quinta-feira , 21 novembro 2024
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Contrato de integração entre agroindústria e produtor rural para criação de suínos não é contrato agrário de parceria rural

“O Estatuto da Terra não se aplica a contrato de parceria firmado entre empresa especializada na produção e comercialização de produtos agrícolas e criador que recebe insumos e orientação técnica dessa indústria para criar suínos na sua propriedade rural.

Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o recurso interposto por um criador que havia assinado contrato com a Sadia em outubro de 1994. No contrato, a Sadia se obrigava a fornecer leitões e a ração. Já o criador oferecia um galpão com capacidade para até 180 animais, equipamentos e mão de obra.

Com a rescisão do contrato, o criador ajuizou ação para reivindicar o direito de partilha previsto no Estatuto da Terra. Alegou que a fórmula de remuneração do contrato era nula porque não o remunerou de acordo com os critérios daquela lei.

Pediu ainda indenização pelas benfeitorias feitas na propriedade para cumprir as exigências da Sadia, com base no Decreto 59.566/66, que regulamentou o Estatuto da Terra, e o pagamento de lucros cessantes pela rescisão “imotivada” do contrato.

O juiz rejeitou o pedido do criador, que recorreu sem sucesso ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). No STJ, ele insistiu em reivindicar a partilha dos frutos do acordo, o direito à indenização pelas benfeitorias e os lucros cessantes.

Proteção

A relatoria do recurso coube ao ministro Raul Araújo, da Quarta Turma. No voto, o ministro considerou acertado o entendimento do TJSC, ressaltando que o Estatuto da Terra se refere às relações entre propriedade rural e trabalhadores, visando à proteção destes últimos.

“Por sua vez, o contrato em debate envolve uma sociedade empresária industrial, voltada para a produção e comercialização de produtos agrícolas industrializados, de um lado, e os proprietários de imóvel rural, dedicados à produção de suínos como insumo daquela indústria, de outro lado”, diferenciou o ministro.

Raul Araújo ressaltou que a intenção do legislador, por meio do Estatuto da Terra, foi criar mecanismos de proteção para o trabalhador rural, reconhecendo sua hipossuficiência. No caso em análise, destacou o relator, o contrato previa a junção de esforços dos parceiros (proprietário rural e empresa) com o objetivo de garantir produtividade e qualidade para o abate de suínos.

De acordo com o ministro, o objeto primário da proteção estatal instituída pelo Estatuto da Terra nos contratos agrários, que seria a hipossuficiência do parceiro-outorgado, não está presente na relação discutida no processo, pois os outorgados são os donos da propriedade rural, enquanto ‘os custos da produção, quase que em sua totalidade, são afetos ao parceiro-outorgante’.

Raul Araújo ressaltou ainda que o próprio legislador afastou a incidência do Estatuto da Terra nos contratos de parceria para criação de aves e suínos ao editar a Lei 11.443,que incluiu o parágrafo 5º em seu artigo 96. A decisão da Quarta Turma foi unânime”.

Fonte: STJ, 03/10/2016.

Direito Agrário

Comentário de DireitoAgrário.com:

 

Os Contratos de Integração Agroindustrial tem sua a utilização evidenciada no Brasil a partir dos anos 90, sob o aspecto essencial relativo a mudança de hábitos do consumidor e a necessidade da agro/indústria em ajustar-se no cumprimento de padrões de qualidade, sem deixar de garantir a eficiência em volume de produção e rentabilidade. Sob este aspecto, a coordenação de atividades via contrato passou a ser uma forma de resguardar-se a disciplina dos direitos e obrigações de cada parte.

Como em qualquer contrato que envolva a criação de um novo modelo de produção, conflitos gerados trouxeram dúvidas sobre a qual legislação estaria submetido a regulação desta dinâmica agroindustrial, visto que o seu equilíbrio deveria ser analisado.

Para alguns, tratava-se de um contrato agrário de parceria rural, previsto no Artigo 4° do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) e seu regulamento (Decreto 59.566/66), ainda que descaracterizado em partes. Por outro lado, surgiu como forte argumento, especialmente por parte da indústria, de que tratava-se de um contrato civil atípico, cuja pretensão estava na orientação técnica especializada para a terminação dos ativos (animais) fornecidos e fidelização da compra destes animais, remunerando-se o integrado pelo quilograma do animal fornecido para abate.

