“Empresa de cereais de Santa Catarina que teria comercializado sementes de soja não cadastradas no Registro Nacional de Cultivares (RNC) e dificultado o acesso de fiscais à documentação terá que pagar multa ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) negou, na última semana, recurso da Cerealista Faxinal e considerou legal o auto de infração expedido pelo Mapa.
Conforme o Ministério da Agricultura, entre os anos de 2004 e 2008, a empresa teria vendido um total de 15.158 sacas de 50 quilos de sementes não autorizadas, utilizando notas fiscais fraudulentas, nas quais constava a venda de sementes com registro. O valor total da penalidade é de R$ 599.955,20.
A empresa, que fica em Faxinal dos Guedes, tentou anular a multa judicialmente. Após ter a ação negada em primeira instância, apelou ao tribunal. A cerealista alega que os fatos narrados no auto de infração não são verdadeiros.
Segundo o relator, desembargador federal Fernando Quadros da Silva, a empresa não conseguiu desconstituir as provas anexadas aos autos pelo Mapa. ‘A anulação do auto de infração demanda a comprovação da não-ocorrência dos fatos por parte do interessado, diante da presunção de legalidade e legitimidade de que gozam os atos administrativos, bem como das provas carreadas ao procedimento administrativo’, concluiu”.
Trata-se de ação ordinária ajuizada por Cerealista Faxinal Ltda em face da UNIÃO – ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, por meio da qual postulou a parte-autora a anulação das penalidades impostas pela suposta prática das infrações administrativas previstas no inciso I do art. 177 (produção, beneficiamento, armazenamento, reembalagem, comércio ou transporte de sementes ou de mudas de espécie ou cultivar não inscrita no RNC), e no inciso V do art. 180 (impedir ou dificultar o livre acesso dos fiscais às instalações e à escrituração da respectiva atividade), ambos do Regulamento da Lei 10.711/.2003, aprovado pelo Decreto n.º 5.153/2004, aplicadas no processo administrativo de fiscalização n.º 21050.003715/2008-64, deflagrado a partir do auto de infração n.º 001/1921/SC-2008. Subsidiariamente, pleiteou a redução da multa aplicada.
Alegou a parte-autora, em síntese: a) nulidade do processo administrativo, em razão de cerceamento de defesa, pois não teria sido oportunizada a produção de provas na segunda e na última instâncias administrativas. Referiu que não foram inqueridas as pessoas que firmaram pedidos de aquisição de cultivares não cadastradas; b) não teria comercializado sementes não cadastradas no RNC, tampouco existiriam provas da infração. Aduziu que, nos armazéns da empresa, não teria sido encontrada saca alguma de semente de soja não cadastrada em seus campos de produção. Além disso, argumentou que os documentos que embasaram a aplicação da penalidade não teriam valor probante; c) não teria ela praticado qualquer ato para embaraçar a fiscalização, porque teria sido oportunizado aos agentes fiscais livre acesso às suas dependências, bem como disponibilizados todos os documentos solicitados na ocasião; d) não poderia ser punida com fundamento em reincidência, pois não teria cometido infração anterior alguma dentro do mesmo ano civil, como exigido pelo parágrafo único do art. 202 do Decreto n.º 5.153/2004, para caracterização da reincidência. Ao final, pleiteou, em sede de antecipação dos efeitos da tutela, a suspensão da exigibilidade da multa e da inscrição do débito nos cadastros de devedores. Valorou a causa, juntou documentos e requereu a produção de provas.
Sobreveio sentença que, afastando as preliminares arguidas, no mérito, julgou improcedentes os pedidos da autora, com base no art. 269, I, do CPC. Revogou a decisão liminar de antecipação dos efeitos da tutela. Condenou a parte-autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor atribuído à causa, atualizado até a data do efetivo pagamento.
Cerealista Faxinal LTDA interpôs recurso de apelação repisando os termos expendidos na peça inicial. Requereu que o auto de infração seja julgado insubsistente, o afastamento da pena por embaraço a fiscalização, bem como e principalmente seja afastada a reincidência.
Com contrarrazões, subiram os autos para julgamento.
É o relatório.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
VOTO
No mérito, examinando os fundamentos das partes e as provas dos autos, concluo que a sentença de improcedência lavrada pelo juiz federal Leonardo Müller Trainini deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos, já que examinou corretamente as questões discutidas e deu adequada solução ao processo.
