sábado , 23 novembro 2024
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Inflação Assola o Produtor de Orgânico

por Décio Michellis Jr.

 

 

“Sempre achei que um dos mais graves problemas dos subdesenvolvidos é a sua incompetência na descoberta dos verdadeiros inimigos. Assim, por exemplo os responsáveis pela nossa pobreza não são o liberalismo, nem o capitalismo, em que somos noviços destreinados, e sim a inflação, a falta de educação básica e um assistencialismo governamental incompetente, que faz com que os assistentes passem melhor que os assistidos. Os inimigos do desenvolvimento não são os entreguistas, que, aliás, só poderiam entregar miséria e subdesenvolvimento, e sim os monopolistas, que cultivam ineficiências e criaram uma nova classe de privilegiados – os burgueses do Estado. Os promotores da inflação não são a ganância dos empresários ou a predação das multinacionais, e sim esse velho safado, que conosco convive desde o albor da República – o déficit do setor público.

A doença brasileira não é do setor privado, é do setor público. E essa doença se revela através do déficit fiscal”

(Roberto Campos)

 

O Dilema da Produção de Orgânicos no Brasil

A Deutsche Welle (DW) publicou um artigo muito interessante de autoria de Kathrin Wesolowski com o título “O dilema da produção de orgânicos no Brasil”, disponível clique aqui. Leitura recomendada.

Apresenta o dilema dos pequenos produtores rurais de orgânicos no interior da Bahia que apesar de venderem com certificado de comércio justo (Fairtrade), não recebem o suficiente para cobrir despesas e se sustentar.

“Com a guerra na Ucrânia e a inflação, a taxa de câmbio do dólar caiu significativamente. As despesas com as quais os agricultores devem arcar antes da produção efetiva aumentaram em até 80%” (Aldo Souza)

Inflação

A inflação é um aumento geral nos preços de bens e serviços em uma economia. Quando os preços aumentam, cada unidade de moeda compra menos bens e serviços, ou seja, a inflação corresponde a uma redução do poder de compra do dinheiro.

Possíveis Causas da Inflação

  • Os monetaristas acreditam que o fator mais significativo que influencia a inflação ou a deflação é a rapidez com que a oferta monetária cresce ou diminui (mudanças na quantidade de moeda). Eles consideram a política fiscal, ou gastos governamentais e impostos, como ineficazes no controle da inflação;
  • Desequilíbrio entre oferta e demanda: se a procura por um produto cresce e a oferta continua a mesma, o preço sobe, como exemplo, as frutas e verduras impactadas pela sazonalidade;
  • Aumento rápido dos custos de produção: alta no custo com insumos ou matéria-prima, salários, impostos ou aumento de dívidas. Quando os custos são repassados para os consumidores finais, os preços sobem e a inflação também. Uma alta de combustíveis, faz todo o transporte custar mais caro. As empresas irão cobrar mais para repor o valor perdido com a alta do combustível;
  • Baixa concorrência: na formação de cartéis, empresas combinam um preço para seus produtos ou serviços; e
  • Inércia: quando há uma expectativa de que a inflação continue por mais tempo, implica uma adaptação ao cenário atual e futuro, aumentando os preços dos seus produtos ou serviços.

Quem Ganha

  • Setores e empresas que conseguem repassar a alta de preços. Varejistas de alimentos por exemplo. Embora estejam sujeitas à renda familiar disponível, a alimentação é uma das categorias necessária para a sobrevivência humana e, portanto, a última a ser reduzida;
  • Commodities, como soja e petróleo, cotadas em dólar, mas com parte de seus sustos de produção em moeda local (Real) que não acompanha a inflação na mesma velocidade;
  • Setores, empresas e investidores que podem se beneficiar de um consequente ciclo de alta de juros, como os Bancos, fundos de investimento etc. O Banco Central pode aumentar os juros como medida para conter a inflação e isto incentiva os bancos à uma exposição positiva aos juros e às performances financeiras mais rentáveis;
  • Setores e empresas que têm expansão de margem com a subida de preços, por terem contratos indexados à inflação. O setor imobiliário é impactado positivamente pelo aumento da inflação: os aluguéis (indexados) levam os investidores a vê-los como um hedge (proteção) potencial durante os períodos de alta inflação;
  • Aumento aparente do PIB, porém ao descontar a inflação ou convertê-lo em moeda forte (dólar) ou reavaliar o PIB por Paridade do Poder de Compra (PPC), o resultado pode ser o inverso…;
  • Aumento de arrecadação: a relação “dívida/PIB” fica menor (um efeito ilusório e temporário). Mas a dívida pública (que é o que importa) mantém a trajetória preocupante de sempre;
  • Esta lista não é exaustiva, apenas exemplificativa.

