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Direito Agrário

TRF4 mantém direito de usucapião de área rural por agricultura após acordo com o DNIT sobre área de faixa de domínio de ferrovia

“Uma agricultora de Marau (RS) conseguiu o direito de usucapião de um imóvel rural com área de 108.162,20 m², na localidade de Cachoeirão, interior do município gaúcho. A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmou decisão de primeiro grau.

A autora de 78 anos sustentou que exerce, há mais de 30 anos, atividade agrícola com sua família na propriedade. Ela entrou com ação declaratória de usucapião uma vez que não possuía registro do imóvel rural, que é atravessado por linha férrea.

O Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) alegou divergência entre a planta apresentada pela agricultora com a planta da ferrovia e pediu retificação para que fosse preservada a faixa de domínio da linha férrea. Após a correção da planta, o juízo de primeiro grau considerou que as partes interessadas concordaram tacitamente com pedido e concedeu o usucapião. O processo foi remetido ao tribunal para reexame.

O desembargador Fernando Quadros da Silva, relator do processo, considerou que as provas confirmaram o direito à propriedade do imóvel, visto que a autora comprovou o exercício de posse mansa, pacífica e sem oposição dentro do período mínimo determinado pela lei, que é de 15 anos”.

Fonte: TRF4, 20/04/2017.

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USUCAPIÃO DE IMÓVEL RURAL E RESPEITO À FAIXA DE DOMÍNIO DE FERROVIA

por Cláudio Grande Júnior[1]

 

Numa primeira e rápida leitura, a notícia causa certa apreensão. Estaria um agricultor conseguindo usucapir a propriedade sobre terras necessárias ao regular e seguro funcionamento de uma ferrovia? Ou seja, estaria conseguindo cercar, como propriedade privada, uma área de terras afetada a um uso e serviço público? A detida análise do caso permite concluir que não é nada disso. A usucapião foi declarada sobre terras de domínio particular, tendo exatamente que respeitar, quanto às dimensões e limites, a faixa de domínio de uma ferrovia.

Segundo o Decreto Federal n.º 7.929, de 2013, “entende-se por faixa de domínio a porção de terreno com largura mínima de quinze metros de cada lado do eixo da via férrea” (art. 1º, § 2º). Inevitavelmente, a base sobre a qual estão assentados os trilhos e pela qual transitam as composições ferroviárias constitui bem público, seja por desapropriação direta ou indireta. Quanto ao restante da faixa de domínio, pode ou não estar sobre imóvel público. Se não estiver, o proprietário privado das terras, por razões de segurança, deve respeitar a limitação administrativa, não podendo erguer construções ali (área non aedificandi).

Isso foi respeitado, no caso analisado, por força da própria intervenção do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). A ação de usucapião fora proposta na Justiça Estadual em face de particulares, informando-se que a área usucapienda confronta a oeste, em toda a sua extensão, com a linha férrea. Em razão disso, foi citada a concessionária ALL – AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA MALHA SUL S/A, que alegou sua ilegitimidade passiva, requerendo a inclusão da União no feito. Esta, por sua vez, requereu a citação do DNIT. Enfim, a autarquia federal manifestou interesse no feito, postulando a complementação de documentos pela parte autora e a remessa do processo para a Justiça Federal. Lá apresentou contestação, segundo consta no relatório da sentença:

Aduziu que, conforme parecer, a faixa de domínio da via férrea não estaria sendo preservada, em razão de não observância do afastamento legal do eixo central da ferrovia em pelo menos três pontos, necessitando-se de esclarecimentos nos autos. Sustentou que a autora deveria retificar a planta e o memorial descritivo que apresentou originalmente, para torná-las conformes com a planta da ferrovia, a fim de que seja preservada a faixa de domínio da linha férrea – matéria sobre a qual discorreu -, sob pena de, em não sendo assim, se impor a improcedência do pedido autoral“.

 A parte autora retificou a planta e o memorial descritivo. Assim, o DNIT deixou de se opor ao pedido de usucapião, anotando que o autor passou “a observar os limites da faixa de domínio – com correção dos pontos de invasão daquela faixa e, inclusive, redução da área cuja aquisição é postulada por particular – e a se conformar com a planta da ferrovia”.