Transcrevo a referida sentença, adotando seus fundamentos como razão de decidir, nestes termos (evento 255 – SENT1):
‘Preliminares:
– Revisão de ato administrativo pelo Judiciário
A ré alega que não é dado ao Judiciário revisar o processo administrativo sob o aspecto meritório, mas unicamente sob o prisma da legalidade e regularidade do procedimento fiscalizatório e sancionador.
É certo, de acordo com jurisprudência e doutrina dominantes, que não é dado ao Judiciário apreciar o mérito do ato administrativo, sob pena de substituir-se ao Administrador. A atuação do Judiciário está limitada, assim, à análise da legalidade e juridicidade do ato administrativo.
No caso, as alegações da parte-autora apontam, em princípio, falhas da Administração na aplicação da lei, ao não permitir a produção de prova e no agravamento de penalidade com fundamento em reincidência. Além do mais, alega a parte-autora a ausência de materialidade, pois não teria praticado as infrações pelas quais está sendo punida.
Sendo assim, em tese, no caso sob exame, não há impedimento à apreciação do ato punitivo pelo Judiciário, pois a pretensão autoral funda-se, assertivamente, no desrespeito, pela Administração, de preceitos legais, além da inexistência de infração administrativa.
– Nulidade do processo administrativo – cerceamento de defesa
Sustenta a parte-autora que o processo administrativo é nulo, pois não teriam sido observados os direitos ao contraditório e à ampla defesa, dado que não lhe foi oportunizada a inquirição de testemunhas na instância administrativa.
O contraditório e a ampla defesa são direitos fundamentais, insculpidos na Constituição da República, art. 5º, LV. Ao lado dessa norma, no âmbito federal, o processo administrativo é regulado pela Lei 9.784/1999, a qual estabelece o seu trâmite e, especificamente em seus artigos 29 a 47, assegura ao interessado o direito à proposição de diligência probatórias.
Entretanto, a autoridade administrativa não está obrigada a acatar e determinar a realização de toda e qualquer diligência probatória proposta pelo administrado, mas tão-somente aquelas que sejam pertinentes à elucidação dos fatos controvertidos e que, em tese, possam trazer algum resultado útil à instrução.
No caso, dos autos do procedimento administrativo, tenho que não há nulidade a ser declarada, pois a parte-autora, em 29.09.2008, apresentou defesa em face do auto de infração n.º 001/1921-SC-2008 por meio de advogado (fls. 10/20, PROCADM9, evento 01), acompanhada de documentos (‘docs.’ 11 a 67, do evento 01), e o desenrolar do processo transcorreu regularmente (‘docs.’ 68 a 74, do evento 01).
No que tange especificamente à oitiva de testemunhas, observo que o requerimento foi formulado genericamente, desacompanhado de rol de testemunhas e de justificativa da necessidade e utilidade da inquirição. Além disso, a parte-autora não comprovou a indispensabilidade da oitiva de testemunhas, o que não autoriza concluir pela ocorrência de cerceamento de defesa. Nesse sentido já decidiu o TRF4:
ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DISCIPLINAR. OITIVA DE TESTEMUNHA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA SUA INDISPENSABILIDADE. Consoante já decidido pela Turma no julgamento do agravo de instrumento contra a decisão que indeferiu a antecipação da tutela, não há cerceamento de defesa no processo administrativo quando a parte não comprova a indispensabilidade da oitiva de testemunha pretendida, limitando-se a fundamentar sua necessidade com base em argumentos genéricos no sentido de que a produção desta prova demonstraria sua inocência frente às acusações alegadas e comprovadas no PAD. Ademais, o autor podia ter arrolado a testemunha nesta ação judicial, e não o fez, evidenciando que a pretensão constitui manobra protelatória. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.70.00.032244-9, 4ª Turma, Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, POR UNANIMIDADE, D.E. 19/01/2010) (Grifei).
Ademais, agora, na esfera judicial, deferida a oitiva das testemunhas pretendidas pela parte-autora, de um total de quatro, duas delas foram ouvidas e não trouxeram grandes esclarecimentos que aproveitassem à autora, enquanto que, em relação às outras duas testemunhas arroladas, a autora simplesmente deixou de promover as diligências necessárias à realização das inquirições.