Quem Perde

O dinheiro perde valor com o aumento da inflação. O aumento da renda não acompanha as variações então as pessoas perdem o chamado poder de compra. O aumento dos preços aumenta as incertezas econômicas disparando efeitos negativos:

  • A atividade econômica desacelera, podendo trazer estagnação ou redução de renda (poder de compra) para os mais pobres;
  • Dificulta a entrada de novos investimentos;
  • Prejudica o comércio;
  • Dificulta o planejamento financeiro de longo prazo;
  • Atrapalha o crescimento do país;
  • As empresas são forçadas a desviar recursos de produtos e serviços para se concentrar nos lucros e perdas da inflação monetária;
  • A incerteza sobre o futuro poder de compra do dinheiro desencoraja o investimento e a poupança;
  • As políticas de distribuição de renda já somam 1,5 % do PIB brasileiro. E quanto mais cresce mais agrava a dívida pública brasileira: estamos fazendo distribuição de renda antes de enriquecermos como nação (vítimas da renda média per capita), além de fatores externos fora do nosso controle, é claro; e
  • Existe um discurso equivocado de que inflação não seria tão ruim. Mas a inflação não é solução para nada! Ela é um mau que deve ser combatido permanentemente.

Agricultura Orgânica

O sistema agroecológico determina uma produtividade que mantenha e conserve o solo explorado, as interações ecológicas naturais, mesclando o crescimento econômico com a qualidade de vida, proporcionando menor uso de agroquímicos.

“Considera-se sistema orgânico de produção agropecuária todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente.” (Art. 1º da Lei Nº 10.831 de 23 de Dezembro de 2003 “Dispõe sobre a agricultura orgânica e dá outras providências.”)

O conceito de alimentos orgânicos se estende também à pecuária (em que o gado deve ser criado sem remédios alopáticos ou hormônios), bem como ao processamento de todos os seus produtos: alimentos orgânicos industrializados também devem ser produzidos sem produtos químicos artificiais, como os corantes e aromatizantes artificiais.

Mercado

Brasil

  • 2020: R$ 5,8 bilhões.
  • 2021: R$ 6,5 bilhões.
  • 2023: R$ 7 bi (estimado).
  • 2026: R$ 9 bilhões (estimado).

Global

2022: U$ 199,2 bilhões (estimado).

2030: U$ 497,3 bilhões (estimado).

Vantagens

Os defensores da agricultura orgânica reivindicam vantagens em sustentabilidade:

  • Produtos isentos de contaminantes em função da não utilização de práticas e insumos que possam pôr em risco o meio ambiente e a saúde do produtor, do trabalhador ou do consumidor;
  • Preservação da diversidade biológica dos ecossistemas naturais e a recomposição ou incremento da diversidade biológica dos ecossistemas modificados onde estejam inseridos os sistemas de produção, com especial atenção às espécies ameaçadas de extinção;
  • O emprego de produtos e processos que mantenham ou incrementem a fertilidade do solo e promovam o desenvolvimento e equilíbrio da atividade biológica do solo;
  • Uso saudável do solo, da água e do ar, de forma a reduzir ao mínimo todas as formas de contaminação e desperdícios desses elementos;
  • Relações de trabalho baseadas no tratamento com justiça, dignidade e equidade, independentemente das formas de contrato de trabalho;
  • A reuso e reciclagem de resíduos de origem orgânica, reduzindo ao mínimo possível o emprego de recursos naturais não renováveis;
  • A utilização de práticas de manejo produtivo que preservem as condições de bem-estar dos animais;
  • Uso de práticas que atraem ou introduzem insetos benéficos, fornecem habitat para pássaros e mamíferos e fornecem condições que aumentam a diversidade biótica do solo servem para fornecer serviços ecológicos;
  • A compra de produtos orgânicos oferece melhores condições para os trabalhadores rurais com organizações familiares de pequena escala do que a compra de produtores convencionais;
  • Intensiva em mão-de-obra devido à sua dependência de práticas manuais para fertilização e remoção de pragas;
  • Controle biológico de pragas;
  • Cultivo misto;
  • Fomento de insetos predadores;
  • Permite o uso de substâncias naturais e proíbem ou limitam estritamente as substâncias sintéticas;
  • O manejo orgânico de ervas daninhas aumentando a competição entre as culturas e os efeitos fitotóxicos sobre as ervas daninhas. Integram táticas culturais, biológicas, mecânicas, físicas e químicas para manejar ervas daninhas sem herbicidas sintéticos; e
  • Rotação de culturas anuais: uma única cultura não pode ser cultivada no mesmo local sem uma cultura intermediária diferente. Incluem culturas de cobertura supressoras de ervas daninhas e culturas com ciclos de vida diferentes para desencorajar as ervas daninhas associadas a uma determinada cultura.

