O Banco Central do Brasil (Bacen) vai ter que ressarcir em R$ 10 mil dois agricultores gaúchos que tiveram a cobertura do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) negada por questões burocráticas. Em 2005, eles perderam a maior parte da produção de soja que cultivavam por causa do excesso de chuva. Na última semana, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve sentença que também condenou o órgão a pagar reparação por danos morais no valor de R$ 5 mil para cada um, devido à inscrição de seus nomes em cadastros de inadimplentes.
Os moradores de Campestre da Serra (RS) semearam em uma área equivalente a 86 campos de futebol. Os contratos de empréstimos firmados entre eles, o Bacen e o Banco do Brasil foi de R$ 55 mil. Depois dos fenômenos climáticos, a colheita rendeu valor inferior ao investido. Os agricultores recorreram ao Proagro, mas o Bacen não aceitou as notas fiscais entregues, pois não eram as primeiras vias como requer o regulamento do programa.
Os autores ingressaram com o processo na 1ª Vara Federal de Erechim (RS). O Bacen defendeu-se sob o argumento de que apenas seguiu as cláusulas contratuais.
Em primeira instância, os pedidos foram aceitos. Segundo a sentença, “não é razoável o motivo que ensejou o indeferimento da cobertura securitária, amparada em exigência estritamente formal, a qual desconsiderou uma situação fática incontroversa: a de que o empreendimento foi bem conduzido e a perda da produção foi ocasionada por fenômeno natural”. O banco apelou ao tribunal.
A relatora do caso na 3ª Turma, desembargadora federal Marga Inge Barth Tessler, manteve a sentença. Em seu voto, a magistrada transcreveu trecho da decisão: “uma formalidade como essa não pode ser acolhida em detrimento do agricultor, pessoa hipossuficiente na relação contratual, que deveria no mínimo ser adequadamente orientada e esclarecida sobre os termos do contrato a que estava aderindo”.
5004461-42.2015.4.04.7117/TRF
Fonte: TRF4, 13/10/2016
Confira a íntegra da decisão:
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004461-42.2015.4.04.7117/RS
RELATOR
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MARGA INGE BARTH TESSLER
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APELANTE
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BANCO CENTRAL DO BRASIL – BACEN
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APELANTE
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DARCY VALENTIN GIARETTA
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NILDO JOSE GIARETTA
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ADVOGADO
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Sergio Eduardo Oleksinski
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APELADO
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OS MESMOS
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RELATÓRIO
Trata-se de ação em que a parte autora visa, precipuamente, a declaração do direito a ver a efetiva cobertura securitária pelo PROAGRO, em razão de infortúnio natural que provocou perda de significativa parte de sua safra de soja, devendo o Banco Central do Brasil – BACEN – quitar empréstimo contraído junto ao Banco do Brasil para financiamento de sua lavoura. Além disso, pediu a condenação do BACEN ao pagamento de indenização por danos morais.
Processado o feito, sobreveio sentença que possui a seguinte conclusão:
‘III – DISPOSITIVO
ANTE O EXPOSTO, rejeito as preliminares suscitadas, julgando procedentes em parte (ex vi art. 487, I do CPC) os pedidos deduzidos na exordial, para:
(a) declarar o direito dos autores à utilização dos recursos da cobertura do Seguro PROAGRO em relação à operação de nº 40/01661-7, calculado nos termos da fundamentação (item 2.3);
(b) condenar o BACEN a devolver aos autores o valor de prestações adicionais por eles adimplidas, acrescidas dos encargos moratórios e remuneratórios cobrados, na eventualidade de se comprovar, em liquidação de sentença, saldo credor em favor dos demandantes; e
(c) reconhecer a responsabilidade do BACEN por danos morais causados aos autores, condenando-o ao pagamento de indenização no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada um dos demandantes, acrescida de correção monetária e juros nos termos da fundamentação (item 2.5);
Sucumbentes os autores em mínima monta (art. 86, parágrafo único, do CPC), condeno o BACEN ao pagamento dos honorários advocatícios do patrono da parte ex adversa, os quais fixo no percentual de 10% sobre a importância da cobertura securitária devida, a ser apurada em liquidação de sentença (art. 85, §§2º e 3º, I, do CPC).Ressalto desde já que a verba deverá ser atualizada pelo INPC desde a data desta sentença até o efetivo pagamento.
