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Direito Agrário

Ausência de citação de vizinhos não gera nulidade absoluta em processo de usucapião

“A ausência de citação dos confinantes (vizinhos) e seus cônjuges, em processo de usucapião, não é causa de nulidade absoluta do processo.

Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a um recurso para afastar a nulidade declarada de ofício pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) ao analisar apelação contra sentença que reconheceu a usucapião de imóvel rural no interior do estado. Com a decisão do STJ, o processo retorna ao TJMG para a análise de mérito da apelação.

Para o ministro relator do recurso, Luis Felipe Salomão, apesar de ser recomendada a citação dos vizinhos, sua falta gera apenas nulidade relativa, quando se comprova prejuízo sofrido por algum desses vizinhos quanto aos limites territoriais do imóvel que sofreu usucapião.

‘Tem-se uma cumulação de ações: a usucapião em face do proprietário e a delimitação contra os vizinhos e, por conseguinte, a falta de citação de algum confinante acabará afetando a pretensão delimitatória, sem contaminar, no entanto, a de usucapião, cuja sentença subsistirá malgrado o defeito atinente à primeira’, explicou o relator.

O relator destacou o importante papel dos confinantes, porque, dependendo da situação, eles terão que defender os limites de sua propriedade, e ao mesmo tempo podem fornecer subsídios ao magistrado para decidir acerca do processo de usucapião.

O ministro lembrou que a sentença que declarar a propriedade do imóvel não trará prejuízo ao confinante ou cônjuge não citado, já que a sua não participação no feito significa que a sentença não terá efeitos quanto à área demarcada, reconhecendo apenas a propriedade do imóvel.

Formalismo

Salomão citou uma ‘onda renovatória’ de entendimentos nos tribunais tendente a afastar o excesso de formalismo em prol da justiça social. No caso analisado, argumentou o ministro, não se discute o mérito da ação de usucapião, mas tão somente a regra procedimental, especificamente a ausência de citação dos cônjuges dos vizinhos como causa de nulidade absoluta do processo.

‘Mostra-se mais razoável e consentâneo com os ditames atuais o entendimento que busca privilegiar a solução do direito material em litígio, afastando o formalismo interpretativo para conferir efetividade aos princípios constitucionais responsáveis pelos valores mais caros à sociedade’, disse.

O ministro lembrou que o Código de Processo Civil de 1973 estabelecia rito específico para as ações de usucapião, mas o novo CPC não prevê mais tal procedimento especial, ‘permitindo-se a conclusão de que a ação passou a ser tratada no âmbito do procedimento comum’”.

Fonte: STJ, 27/10/2017.

Direito Agrário

Confira a íntegra da decisão:

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.432.579 – MG (2014/0019044-2)

RECORRENTE : ROSILENE APARECIDA RODRIGUES DA SILVA

RECORRENTE : MILTON ALVES DOS SANTOS

ADVOGADOS : CHARLES RODRIGUES LUÍS – MG070115

LUCILENE GONÇALVES SILVEIRA E OUTRO(S)

RECORRIDO : MARIA DA GLÓRIA GONÇALVES DE OLIVEIRA

RECORRIDO : JOSE ANTONIO CORREIA

ADVOGADOS : JOSÉ MÁRIO PENA – MG022659

ADALBERTO FERNANDES PENA – MG031123

 

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

 

1. Rosilene Aparecida Rodrigues da Silva e Milton Alves dos Santos ajuizaram ação de usucapião rural em face dos herdeiros de Ana Correa Gonçalves – Maria da Glória Gonçalves dos Santos e José Antônio Correia -, por possuírem, há mais de 05 anos (desde outubro de 1999), a posse mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini de imóvel rural de 11,35 ha, localizado no Município de Francisco de Sá, tendo, inclusive, adquirido a parte dos direitos hereditários sobre o bem de outro irmão, João dos Reis Correia Gonçalves.

O magistrado de piso julgou procedente o pedido para declarar a propriedade do imóvel usucapiendo em favor dos autores (fls. 179-189).

Interposta apelação, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por maioria, acolheu a preliminar suscitada de ofício pelo revisor – ausência de citação dos cônjuges dos confinantes casados -, para então reconhecer a nulidade do feito, nos termos da seguinte ementa:

EMENTA (REVISOR): USUCAPIÃO. CONFINANTES. CITAÇÃO DE SEUS CÔNJUGES. NECESSIDADE. NULIDADE. Determina o Código de Processo Civil a citação de todos os confinantes e respectivos cônjuges, que, obrigatoriamente, são chamados à ação de usucapião para que possam interferir na demarcação do imóvel usucapido, a fim de proteger a sua propriedade. (fls. 222-230)

Irresignados, os autores interpõem recurso especial, com fulcro na alínea “a” do permissivo constitucional, por vulneração aos arts. 942 do CPC/1973 e 5°, § 2°, da Lei 6.969/1981.

Sustentam que, na ação de usucapião, não se faz necessária a citação dos cônjuges dos confinantes, seja pela ausência de previsão legal, seja por não serem os confinantes sujeitos passivos da ação.

Afirmam que não houve demonstração do prejuízo, sendo que “no caso dos Autos todos os confinantes foram citados pessoalmente e, nenhum deles, questionou a área pretendida pela usucapião ou mostrou qualquer resistência ao pedido” (fl. 254).

Aduzem que a Súm 391 do STF só exige a citação pessoal do confinante certo.

Não foram apresentadas contrarrazões ao recurso especial, consoante certidão à fl. 257.