Isso revela que, na verdade, as diligências probatórias postuladas pela autora revestem-se de caráter protelatório, em nada contribuindo para o esclarecimento dos fatos controvertidos.
Além disso, no procedimento administrativo, não era indispensável a oitiva de testemunhas, pois, à luz do que ocorreu em Juízo (desistência tácita da oitiva de testemunhas), não houve prejuízo à autora.
Por todo o exposto, entendo que não houve cerceamento de defesa no processo administrativo, inexistindo nulidade a ser declarada.
Mérito propriamente dito:
– Comercialização de sementes de cutivares sem registros no RNC
A comercialização de sementes sem cadastro no Registro Nacional de Cultivares – RNC encontra vedação no artigo 11 da Lei 10.711/2003, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Sementes e Mudas e dá outras providências:
Art. 11. A produção, o beneficiamento e a comercialização de sementes e de mudas ficam condicionados à prévia inscrição da respectiva cultivar no RNC.
O mesmo instrumento normativo atribuiu ao Poder Executivo a competência para classificação das infrações e penalidades:
Art. 41. Ficam proibidos a produção, o beneficiamento, o armazenamento, a análise, o comércio, o transporte e a utilização de sementes e mudas em desacordo com oestabelecido nesta Lei e em sua regulamentação.
Parágrafo único. A classificação das infrações desta Lei e as respectivas penalidades serão disciplinadas no regulamento.
Art. 50. O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da data de sua publicação.
O Decreto 5.153/2004, regulamentando a Lei 10.711/2003, prevê como infração de natureza grave a comercialização e a produção de sementes sem registro no RNC:
Art. 177. Ficam proibidos e constituem infração de natureza grave:
I – a produção, o beneficiamento, o armazenamento, a reembalagem, o comércioe o transporte de sementes ou de mudas de espécie ou cultivar não inscrita no RNC,ressalvado o disposto no inciso III do art. 19;
No caso, a autora argui não ter comercializado sementes sem registro no RNC, bem como que inexistiriam provas da infração a ela imputada.
Contudo, no procedimento administrativo, a penalidade restou comprovada por meio de auto de infração lavrado por agentes fiscais e documentos apreendidos na sede da empresa autora, consubstanciados em anotações em agendas e planilhas, a demonstrar o efetivo cultivo e comercialização de sementes não cadastradas no RNC.
Sendo assim, entendo que a desconstituição do auto de infração demanda a comprovação da não-ocorrência dos fatos por parte do interessado, diante da presunção de legalidade e legitimidade de que gozam os atos administrativos, bem como das provas carreadas ao procedimento administrativo. Nesse sentido, aliás, o TRF4:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO-MAPA COMÉRCIO DE SEMENTES FORA DOS PADRÕES. LEI 11.711/2003. DECRETO 5.553/2004. MULTA. IRREGULARIDADES NA APURAÇÃO DA ALEGADA INFRAÇÃO. PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DAS SEMENTES. DITAMES LEGAIS. INVALIDADE DO PROCEDIMENTO.- A Lei 10.711/2003 dispõe sobre o Sistema Nacional de Sementes e Mudas, tendo sido regulamentada pelo Decreto nº 5.153/2004.- O Sistema Nacional de Sementes e Mudas objetiva garantir a identidade e a qualidade do material de multiplicação e de reprodução vegetal produzido, comercializado e utilizado em todo o território nacional (art. 1º da Lei 10.711/2003,), tocando ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA fiscalizar e instituir os padrões de qualidade das sementes mudas (art. 20 da Lei 10.711/2003), elaborar e manter atualizado o Cadastro Nacional de Cultivares Registradas – CNCR das espécies e cultivares inscritas no RNC (art. 13 do Decreto 5.153/2004), bem como estabelecer os métodos de análise das sementes e das mudas (art. 78 do Decreto 5.154/2004.- Os atos administrativos gozam de presunção de legalidade e legitimidade, incumbindo à parte autuada desconstruir a presunção, demonstrando a inconsistência da infração capitulada ou a existência de vício capaz de caracterizar a nulidade do auto de infração.