Preenchidos os demais requisitos da usucapião, foi proferida sentença de procedência dos pedidos, confirmada agora pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em reexame necessário a que estava sujeito o processo.

Desse modo, conclui-se que, embora declarada a usucapião, a decisão foi proferida em perfeito respeito à proibição de usucapião, por particulares, sobre bens afetados a uso público.

[1] Mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás ‒ UFG. Membro da União Brasileira dos Agraristas Universitários ‒ UBAU. Ex-Professor Substituto na UFG. Procurador do Estado de Goiás. Autor do livro Usucapião sobre terras públicas e devolutas (clique aqui para saber mais sobre essa obra).

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Confira a íntegra da decisão:

REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL Nº 5003970-74.2015.4.04.7104/RS

RELATÓRIO

Trata-se de reexame necessário nos autos da ação de usucapião, inicialmente ajuizada na Justiça Estadual, e posteriormente remetida à Justiça Federal, objetivando a consolidação de propriedade de imóvel através do reconhecimento da usucapião, com abertura de matrícula e registro junto ao Cartório de Registro de Imóveis.
Sentenciando (Evento 39), o magistrado singular julgou parcialmente procedente o pedido inicial, nos termos do seguinte dispositivo, in verbis (Evento 39):
‘Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE  a pretensão vertida na presente ação de usucapião extraordinário, extinguindo o feito com resolução de mérito (art. 487, I, NCPC), para os efeitos de declarar o domínio da autora LUCIA SOLDA MASETTO sobre o imóvel descrito e identificado nos termos do constante do memorial descritivo retificado pela autora e juntado aos autos no evento 23 (documento ‘OUT2’), imóvel este com área superficial de 108.162,20m² e com a precisa localização e devidas confrontações lá estabelecidas, inclusive com expresso respeito à faixa de domínio no tocante à parcela de solo que é atravessada por via férrea.
Não sucumbentes as partes citadas e cuja revelia foi declarada nos autos, por força de toda a fundamentação, deixo de condená-las em honorários adovactícios. Sendo sucumbente a parte autora em parte de seu pedido, por conta do reconhecimento do óbice levantado pelo DNIT, condeno-a ao pagamento de honorários advocatícios nos termos do que já constou da fundamentação e com base no disposto no art. 85 do NCPC. 
As custas processuais ficam pela parte autora, em face da judicialização da demanda e da natureza da causa, com suas consequências, apesar da parcial procedência e ausência de sucumbência das partes ‘contrárias’. 
Os ônus sucumbenciais da parte autora, todavia, restam suspensos em face da concessão da justiça gratuita nos autos.’
Sem a interposição de recurso voluntário, subiram os autos a este Tribunal por força de reexame necessário.
O MPF manifestou-se pelo desprovimento da remessa oficial (Evento 4 – PARECER1).
É o relatório.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator

VOTO

Os autos estão sendo submetidos à análise deste Tribunal em sede de remessa oficial.
Pretende a parte autora a usucapião de imóvel com área situado na localidade de Cachoeirão, interior do município de Marau, RS. Segundo relata a recorrente, detém a posse mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini há cerca de 19 anos, razão pela qual faz jus à prescrição aquisitiva.
Diante do relatado, cumpre verificar se estão preenchidos os requisitos da usucapião extraordinário, nos termos do art. 1.238 do Código Civil, que assim dispõe:
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Pois bem. Tenho que a sentença proferida na origem merece ser mantida, pois a prova dos autos comprovou que a posse exercida pelo autor deu-se de modo manso, pacífico e sem oposição e com animus domini.
A sentença merece ser mantida por seus próprios e exatos termos, cujos fundamentos adoto como razões de decidir, in verbis (Evento 39- SENT1):
‘Busca a autora tutela jurisdicional declaratória da usucapião de imóvel rural, sem registro no CRI, descrito na petição inicial (área inicial de 123.060,00 m², situado na localidade de Cachoeirão, interior do município de Marau, RS). 
Para tanto, sustenta que há mais de 30 anos mantém posse mansa e pacífica, contínua, sem oposição e com animus domini sobre o imóvel em comento, exercendo atividades agrícolas com a sua família sobre aquela gleba. 
Trata-se, portanto, da espécie chamada de usucapião extraordinária, na qual adquire o domínio aquele que detiver a posse mansa e pacífica, dentro de determinado período de tempo, independentemente de justo título ou boa-fé, nos termos do art. 1.238 do Código Civil de 2002 (Título III, ‘Da propriedade’, Capítulo II, Seção I, ‘Da usucapião – em confronto com a denominação ‘Do Usucapião’, do antiga Seção IV, do CC de 1916, que precedia o revogado artigo equivalente, isto é, o artigo 550) in verbis:
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.
Esclarecida o direito material que embasa a pretensão objeto da presente ação, bem como os seus elementos fáticos mínimos, há de se ver, ainda, que inicialmente procedeu-se segundo o rito previsto pelo Código de Processo Civil de 1973, nos artigos 941-945 (‘Da ação de usucapiao de terras particulares’), como seria cabível.
Todavia, é preciso notar que tais regras não foram reproduzidas no novo Código de Processo Civil, de 2015, que preferiu investir na busca pela resolução extrajudicial destas questões, ao prever, em seu artigo 1.071, a prevalência de ‘pedidos de reconhecimento extrajudicial de usucapião‘, a serem formulados diretamente perante o Cartório do Registro de Imóveis da Comarca onde situado o imóvel usucapiendo (conforme alteração determinada pelo mesmo artigo da Lei de Registros Públicos, em novel redação do artigo 216-A).
É claro, por outro lado, que o mesmo artigo do NCPC menciona que esta nova forma de proceder dar-se-á ‘sem prejuízo da via jurisdicional’, como não poderia deixar de ser.
Entretanto, como não há mais previsão de procedimento específico na lei processual, ao menos para estes casos em geral, o que resta, ao que tudo indica, é o envio da questão às vias ordinárias, ou seja, atualmente, ao agora chamado ‘procedimento comum’ – esta, aliás, é a interpretação do reconhecido processualista Nelson Nery acerca do ponto.
Ora, isso é levado em consideração nesta sentença, na medida em que a lei processual incide prontamente sobre as causas que estão em tramitação quando de sua entrada em vigor. Mas, a meu ver, em nada altera a solução a ser dada para o caso – devendo-se aqui ter em mente, ainda, a finalidade e as peculiaridades de uma ação judicial que busque materializar para o caso concreto a aquisição da propriedade imóvel através da (o) usucapião.
É com base nisso, então, que tenho por perfeitos os atos processuais praticados antes da inovação processual, atento à permanência da finalidade última dos atos, medidas e diligências processuais que devem ser praticadas no bojo destas ações, e ainda com olhos nestas circunstâncias é que examino e julgo este caso.
Esclarecido o ponto de relevante ordem processual, verifico que os confinantes ALBINO TIBOLA e GRACIOSA SOLDA TIBOLA, ANGELO ABRAHÃO SOLDA e ALZIRA MARODIN SOLDA, JOÃO MARODIN e EDITH MULLER MARODIN foram devidamentes citados (evento 7, CARTACIT100, ainda no âmbito da Justiça Estadual), os quais não se manifestaram (EDITAL13, evento 7), razão pela qual foi decretada a sua revelia (evento 24), já no curso do feito perante a Justiça Federal.
Anoto, ainda, que foi expedido edital de citação para eventuais  interessado (EDITAL9, EDITAL11, EDITAL13, evento 7); no entanto, igualmente não houve manifestação nesta ocaisão (EDITAL13, evento 7). 