O recurso recebeu crivo positivo de admissibilidade na origem (fl. 259).

Instado a se manifestar, o Parquet opinou pelo não provimento do recurso, nos termos da seguinte ementa:

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO ESPECIAL. CONFINANTES. CITAÇÃO DE SEUS CÔNJUGES. ART. 942 DO CPC. NECESSIDADE. NULIDADE.

Parecer pelo improvimento do Recurso Especial para manter o acórdão recorrido.

(fls. 270-274)

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

2. A discussão dos autos está em definir se a falta de citação do cônjuge do confinante acarreta a nulidade da ação de usucapião.

O acórdão recorrido, por maioria, reconheceu a existência do vício, anulando todo o processo:

MARIA DA GLÓRIA GONÇALVES DE OLIVEIRA interpôs apelação em face da decisão de fls. 138/148 proferida nos autos da ação de usucapião especial rural.

O MM. Juiz julgou procedente o pedido inicial, para declarar a propriedade do imóvel usucapiendo, de área de 11,35 ha (onze hectares e trinta e cinco centiares) pelos autores/apelados.

Ato contínuo fixou os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído a causa.

Às fls. 150/152 segue apelação, na qual insurgem-se os apelantes, argüindo, preliminarmente, nulidade da sentença por cerceamento de defesa.

No mérito, afirma que sendo os apelantes cessionários de direito sobre o imóvel do espólio de Ana Corrêa Gonçalves, não atendem a exigência do art. 1.239 do CC, reitera o item 4 da contestação e demais argumentos constantes na referida peça.

Recurso recebido em ambos os efeitos, fls. 155.

Preparo regular, fls. 153.

Contrarrazões, fls. 156/160.

PRELIMINAR DE OFÍCIO: NULIDADE POR AUSÊNCIA DE CITAÇÃO

Analisando os autos, verifica-se que os requerentes, além da citação dos requeridos, indicaram e pleitearam, também, a citação dos confinantes GERALDO SARMENTO E ANTÔNIO EUSTÁQUIO LOPES (fl. 05) informando a residência destes. Contudo, apenas os confinantes foram citados (fls. 46/47 e verso)., não tendo havido a citação de seus respectivos cônjuges, não obstante, haja qualificação de que são casados (fl. 05).

Determina o Código de Processo Civil que, na ação de usucapião, todos os confinantes e seus respectivos cônjuges sejam obrigatoriamente citados (art. 942 do CPC) para que, eventualmente e com a finalidade de protegerem sua propriedade, possam interferir na demarcação do imóvel usucapido.

Sobre o tema, são valiosas as lições de ALEXANDRE FREITAS CÂMARA:

… Legitimados passivos, de outro lado, são aqueles em cujo nome está registrado o imóvel (e seu cônjuge ou companheiro, se for casado ou viver em união estável), os proprietários dos imóveis confrontantes (e seus cônjuges ou companheiros), o atual possuidor (no caso de ‘ação de usucapião’ proposta por quem não seja o possuidor atual) e eventuais interessados (chamados de réus incertos, em contraposição aos antecedentes referidos, que são os réus certos), que serão citados por edital“. (“Lições de Direito Processual Civil”, vol. III, 5ª ed. Lumen Juris, 2003, p. 431). (g.n.)

No mesmo sentido:

[…]

Ainda, não obstante a ausência de citação dos cônjuges dos confinantes indicados à fl. 05 verifica-se à f. 111, pela testemunha arrolada pelos autores, da existência de outro confrontante: “que, o depoente sabe que o Requerente Milton Alves é empregado do senhor Reinaldo Borges, proprietário da fazenda que faz limite com o imóvel usucapiendo, relação de emprego que já dura em torno de cinco anos…” (f.111).(g.n.)

Assim, diante da informação da existência de outro confinante, qual seja, Sr. Reinaldo Borges, sendo que, igualmente em relação a este, não houve a devida citação.

Com essas considerações, arguo, de ofício a nulidade da sentença de fls.138/148, podendo ser aproveitados os demais atos processuais praticados, no que couber. Retornem os autos ao juízo de origem para a devida regularização do processo.

Custas ao final.

Voto vencido

PRELIMINAR DE OFÍCIO SUSCITADA PELO REVISOR: NULIDADE POR AUSÊNCIA DE CITAÇÃO

O Eminente Revisor argüiu preliminar ao argumento de que os confinantes foram citados não tendo havido, contudo, a citação de seus respectivos cônjuges, dada a qualificação de que são casados. Afirmou ainda, que há informação da existência de outro confinante, qual seja, Sr. Reinaldo Borges, sendo que, igualmente em relação a este, não houve a devida citação.

Inicialmente entendo que a citação dos cônjuges dos confinantes em ação de usucapião não se mostra necessária, sendo apenas nos casos previstos no artigo 10 do CPC o qual é expresso em afirmar que:

Art. 10. O cônjuge somente necessitará do consentimento do outro para propor ações que versem sobre direitos reais imobiliários. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 1° Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para as ações: (Parágrafo único renumerado pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

I – reais imobiliárias; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1.10.1973)

I – que versem sobre direitos reais imobiliários; (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

II – resultantes de fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou de atos praticados por eles; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1.10.1973)

III – fundadas em dívidas contraídas pelo marido a bem da família, mas cuja execução tenha de recair sobre o produto do trabalho da mulher ou os seus bens reservados; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1.10.1973)

IV – que tenham por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges.(Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1.10.1973)

§ 2° Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nos casos de composse ou de ato por ambos praticados. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

Por conseguinte quanto à alegação de existência de mais um confinante, também sem razão.