Custas ex lege (art. 4º, I e II, da Lei 9.289/96).
Sentença sujeita a reexame necessário, dado ser inaplicável o art. 496, § 3º, CPC a sentenças ilíquidas (STJ, Resp nº 118579/MG e Súmula 490).
Interposto recurso de apelação, intime-se a parte adversa para apresentar contrarrazões no prazo legal (art. 183, caput, e/ou 1.010, § 1º, do CPC). Após, deve ser dada vista ao recorrente caso sejam suscitadas pelo recorrido as matérias referidas no § 1º do art. 1.009, nos termos do § 2º do mesmo dispositivo. Por fim, remetam-se os autos ao Egrégio TRF da 4ª Região, nos termos do 1.010, § 3º, do Código de Processo Civil, independentemente de juízo de admissibilidade.
Sentença registrada e publicada eletronicamente. Intimem-se.‘
Apelam o BACEN e a parte autora.
Em suas razões de apelação, em apertada síntese, o BACEN defende sua ilegitimidade para responder pela indenização por danos morais, devendo ser afastada sua responsabilidade por esses alegados danos morais. Discorre o BACEN sobre e defende a improcedência da pretensão indenizatória, além de que não haveria praticado qualquer ato ilícito, citando os arts. 186 e 927 do Código Civil e o §6º do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB). Nesse ponto, reitera que sejam indeferidos os pedidos de danos materiais e morais. Discorre também sobre a contratação firmada entre os autores e o Banco do Brasil, sustentando que os recorridos não possuiriam amparo regulamentar para receber qualquer valor de cobertura do Proagro, nos termos das normas aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Caso não seja esse o entendimento do Tribunal, defende que o valor a que fariam jus os demandantes seria de R$ 44.506,43, até a data de 30/6/2010 (data da decisão em 1ª instância) e, caso ainda este Regional desconsidere as glosas calculadas com base nas anotações do técnico responsável pelo Laudo Pericial de Comprovação de Perdas – LPCP, defende que os autores teriam direito à cobertura do PROAGRO no montante de R$ 55.507,38, até a data de 30/6/2010 (data da decisão em 1ª instância). Discorre sobre e defende, ainda, a inexistência de direito à cobertura em razão da repactuação da dívida pelos autores, de acordo com o Aditivo de Retificação e Ratificação da Cédula Rural Pignoratícia nº 40/01661-7. Explana o BACEN sobre e defende, também, reiterando, o descabimento da indenização por danos morais, apontando que não teria sido responsável pela inclusão dos nomes dos mutuários nos cadastros restritivos de crédito. Por fim, pede que seja provido o seu recurso para reconhecer a total improcedência da ação.
Já a parte autora, em suas razões, preliminarmente defende a existência de cerceamento de seu direito de defesa, ao ter sido indeferido seu pedido de oitiva de testemunhas que atestariam a regular efetivação de todas as etapas de implantação de sua lavoura, especificando a aplicação dos insumos e da mão-de-obra que estariam previstos no orçamento. Nesse ponto, pedem que, caso não seja afastada a glosa apontada na sentença em seu desfavor, no valor de R$ 5.028,42, que haja a desconstituição do julgado recorrido, determinando-se o retorno dos autos à origem a fim de que seja facultada a adequada e completa instrução processual, através dos meios de prova admitidos e com novo julgamento. Quanto ao mérito, sustentam, reiterando, que não haja a incidência da glosa considerada na sentença em seu desfavor, no valor de R$ 5.028,42. Sobre os danos morais, defendem os recorrentes que ocorra a majoração do valor da condenação para um patamar correspondente ao menos a 30 salários mínimos para cada um. Quanto ao honorários advocatícios sucumbenciais, defende o advogado dos recorrentes que sua base de cálculo também envolva a verba a título de danos morais, além de se insurgir quanto à ausência de atualização dessa verba, na sentença, no período de 20/10/2006 a 27/10/2016. Ainda sobre os honorários, defende o advogado dos recorrentes que o percentual desses seja majorado para 20%. Por fim, pedem os recorrentes que seu recurso seja provido para que seja acolhida sua alegação preliminar ou suas alegações de mérito.