Assim, de fato, prevaleceu o entendimento da atipicidade do contrato civil, limitando ele as regras impostas pela legislação civilista e não agrária, o que, por consequência, acabou criando um cenário exclusivo de análise junto aos tribunais, mas por vezes contestado, especialmente pela classe dos produtores integrados.

Ante este cenário abstrato e com vias de buscar uma regulamentação, empresas integradoras e integrados buscaram inserir o modelo de contrato no ordenamento jurídico brasileiro, cujo objetiva era clarear e dar direcionamento na análise dos litígios oriundos da integração. Assim, em maio de 2016, publicou-se a Lei 13.288/2016, com as diretrizes do Sistema Integrado, tipificando a modalidade e direcionando a estruturação de negócios da cadeia.

 

por Maurício Alfredo Gewehr – Advogado e professor de direito agrário e negociações complexas, graduado em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul, possui LLM em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, Especialista em Direito Agrário e Ambiental aplicado ao Agronegócio junto a Universidade Paulista em parceria com o Instituto Universal de Marketing em Agribusiness e certificado no Program on Negotiation junto a Harvard Law School, Cambridge – MA – USA. Possui estudos voltados ao ambiente jurídico e econômico das cadeias do agronegócio, em especial ao sistema privado de financiamento agrícola e cadeias agropecuárias integradas. É membro da União Brasileira dos Agraristas Universitários – UBAU. (http://kmgadvocacia.com.br/)

 

Direito Agrário

Confira a íntegra da decisão:

RECURSO ESPECIAL Nº 865.132 – SC (2006/0145257-5)

RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO

RECORRENTE : FLÁVIO WURZIUS E OUTRO

ADVOGADO : ANACLETO CANAN – SC005627

RECORRIDO : SADIA CONCÓRDIA S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO

ADVOGADO : OTÁVIO FURQUIM DE ARAÚJO SOUZA LIMA – SP146474

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PARCERIA AGROINDUSTRIAL. RECRIA E ENGORDA DE SUÍNOS. CONTRATO ATÍPICO. ESTATUTO DA TERRA (LEI 4.504/64). INAPLICABILIDADE. CÓDIGO CIVIL DE 1916. APELO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, DESPROVIDO. 1. O Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) e seu regulamento (Decreto 59.566/66) não se aplicam ao contrato de parceria agroindustrial suinícola, celebrado entre sociedade empresária industrial, voltada para a produção e comercialização de produtos agrícolas industrializados, de um lado, e, de outro lado, os proprietários de imóvel rural, dedicados à produção de suínos como insumo daquela indústria, sob orientação e com apoio técnico daquela. 2. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e, nessa parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti (Presidente), Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão.

Brasília, 13 de setembro de 2016(Data do Julgamento)

MINISTRO RAUL ARAÚJO

Relator

 

RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto por FLÁVIO WÜRZIUS e ISABEL WÜRZIUS, com fulcro nas alíneas “a” e “c” do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, contra o v. acórdão de fls. 327/341, que negou provimento ao recurso de apelação, mantendo a sentença que julgou improcedente a pretensão dos recorrentes.

Noticiam os autos que FLÁVIO WÜRZIUS e ISABEL WÜRZIUS, casados entre si, moveram ação em face de SADIA CONCÓRDIA S/A INDÚSTRIA E COMÉRCIO, afirmando, em síntese, que em outubro de 1994 teriam iniciado a atividade de exploração de recria e engorda de suínos, por meio de contrato de parceria suinícola firmada com a aqui recorrida, por prazo indeterminado, mediante o qual esta se obrigava a fornecer leitões com idade entre 50 e 77 dias e a ração, ao passo que o parceiro criador tinha a obrigação de dispor de um galpão com capacidade para alojar até 180 animais, com todos os equipamentos indispensáveis ao criatório, assim como a mão-de-obra, luz, água, medicamentos, entre outras coisas.