Isso porque o memorial descritivo de fls. 11 – essencial à apresentação de confinantes em ação de usucapião – sequer apresenta o Sr. Reinaldo Borges como tal, fazendo-se desnecessária sua citação para a presente ação.

Ante o exposto rejeito a preliminar

Na espécie, como se percebe, não se discute o preenchimento dos requisitos da usucapião, mas tão somente regra procedimental em relação ao confrontante.

3. Nesse passo, é consabido que a usucapião é modo originário de aquisição da propriedade decorrente da posse continuada, por certo lapso de tempo, somada ao cumprimento dos requisitos legais.

Esta “prevalece sobre o registro imobiliário, não obstante os atributos de obrigatoriedade e perpetuidade deste, em razão da inércia prolongada do proprietário em exercer os poderes decorrentes do domínio” (REsp 952.125/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/06/2011, DJe 14/06/2011).

O CPC/1973 traçava procedimento específico (arts. 941-945) à usucapião de terras particulares, estabelecendo, dentro do livro “Dos Procedimentos Especiais”, quanto à citação dos confinantes, que:

Art. 942. O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do art. 232. [original sem grifos]

Nessa ordem de ideias, verifica-se que o aperfeiçoamento da relação processual ocorrerá com a citação dos réus certos – pessoalmente – e dos incertos e eventuais interessados – por edital -, além dos confrontantes do prédio usucapiendo.

A nova legislação processual civil não prevê procedimento especial para a ação de usucapião, fazendo apenas referência a esta demanda em seus arts. 246 e 259, permitindo-se a conclusão de que a ação passou a ser tratada no âmbito do procedimento comum.

4. Como sabido, a citação dos demandados é requisito essencial para a validade do processo (art. 214 do CPC/1973 e 239 do NCPC), sendo justamente em razão de sua função que boa parte da doutrina a considera como requisito de existência da relação processual, defendendo a ideia de que, inexistindo a citação, não há processo, inviabilizando-se a atuação da função jurisdicional e, consequentemente, negando a autoridade de coisa julgada à decisão eventualmente proferida (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 104).

Diante da relevância do ato citatório, a jurisprudência desta Corte Superior reconhece o cabimento da querela nulitatis insanabilis , uma vez que a nulidade advinda da falta de chamamento das partes ao processo não convalesce com o decurso do tempo. Trata-se, portanto, de vício “transrescisório” (REsp 1.333.887/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 12/12/2014).

5. No tocante especificamente à ação de usucapião, como visto, estabelecia o art. 942 do CPC/73 que, para a propositura da ação, se fazia necessária a juntada da planta do imóvel com o pleito de citação daquele em cujo nome estivesse registrado o bem.

Da mesma forma, determinava a citação pessoal dos confinantes e, com relação aos réus em local incerto e eventuais interessados, exigia que esta se desse na forma editalícia. A

redação do referido dispositivo processual veio a sedimentar a diretriz interpretativa do STF, com relação ao CPC/39, tomada nas súmulas 263 e 391, respectivamente:

Súm 263 – “O possuidor deve ser citado pessoalmente para a ação de usucapião”.

Súm 391 – “O confinante certo deve ser citado, pessoalmente, para a ação de usucapião”.

Nessa perspectiva, é que esta Corte Cidadã sedimentou o entendimento de que “a determinação do art. 942 do CPC diz respeito à citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes, não se exigindo a juntada de certidão do Cartório de Registros de Imóveis relativamente a cada um dos confrontantes, até porque as confrontações, como parte da descrição do bem, incluem-se no registro do imóvel usucapiendo” (REsp 952.125/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/06/2011, DJe 14/06/2011).

6. Como se percebe, os confrontantes têm grande relevância no processo de usucapião, porque, a depender da situação, terão que defender os limites de sua propriedade e, ao mesmo tempo, poderão fornecer subsídios fáticos ao magistrado.

Por tal razão, Fábio Caldas de Araújo esclarece que os confrontantes intervêm no processo de forma direta e indireta e com as seguintes finalidades:

Os confinantes atuam diretamente na avaliação das confrontações traçadas pelo requerente garantindo a integridade de suas respectivas propriedades. E de forma indireta atuam como testemunha do prescribente, delimitando o espaço geográfico em que o mesmo assenta sua posse ad usucapionem . (ARAÚJO, Fábio Caldas de. Usucapião. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 454).

Em razão dessa importância, aliás, que esta Quarta Turma reconheceu, no julgamendo do REsp 1.275.559/ES, ao interpretar o procedimento “sumariíssimo”, a relevância da citação dos confrontantes, entendendo, desse modo, que, em linha de princípio, é imprescindível a citação dos confinantes para integrar a relação processual da ação de usucapião especial de imóvel urbano, regida pela Lei n. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade).

O fundamento, repita-se, é o de se poder evitar, desse modo, que os confinantes do imóvel sofram prejuízos decorrentes de eventual sentença declaratória da prescrição aquisitiva, mais precisamente prevenindo-se novas discussões em ação própria, quando a contenda já poderia vir a ser solvida no bojo da própria ação de usucapião, evitando-se, assim, outras demandas, se, de plano, todos os interessados já fossem oportunamente chamados a integrar a lide.