Foram apresentadas contrarrazões.
É o breve relatório.
Em pauta.
VOTO
Questões preliminares
Defende o BACEN, preliminarmente, que não seria parte legítima para responder ao pleito dos autores de condenação ao pagamento de indenização por danos morais em razão de prejuízos advindos da ilegal negativa de cobertura securitária do PROAGRO, inclusive tendo havido a anotação de seus nomes junto ao SERASA por dívidas decorrentes do financiamento para o custeio de sua lavoura de soja contratado junto ao Banco do Brasil (coberto pelo PROAGRO).
Pois bem.
A anotação dos nomes dos apelados no SERASA pelo Banco do Brasil (evento 23 dos autos originários) somente ocorreu porque não conseguiram adimplir prestações decorrentes do financiamento contratado com o Banco do Brasil para o custeio de sua lavoura de soja como visto nos autos. Isso, por sinal, só veio a ocorrer (o inadimplemento) porquanto os autores não obtiveram a cobertura do PROAGRO quanto solicitada por conta de perda substancial da safra de soja esperada por fatores negativos atmosféricos de tempo.
Dessa forma, não tendo havido a cobertura do PROAGRO pelo BACEN – que, como se verá, era devida sim -, a responsabilidade da autarquia federal pelo ocorrido é inegável, devendo, sim, enfrentar o pleito de indenização por danos morais efetuado pelos autores.
Em tempo, lembre-se, ao se examinar a petição inicial (evento 01, INIC1, especialmente nas páginas 4-5 e 11-13) que o pleito de indenização por danos morais feitos pelos autores não esteve limitado a apontar apenas a anotação feita pelo Banco do Brasil, mas tendo sido indicado que, em decorrência da negativa de cobertura do PROAGRO, é que experimentaram diversos prejuízos, dentre eles a anotação de seus nomes junto ao SERASA. Lembro, no ponto, o art. 322, §2º, do CPC de 2015.
Trago à colação, oportunamente, trecho da decisão recorrida que, adotando-se ora como fundamentos, também rechaça a alegação do BACEN:
‘II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1. PRELIMINAR
1.1. Legitimidade passiva
O Banco Central do Brasil alega ser parte ilegítima para responder à presente demanda, mormente em relação aos danos morais, ao argumento de que não possui qualquer ingerência quanto à contratação do mútuo rural segurado e ao subsequente julgamento do pedido de cobertura do PROAGRO, limitando-se, na qualidade ampla de gestor do programa em sua dimensão financeiro-institucional, a liberar os recursos afetos à indenização eventualmente deferida.
Sem razão, contudo.
Na qualidade de administrador exclusivo do Programa PROAGRO, nos termos art. 3º da Lei nº 5.969/73 (legislação aplicável à época dos fatos, revogada pela Lei nº 12.058/2009), possui o BACEN legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, inclusive no que tange a supostos danos extrapatrimoniais, cuja inscrição em órgão de restrição ao crédito teve por origem mútuo assegurado pelo PROAGRO.