Intimado, o Município de Marau, por sua vez, disse ‘que não tem interesse no feito, uma vez que a área objeto do usucapião não pertence a este Ente.’ (PET12, evento 7). 
O Estado do RS também à época, informou que ‘não há interesse público estadual relativamente à área usucapienda’ (PET24, evento 7).
Por fim, acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva da ALL e tendo sido a empresa excluída do polo passivo da demanda, com determinação de citação da União (evento 7, CONT28 e MANDADODESP33), mesmo a União disse não ter interesse no feito.
Restou, então, o possível interesse na lide por parte do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT, conforme apontado pela União Federal na mesma petição em que disse não ter interesse direto no resultado do pleito (PET34, evento 7). 
E foi neste contexto que apenas o DNIT acabou por se insurgir e se opor, ainda que parcialmente, contra a pretensão da parte requerente de usucapir algumas parcelas componentes do todo maior pretendido nesta ação.
De fato, o DNIT assim o fez através da apresentação de ‘contestação’ (certamente à falta da possibilidade antes existente de apenas ‘manifestar interesse na causa’, conforme previa o artigo 943 do CPC/73, e, pois, atento à ‘ordinarização’ da questão, em caso de judicialização do pedido de usucapição). E nesta peça alegou apenas divergência entre os dados da planta juntada pela autora com a planta da ferrovia, postulando, inclusive, a retificação da planta e do memorial descritivo trazido com a inicial, tão somente para o fim de que fosse preservada a faixa de domínio da linha férrea (eis que estaria sendo desrespeitada em três pontos, segundo dito), tudo sob pena de, em assim não sendo, dever ser julgada improcedente a pretensão da parte requerente (CONT1, evento 18).
Veja-se, para melhor elucidar o ponto, que do parecer técnico do DNIT a dar sustento à dita ‘contestação’ constou o seguinte:
1. Conforme levantamento topográfico juntado pela autora da ação às fls. 118 dos autos do processo judicial, identifiquei que a área objeto da ação se localiza entre os quilômetros 125+030 e 125+880 da linha férrea Roca Sales _ Passo Fundo, no lado direito considerando o sentido crescente da quilometragem.
2. Pelas informações e indicações destacadas no levantamento topográfico verifica-se que a empresa responsável pelo levantamento topográfico teve acesso às plantas cadastrais da extinta RFFSA, elaboradas pelo 1º batalhão Ferroviário, executor da obra de implantação da ferrovia em tela.
3. Verifiquei divergências entre os dados lançados na planta da parte autora quando comparadas com as plantas cadastrais da ferrovia. Em três pontos na planta da parte autora as larguras da faixa de domínio indicadas são inferiores as que constam nas plantas cadastrais da ferrovia. Nestes pontos, portanto, a faixa de domínio da via férrea não está sendo preservada.
4. Em tabela anexa ao presente são feitas as comparações entre os dados lançados na planta da parte autora com os dados constantes nas plantas cadastrais da extinta RFFSA. os pontos onde foram indicadas as larguras da faixa de domínio inferiores às reais dimensões foram destacados com escurecimento das linhas.
5. A par do exporto, meu parecer é que o DNIT deve requerer que a parte autora retifique a planta e memorial descritivo, em conformidade com a tabela anexa e plantas cadastrais da extinta RFFSA, de forma que fique demonstrado que a faixa de domínio da ferrovia está sendo preservada em toda a extensão da confrontação.
Pois bem. A parte autora apresentou a dita retificação da planta e do memorial descritivo (evento 23), acedendo ao posicionamento do  DNIT. Este, por sua vez, tendo vista dos documentos, concordou com as retificações, por meio do seguinte novo parecer técnico (evento 32).
1. Faço referência ao parecer emitido em 14/12/2015 (fls. 55 do processo administrativo) onde apontei que em três pontos a área objeto da ação avançava sobre a faixa de domínio da ferrovia.
2. A parte autora fez juntada de novo memorial descritivo e nova planta (fls. 57/verso à 59 do processso administrativo) onde foram retificadas as dimensões da área, inclusive houve redução de 111.137,70 m² para 108.162,20 m². Os dados contidos nos novos documentos juntados, no que se refere às larguras da faixa de domínio, estão em conformidade com as plantas cadastradas da extinta RFFSA do trecho ferroviário em questão. As correções feitas, portanto, atendem o apontado no já citado parecer anterior.
3. A par do exposto, meu parecer é que o DNIT pode manifestar que não faz oposição ao pleito de usucapião em tela uma vez que a área objeto da ação não interfere na faixa de domínio da ferrovia. (destaquei).