O acórdão foi assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. LEI N. 10.257/2001. ESTATUTO DA CIDADE. CITAÇÃO DOS CONFINANTES. NECESSIDADE. DISCUSSÃO ANALISADA SOB A ÓTICA DO CPC DE 1973. MANUTENÇÃO DA EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. DESATENDIMENTO À DETERMINAÇÃO DE EMENDA À PETIÇÃO INICIAL. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. O art. 14 Lei n. 10.257/2001 determina que a ação de usucapião especial urbana deve observar o rito sumário.

2. Não há incompatibilidade entre o rito sumário com a citação do titular da propriedade e de todos os confinantes e confrontantes do imóvel usucapiendo, admitindo-se, inclusive, a comunicação via edital.

3. Em regra, seja qual for o procedimento a ser adotado na ação de usucapião – ordinário, sumário ou especial -, é de extrema relevância a citação do titular do registro, assim como dos confinantes e confrontantes do imóvel usucapiendo.

4. A questão acerca de a propriedade usucapienda ser um apartamento não foi objeto do recurso especial, tampouco restou debatida nas instâncias ordinárias. Tema não apreciado pelo órgão colegiado.

5. Recurso especial não provido. (REsp 1275559/ES, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 16/08/2016)

7. Resta saber, assim, se eventual falta de citação do confinante e, consequentemente, de seu cônjuge, acarretam a nulidade absoluta do processo.

De plano, destaco que, na ação de usucapião, com relação ao proprietário e seu cônjuge, constantes no registro de imóveis, é indispensável a citação destes (e demais compossuidores e condôminos) como litisconsortes necessários, sob pena de a sentença ser absolutamente ineficaz, inutiliter data, tratando-se de nulidade insanável.

Por outro lado, no tocante à citação do confrontante, apesar de amplamente recomendável, penso que a falta não acarretará, por si, causa de irremediável nulidade da sentença que declara a usucapião, notadamente pela finalidade de seu chamamento e, pelo fato de que seu liame no processo é bem diverso daquele relacionado ao dos titulares do domínio, formando pluralidade subjetiva da ação especial, denominado, pela doutrina, de litisconsórcio sui generis.

No ponto, como sabido, o processo moderno é infenso às nulidades estéreis, sem que haja proteção de qualquer valor relevante para tanto ou que se verifique efetivo prejuízo às partes.

Com efeito, diante do influxo normativo do direito processual civil moderno, tem-se verificado uma onda renovatória de entendimentos que vem afastando o excesso de formalismo em prol da justiça social, dando-se concretude aos seguintes princípios processuais: celeridade, duração razoável do processo, publicidade, efetividade, devido processo legal, ampla defesa, instrumentalidade das formas, dentre outros.

É que o trâmite processual não pode ser objeto de insegurança e surpresa às partes, não se podendo exigir comportamento que não seja razoável, com o objetivo de trazer obstáculo à efetividade da prestação jurisdicional.

Dessarte, tanto o CPC/73 (art. 249, § 1°) como o novel instrumental (art. 282, § 1°) determinam que o ato não será repetido nem sua falta será suprida quando não prejudicar a parte.

Assim, considerando-se a interpretação teleológica e a hermenêutica processual, sempre em busca de conferir concretude aos princípios da justiça e do bem comum, mostra-se mais razoável e consentâneo com os ditames atuais o entendimento que busca privilegiar à solução do direito material em litígio, afastando o formalismo interpretativo para conferir efetividade aos princípios constitucionais responsáveis pelos valores mais caros à sociedade.

Nessa ordem de ideias, penso que o verdadeiro intento da citação dos confinantes do imóvel usucapiendo é o de delimitar a área usucapienda, evitando, assim, eventual invasão indevida dos terrenos vizinhos.

Com efeito, “os confinantes do imóvel usucapiendo são, em princípio, interessados quanto ao objeto da demanda, porquanto a contiguidade de seus imóveis com o pretendido pelo prescribente poderá ser fator de dúvida ou divergência no tocante aos limites dos aludidos imóveis” (SALLES, José Carlos de Moraes. Usucapião de bens imóveis e móveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 197).

Em assim sendo, verifica-se que a posse ad usucapionem causa efetivo prejuízo apenas ao antigo proprietário, mas não com relação aos vizinhos, já que, como dito, o chamamento deles ao feito teria apenas o escopo de delimitar a gleba usucapienda, de modo a evitar que ocorra a indevida invasão, pelo título a ser conferido ao usucapiente, de terrenos adjacentes.

Tanto é assim que o NCPC, apesar da pouca regulamentação sobre o tema, previu a determinação da citação pessoal de todos os confinantes (art. 246, §3°), ressalvando as situações em que houver como objeto uma unidade autônoma de prédio em condomínio, em que esta será dispensada, ou seja, como a citação dos confrontantes serve apenas para discutir os limites dos imóveis, “é feliz o dispositivo legal ora comentado ao dispensar a citação pessoal dos confinantes se o pedido de usucapião tiver, por objeto, unidade autônoma de prédio em condomínio. Afinal, nesse caso, a delimitação dos imóveis já estará definida no Registro de Imóveis ou na convenção de condomínio” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo código de processo civil comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 395).

Em verdade, conforme esclarece doutrina de escol, tem-se uma cumulação de ações: a usucapião em face do proprietário e a delimitação contra os vizinhos, e, por conseguinte, a falta de citação de algum confinante acabará afetando a pretensão delimitatória, sem contaminar, no entanto, a de usucapião, cuja sentença subsistirá, malgrado o defeito atinente à primeira.