Sobre a legitimidade, colhem-se ementas recentes de nossa Corte Regional, verbis:
ADMINISTRATIVO. PROAGRO. COBERTURA SECURITÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO BANCO CENTRAL. duplo financiamento – responsabilidade exclusiva do agente financeiro banco do brasil. pagamento do seguro ao agricultor – obrigação. DANOS MORAIS – INOCORRÊNCIA. 1. A jurisprudência é unânime sobre o entendimento de que em ações cujo objeto verse sobre a cobertura do seguro pelo Programa de Garantia da Atividade Agropecuária – PROAGRO, é parte legítima o Banco Central do Brasil, face a sua condição de administrador do referido Programa.2. Os prejuízos da duplicidade de contratação do PROAGRO realizada pelo agente financeiro Banco do Brasil não pode ser carreada à conta da parte autora, que em nada contribuiu para o erro.3. A parte autora, agricultores segurados pelo PROAGRO, tem direito ao recebimento do seguro em virtude de quebra em sua safra.4. É corrente que meros dissabores do cotidiano, próprios do convívio social, não são hábeis a ensejar o abalo próprio a causar o dano moral, que exige exposição em nível capaz de causar ultraje que abale a psique, a imagem ou a honra do lesado, não se podendo considerar configurado em situação de exercício regular do direito. (TRF4, AC 5010710-47.2012.404.7009, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 29/01/2016, sem grifos no original)
ADMINISTRATIVO. CONTRATOS BANCÁRIOS. PROAGRO. COBERTURA. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DOS ‘RECURSOS PRÓPRIOS’. DANO MORAL.O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (PROAGRO), criado pela Lei nº 5.969/73, constitui-se em um seguro pago pelo produtor rural com o objetivo de protegê-lo dos prejuízos advindos das imprevisões inerentes à atividade agropecuária (pragas, secas, excesso de chuva etc.).Por meio desse programa, é garantido o pagamento de até 100% (cem por cento) do valor financiado pelo produtor rural junto à instituições financeiras. Outrossim, é também assegurada a cobertura dos recursos próprios utilizados pelo produtor, cuja atualização monetária se impõe sob pena de evitar o enriquecimento sem causa da instituição financeira. O dano moral decorrente da inscrição indevida em cadastro de inadimplente é considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato. A jurisprudência é unânime sobre o entendimento de que em ações cujo objeto verse sobre a cobertura do seguro pelo Programa de Garantia da Atividade Agropecuária – PROAGRO, a legitimidade passiva é exclusiva do Banco Central do Brasil, face a sua condição de administrador do referido Programa. Como a inscrição nos órgãos de restrição de crédito se originou de operações de financiamento de safra asseguradas pelo PROAGRO, e como se discute justamente a forma de como se deu esta cobertura, o BACEN é parte legítima para figurar no pólo passivo também quanto aos efeitos dessa inscrição supostamente indevida.(TRF4, APELREEX 5064017-31.2012.404.7100, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 17/09/2015, sem grifos no original)
Vai rejeitada, assim, a preliminar de ilegitimidade passiva.’
Rejeita-se a preliminar portanto.
Já quanto à alegação preliminar de cerceamento de defesa feito pelos autores, porque não teria lhes sido deferida a produção de prova testemunhal para demonstrar a completa regularidade quanto à efetiva aplicação de insumos na lavoura, assim como o encaminhamento ao agente responsável de todos os documentos relativos ao PROAGRO, entendo que também não merece acolhimento.
No ponto, cumpre que seja trazido à colação os fundamentos, quanto ao ponto, da decisão interlocutória (evento 14 dos autos originários) que indeferiu o pedido de produção de prova testemunhal:
‘A mesma sorte, entretanto, não assiste ao pedido de produção de prova oral, formulado no item ‘d’ da petição do evento 12. A comprovação da utilização dos insumos na lavoura financiada e segurada deve ser realizada mediante a apresentação dos competentes documentos ou laudos técnicos de acompanhamento, sendo inviável tal comprovação, no entender deste juízo, através da mera oitiva de testemunhas. Assim, em que pese indefira o pedido de produção de prova oral, entendo que deve ser deferido aos autores prazo razoável para a juntada de documentação comprobatória da aplicação de insumos na lavoura objeto do contrato de PROAGRO.’