Defenderam, por outro lado, a aplicação do Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964) e do Decreto 59.666/1966, invocando o direito de partilha, afirmando que “a fórmula de remuneração apresentada no contrato pela Ré é totalmente nula, uma vez que, não remunerou o parceiro criador de acordo com o que preceitua a lei” (fl. 11), bem como o direito de indenização, uma vez que “a Ré rescindiu imotivadamente o contrato sem ao menos cumprir as disposições nele constantes, ceifando deste modo qualquer possibilidade dos Autores continuarem explorando aquela atividade ” (fl. 15), já que, por sua vez, “o art. 13, VI, do Decreto 59.666/66, obriga a estipulação de cláusula de indenização das benfeitorias realizadas durante o contrato, ainda mais se estas tinham por fim viabilizar a exploração da atividade ou como no caso sub judice atender as exigências da parceira- proprietária ” (fl. 17).

De igual modo, sustentaram a necessidade de condenação da recorrida ao pagamento de: (a) lucros cessantes, sob o argumento de que “o contrato de parceria era por prazo indeterminado, portanto, a rigor do estatuído no artigo supra elencado, a Ré deveria ter notificado os Autores com 06 (seis) meses de antecedência da sua vontade de rescindir o contrato de parceria suinícola. Destarte, não tendo ocorrido qualquer notificação, sequer fora do prazo legal, em consonância com as disposições legais atinentes ao Estatuto da Terra, o contrato de parceria está prorrogado automaticamente por mais 03 anos. Deste modo, os Autores têm direito aos lucros cessantes referentes ao período relativo ao término do contrato, ou seja, mais 03 (três) anos de atividades, condizente com a prorrogação automática do contrato de parceria, face a falta de notificação, totalizando a quantia de 10,5 (dez vírgula cinco) lotes” (fl. 19); e (b) indenização por dano moral, sob o pálio de que “A ruptura contratual da maneira pela qual foi concretizada, repercutiu na vida social e principalmente econômica dos Autores” (fl. 20).

Devidamente citada, a demandada ofertou contestação (fls. 64/95), oportunidade em que arguiu a prejudicial de prescrição com relação à pretensão de recálculo das parcelas pagas há mais de quatro anos, nos termos do art. 178, § 9º, V, do CC/1916. No mais, defendeu a inaplicabilidade do Estatuto da Terra e seu decreto regulamentador ao caso, por se tratar de contrato atípico regido, portanto, pelo Código Civil, pugnando pela improcedência dos pedidos.

Suscitou, ademais, que: (a) “os Autores motivaram a rescisão antecipada do contrato de parceria suinícola, por não atenderem normas da legislação ambiental e de controle sanitário ” (fl. 76); (b) “Assim, mais uma vez, os Autores motivaram a rescisão antecipada do contrato de parceria suinícola, por disporem do patrimônio da Empresa, bem como por manterem seus resultados abaixo da média esperada ” (fl. 76); e (c) o contrato foi celebrado por prazo indeterminado, podendo ser resilido mediante notificação premonitória com antecedência mínima de um lote.

Em réplica (fls. 182/200), os autores/recorrentes impugnaram os argumentos suscitados pela demandada/recorrida.

Por entender pela desnecessidade de produção de outras provas, além daquelas presentes nos autos, o ilustre Magistrado de piso sentenciou o feito, oportunidade em que rechaçou a prejudicial de decadência, julgando totalmente improcedentes os pedidos autorais, nos termos da r. sentença de fls. 235/243.

Inconformados, os demandantes, ora recorrentes, interpuseram recurso de apelação (fls. 248/275), pugnando pela total reforma da sentença. A ré/recorrida, por sua vez, apelou para modificar a sentença no ponto em que deixou de condenar a parte autora aos ônus da sucumbência (fls. 303/307).