No ponto, é o destaque de Humberto Theodoro Junior:

Quanto à falta de citação de confrontante, não me parece que seja causa de irremediável nulidade da sentença que declara o usucapião. Na verdade, a posse ad usucapionem não opera em prejuízo dos vizinhos, mas apenas do antigo dono. A citação dos confinantes tem apenas o escopo de delimitar a gleba usucapienda, de modo a evitar que terrenos adjacentes sejam irregularmente invadidos pelo título a ser conferido ao usucapiente. […] ocorre, na espécie, uma cumulação de ações: usucapião contra o dono e delimitação contra os vizinhos. Assim, a falta de citação de algum confrontante afeta a ação de delimitação, mas não atinge a de usucapião, cuja sentença subsiste malgrado o defeito registrado na primeira. Dessa dicotomia decorre que o litisconsórcio é necessário entre os titulares do domínio atingido pela prescrição aquisitiva, mas não tem a mesma natureza no liame entre eles e os confinantes, o que dá a essa pluralidade subjetiva da ação especial o feitio de um litisconsórcio sui generis. (Curso de direito processual civil: procedimentos especiais. Vol. III. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 170-171)

E de Matias Lambauer:

Ora, nestes casos em que se estaria cumulando ações em sua essência concernentes a direitos inteiramente distintos e autônomos, nenhuma razão há, segundo pensamos, para se ter nula a sentença de procedência proferida em ação de usucapião contra um titular de um direito da natureza apontada, pela falta de citação de outro titular de direito idêntico.

Cremos que a preocupação de início aventada se atenua, acentuadamente, se, em vez de emprestarmos à necessidade de citação dos confinantes a interpretação que contra eles, também, se está vindicando a sua gleba, pretendermos menos, que é extremar os lindes da gleba usucapienda de seus vizinhos.

Salvo, então, que contra algum deles se tenha cumulado pedido de usucapião, com base em lapso de prescrição aquisitiva, ainda que transita em julgado a sentença de usucapião, para o confinante não citado tanto não significa ter de rescindir a sentença nem de mover a ação autônoma de nulidade, mas pode, perfeitamente, propor a ação para desfazer alguma confusio finum e que, por força da ação de usucapião, se tenha, porventura, instaurado.

Necessário é o litisconsórcio, com relação aos confrontantes, mas para extremar os lindes da gleba usucapienda, em vista dos confrontantes, sem, contudo, ensejar, sob este aspecto, pronunciamento de procedência ou improcedência quanto ao pedido de usucapião.

Em decorrência da necessidade litisconsorcial estabelecida, não há como imaginar possa resultar demarcada a gleba usucapienda com relação a um e não demarcada com relação a outro confinante. Se bem que, na omissão de um confinante, nada deve impedir ao autor, em ação posterior, promover a demarcação só em face do confinante omitido, ou vice-versa; sem que referida omissão deva constituir-se em nulidade da sentença de usucapião, porque simples referido litisconsórcio e uma sucessão de demandas não colocam em risco a eficácia da sentença, senão à vista da imperatividade da lei. Conseqüentemente, também, quando de uma demanda conjunta, a confusio finum, argüida por algum dos confinantes, pode ser acolhida enquanto a do outro é rejeitada. Tais pronunciamentos, contudo, suscetíveis de ocorrer em litisconsórcio paralelo ao próprio pedido de usucapião, não determinam a procedência ou improcedência da ação com vistas ao pedido de usucapião formulado. (Do litisconsórcio necessário. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 92-93)

É que a sentença que vier a declarar a propriedade do imóvel usucapiendo não trará prejuízo ao confinante (e ao seu cônjuge) não citado, não havendo efetivo reflexo sobre a área de seus terrenos, haja vista que a ausência de participação no feito acarretará, com relação a eles, a ineficácia da sentença no que concerne à demarcação da área usucapienda.

É, mais uma vez, o destaque dos processualistas:

A falta de citação daquele em cujo nome o imóvel está registrado faz com que a sentença seja absolutamente ineficaz, inutiliter data. A falta de citação de algum confinante, de outro lado, faz com que seja ineficaz a sentença apenas no que concerne à demarcação da área usucapienda. Pessoas que não fossem réus certos, e que não tenham intervindo no processo na qualidade de interessados (daqueles que são citados por edital como réus incertos) poderão, por não terem participado do processo, buscar, em processo posterior, o reconhecimento de algum direito que eventualmente invoquem.

(CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. vol. III, Rio de Janeiro: 2004, p. 435)

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Caso qualquer dos confrontantes deixe de ser citado pessoalmente, a sentença que ferir interesses seus, que seriam defendidos na ação de usucapião, é, a nosso ver, inexistente, por falta de um pressuposto processual de existência do processo, como também o seria caso não fosse publicado o edital previsto no art. 942, II, do CPC.

Porém, se, apesar da falta de citação de um dos confrontantes, a sentença a ele não disser respeito, ou seja, a área usucapienda em nada afete sua área de domínio, posse ou qualquer outro interesse, não será caso de inexistência ou nulidade ou ineficácia da sentença, pois este não tem, neste caso, no processo, interesse de réu, de parte, fato que só se pode constatar ao final da ação. Daí a necessidade, por precaução, da citação de todos. Trata-se, pois, de necessariedade secundum eventum litis.

(PINTO, Nelson Luiz. Ação de usucapião. São Paulo: RT, 1991, p. 82-83)

Em sentido bastante similar, é a jurisprudência desta Turma:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. CONFINANTES. CITAÇÃO. POSSE. COMPROVAÇÃO. REEXAME. SÚMULA N. 7-STJ. ARTIGO 249, § 2º, DO CPC. NÃO PROVIMENTO.

