Maria Eduarda Trevisan Kroeff
De acordo com dados recentes fornecidos pelo Serasa Experian, no primeiro trimestre de 2025 houve um aumento de aproximadamente 45% nos pedidos de recuperação judicial por empresas e produtores rurais em relação ao primeiro trimestre de 2024. A elevação expressiva é reflexo de fatores como o aumento do custo dos insumos, condições climáticas adversas, endividamento crescente e taxas de juros elevadas.
Nesse contexto, surgem dúvidas relevantes quanto aos efeitos jurídicos da recuperação judicial no âmbito das relações contratuais típicas do setor, como os contratos de arrendamento rural. A jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) contribui para elucidar essas questões, especialmente no que tange à possibilidade de despejo durante a recuperação judicial.
Em decisão proferida no AgInt no REsp 1.835.668/SP, a Quarta Turma do STJ reafirmou que a ordem de despejo não se submete ao juízo universal da recuperação judicial quando o imóvel arrendado não integra o patrimônio da recuperanda.
Segundo o entendimento consolidado no julgamento, contrato de arrendamento rural pode ser equiparado a um contrato de locação, o que permite o ajuizamento de ação de despejo mesmo após o deferimento da recuperação judicial pleiteada pelo arrendatário.
Portanto, o direito de propriedade do arrendante prevalece sobre os efeitos da recuperação judicial do arrendatário, conforme previsão do artigo 49, § 3º, da Lei nº 11.101/05, cabendo a este demonstrar, de forma fundamentada e documental, que o uso do bem é indispensável à atividade-fim do produtor ou empresa, não sendo automática compreensão de essencialidade do bem. Até mesmo por estar subsumida à norma inserta no artigo 6º, §1º, da Lei nº 11.101/05, in verbis: “Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida”.
Assim, tem-se que após o prazo de suspensão previsto no art. 6º, § 4º, da Lei 11.101/2005, é possível o prosseguimento da ação de despejo fora do juízo da recuperação judicial, desde que não haja medida constritiva sobre ativos financeiros da recuperanda.
A tese firmada pela Corte foi clara:
“A ordem de despejo não se submete à competência do juízo universal da recuperação judicial quando o imóvel não integrar o patrimônio da recuperanda. O credor proprietário de bem imóvel não se submete aos efeitos da recuperação judicial, prevalecendo os direitos de propriedade sobre a coisa.”
Neste caso, entendeu-se que o arrendador resta atrelado ao concurso de credores unicamente em relação aos créditos líquidos e vencidos antes do deferimento da recuperação judicial, mas que continua a ter o direito de despejar o arrendatário nos termos do contrato firmado entre eles [algo assim].
Esse posicionamento do STJ tem implicações práticas relevantes para empresas rurais em recuperação e para os proprietários de imóveis arrendados:
Do lado do arrendatário em recuperação, a decisão reforça a necessidade de planejamento jurídico e contratual cuidadoso. Com a inclusão de cláusula contratual que declare expressamente que o imóvel arrendado é essencial à continuidade da atividade empresarial do arrendatário, a previsão contratual de ou prazo razoável para desocupação, e o registro do contrato de arrendamento rural no Cartório de Registro de Imóveis competente.
Para o arrendador, a jurisprudência[1] garante a possibilidade de retomada do bem em caso de inadimplemento, independentemente da recuperação judicial do devedor, desde que observados os limites legais.
Com o aumento significativo dos pedidos de recuperação judicial no agronegócio, a interpretação da legislação pelos tribunais superiores se torna cada vez mais relevante, especialmente no equilíbrio entre a função social da empresa e o direito de propriedade dos credores.
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Nota:
[1] AgInt no CC 165.754/SP; CC 148.803/RJ; AgRg no CC 145.517/RS; AgRg no CC 133.612/AL.