Desvantagens

  • A agricultura orgânica tem rendimentos mais baixos em comparação com a agricultura convencional (50 a 200% mais área de campo do que a agricultura não orgânica). São necessárias terras agrícolas adicionais em outras partes do mundo, o que significa que as terras naturais devem ser convertidas em terras agrícolas. Isso pode causar perda de biodiversidade e efeitos climáticos negativos que superam os ganhos ambientais locais alcançados;
  • Produção reduzida, em relação à convencional (o rendimento da agricultura orgânica é significativamente inferior ao da agricultura convencional, variando entre 40% e 85% desta última);
  • Inseticidas de origem natural permitidos para uso em fazendas orgânicas incluem Bacillus thuringiensis (uma toxina bacteriana), piretro (um extrato de crisântemo), espinosade (um metabólito bacteriano), neem (um extrato de árvore) e rotenona (um extrato de raiz de leguminosa).   Esses pesticidas nem sempre são mais seguros ou ecologicamente corretos do que os pesticidas sintéticos e podem causar danos. O principal critério para pesticidas orgânicos é que eles são derivados naturalmente, e algumas substâncias derivadas naturalmente têm sido controversas. Pesticidas naturais controversos incluem rotenona, cobre, sulfato de nicotina e piretros. A rotenona e o piretro são particularmente controversos porque agem atacando o sistema nervoso, como a maioria dos inseticidas convencionais. A rotenona é extremamente tóxica para peixes e pode induzir sintomas semelhantes ao mal de Parkinson em mamíferos. Embora o piretro (piretrinas naturais) seja mais eficaz contra insetos quando usado com butóxido de piperonila (que retarda a degradação das piretrinas), os padrões orgânicos geralmente não permitem o uso desta última substância;
  • Pesticidas sintéticos permitidos para uso em fazendas orgânicas incluem sabonetes inseticidas e óleos hortícolas para controle de insetos; e calda bordalesa, hidróxido de cobre e bicarbonato de sódio para o manejo de fungos. Sulfato de cobre e mistura bordalesa (sulfato de cobre mais cal), podem ser mais ambientalmente problemáticos do que alguns fungicidas sintéticos proibidos na agricultura orgânica. Preocupações semelhantes se aplicam ao hidróxido de cobre. A aplicação repetida de sulfato de cobre ou hidróxido de cobre como fungicida pode eventualmente resultar em acúmulo de cobre em níveis tóxicos no solo, e advertências para evitar acúmulos excessivos de cobre no solo aparecem em vários padrões orgânicos e em outros lugares. As preocupações ambientais com diversos tipos de biota surgem em taxas médias de uso de tais substâncias para algumas culturas;
  • Necessidade de equacionamento do monitoramento e descontaminação dos solos contaminados por práticas (anteriores) convencionais: Eventual contaminação dos solos e dos recursos hídricos. Alimentos em contato com esses produtos químicos podem apresentar algum grau de contaminação. O consumo de tais alimentos pode gerar acúmulo de defensivos agrícolas no organismo, podendo ocorrer em função da gravidade da contaminação intoxicações agudas ou crônicas, alergias, náuseas e vômitos a neoplasias, lesões hepáticas e cânceres;
  • A produção orgânica geralmente resulta em cargas crescentes de lixiviação de nitrogênio, emissões de óxido nitroso, emissões de amônia, potencial de eutrofização e potencial de acidificação foram maiores para produtos orgânicos do que convencionais;
  • Do ponto de vista nutricional não há ganhos significativos de nutrientes. Depende mais do tipo de cultivar do que dos métodos de cultivo;
  • Não há evidências científicas suficientes para fazer reivindicações que o alimento orgânico é mais seguro ou saudável do que o alimento convencional;
  • As alegações de que alimentos orgânicos têm um sabor melhor não são apoiadas por evidências; e
  • Existência de produtos orgânicos irregulares e fraudes: produtos frescos sem certificação e procedência desconhecida de produtos.