A egrégia Terceira Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina negou provimento ao recurso da parte autora, dando, por outro lado, provimento ao apelo da demandada, cujo acórdão ficou assim ementado (fls. 328/329):

“INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS -CONTRATO DE PARCERIA PARA RECRIA E ENGORDA DE SUÍNOS – PRETENSÃO INDENIZATÓRIA DECORRENTE DA RESILIÇÃO DA AVENÇA PELO PARCEIRO-PROPRIETÁRIO – PRELIMINAR DE JULGAMENTO EXTRA PETITA EM RELAÇÃO À PARTILHA DOS FRUTOS AFASTADA – DISCUSSÃO ACERCA DA APLICABILIDADE DO ESTATUTO DA TERRA (LEI N? 4.504/64) QUE ABRANGE TODA A MATÉRIA POSTA EM ANÁLISE – AFERIÇÃO QUANTO À INCIDÊNCIA DE NORMA COGENTE PELO JUÍZO AD QUEM – PACTO ATÍPICO REGIDO PELO CÓDIGO CIVIL ENTÃO VIGENTE – CONTRATO POR ADESÃO NÃO CARACTERIZADO – CRITÉRIOS DE PARTICIPAÇÃO NOS RENDIMENTOS ENTABULADOS LIVREMENTE PELAS PARTES – ABUSIVIDADE NÃO RECONHECIDA – RELAÇÃO DE CONSUMO NÃO EVIDENCIADA – INEXISTÊNCIA DE DIFERENÇAS A SEREM APURADAS – RESILIÇÃO CONTRATUAL – PLENO CONHECIMENTO DA INTENÇÃO DE DESCONSTITUIR A AVENÇA DIANTE DA CESSAÇÃO DO FORNECIMENTO DOS SUÍNOS PARA RECRIA E ENGORDA – INTERREGNO ENTRE A PARALISAÇÃO DA PARCERIA E O AJUIZAMENTO DA AÇÃO SUPERIOR A UM ANO – AUSÊNCIA DE PRÉVIA NOTIFICAÇÃO – IRRELEVÂNCIA – LUCROS CESSANTES INDEVIDOS – INVESTIMENTOS NO IMÓVEL – NECESSIDADE INTRÍNSECA À ATIVIDADE CONTRATUAL – BENFEITORIAS QUE PASSARAM A INTEGRAR O BEM DO PARCEIRO CRIADOR ACRESCENDO-LHE O VALOR DE MERCADO – DANOS MORAIS – NÃO-CONFIGURAÇÃO – IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INDENIZATÓRIOS – VENCIDOS OS BENEFICIÁRIOS DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA – CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO IMPEDE SEJAM CONDENADOS AO PAGAMENTO DE VERBA HONORÁRIA AO EX ADVERSO – EXIGIBILIDADE DA REMUNERAÇÃO DO CAUSÍDICO QUE RESTARÁ SUSPENSA ENQUANTO PERDURAREM AS RAZÕES PARA A CONCESSÃO DO BENEPLÁCITO – ART. 12 DA LEI 1.060/50 – RECURSO DOS AUTORES DESPROVIDO – RECURSO DA RÉ PROVIDO.”

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (e-STJ, fl. 359).

Insatisfeitos, os autores da ação interpuseram o presentes recurso especial, alegando, além de dissídio jurisprudencial, contrariedade aos arts. 2º, 13, II, “a”, VI, e 35 do Decreto n. 59.566, de 1966; arts. 95, VIII, e 96, I e VI, da Lei n. 4.504, de 1964, sob o argumento de que durante toda a contratualidade os recorrentes foram obrigados a adquirir uma série de equipamentos e a realizar outras tantas benfeitorias, inclusive pintura nas cores da empresa-recorrida, que rescindiu o contrato, sem observar a legislação agrária.

Sustentam a aplicação do Estatuto da Terra, a partilha dos frutos de acordo com a legislação agrária, motivo pelo qual alegam nulidade da fórmula de remuneração, ocorrência de danos emergentes, e direito à indenização por benfeitorias – a despeito de não haver previsão no contrato – e por lucros cessantes, visto que o período mínimo de arrendamento em que ocorre atividade de exploração é de três anos. Entendem, ademais, que, em razão de a recorrida ter exigido expressamente a aquisição de equipamentos, deverá arcar com a indenização das benfeitorias elencadas na petição inicial.

A recorrida ofertou contrarrazões (fls. 402/411).

O apelo nobre recebeu juízo positivo de admissibilidade, nos termos da r. decisão presidencial de fls. 413/414.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):

De início, é importante destacar que a insurgência recursal não merece ser conhecida pela alínea “c” do permissivo constitucional, uma vez que a parte recorrente não promoveu o cotejo analítico entre as decisões supostamente conflitantes, deixando de demonstrar, nos moldes do art. 541, parágrafo único, do CPC/1973 e do art. 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ a similitude fática entre os casos confrontados, limitando-se, tão somente, a transcrever a ementa do acórdão estadual apontado como paradigma.