Por fim, o Ministério Público Federal apresentou parecer (evento 35) opinando pela procedência da pretensão deduzida na inicial, justamente em face da falta de oposição de quem quer que seja ao pleito e da retificação da pretensão nos termos do que manifestou o DNIT nos autos, o que garante, por tudo o que se viu, a preservação dos bens públicos que poderiam ser eventualmente afetados acaso fosse dado provimento ao requerimento nos seus exatos termos iniciais.
Como se extrai de tudo, está correto o MPF.
Considerando a finalidade especial da presente ação, ainda que hoje o procedimento seja o comum, em não havendo oposição das partes potencialmente interessadas na delimitação da área que está sendo usucapida, não há que se falar em derrota destas nos autos, mas em mera concordância tácita com o pedido – como de regra ocorria para os fins notoriamente perseguidos pela legislação específica anterior.
De outro lado, a oposição que houve, por parte do DNIT, surtiu efeito, e o requerente acedeu integralmente ao que foi  pedido por aquele órgão para fins de preservação do patrimônio público. Logo, houve concordância da parte autora com esta intervenção que lhe obstava a aquisição da propriedade em toda a extensão das terras que postulava na inicial e dos limites que lá eram estabelecidos.
Em sendo assim, não havendo qualquer obstáculo outro a impedir a incidência da lei no caso concreto, que determina a aquisição da propriedade do imóvel na parcela que não faz parte do patrimônio público, é o caso de julgar procedente a demanda, nos termos do novo CPC, precisamente nesta parte em que a autora não desistiu de sua pretensão.
Quanto às consequências desta situação em termos de honorários, tem-se uma peculiar situação, no caso concreto, mas de fácil compreensão, à vista de todo o exposto, qual seja, a de que a parte que obteve a usucapião, nos termos do que pediu, em sua maior extensão, mas não pode e não deve receber honorários.
É que como não se pode falar propriamente de derrota dos lindeiros ou quaisquer outros potenciais interessados no caso concreto, que não se oposueram ao pedido inicial, não podem ser, logicamente, condenados como se sucumbentes fossem aqueles citados. Mesmo sob o novo sistema, os fins perseguidos judicialmente nestas ações persistem e não podem ser ignorados, havendo consequências práticas que são extraídas necessariamente daí, sob pena de, em assim não sendo, se incorrer em decisões e julgamentos absurdos (veja-se, inclusive, que no caso dos autos os outros proprietários em verdade contribuiram determinantemente para a obtenção da pretensão do ora autor, e não o contrário).
No que tange ao caso do DNIT, entrentanto, a solução é diferente. Embora o DNIT não tenha se oposto contra toda a pretensão articulada na inicial, levantou óbice ao seu reconhecimento, em caso de não retificação da postulação. Como a parte autora acabou concordando integralmente com as colocações da parte que se opôs ao seu pedido, reconheceu que estava ela com a razão. E na medida em que isso foi necessário, sucumbiu a parte autora em parte de sua postulação, devendo honorários advocatícios a quem teve de se valer de seus procuradores para impor suas razões nos autos.
Assim, concluo que a parte autora é sucumbente no valor de 10% sobre 1/10 (um décimo) do valor da causa, devidamente atualizado pelos parâmetros vigentes para tanto na Justiça Federal (conforme Evento 7, ‘INIC1’, p.5), com base no disposto no artigo 85, §3º, I, do NCPC – atento às diretrizes do seu §2º e à vista da inexigibilidade de maior labor por parte do procurador do DNIT para fazer prevalecer sua posição.
Anoto, por fim, que assim decido (base de cálculo de 1/10 do total do valor da causa) tendo em consideração o fato de que a discussão sobre a viabilidade da aquisição do terreno pela via da usucapião versou apenas sobre parcela do terreno e, pois, da susposta vantagem econômica a ser obtida com esta demanda – já que se pedia reconhecimento do domínio de 123.060,00m², posteriormente reduzido para 108.162,20 em face da contestação. Registro, ainda, que a fração é calculada para o fim de que se respeite um mínimo de proporcionalidade no caso concreto, no que tange ao valor da derrota do autor, mas para que se obtenha também, ao mesmo tempo, uma condenação em honorários que, de outro, não seja absolutamente irrisória, ao final de tudo.’
Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa oficial.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator

EMENTA

ADMINISTRATIVO. REMESSA OFICIAL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. POSSE MANSA, PACÍFICA E SEM OPOSIÇÃO. SENTENÇA MANTIDA.
1. A prova dos autos corroborou as alegações da parte autora, comprovando o exercício de posse mansa, pacífica, sem oposição e com animus domini
2. Remessa oficial desprovida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de abril de 2017.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator
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