- A autoridade administrativa, entrementes, está obrigada, no que toca aos elementos vinculados de sua atuação, a observar os requisitos formais previstos na legislação de regência, haja vista os princípios e regras estabelecidos na Lei 9.874/99, que dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.- Não havendo demonstração segura no Boletim Oficial de Análise de Sementes-BOAS de que as semente objeto da autuação, que foram periciadas, são diferentes de cultivar tombado no Registro Nacional de Cultivares – RNC, não pode prevalecer a medida punitiva.- Hipótese na qual o procedimento de comparação das sementes não indicou os exames complementares realizados e, ademais, não foram especificadas claramente as características diferentes encontradas, não tendo havido, ainda determinação do número de sementes em que se verificou a discrepância ou sequer realização de teste para verificar se os outros elementos descritores correspondiam ao padrão.- Descumpridos, para a elaboração do Boletim Oficial de Analise de Sementes, os requisitos necessários à demonstração da distinção entre os cultivares, infirmada resta a autuação, tornando írrita a ação punitiva. (TRF4, APELREEX 5004353-57.2012.404.7104, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 10/12/2015) (Grifei)
EMENTA: ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE NULIDADE NO AUTO DE INFRAÇÃO. DIVULGAÇÃO DE SEMENTE DE SOJA COM DENOMINAÇÃO DISTINTA DA CONSTANTE NO RNC. LEI Nº 10.711/2003 E DECRETO 5.153/2004. FISCALIZAÇÃO PELO MAPA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALOR ÍNFIMO. MAJORAÇÃO.1. Os atos administrativos praticados possuem natureza pública e são norteados pelos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade, em obediência ao art. 37 da Constituição.2. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento tem como uma de suas funções padronizar os métodos de elaboração de produtos de origem animal e vegetal, motivo pelo qual regulamenta e fiscaliza as atividades das empresas produtoras de sementes.3. O fato de existir regras para a denominação dos cultivares, conforme prescrição do artigo 12 da Lei nº 10.711/2003 e 21 do Decreto 5.153/2004 e previsão de penalização em caso de desobediência dessas normas (artigo 177, XIX, do referido Decreto), dá respaldo, legalidade e legitimidade à atuação do MAPA.4. Incumbe ao produtor a obrigação de respeitar as normas técnicas exigidas para a divulgação de seus produtos.5. Os atos administrativos gozam de presunção de legalidade e legitimidade, incumbindo à parte autuada produzir contraprova à presunção, demonstrando, de forma inequívoca, a incoerência da infração capitulada ou a existência de vício capaz de caracterizar a nulidade do auto de infração. No caso, como bem analisado, não há qualquer mácula nos autos de infração que se pretende anular. A multa não é abusiva e tampouco ilegal.6. A Terceira Turma deste Tribunal Regional Federal pacificou entendimento no sentido de que os honorários advocatícios devem ser arbitrados em 10%, regra não aplicável nas demandas em que resultar valor exorbitante ou ínfimo, o que é o caso dos autos. (TRF4, AC 5008303-11.2011.404.7104, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge Barth Tessler, juntado aos autos em 14/03/2014) (Grifei
Da instrução probatória, no entanto, tenho que a parte-autora não logrou êxito em comprovar a inocorrência de comercialização de sementes sem registro no devido cadastro. Ao contrário, a prova produzida, penso, confirma a prática da infração. Vejamos.
A testemunha Paulo Cesar Vargas, arrolada pela autora, proprietário de uma corretora de cereais no Estado do Paraná, afirmou, em suma, que, no passado, intermediou algum ou outro negócio de compra e venda de sementes para a parte-autora. As transações realizadas sempre envolveram sementes devidamente registradas, mas não recorda para quais clientes intermediou negociações com a cerealista autora. Em suma, as informações prestadas são genéricas, meramente abonatórias, e pouco esclarecem a respeito da prática das infrações imputadas à autora (VIDEO2, evento 149).