Preços Mais Elevados

Mais dispendiosa e demorada. Produtos com maior valor repassado/mais caros que os convencionais. Para explicar de forma resumida, apresentamos os principais fatores que geram essa diferença nos preços:

  • Produtividade menor, não são utilizados adubos químicos que estimulam uma maior produção. Quanto menor a quantidade produzida, maior o custo por unidade.
  • Maior utilização de mão de obra: não se usam herbicidas, o que exige maior utilização de mão de obra para controlar o mato e manter o solo saudável.
  • Não orgânicos abaixo do custo: A comercialização em larga escala dos produtos convencionais leva a uma forte redução de preços. Isso faz com que o valor pago aos produtores fique abaixo do custo de produção. A consequência disso é a diminuição drástica no número de pequenos produtores de orgânicos.
  • Mercado consumidor restrito: A demanda por orgânicos, ainda é pequena. Há lentidão do crescimento da demanda.
  • Impostos e tributos: ausência de incentivos e subsídios tributários. Impostos e tributos comparativamente mais altos para dispor de produção e comercialização legalizadas.

Certificação

A Certificação de Produtos Orgânicos é o procedimento em que uma certificadora credenciada pelo MAPA e acreditada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO), assegura por escrito que determinado produto, processo ou serviço obedece aos requisitos da produção orgânica, através da emissão de um certificado.

A certificação geralmente é apresentada com um selo no rótulo ou embalagem do produto, assegurando assim que os produtos rotulados foram produzidos de acordo com as normas e práticas da agricultura orgânica.

A certificação é obtida através de uma certificadora credenciada no MAPA, que fará visitas periódicas ao produtor e sua produção.

Legislação Nacional Aplicável

  • Lei Nº 10.831 de 23 de Dezembro de 2003 “Dispõe sobre a agricultura orgânica e dá outras providências.”
  • Decreto Nº 06.323 de 27 de Dezembro de 2007
  • Decreto Nº 06.913 de 23 de Julho de 2009
  • Decreto Nº 07.048 de 23 de Dezembro de 2009
  • Decreto Nº 07.794 de 20 de Agosto de 2012
  • Instrução Normativa Conjunta MAPA-MMA Nº 17 de 28 de Maio de 2009 (extrativismo sustentável orgânico)
  • Instrução Normativa Conjunta SDA-SDC Nº 02 de 02 de Junho de 2011
  • Instrução Normativa Conjunta SDA-SDC-ANVISA-IBAMA Nº 01 de 24 de Maio de 2011
  • Instrução Normativa Interministerial Nº 28 de 08 de Junho de 2011 (Produção de Organismos Aquáticos)
  • Instrução Normativa Nº 13, de 28 de maio de 2015 (CPOrg e STPOrg)
  • Instrução Normativa Nº 17 de 18 de Junho de 2014
  • Instrução Normativa Nº 18 de 28 de Maio de 2009 (alterada pela IN Nº 24-11 – processamento)
  • Instrução Normativa Nº 19 de 28 de Maio de 2009 (mecanismos de controle e formas de organização)
  • Instrução Normativa Nº 21 de 11 de Maio de 2011
  • Instrução Normativa Nº 23 de 01 de Junho de 2011
  • Instrução Normativa Nº 24 de 01 de Junho de 2011 (Processamento)
  • Instrução Normativa Nº 37 de 02 de Agosto de 2011 (Cogumelos comestíveis)
  • Instrução Normativa Nº 38 de 02 de Agosto de 2011 (Sementes e Mudas Orgânicas)
  • Instrução Normativa Nº 46 de 06 de Outubro de 2011 (Produção vegetal e animal) – Regulada pela IN 17-2014)
  • Instrução Normativa Nº 18 de 20 de Junho de 2014 (Selo Federal do SisOrg)
  • Portaria Interministerial Nº 177 de 30 de Junho de 2006
  • Portaria Nº 331 de 09 de Novembro de 2012

O Sri Lanka e Suas Prioridades Utópicas

Na campanha eleitoral presidencial de 2019, o presidente Gotabaya Rajapaksa propôs uma transição nacional de 10 anos para a agricultura orgânica para declarar o Sri Lanka como a primeira nação a ser conhecida por seus produtos orgânicos.