Nesse sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ERRO MÉDICO. DANO MORAL. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 282/STF. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA Nº 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO. 1. Ausente o prequestionamento, até mesmo de modo implícito, de dispositivos apontados como violados no recurso especial, incide o disposto na Súmula nº 282/STF. 2. A reforma do julgado demandaria o reexame do contexto fático-probatório, procedimento vedado na estreita via do recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. 3. A divergência jurisprudencial com fundamento na alínea “c” do permissivo constitucional, nos termos do art. 541, parágrafo único, do CPC e do art. 255, § 1º, do RISTJ, exige comprovação e demonstração, esta, em qualquer caso, com a transcrição dos trechos dos arestos que configurem o dissídio, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, não sendo bastante a simples transcrição de ementas sem o necessário cotejo analítico a evidenciar a similitude fática entre os casos apontados e a divergência de interpretações. 4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 1.562.730/RS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe de 12/04/2016) “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. FILIAÇÃO. ALTERAÇÃO DO NOME PARA QUE O PATRONÍMICO MATERNO SEJA INCLUÍDO APÓS O PATERNO. AUSÊNCIA DE EXCEPCIONALIDADE AUTORIZADORA. 2. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO NOS MOLDES LEGAIS. 3. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS, SEM EFEITOS INFRIGENTES. 1. São admissíveis embargos de declaração quando houver obscuridade, contradição ou omissão em questão sobre a qual deveria o Tribunal se pronunciar. 2. Tendo o Tribunal de origem concluído pela ilegitimidade da agravante para promover a alteração do nome do menor, asseverando, ainda, a impossibilidade da modificação, ante a existência, em tese, de conflito de interesse entre mãe e filho, tem-se não caracterizada a excepcionalidade autorizadora da mudança do nome – justo motivo e inexistência de prejuízos à terceiros. Incidência da Súmula 83/STJ. 3. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o devido cotejo analítico entre as hipóteses apresentadas como divergentes, com transcrição dos trechos dos acórdãos confrontados, com menção das circunstâncias que os identifiquem ou assemelhem, nos termos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC/1973 e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, o que não se verifica na hipótese dos autos. 4. Embargos de declaração acolhidos, sem efeitos infringentes.” (EDcl no AgRg no AREsp 798.500/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, DJe de 30/06/2016)

No tocante à parte do recurso em que se veicula violação a dispositivo de lei federal, necessária se faz uma incursão acerca da aplicação, no caso dos autos, da Lei 4.504/1964 (Estatuto da Terra) e de seu decreto regulamentador, haja vista que o eg. Tribunal de origem, conforme consignado no relatório, entendeu que a relação contratual em vitrina (parceria suinícola) não se submete à legislação em referência.

O entendimento do Tribunal de Justiça mostra-se acertado, na medida em que o Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964) acha-se voltado para as relações jurídicas que envolvem a propriedade do imóvel rural e sua utilização e os interesses e negócios entre o proprietário e os trabalhadores rurais, visando à proteção destes últimos. É o que se depreende de seu art. 1º, in verbis:

Art. 1° Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, para os fins de execução da Reforma Agrária e promoção da Política Agrícola. § 1° Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade. § 2º Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias , seja no sentido de garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país.

Por sua vez, o contrato em debate envolve uma sociedade empresária industrial, voltada para a produção e comercialização de produtos agrícolas industrializados, de um lado, ora recorrida, e os proprietários de imóvel rural, dedicados à produção de suínos como insumo daquela indústria, de outro lado, ora recorrentes.