1. Embora colocando em dúvida a citação de todos os confinantes em ação de usucapião, o Tribunal a quo concluiu pela ausência de prova da posse pelo prazo necessário à procedência da usucapião.

2. Face à autonomia do fundamento quanto à ausência de prova da posse, cujo reexame nesta Corte Superior encontra o óbice insculpido no verbete n. 7, da Súmula, a declaração de nulidade para que os autos retornem à origem a fim de que se proceda à citação de eventuais confinantes não citados fere os princípios da economia e utilidade processuais.

3. Ademais, a nulidade do processo por vício de citação dos confinantes só a estes beneficiaria, no caso de procedência do pedido na ação de usucapião cuja abrangência interferisse em seus domínios ou posses. Incidem as disposições do artigo 249, § 2º, do CPC.

4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 742.875/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 04/02/2013)

Assim, apesar da relevância da participação dos confinantes (e respectivos cônjuges) na ação de usucapião, inclusive com ampla recomendação de o juízo determinar eventual emenda à inicial para a efetiva interveniência – com citação pessoal – destes no feito, não se pode olvidar, por outro lado, que sua ausência, por si só, apenas incorrerá em nulidade relativa, caso se constate o efetivo prejuízo.

Deveras, não se deve conferir tratamento igual a situações desiguais – titulares de domínio e confinantes -, e o pior, utilizando-se como discrímen o formalismo processual desmesurado e incompatível com a garantia constitucional da jurisdição adequada. Na dúvida, deve-se dar prevalência à interpretação que visa à definição do thema decidendum – usucapião -, até porque o processo deve servir de meio para a realização da justiça.

8. Na hipótese, apesar da devida citação dos titulares do domínio e dos confinantes, com a declaração da usucapião pelo magistrado de piso, entendeu o Tribunal a quo por bem anular o feito ab initio, em razão da falta de citação dos cônjuges e de um confrontante que teria sido citado por uma das testemunhas (fls. 225-226).

Ocorre que, como visto, com a falta de citação dos cônjuges dos confinantes, incorre-se apenas em nulidade relativa do feito, sendo que a sentença, em relação a estes, será ineficaz no que concerne à demarcação da área usucapienda.

Além disso, como bem destacou o voto vencido, “o memorial descritivo de fls. 11 – essencial à apresentação de confinantes em ação de usucapião – sequer apresenta o Sr. Reinaldo Borges como tal, fazendo-se desnecessária sua citação para a presente ação” (fl. 228).

9. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para, afastando a nulidade declarada de ofício, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, para que a 15ª Câmara Cível prossiga no julgamento do mérito do recurso de apelação.

É o voto.

VOTO-VOGAL COM RETIFICAÇÃO

O SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO:

Parece-me que é mais um caso em que temos uma situação excepcional de falta de citação dos cônjuges dos confinantes.

Os confinantes foram citados e nada aduziram contra a pretensão do autor da ação de usucapião. O que se está querendo é que a ausência da citação desses cônjuges acarrete a nulidade de todo o processo. Parece-me que seria uma diligência fácil de ser realizada pelo Tribunal de origem se tivesse determinado a ouvida dessas pessoas, que não foram intimadas, para dizer se tinham algum interesse na causa. Até aqui nenhuma manifestou interesse, não houve nem apresentação de contrarrazões ao recurso.

Então a situação é peculiar neste caso e a nulidade não se justifica. Porém isso não significa que possamos firmar a tese de que, em qualquer ação de usucapião em que os cônjuges dos confinantes não sejam citados, não se tenha uma grave nulidade a reparar. Normalmente, se não houve a citação de cônjuge de confinante na ação de usucapião, o processo deve retornar para a origem para que seja realizada a citação regular dos confinantes, para que digam se têm ou não interesse na causa. O processo pode até ser retomado, desde que não se tenha nada a opor à pretensão do autor da usucapião.

Assim, não se deve firmar a tese de que não é relevante a citação do cônjuge de confinante a ponto de nunca acarretar nulidade. Em condições normais, haverá nulidade e a dispensa da citação não é uma medida acertada a ser adotada por esta Corte orientadora da jurisprudência de todo País.

Neste caso, entretanto, a situação posta permite a superação da falha. Não é de se crer que, tendo sido todos os confinantes citados quando apenas os seus cônjuges não o foram, e nenhum tendo apresentado até hoje qualquer manifestação contrária à pretensão do autor da ação de usucapião, haverá algum prejuízo a ser reparado em favor dos confinantes. A solução apontada pelo relator está adequada para este caso. Mas as peculiaridades daqui não podem ser arrastadas para todos os outros casos em que ocorra essa falha processual – ausência de citação de cônjuge de confinante.

O SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO: Senhor Presidente, faço um adendo. Parece-me equivocado o entendimento do ilustre relator de que a sentença a ser proferida na usucapião não terá efeito em relação ao confinante não citado. A sentença de procedência na ação de usucapião é levada a registro no Cartório de Registro de Imóveis competente e produz direito de propriedade na extensão do imóvel apresentada pelo promovente da ação, portanto quanto a toda a área apresentada pelo promovente da ação. E sendo direito de propriedade, é oponível, erga omnes, a toda coletividade, inclusive aos confinantes.