Em 27 de abril de 2021, o país emitiu uma ordem proibindo a importação de quaisquer pesticidas ou fertilizantes inorgânicos, criando caos entre os agricultores. A decisão precipitada foi recebida com críticas da indústria agrícola, prejudicando os rendimentos das principais culturas. O país não teve capacidade de produzir fertilizante orgânico suficiente internamente e a agricultura orgânica era mais cara e complexa do que a agricultura convencional. 7,4% do PIB do Sri Lanka depende da agricultura e 30% dos cidadãos trabalham neste setor. Mais de 90 por cento dos agricultores do Sri Lanka usavam fertilizantes químicos antes de serem proibidos. Depois que eles foram banidos, 85% sofreram perdas nas colheitas.

A produção de arroz caiu 20% nos primeiros seis meses da proibição e os preços aumentaram cerca de 50%. O país teve que importar US$ 450 milhões em arroz para atender à demanda doméstica. A proibição criou uma dependência crítica de suprimentos de fertilizantes orgânicos importados, mas os preços dos alimentos já haviam dobrado em alguns casos. Em setembro de 2021, o governo declarou estado de emergência econômica, citando o impacto da proibição nos preços dos alimentos, bem como a inflação da desvalorização da moeda do Sri Lanka devido à queda da indústria do chá e à falta de turismo induzida pelas restrições do COVID-19.

Em novembro de 2021, o país suspendeu parcialmente a proibição da agricultura inorgânica para certas culturas importantes, como borracha e chá, e começou a oferecer compensações e subsídios a agricultores e produtores de arroz na tentativa de cobrir as perdas.

As consequências foram catastróficas. Tornar-se orgânico desencadeou a devastação da economia do Sri Lanka, mergulhando grande parte de sua população de 22 milhões de pessoas em uma situação desesperadora. O caos tomou conta do país – incluindo pobreza crescente, longas filas para o essencial, batalhas de rua letais e ataques às casas de líderes do governo.

“A nação do Sri Lanka teve uma classificação ESG quase perfeita de 98,1 em uma escala de 100” (David Blackmon, Forbes), e “o governo que forçou a nação a atingir essa meta de sinalização de virtude nos últimos anos como resultado entrou em colapso”. O Sri Lanka, em outras palavras, oferece uma prévia sombria do que pode resultar da distorção dos mercados em nome de prioridades utópicas.

A pressa da proibição e pela dificuldade de obter alternativas orgânicas suficientes foram desastrosas. A ideia de que a agricultura orgânica pode produzir comida suficiente para o mundo é uma fantasia inalcançável baseada na falácia naturalista – a noção infundada de que qualquer coisa moderna, como a agricultura incorporando componentes não naturais produzidos pela engenhosidade do homem, deve ser inferior ao precursor totalmente natural. “Não há literalmente nenhum exemplo de uma grande nação produtora de agricultura fazendo uma transição bem-sucedida para uma produção totalmente orgânica ou agroecológica” (Ted Nordhaus e Saloni Shah)

Segurança Alimentar

“Estado existente quando todas as pessoas, em todos os momentos, têm acesso físico e econômico a uma alimentação que seja suficiente, segura, nutritiva e que atenda às necessidades nutricionais e preferências alimentares, de modo a propiciar vida ativa e saudável.” (FAO – Organização das nações Unidas para Agricultura e Alimentação)

A produção agrícola é uma das atividades econômicas de maior risco. Existem diversos fatores que podem influenciar no preço de um produto, dependendo de cada região, que são difíceis de controlar.

Riscos Financeiros: baixa repentina nos preços, problemas de fluxo de caixa, crédito rural, aumento na taxa de juros, alterações de requisitos e garantias para acessar financiamentos, redução da oferta de crédito aos agricultores e outros fatores do custo de produção. Quando o custo aumenta pelo incremento dos preços dos insumos e serviços para produzir algo, a margem de lucro do agricultor reduz.