Prosseguindo-se nesse exame, sem embargo do entendimento exarado pela egrégia Corte local, importante se faz transcrever o disposto no art. 96, V, do Estatuto da Terra, ao tempo da celebração e vigência do contrato em quizila, que preceituava:

Art. 96. Na parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, observar-se-ão os seguintes princípios: (…) V – no Regulamento desta Lei, serão complementadas, conforme o caso, as seguintes condições, que constarão, obrigatoriamente, dos contratos de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial ou extrativa: a) quota-limite do proprietário na participação dos frutos, segundo a natureza de atividade agropecuária e facilidades oferecidas ao parceiro; b) prazos mínimos de duração e os limites de vigência segundo os vários tipos de atividade agrícola; c) bases para as renovações convencionadas; d) formas de extinção ou rescisão; e) direitos e obrigações quanto às indenizações por benfeitorias levantadas com consentimento do proprietário e aos danos substanciais causados pelo parceiro, por práticas predatórias na área de exploração ou nas benfeitorias, nos equipamentos, ferramentas e implementos agrícolas a ele cedidos; f) direito e oportunidade de dispor sobre os frutos repartidos;

Por sua vez, o regulamento, Decreto 59.566/1966, dispunha que:

Art. 1º O arrendamento e a parceria são contratos agrários que a lei reconhece, para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o proprietário, quem detenha a posse ou tenha a livre administração de um imóvel rural, e aquele que nela exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista (art. 92 da Lei nº 4.504 de 30 de novembro de 1964 – Estatuto da Terra – e art. 13 da Lei nº 4.947 de 6 de abril de 1966). Art. 2º Todos os contratos agrários reger-se-ão pelas normas do presente Regulamento, as quais serão de obrigatória aplicação em todo o território nacional e irrenunciáveis os direitos e vantagens nelas instituídos (art.13, inciso IV da Lei nº 4.947-66). Parágrafo único. Qualquer estipulação contratual que contrarie as normas estabelecidas neste artigo, será nula de pleno direito e de nenhum efeito.

De um perscrutar necessário das disposições normativas transcritas, percebe-se a forte intenção do legislador de criar, por meio do Estatuto da Terra e de seu Regulamento, mecanismos para a defesa do arrendante e/ou parceiro-outorgado, reconhecendo, de antemão, situação de hipossuficiência destes.

A propósito, o art. 13 do Regulamento (Decreto 59.566/66) afasta qualquer dúvida a esse respeito, senão vejamos:

Art. 13. Nos contratos agrários, qualquer que seja a sua forma, constarão obrigatoriamente, clausulas que assegurem a conservação dos recursos naturais e a proteção social e econômica dos arrendatários e dos parceiros-outorgados, a saber:

Nesse sentido, aliás, são bastante apropriadas as palavras de Sílvia C. B. Opitz e Oswaldo Opitz, que advertem:

Várias regras foram introduzidas nos contratos de arrendamento e de parcerias, comuns a ambos, mais condizentes com a moderna exploração da terra. Nem sempre, porém, é possível esgotarem-se as situações que se apresentem na vida real, apesar do casuísmo legal (regulamentar). Por isso o ET delegou ao Regulamento a supressão de falhas e a complementação de normas gerais previstas no Capítulo IV, que trata do uso e posse da terra. No art. 96, V, diz o ET que, além dos princípios previstos, outros poderão advir complementando-os. Há regras obrigatórias que deverão constar em todas as parcerias: agrícola, pecuária, agroindustrial ou extrativista.

[…]

Essas normas fazem parte do contrato de parceria agrícola ou pecuária, obrigatoriamente, quer seja escrito ou não o contrato. São medidas que visam à proteção social e econômica dos parceiros outorgantes.

[…]

Todos os contratos agrários obedecerão às normas obrigatórias estabelecidas no ET e Regulamento expedido pelo Decreto n. 59.566/66. Não podem as partes renunciar a elas, sob pena de cláusula, que violar algumas delas, ser considerada nula e de nenhum efeito (Regulamento, art. 2º). O contrato não é nulo em seu todo, mas somente naquela parte que viola a lei e assim mesmo sem necessidade de declaração de nulidade, porque não tem eficácia em relação aos contratantes.” (Curso Completo de Direito Agrário. 5ª ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2011, págs. 433/436)

No caso em exame, o eg. Tribunal local, diante das peculiaridades do pacto em discussão, bem como dos elementos fático-probatórios constantes nos autos, entendeu pela inaplicabilidade do Estatuto da Terra, sob os seguintes fundamentos, in verbis:

“Enfim, o contrato de parceria suinícola prevê a soma de esforços dos parceiros com o escopo de garantir a ambos elevada produtividade e a qualidade desejável à criação de suínos para o abate.