O Sr. Valmir Antonio Frozza, técnico agrícola, funcionário da empresa autuada há 17 anos, responsável pela condução de lavouras e comercialização de sementes de soja, aveia e trigo, ouvido como informante, respondeu, em resumo, que acompanhou o ato de fiscalização do Ministério da Agricultura. Os fiscais vieram com indícios de comercialização de sementes piratas. Como pegaram documentação, tinham vestígios de clientes que compraram esse tipo de semente. Pegaram anotações em agenda. Fizeram fiscalização nos armazéns e nos escritórios da empresa. A empresa nunca comercializou ou produziu sementes piratas. Sempre teve, para a produção de sementes, cadastro no RNC. Antes dessa autuação, houve outro procedimento de fiscalização, não exatamente sobre o mesmo fato, em virtude de uma denúncia anônima, não verdadeira, com motivação política. Não se recorda se transcorreu muito tempo entre uma fiscalização e outra. Nas agendas existiam anotações de determinado cliente pedindo semente pirata, mas essas sementes não existiam dentro da empresa. Era comum a procura de sementes piratas pelos clientes, mas não havia oferta por parte da empresa. A procura de sementes ocorria porque no mercado havia comentários de comercialização dessas sementes no Rio Grande do Sul. A empresa ‘Paraná Solo’ não é cliente muito assíduo. Não se recorda do cliente ‘Insumos Agroceres’. Nedille Reginatto e Vilson Luiz Rossato são clientes assíduos e nunca foram vendidas sementes sem registros a eles. Os clientes ligavam para a secretária fazendo pedidos de sementes piratas. As sementes comercializadas sempre correspondem a uma nota fiscal. Os fiscais não encontraram nenhuma nota fiscal indicando a comercialização de sementes ilegais, tampouco produto ilegal nos armazéns da empresa. O depoente foi muito pressionado para que confessasse a prática de infração. Toda a documentação foi disponibilizada aos fiscais, bem como o acesso aos armazéns. A fiscalização perdurou um dia e meio. Acredita que nove fiscais participaram do ato. Os requerimentos de documentos eram feitos na presença de mais de um fiscal, bem como na presença de outros funcionários da empresa. Na localidade de Linha Bom Sucesso não há plantações da empresa. Todavia, confirmou a assinatura existente no documento de fl. 20 do processo administrativo como sendo sua. Trata-se de uma programação de plantio na Linha Bom Sucesso. A empresa nunca teve autorização para cultivar a variedade de semente 4910, mas, embora tenha constado de programação, isso não ocorreu. Em relação ao documento de fl. 21 do processo administrativo, da mesma forma, embora houvesse programação para plantio da variedade proibida ANDREA66, não teria ocorrido o efetivo plantio (VIDEO2, evento 150).
Por outro lado, o fiscal do Ministério da Agricultura Jorge Augusto Szccypior, ouvido sob compromisso, disse, em síntese, que que trabalha na área de produção de sementes e, em 2008, participou da vistoria realizada no estabelecimento da empresa autora, junto com outros colegas. A ação fiscalizatória foi requerida pelo órgão de representação do Ministério de Agricultura em Santa Catarina e determinada pelo Departamento em Brasília. Não houve denúncia em face da empresa. A ação de fiscalização não foi feita exclusivamente na empresa autora, mas em todas aquelas em que foi possível no período de quinze dias em que perdurou a força-tarefa. Na empresa autora foi constatado, por anotações em agendas e planilhas de balancete, que o estabelecimento produzia e comercializava variedade de semente de soja geneticamente modificada, proveniente da Argentina e não registrada no Brasil. Exemplo de anotação em agenda é aquela que consta da fl. 35 do processo administrativo, da qual infere-se ‘1400 sacas de N4910, como BRS245A e mais 1400 sacas como BRS245B’. A variedade BRS245 trata-se de material registrado, produzido pela Embrapa e, por possuir semelhança com o material N4910, proibido no Brasil, a empresa comercializava a variedade produzida como sendo material BRS. Apontou ainda, como exemplo, anotação constante dos documentos das folhas 43, 51/53 do processo administrativo, das quais infere-se a prática da comercialização de semente proibida como se fosse variedade legal. A empresa ensacava o material ilegal em sacaria de produtos cuja comercialização e produção eram permitidas. Nos armazéns da empresa não foram encontrados materiais identificados como ilegais, ao menos assim denominados. Nas fiscalizações, geralmente, atuam de cerca de 10 a 20 agentes fiscais, mas não lembra quantos atuaram na fiscalização realizada na empresa autora. Na empresa, quando da fiscalização, foram