Riscos Laborais e Humanos: (in)disponibilidade de mão de obra, lesões nos olhos, queimaduras, cortes nas mãos, intoxicações por agroquímicos, doenças ocupacionais relacionadas ao trabalho, acidentes, contaminações e até mortes relacionadas ao processo produtivo aos quais estão expostos os agricultores e seus funcionários.

Riscos Climáticos: seca inesperada, inundações, uma geada forte, ondas de calor, uma quebra de safra e incêndios.

Riscos Institucionais: mudanças inesperadas nos governos e em suas políticas, alterações na legislação, acordos comerciais públicos, relações exteriores e outras ações relacionadas a diferentes instituições, que podem afetar o desempenho do setor agrícola.

Riscos Biológicos: pragas, doenças e os vetores contaminantes de alimentos – são os microrganismos (protozoários, fungos, bactérias e vírus), principais causas de contaminação de alimentos e causadores de toxi-infecções alimentares.

Riscos Físicos: corpos estranhos como pedaços de metal, pedaços de borracha, pedaços de plástico, areia, parafusos, pedaços de madeira, cacos de vidro ou pedras pode ocorrer uma contaminação física no produto.

Riscos Químicos: compostos químicos tóxicos, irritantes ou que não. Podem ser: agroquímicos, rodenticidas, hormônios (sintéticos), antibióticos, detergentes, metais pesados, óleos lubrificantes, inseticidas, herbicidas, dentre outros agentes para controles de pragas na agricultura. Desde o momento da produção até o consumo, os alimentos estão sujeitos à contaminação química. A contaminação pode ser ocasionada também pela contaminação do solo com metais pesados ou por dioxinas e alguns poluentes orgânicos persistentes, que são capazes de serem levados pelo ar.

ESG e Agricultura Orgânica

“A governança ambiental, social e corporativa (ESG – do inglês Environmental, Social, and Corporate Governance) é uma estrutura projetada para ser incorporada à estratégia de uma organização que considera as necessidades e formas de gerar valor para todas as partes interessadas da organização (como funcionários, clientes e fornecedores e financiadores)” (Wikipedia). Em tese permitiria avaliar os riscos e oportunidades materiais (avaliação de valor) relacionados à sustentabilidade (em relação a todas as partes interessadas) relevantes para uma empresa ou organização com maiores retornos ajustados ao risco de longo prazo. Inclui entre outras, as seguintes dimensões:

  • Ambiental: foco nas mudanças climáticas, emissões de gases de efeito estufa – GEE, redução da biodiversidade, desmatamento, poluição, eficiência energética e gestão da água.
  • Social: condições de trabalho, segurança e saúde dos colaboradores, diversidade, equidade e inclusão, resultados no aumento da satisfação do cliente e comprometimento dos funcionários.
  • Governança: combate à corrupção, diversidade, privacidade, remuneração executiva, segurança cibernética e governança corporativa.

Os profissionais de sustentabilidade e ESG acreditam no trabalho que realizam e procuram fazer deste mundo um lugar melhor para se viver. As estruturas ESG/Sustentabilidade podem ajudar as empresas a evitar vários riscos reputacionais, políticos e até financeiros, impulsionando valores de longo prazo para o acionista. “Qualquer um que deseja que o mundo seja um lugar melhor, deve conseguir pensar como um economista” (Diane Coyle).

Um número crescente de empresas (inclusive no Brasil) está se libertando dos benefícios irrelevantes e inoportunos das práticas do:

  • Bluewashing: marketing enganoso exagerando o compromisso de uma empresa com práticas sociais responsáveis, tem um foco maior em fatores econômicos e sociais (escondendo o dano social que suas políticas causaram). A desinformação ativa é utilizada para tornar produtos ou serviços mais atraentes para os consumidores e para os acionistas.
  • Greenwashing (uma demão de verde): uma forma de publicidade ou marketing em que o verde é usado ​​enganosamente para persuadir os consumidores de que a empresa produtos, objetivos e políticas são ecologicamente corretos.
  • Climatewashing: exagero ou deturpação das credenciais climáticas por meio de publicidade, marca, rotulagem ou relatórios que não correspondem à realidade. O marketing corporativo e as campanhas governamentais que prometem “emissões líquidas zero até 2050” não são apoiadas por um plano confiável. Igualmente para produtos que são promovidos como “neutros em carbono” ou “amigos do clima” quando não o são. Também inclui bancos e investidores que afirmam financiar um “futuro mais limpo” quando isso não é necessariamente verdade. Fraudadores de créditos de carbono ou de fontes duvidosas idem. Enfim todos aqueles infratores que capitalizam a ansiedade climática. Estão oferecendo aos sinalizadores de virtude uma oportunidade de economizar dinheiro. Sinalização de virtude com preço reduzido, of course.
  • Socialwashing: a tradicional filantropia empresarial travestida de responsabilidade social podendo incluir incentivos fiscais, mecenato, doações e ou participação em programas sociais.