Consoante se deduz da avença entabulada entre os ora litigantes (fls. 22/29), o parceiro-criador, representado pelos autores, dispensaria todos os cuidados necessários e indispensáveis para a recria e engorda de suínos (cláusula 4ª). À parceira-proprietária, por sua vez, competiria fornecer leitões com determinadas características para serem recriados e engordados até que atingissem peso entre 70 e 150 kg, a fim de atender à demanda do mercado nacional e internacional (cláusula 3ª).

Diante desta abordagem, verifica-se que essa espécie de contrato não se enquadra com exatidão em nenhuma das hipóteses de parceria contempladas pelo art. 96, caput, da Lei 4.504/64, apresentando sensíveis peculiaridades que não permitem que seja tratado como se fosse efetivamente um contrato de parceria agrícola, pecuária, agroindustrial ou extrativa.

Nas palavras do eminente Desembargador José Volpato de Souza, extraída de voto proferido em caso análogo (relativo a parceria avícola), o contrato dessa natureza “pode-se dizer como uma hibridação dos contratos de parceria agrícola e de sociedade, sem, contudo, traduzir-se fielmente em nenhum deles” (AC nº 2004.015232-9).

[…]

Mutatis mutandis, extrai-se do parecer elaborado pelo Professor Silvio Rodrigues , juntado pela empresa-ré às fls. 107/129, o seguinte:

’46. Nos contratos agrários, a reação do ordenamento jurídico foi a de criar normas de ordem pública para remediar os efeitos da desigualdade porventura existentes entre o dono da terra – em geral o contratante mais forte e o trabalhador – em geral o contratante mais fraco. E essa reação se encontra na legislação agrária referida várias vezes neste trabalho, confessadamente e ditada para proteger o trabalhador rural, e que portanto visava limitar o alcance do princípio da autonomia da vontade, no âmbito dos contratos agrários.

47. Vimos, entretanto, que o contrato de parceria avícola, objeto de consulta, dada a sua peculiaridade, não é abrangido pela legislação agrária vigente; aliás, no que se refere ao contrato de parceria avícola, nada há nessa legislação, que restrinja a liberdade de contratar, consignada na legislação tradicional’.

[…]

Portanto, diante da atipicidade dos contratos suinícolas, há de se reconhecer a inaplicabilidade do Estatuto da Terra, afastando-se, consequentemente, a incidência de seu art. 96, VI – que prevê a porcentagem mínima cabível a cada um dos parceiros nos resultados auferidos pela produção comum -, fazendo-se necessária a aplicação subsidiária do Código Civil de 1916, vigente à época dos fatos.” (fls. 333/335)

Com efeito, de acordo com o que foi delineado na moldura fática do v. acórdão recorrido, o pacto entabulado entre os litigantes previa a junção de esforços dos parceiros, proprietários da terra e empresa industrial, com o objetivo de garantir a ambos elevada produtividade e a qualidade desejável à criação de suínos para o abate e produção industrial.

Os parceiros-criadores, aqui recorrentes, são aqueles que possuem o imóvel rural como proprietários da infraestrutura necessária para abrigar e proporcionar o desenvolvimento a contento dos leitões, entregues pela parceira-industrial, ora recorrida. A seu turno, incumbia a esta, além do fornecimento dos suínos, propiciar o acompanhamento técnico da produção, bem como arcar com a provisão de rações e insumos utilizados durante esse período em que os animais se encontram sob os cuidados daqueles.

Demais disso, como é comum em contratos de parceria dessa natureza, a parceira industrial entra com as despesas da matriz, do leitão, das rações, dos medicamentos, da assistência técnica e veterinária, do transporte, da infraestrutura de abate e comercialização, além do que existem vantagens em favor do parceiro criador, tais como preço convencionado e outros, concorrendo este com o local adequado para criadouro, mão de obra, água e energia elétrica.

Nesse panorama, percebe-se, de plano, que o objeto primário da proteção estatal, nos contratos agrários, que seria a hipossuficiência do parceiro-outorgado, não se faz presente, uma vez que, na hipótese dos autos, estes são os donos da propriedade rural e os custos da produção, quase que em sua totalidade, são afetos ao parceiro-outorgante.