Mesmo uma futura ação demarcatória contra quem tem o título registrado em cartório por força de coisa julgada na usucapião poderá não resolver o problema do confinante. Por isso, ou seja, para que isso não aconteça é que a Lei exige a citação dos confinantes. Julgada procedente a ação, gerará efeito contra todos, sem dúvida.

Como se disse há pouco: “quem não foi citado também sofre os efeitos da ação de usucapião julgada procedente” .

O título registrado no Registro de Imóvel passa a valer tanto quanto qualquer outra matrícula imobiliária.

Senhor Presidente, o que o Ministro Marco Buzzi está dizendo é que, após concluída a ação de usucapião sem que se tenha percebido qualquer falha, o confinante prejudicado pela falha cometida no andamento da ação, pode, aí sim, entrar com ação demarcatória onde se irá deduzir todo o raciocínio necessário.

Mas a situação aqui é diversa, pois a falha está sendo constatada no corpo da própria ação de usucapião.

Então, estou reformulando meu voto para, na verdade, pedir vênia ao eminente Ministro Relator, para negar provimento ao recurso especial em razão dos acréscimos que traz o Ministro Marco Buzzi em suas considerações. Se as falhas estivessem sendo discutidas em outro processo movido pelo confinante não citado prejudicado, eu estaria entendendo que poderíamos admitir a demarcatória. Mas aqui não. Aqui, na própria ação de usucapião, a falha foi identificada a tempo e o processo deve ser retificado.

Noutra hipótese, se poderia ter uma querela nullitatis. Querela nullitatis insabilis por falta de citação.

Mas aqui, constatada a falha, deve ser corrigida. E é tão grave o defeito que se está afirmando que a sentença não fará coisa julgada em relação as pessoas não citadas. É da tradição do nosso Direito que na ação real ambos os cônjuges sejam citados.

Retifico o voto para acompanhar a divergência, com a devida vênia.

VOTO

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI:

Senhor Presidente, acompanho o voto do Relator, considerando a ressalva nele feita de que a sentença que vier a declarar a propriedade do imóvel usucapiendo não trará prejuízo ao confinante e ao seu cônjuge não citado, não havendo efetivo reflexo sobre a área de seus terrenos, haja vista que a sua não participação no feito acarretará, com relação a eles, a ineficácia da sentença no que concerne à demarcação da área usucapienda.

Com essa ressalva já feita pelo eminente Relator, e, por esse motivo, acompanho seu douto voto.

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA:

A controvérsia central deste recurso diz respeito aos efeitos decorrentes da ausência de citação, em ação de usucapião de imóvel rural processada na forma prevista na Lei Federal n. 6.969/1981, dos cônjuges dos confinantes do bem usucapiendo, como prevê o art. 5º, § 2º, do diploma legal referido e, outrossim, exigia o art. 942 do CPC/1973.

O em. Relator, Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, em voto cujos fundamentos louvo por sua especial atenção com a celeridade processual e a instrumentalidade das formas, manifesta entendimento no sentido de que “apesar de amplamente recomendável, (…) a falta [da citação dos cônjuges dos confrontantes] não acarretará, por si, causa de irremediável nulidade da sentença que declara a usucapião, notadamente pela finalidade de seu chamamento e, pelo fato de que seu liame no processo é bem diverso daquele relacionado ao dos titulares do domínio, formando pluralidade subjetiva da ação especial, denominada, pela doutrina, de uma litisconsórcio ‘sui generis'”.

Com suporte em doutrina especializada, ponderou, em abono de suas conclusões, que o procedimento especial encerra cumulação de ações, sendo a usucapião voltada contra o formal proprietário do bem e o pedido de delimitação do imóvel dirigido contra os vizinhos. Em tal circunstância, “a falta de citação de algum confinante acabará afetando a pretensão delimitatória, sem contaminar, no entanto, a de usucapião, cuja sentença subsistirá malgrado o defeito atinente à primeira” . Daí que a ausência de citação de qualquer confinante – ou, como no caso presente, de seu cônjuge – acarretará a ineficácia da sentença apenas em relação àquele que não foi citado, no que se refere à demarcação da área usucapienda, inexistindo prejuízo pela inobservância desse requisito processual.

Concluiu, assim, que “apesar da relevância da participação dos confinantes (e respectivos cônjuges) na ação de usucapião, inclusive com ampla recomendação de o juízo determinar eventual emenda a inicial para efetiva interveniência – com citação pessoal – destes no feito, não se pode olvidar, por outro lado, que sua ausência, por si só, apenas incorrerá em nulidade relativa, caso se constate o efetivo prejuízo”.

Sob esses fundamentos, deu provimento ao recurso especial para, afastando a nulidade declarada ex officio, determinar o retorno dos autos ao TJMG para prosseguir no julgamento do mérito do recurso de apelação.

Dessa conclusão divergiu o em. Ministro RAUL ARAÚJO, para quem o vício da falta de citação dos confinantes, observado enquanto ainda processada a usucapião, é insuperável, afigurando-se impositivo sanar o processo, com o retorno dos autos à instância originária. Acompanhou-o o em. Ministro MARCO BUZZI.

A em. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI votou com o relator.

Pedi vista.

Rogando vênia à divergência, penso que a solução mais adequada para o caso concreto é aquela que nos oferece o voto do em. Ministro Relator. Isso, sobretudo, ponderando a inexistência de prejuízo para os cônjuges dos confrontantes, contra quem a decisão judicial da usucapião, no que se refere aos limites do imóvel cuja propriedade o autor objetiva declarar para si, não fará coisa julgada.