O produtor de orgânico é o elo mais frágil na cadeia produtiva: geralmente faz uso de mão de obra familiar/poucos funcionários e com mecanização baixa ou inexistente.

Cooperativas, distribuidores, atacadistas e comercializadores tem um papel fundamental na valorização e na inserção no comercio justo e aplicação dos princípios ESG.

Cadeia Produtiva

Cadeia produtiva é um conjunto de etapas consecutivas, ao longo das quais os diversos insumos sofrem algum tipo de transformação, até a constituição de um produto final (bem ou serviço). Trata-se, portanto, de uma sucessão de operações de produção, transporte, comercialização e armazenem de produtos orgânicos integradas.

O Agronegócio é uma das cadeias produtivas mais relevantes para a economia brasileira. As operações e componentes mais visíveis são:

  • Insumos Agrícolas e
  • Máquinas e equipamentos.

Mas incluem também:

  • Administração pública, defesa e seguridade social;
  • Alojamento e alimentação;
  • Artes, cultura, esporte e recreação;
  • Atividades administrativas e serviços complementares;
  • Atividades científicas, profissionais e técnicas;
  • Atividades financeiras, de seguros e serviços relacionados;
  • Atividades imobiliárias;
  • Comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas;
  • Construção;
  • Educação;
  • Indústrias de manufatura;
  • Informação e comunicação;
  • Outras atividades de serviços;
  • Outros Produtos Agrícolas;
  • Saúde humana e serviços sociais; e
  • Transporte, armazenagem e correio.

Comércio Justo

Comércio justo (fair trade) é um movimento social e uma modalidade de comércio internacional que busca o estabelecimento de preços justos, bem como de padrões sociais e ambientais equilibrados nas cadeias produtivas, promovendo o encontro de produtores responsáveis com consumidores éticos. É um dos pilares da sustentabilidade econômica e ecológica ou econológica.

Este comércio onde o produtor recebe remuneração justa por seu trabalho dá especial atenção às exportações de países em desenvolvimento (Brasil incluso) para países desenvolvidos, como produtos agrícolas. São consumidores preocupados com a sustentabilidade e que optam por comprar produtos vendidos através do comércio justo. Para pequenos produtores permite viverem com dignidade (criando os meios e oportunidades para melhorar as condições de vida e de trabalho) ao optarem pela agroecologia, como a agricultura orgânica.

“Todas as organizações envolvidas no circuito do Comércio Justo devem obedecer aos seguintes princípios (Wikipédia):

  • Produtos de comércio justo e solidário: artesanato africano (instrumentos musicais, cerâmica e chás).
  • A preocupação e o respeito pelas pessoas e pelo ambiente, colocando as pessoas acima do comerciante;
  • A criação de meios e oportunidades para os produtores melhorarem as suas condições de vida e de trabalho, incluindo o pagamento de um preço justo (um preço que cubra os custos de um rendimento aceitável, da proteção ambiental e da segurança econômica);
  • Abertura e transparência quanto à estrutura das organizações e todos os aspectos da sua atividade, e informação mútua, entre todos os intervenientes na cadeia comercial, sobre os seus produtos e métodos de comercialização;
  • Envolvimento dos produtores, voluntários e empregados nas tomadas de decisão que os afetam;
  • A proteção dos direitos humanos, nomeadamente os das mulheres, das crianças e dos povos indígenas;
  • A consciencialização para a situação das mulheres e dos homens, enquanto produtores e comerciantes, e a promoção da igualdade de oportunidades;
  • A promoção da sustentabilidade através do estabelecimento de relações comerciais estáveis de longo prazo;
  • A educação e a participação em campanhas de sensibilização;
  • A produção tão completa quanto possível dos produtos comercializados no país de origem.”

