tinha sequer sinal de telefonia estão parcialmente superados, sendo que em muitos locais, os próprios empregados relegam postos de trabalho onde não haja o “sinal de internet ou do celular”.

Institucionalmente, o visível antagonismo entre o STF e o TST em questões envolvendo discussão de vínculo de emprego, sobretudo no labor urbano, é a mais nova tendência no universo do direito laboral e parece que o embate ainda irá longe.

Não menos relevante e atual é a pauta ESG, com sua visão de cadeia negocial (stakeholders) sustentável sob os pontos de vista ambiental, social e de governança, colocando o agro definitivamente como um negócio, no sentido de “atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”, no conceito do art. 966 do Código Civil.

Ou seja, a profissionalização do agronegócio é medida para continuidade das atividades desse setor, já que até mesmo para se obter crédito para o plantio, investimentos em melhorias da unidade produtiva, distribuição e logística, se nota forte tendência à exigências de certificações de conformidade ambiental, social e de governança (ESG).

Essas mesmas exigências já são necessárias, inclusive, para comercialização dos produtos brasileiros em alguns mercados internacionais.

E, por certo, que o “S” de social e o “G” de governança, do tripé ESG, abarcam relações de trabalho e emprego que observem toda essa legislação trabalhista agrária que acima mencionamos ou seja, deve haver compliance trabalhista em toda a cadeia produtiva (antes, dentro e depois da porteira).

Nesse sentido, nota-se a busca cada vez maior por consultorias e auditorias trabalhistas preventivas, educativas e de reciclagem para que esses objetivos de conformidade sejam atingidos e proporcionem o crescimento da atividade empresarial agrária.

Então, como referido no início, “é preciso estudar o Direito do Trabalho Agrário”, a partir de seus próprios conceitos, regras e institutos, pois o agronegócio, assim como outros segmentos econômicos, só existe com muito empreendedorismo, tecnologia e relações de trabalho adequadas para o progresso do Brasil.

Paulo Bonorino – Advogado, Especialista em Direito Agrário e Ambiental aplicado ao Agronegócio, Membro e Presidente da Comissão de Direito do Trabalho Agrário da União Brasileira de Agraristas – UBAU.

 

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Compliance trabalhista e o combate ao trabalho escravo no agronegócio

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