Deveras, é sabido que os efeitos da sentença atingirão a todos – confinantes, cônjuges e mesmo terceiros –, mas não a coisa julgada. Os confinantes não citados poderão discutir, em demanda ulterior, a demarcação do imóvel usucapido. Em tais circunstâncias, parece-me, na esteira dos fundamentos invocados pelo em. Ministro Relator, tratar-se efetivamente de nulidade relativa, haja vista dizer respeito tão só a uma questão subjacente (a adequada delimitação do bem imóvel).

Além disso, não se pode desprezar o fato de que no caso sob exame apenas um dos membros dos casais confrontantes é que não foi citado, como se colhe das informações registradas no acórdão recorrido. Logo, é mínima a probabilidade de o julgamento da demanda importar em risco à propriedade dos confinantes não citados, pois decerto que a presença de seus cônjuges afigura-se suficiente para defendê-los.

Portanto, à míngua de efetivo prejuízo para os confrontantes não citados, a decretação de nulidade dos atos processuais, neste caso concreto e, sobretudo, neste momento processual – a ação foi ajuizada há mais de doze anos –, não se afigura razoável e desprestigia os princípios da celeridade e instrumentalidade das formas.

Sem embargo, cabe mais uma vez reafirmar a importância da citação dos confinantes, em observância das normas que regem o procedimento, sendo certo que sua ausência traduz, de fato, nulidade processual, que, embora relativa, não deve ser intencionalmente superada quando o processo encontrar-se em fase incipiente, tampouco – e aí com mais razão – se o magistrado identificar evidente prejuízo àqueles que não foram citados, ou ainda a prática de ato contrário à boa-fé. Trata-se, efetivamente, de um juízo de ponderação que só pode ser realizado caso a caso, com o sopesamento dos efeitos danosos de cada alternativa.

Ante o exposto, renovadas as vênias, adiro ao voto do em. Ministro Relator para DAR PROVIMENTO ao recurso especial, afastando a nulidade declarada ex officio e determinando o retorno dos autos ao TJMG para prosseguir no julgamento do mérito do recurso de apelação, como entender de direito.

É como voto.

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. CUMULAÇÃO DE PRETENSÕES: USUCAPIÃO E DELIMITATÓRIA. CITAÇÃO DO CÔNJUGE DO CONFINANTE. NÃO OCORRÊNCIA. NULIDADE RELATIVA DO FEITO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. INEFICÁCIA DA SENTENÇA, COM RELAÇÃO AO CONFINANTE, NO QUE CONCERNE À DEMARCAÇÃO DA ÁREA USUCAPIENDA.

1. Estabelece o Código de Processo Civil de 1973, no tocante ao procedimento da usucapião, que o autor deve requerer “a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo, bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados” (art. 942).

2. Os confrontantes têm grande relevância no processo de usucapião porque, a depender da situação, terão que defender os limites de sua propriedade e, ao mesmo tempo, poderão fornecer subsídios fáticos ao magistrado.

3. Com relação ao proprietário e seu cônjuge, constantes no registro de imóveis, é indispensável, na ação de usucapião, a citação deles (e demais compossuídores e condôminos) como litisconsortes necessários, sob pena de a sentença ser absolutamente ineficaz, inutiliter data, tratando-se de nulidade insanável.

4. No tocante ao confrontante, apesar de amplamente recomendável, a falta de citação não acarretará, por si, causa de irremediável nulidade da sentença que declara a usucapião, notadamente pela finalidade de seu chamamento – delimitar a área usucapienda, evitando, assim, eventual invasão indevida dos terrenos vizinhos – e pelo fato de seu liame no processo ser bem diverso daquele relacionado ao dos titulares do domínio, formando pluralidade subjetiva da ação especial, denominada de litisconsórcio sui generis.

5. Em verdade, na espécie, tem-se uma cumulação de ações: a usucapião em face do proprietário e a delimitação contra os vizinhos, e, por conseguinte, a falta de citação de algum confinante acabará afetando a pretensão delimitatória, sem contaminar, no entanto, a de usucapião, cuja sentença subsistirá, malgrado o defeito atinente à primeira.

6. A sentença que declarar a propriedade do imóvel usucapiendo não trará prejuízo ao confinante (e ao seu cônjuge) não citado, não havendo efetivo reflexo sobre a área de seus terrenos, haja vista que a ausência de participação no feito acarretará, com relação a eles, a ineficácia da sentença no que concerne à demarcação da área usucapienda.

7. Apesar da relevância da participação dos confinantes (e respectivos cônjuges) na ação de usucapião, inclusive com ampla recomendação de o juízo determinar eventual emenda à inicial para a efetiva interveniência – com citação pessoal – destes no feito, não se pode olvidar que a sua ausência, por si só, apenas incorrerá em nulidade relativa, caso se constate o efetivo prejuízo.

8. Na hipótese, apesar da citação dos titulares do domínio e dos confinantes, com a declaração da usucapião pelo magistrado de piso, entendeu o Tribunal a quo por anular, indevidamdente, o feito ab initio, em razão da falta de citação do cônjuge de um dos confrontantes.

9. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Ministro Antonio Carlos Ferreira dando provimento ao recurso especial, acompanhando o relator,, por maioria, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Srs. MinistrOs Raul Araújo e Marco Buzzi. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira (Presidente) (voto-vista) votaram com o Sr. Ministro Relator. .

O Sr. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região) não participou do julgamento.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.

Brasília (DF), 24 de outubro de 2017(Data do Julgamento)

MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO

Relator

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