atendidos pelo Sr. Frozza, que se apresentou como gerente. Não se recorda se o Sr. Frozza reconheceu a comercialização de sementes sem o RNC. Na época, era comum os fiscais encontrarem indícios de comercialização e produção de sementes sem registro, tanto nas empresas como nos usuários/agricultores. Nos usuários, era comum encontrarem-se sementes com identificação legal, mas, na realidade, tratava-se de semente ilegal. O depoente é servidor federal desde 1984. O Registro Nacional de Cultivares serve para o registro dos materiais desenvolvidos pelas empresas de pesquisa, inclusive para o recebimento de royalties. A produção de semente tem, sempre, que partir de materiais registrados no RNC. O registro observa também critérios genéticos e científicos. Indagado pelo procurador da União, respondeu que há risco sanitário na comercialização de sementes não registradas no RNC, pois não se sabe se o material passou por testes e análises. O material importado ilegalmente pode trazer consigo algumas pragas, como, aliás, já ocorreu em algumas ocasiões. Durante o procedimento de fiscalização, por várias vezes, o representante da empresa negou-se a fornecer os documentos solicitados. Foram os fiscais que foram até os arquivos e conseguiram a documentação. Não foi necessário que o representante da empresa explicasse as anotações, pois elas são claras. Inquirido pelo advogado da autora, disse que a agenda obtida era do Sr. Frozza. Como o material era mais produtivo e proibido, o preço de venda era mais elevado do que o das sementes legais. Houve bastante procura do material, por ser proibido e de alta produtividade. A prova encontrada na empresa trata-se, unicamente, de planilhas e anotações. O que é ilegal não tem nota fiscal, mas sim anotações. Referiu que não poderia citar nomes de outras empresas e cidades em que foram encontradas sementes ilegais (VIDEO1, evento 149).
No mesmo passo, o Sr. Jorge Jacinto Calixto, fiscal agropecuário federal, relator do processo administrativo, ora ouvido como informante, respondeu, em breve síntese, que, na época da fiscalização, era proibida a comercialização de soja contrabandeada da Argentina, mas como existia uma teconologia boa para o agricultor, ela acabou entrando no Brasil a partir do Rio Grande Sul. A variedade contrabandeada era mais rentável para os produtores. No caso da autora, a comercialização de sementes ilegais restou apurada por meio de planilhas e anotações encontradas na empresa. A cerealista não emitia notas da comercialização das sementes ilegais. Foi constatado que a empresa vendia semente ilegal acobertada por notas de sementes registradas, mas na segunda instância essa infração foi desconsiderada, porque não houve análise técnica dos produtos. Na época era muito difícil a comprovação das infrações, mas existiam caminhões que transportavam sementes do Sul do Brasil para a região de Mato Grosso, o que é muito incomum e não se justifica, devido ao grande volume de produção existente na região Sudeste e Centro-Oeste (VIDEO2, evento 170).
Por fim, a testemunha Carla Alessandra Póvoa Mendes, fiscal federal agropecuária, disse, em síntese, que participou, junto com outros colegas, mais de dez, da fiscalização realizada na empresa autora. Na ocasião constataram, por meio de documentos, que ocorreu a comercialização de sementes não inscritas no RNC. Também houve a comercialização de sementes de campos de produção não inscritos. Houve ainda uma certa dificuldade para obtenção de acesso aos computadores e transações financeiras da empresa. A respeito de notas fiscais fraudulentas, não lembra do processo administrativo. Acredita que nenhum produtor de semente põe o nome de cultivar proibido em nota fiscal. Utilizam-se de nota de cultivar legal para acobertar comercialização de sementes ilícitas. Mas, no caso específico, não lembra se isso ocorreu. Entende que a empresa autora trazia sementes da Argentina para comercialização no Brasil. Esse procedimento, acredita, pode causar o desmantelamento do sistema nacional de sementes, pois não há controle de qualidade e procedência do material exportado sem registro no RNC. Há risco de prejuízo para as empresas produtoras de semente, bem como para os produtores (evento 168).
Por fim, sobre as notas fiscais carreadas ao procedimento administrativo (‘docs.’ 11 a 67, do evento 01), não se prestam elas para afastar a materialidade da conduta aferida por meio das anotações em agendas, planilhas e sistemas de controle paralelos (‘docs. 05 a 10, do evento 01), pois, tratando-se de mercadoria ilícita, é óbvio que não constariam elas das notas fiscais como se assim fossem.