Porém, grandes varejistas optaram por buscar sempre preços mais baixos, abrindo espaço para rótulos que não são orgânicos, mas que passam uma mensagem semelhante.

E o desafio está cada vez maior considerando que a oferta atual de produtos orgânicos superou a demanda.

Sustentabilidade da Produção Orgânica

Com tripé da sustentabilidade (social, ambiental e econômico) em desequilíbrio, o aspecto social está se transformando apenas num discurso enquanto as famílias produtoras de orgânico empobrecem.

A produção orgânica sem geração de renda líquida positiva – a conta não fecha se o produtor não cobrir seus custos de produção – não é sustentável. A defesa da sustentabilidade exige ações reais na defesa da recomposição da atratividade da atividade e de melhor qualidade de vida.

Fatores Críticos de Sucesso

  • Biofertilizantes e defensivos naturais: produtores orgânicos enfrentam a falta desses insumos para afastar insetos ou doenças, além de sementes, por falta de pesquisa e também pela própria dinâmica de investimentos na agricultura convencional.
  • Insumos para a transição entre a produção convencional e a orgânica: quando uma unidade de produção deixa de ser convencional, para de usar produtos como agroquímicos e fertilizantes químicos, e pode então ter a certificação da produção orgânica. Neste período cai muito a produtividade. É necessário que haja uma substituição de insumos, do químico para o orgânico.
  • Assistência técnica capacitada e qualificada: para capacitar o produtor. A formação do agrônomo, do técnico agrícola, do veterinário, do zootecnista, do engenheiro florestal, é muito convencional. Está focada para o grande agronegócio convencional e não para a produção orgânica e ecológica, então existe uma carência de técnicos e uma falta de conhecimento para disseminar as melhores práticas e capacitar os produtores.

Conclusões

“O inferno são os Outros” (Jean-Paul Charles Aymard Sartre). Muito do que padecemos é o resultado do nosso encontro com a alteridade – todo o ser humano social interage e é interdependente do outro, o seu próximo – processo nem sempre tranquilo e harmonioso.

A vitimização do produtor de orgânico (o processo de ser vitimizado ou se tornar uma vítima): aquele que sofre impactos negativos, físicos, emocionais ou financeiros diretos ou ameaças como resultado de um ato de outras pessoas, não parece ser um bom caminho. Buscar produtividade e lucratividade maiores é um dos principais objetivos do produtor de orgânico.

O agricultor deve estar sempre atento aos novos parâmetros e métodos que vão surgindo com as novas pesquisas e tecnologias, como a análise da atividade biológica do solo. Deve gerenciar os diferentes custos envolvidos com: Adubação; Alternativas com potencial para gerar a redução de custos ou ainda aumentar a rentabilidade do seu negócio; Defensivos; Financeiros e Administrativos; Inoculação direta dos microrganismos – os biofertilizantes podem ser uma importante ferramenta para alcançar o aumento da atividade biológica do solo; e suas Operações.

Mais do que parecer, é importante ser sustentável e socioambientalmente responsável, tendo por objetivo iniciativas cuja efetividade sejam inquestionáveis, mensuráveis, reportáveis e verificáveis (MRV). As empresas que usam termos como ‘verde’, ‘amiga do meio ambiente’ ou ‘sustentável’ devem apoiá-los com relatórios científicos, endossos ecologicamente corretos, informações transparentes da cadeia de suprimento e certificação respeitável de terceiros ou outras formas de evidência.

Exige um comprometimento cada vez maior com a inovação e a competitividade não só econômica, mas também socioambiental. Precisamos de mais tecnologia (muito mais mesmo, um choque tecnológico), de novos modos de geração e distribuição de conhecimento, de regulação flexível, diversidade tecnológica, e aumento da capacidade de observação e aprendizado sobre impactos socioambientais das novas tecnologias de produção orgânica e da economia circular.

Invente, tente, faça diferente… A tecnologia é o instrumento mais democratizante no mundo!

Decio Michellis Jr. – Licenciado em Eletrotécnica, com MBA em Gestão Estratégica Socioambiental em Infraestrutura, extensão em Gestão de Recursos de Defesa e extensão em Direito da Energia Elétrica, é Coordenador do Comitê de Inovação e Competitividade da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica – ABCE, assessor técnico do Fórum do Meio Ambiente do Setor Elétrico – FMASE e especialista na gestão de riscos em projetos de financiamento na modalidade Project Finance.

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