Ressalte-se, por necessário, que esta Quarta Turma, em remoto pronunciamento, afirmou que o contrato de parceria avícola, celebrado em circunstâncias bastante semelhantes à hipótese em anunciação, seria atípico, não se submetendo às normas da legislação agrária.

Eis a ementa do referido julgado:

“PARCERIA RURAL. Aviário. Contrato atípico. Abusividade. – O contrato celebrado entre a companhia de alimentos e o pequeno produtor rural para a instalação de um aviário destinado à engorda de frangos para o abate, com recíprocas obrigações de fornecimento de serviços e produtos, é um contrato atípico, mas nem por isso excluído de revisão judicial à luz da legislação agrária e dos dispositivos constitucionais que protegem a atividade rural.

– Caso em que as instâncias ordinárias, examinando a prova, inclusive pericial, concluíram pela inexistência de abusividade , seja na celebração, seja na execução do contrato e na fixação do preço final do produto. Incidência das Súmulas 5 e 7/STJ. Recurso não conhecido.”

(REsp 171.989/PR, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 20/08/1998, DJ de 13/10/1998, p. 129)

Assaz elucidativo é o voto proferido pelo ilustre Ministro Ruy Rosado de Aguiar, do qual se transcrevem alguns trechos, in verbis:

“Trata-se de tema de significativa relevância, pois diz com a natureza do contrato e legalidade de cláusulas na avença estipulada entre o agricultor, que participa com a terra, a construção do aviário, com o seu trabalho e contratação da mão de obra necessária, manutenção do estabelecimento em condições higiênicas, fornecimento de energia elétrica, e, eventualmente, com outras contribuições, para a criação de pintos fornecidos pela companhia de alimentos, sendo esta também a fornecedora de toda a assistência técnica, sanitária, de transporte, além de estar comprometida com a aquisição das aves em ponto de abate. Enquanto o autor assevera que está caracterizado contrato de parceria pecuária, regulado pela legislação agrária (arts. 92 a 96 da Lei n° 4.504, de 30.11.64 – Estatuto da Terra – e Decreto n° 59.566, de 14.11.66, arts. 1º a 5º), a ré quer fazer incidir a legislação comum, o que foi acolhido nas instâncias ordinárias, onde ficou decidido que se trata de um contrato atípico. Não tenho dúvida de que se trata de um contrato atípico, com elementos que incidem sobre mais de uma das figuras nominadas, destinado a regular o relacionamento das partes em uma atividade que não estava prevista na legislação agrária e que, por isso mesmo, desenvolveu-se fora de seu âmbito e de acordo com as exigências do mercado. “

Embora não seja objeto deste recurso, calha destacar, em homenagem ao precedente mencionado, que o Tribunal de origem consignou a inexistência de cláusulas abusivas no contrato, assim como ausência de desvantagem excessiva para qualquer dos parceiros, o que é ratificado pela não insurgência, quanto a este capítulo, dos recorrentes.

Por fim, porém não menos importante, é mister ressaltar que o próprio legislador reconheceu a atipicidade do contrato de parceria suinícola, afastando a incidência do Estatuto da Terra, mediante a edição da Lei 11.443, de 5 de janeiro de 2007, incluído o § 5º ao art. 96 do multicitado diploma legal, com a seguinte redação:

Art. 96. Na parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, observar-se-ão os seguintes princípios: […] § 5º O disposto neste artigo não se aplica aos contratos de parceria agroindustrial, de aves e suínos, que serão regulados por lei específica.

A par dessas considerações, verifica-se que o entendimento firmado pela instância ordinária merece prestígio, porquanto reconhecida a inaplicabilidade do Estatuto da Terra ao caso em subsunção, ao tempo em que se impõe a rejeição da pretensão recursal, uma vez que esta se apoia exclusivamente na referida legislação, de reconhecida não aplicação à hipótese vertente.

Diante do exposto, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa parte, nos termos do art. 255, § 4º, II, do RISTJ, nego-lhe provimento.

É como voto.

Direito Agrário

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– Publicada a Lei dos Contratos de Integração entre produtores rurais e agroindústrias (Portal DireitoAgrário.com, 17/05/2016)

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