Ademais, de acordo com o procedimento administrativo e com os relatos dos fiscais, há indícios de que a empresa autora comercializava produtos ilegais acobertados por notas fiscais de sementes cadastradas no RNC.
Destarte, entendo que não há ilegalidade a ser declarada no que tange à penalidade aplicada à autora pela infração ao inciso I do art. 177 do Decreto n.º 5.153/2004, pois a prova produzida no ambito administrativo é indônea à comprovação das infrações, e não logrou êxito a parte-autora em desconstituí-la.
Em relação à gradação da multa imposta, registre-se, o uníco aspecto objeto de impugnação é o relativo à reincidência, e tal será analisado na sequência, em tópico próprio.
– Embaraço à fiscalização
A fiscalização realizada pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento – MAPA encontra amparo no art. 37 da Lei 10.711/2003:
Art. 37. Estão sujeitas à fiscalização, pelo Mapa, as pessoas físicas e jurídicas que produzam, beneficiem, analisem, embalem, reembalem, amostrem, certifiquem, armazenem, transportem, importem, exportem, utilizem ou comercializem sementes ou mudas.
§ 1o A fiscalização de que trata este artigo é de competência doMapa e será exercida por fiscal por ele capacitado, sem prejuízo do disposto no art. 5o.
§ 2o Compete ao fiscal exercer a fiscalização da produção, do beneficiamento, do comércio e da utilização de sementes e mudas, sendo-lhe assegurado,no exercício de suas funções, livre acesso a quaisquer estabelecimentos, documentos oupessoas referidas no caput.
A conduta que visa impedir ou dificultar a fiscalização está tipificada no inciso V, do art. 180, do Decreto n.º 5.153/2004:
Art. 180. Além das proibições previstas nos arts. 176, 177 e 178 deste Regulamento, as pessoas referidas no seu art. 4o também estão sujeitas às seguintes proibições, que serão consideradas infrações de natureza grave:
V – impedirem ou dificultarem o livre acesso dos fiscais às instalações e à escrituração da respectiva atividade;
Na esfera administrativa, a prática dessa infração restou comprovada por meio do auto de infração, do qual consta que ‘durante a ação fiscal o Sr. Valmir Antonio Frozza, quando questionado sobre documentos ou informações relativas à fiscalização respondia sempre de forma a dificultar ou causar embaraço e também não nos deu acesso a algumas planilhas de comercialização existentes nos computadores da empresa …’.
Tal como já mencionado, incumbia ao autor o ônus de comprovar a inocorrência desses fatos.
Contudo, da análise da prova produzida, entendo que não existem elementos a autorizar a desconstituição do auto de infração e da penalidade imposta pelo embaraço à fiscalização.
Apenas o preposto da parte-autora, Sr. Valmir Frozza, ouvido como informante, afirmou que não teria havido qualquer tentativa para impedir a fiscalização. De outro lado, os agentes fiscais Augusto Szccypior e Carla Alessandra Póvoa Mendes, como visto, foram uníssonos ao afirmarem que o gerente se negou a fornecer alguns dos documentos solicitados, bem como a propiciar o acesso aos computadores da empresa, tendo os fiscais obtido as informações por conta própria, com auxílio de um empregado recrutado para tanto.
Logo, considero que também não há ilegalidade a ser declarada em relação à penalidade aplicada à autora pela infração ao inciso V do art. 180 do Decreto n.º 5.153/2004.
No tocante à valoração da multa, da mesma forma, o único ponto impugnado refere-se à reincidência, a qual passo a analisar.
– Reincidência
A parte-autora pleiteia, subsidiariamente, a redução do valor da multa aplicada, mediante o afastamento da reincidência, pois esta não se verificaria no caso, porque a autuação precedente não teria ocorrido dentro do mesmo ano civil, mas sim no ano de 2007.
A União sustenta que o que importa é quando ocorreram as infrações, e não quando se deu a ação fiscalizatória desses atos, e que a autuação mais recente envolveu práticas ilícitas dos anos de 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008, enquanto que a autuação anterior se deu em junho/2007, envolvendo também atos praticados em anos constantes da autuação mais recente, o que caraterizaria a reincidência.
A respeito da reincidência, o art. 202 e seu parágrafo do Decreto n.º 5.153/2004 dispõe:
Art. 202. Considerar-se-á reincidente o infrator que cometer outra infração, depois de decisão administrativa final que o tenha condenado, podendo a reincidência ser específica, caracterizada pela repetição de idêntica infração, ou genérica, pela prática de infrações distintas.
Parágrafo único. Quando se tratar de infração relativa aos atributos de origem genética, estado físico, fisiológico e fitossanitário das sementes e das mudas, a reincidência somente será caracterizada se os atos forem praticados dentro do mesmo ano civil.
Assim, da norma citada, extrai-se que, para a caracterização da reincidência administrativa no caso em exame, é necessário que o administrado cometa outra infração depois de decisão administrativa final condenatória e, nos casos de de infração relativas aos atributos especificados no parágrafo único, além do requisito anterior, tenham sido praticados atos diversos dentro do mesmo ano civil.
No caso, a infração precedente utilizada pela União para fundamentar a reincidência é a documentada pelo auto de infração n.º 52/2007, lavrado em 21.06.2007, cuja decisão final desfavorável à parte-autora, acredito, ocorreu em 07.03.2008 (fl. 02, PROCADM68, evento 01).
O auto de infração de n.º 001/1921/SC-2008, a deflagrar o processo administrativo que cuminou na aplicação da penalidade de multa à parte-autora ora discutida, foi lavrado em 16.09.2008 e contempla atos praticados nos anos de 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008, inclusive depois de março de 2008 (fl. 7, PROCADM5, evento 01).
Assim, entendo correta a majoração da multa realizada pela Ministério da Agricultura, em função da reincidência, pois observados os preceitos legais, ao passo que a parte-autora praticou infrações após a decisão final proferida no processo administrativo decorrente do auto de infração n.º 52/2007, bem como dentro do mesmo ano civil de 2007.
III. DISPOSITIVO
Ante o exposto, afasto as preliminares e, no mérito, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos da autora, com base no art. 269, I, do CPC.
Revogo a decisão liminar de antecipação dos efeitos da tutela.
Condeno a parte-autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% do valor atribuído à causa, atualizado até a data do efetivo pagamento.
Dou esta sentença por publicada com a sua liberação no sistema. Registrada eletronicamente. Intimem-se e oportunamente arquivem-se os autos.’
Não tendo os argumentos da apelante sido capazes de infirmar os fundamentos examinados e postos na sentença, esta deve ser mantida, nos termos deste voto.
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
EMENTA
ADMINISTRATIVO. AUTO DE INFRAÇÃO. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO-MAPA. COMÉRCIO DE SEMENTES SEM REGISTRO NO RNC. EMBARAÇO À FISCALIZAÇÃO. LEI 11.711/2003. DECRETO 5.553/2004. MULTA. REINCIDÊNCIA.
1. A desconstituição do auto de infração demanda a comprovação da não-ocorrência dos fatos por parte do interessado, diante da presunção de legalidade e legitimidade de que gozam os atos administrativos, bem como das provas carreadas ao procedimento administrativo.
2. A conduta que visa impedir ou dificultar a fiscalização está tipificada no inciso V, do art. 180, do Decreto n.º 5.153/2004. Hipótese em que não existem elementos a autorizar a desconstituição do auto de infração e da penalidade imposta pelo embaraço à fiscalização.
3. A reincidência está prevista no artigo 202, parágrafo único, do Decreto 5.153/2004, por meio do qual se extrai que, para a caracterização da reincidência administrativa no caso em exame, é necessário que o administrado cometa outra infração depois de decisão administrativa final condenatória e, nos casos de infrações relativas aos atributos especificados no parágrafo único, além do requisito anterior, tenham sido praticados atos diversos dentro do mesmo ano civil. Caso em que a autuação mais recente (auto de infração nº 001/1921/SC-2008) envolveu práticas ilícitas dos anos de 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008, enquanto que a autuação anterior (auto de infração nº 52/2007) se deu em junho/2007, envolvendo também atos praticados em anos constantes da autuação mais recente, o que caracterizaria a reincidência.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de janeiro de 2017.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
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