Prestigiando os fundamentos e a conclusão da referida decisão interlocutória, é de se lembrar a redação do art. 443 do CPC de 2015, especialmente a de seu inciso II: ‘Art. 443. O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos: (…) II – que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados.’.
Posto isso, levando-se em consideração que a comprovação efetiva da aplicação dos insumos na lavoura dos autores parece mesmo depender de prova documental ou de prova pericial, não há que ser acolhida a alegação de cerceamento do direito de defesa. Quanto à prova do encaminhamento ao agente responsável de todos os documentos relativos ao PROAGRO, torna-se desnecessário ante o conteúdo absolutamente favorável da sentença no ponto.
Mérito recursal
Quanto às demais questões debatidas e ora trazidas para exame, eis como foi fundamentada a decisão recorrida:
‘(…)
1.3. Operação de crédito repactuada – possibilidade de revisão
É pacífico o entendimento jurisprudencial no sentido de ser possível a revisão de contratos bancários extintos, novados ou quitados, para fins de evitar eventuais ilegalidades, as quais não convalescem com o tempo.
Inteligência da Súmula 286 do STJ: ‘A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores’.
Demais disso, o termo aditivo de retificação e ratificação da Cédula Rural Pignoratícia nº 40/01661-7 teve por causa preponderante a negativa da cobertura securitária objetada nestes autos pelos autores.
Ou seja, a ocorrência de repactuação da dívida não elide o direito à cobertura securitária pelo PROAGRO, porquanto não há renuncia à cobertura em razão da simples renegociação do contrato de crédito, inexistindo, pois, alteração no contrato adjetivo de seguro (PROAGRO).
Ressalto, ainda, que não há como tergiversar que o seguro PROAGRO tem peculiaridade, porquanto se trata de plano de cobertura de caráter social que tem como escopo fundamental a proteção de pequenos e médios produtores rurais em razão da intempéries que sua atividade está sujeita.
Não há falar, assim, em preclusão lógica.
II.2. MÉRITO
2.1. Cobertura do PROAGRO
O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (PROAGRO), instituído pela Lei n.º 5.969/73 (legislação aplicável à época dos fatos – 2006), consistia em um instrumento de política agrícola, criado com o objetivo de assegurar ao produtor rural – em hipóteses excepcionais de ocorrência de fenômenos naturais, pragas ou doenças que atinjam seus rebanhos, suas plantações ou seus bens – a isenção de obrigações assumidas em operações de crédito.
A Lei nº 5.969/73, revogada pela Lei nº 12.058/09, estabelecia que:
Art 1º É instituído o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária – PROAGRO, destinado a exonerar o produtor rural, na forma que for estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, de obrigações financeiras relativas a operações de crédito, cuja liquidação seja dificultada pela ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam bens, rebanhos, e plantações.
(…)
Art 3º O PROAGRO será administrado pelo Banco Central do Brasil, segundo normas aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional.
Art. 4º O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária – PROAGRO cobrirá até cem por cento do financiamento de custeio ou investimento concedido por instituição financeira, e da parcela de recursos próprios do produtor, prevista no instrumento de crédito, segundo critérios a serem aprovados pelo Conselho Monetário Nacional. (Redação dada pela Lei nº 6.685, de 1979)
Art 5º A comprovação dos prejuízos será efetuada pela instituição financeira, mediante laudo de avaliação expedido por entidade de assistência técnica. Parágrafo único. Não serão cobertos pelo Programa os prejuízos relativos a operações contratadas sem a observância das normas legais e regulamentares concernentes ao crédito rural.
Art 6º O Poder Executivo criará Comissão Especial para decidir sobre os recursos relativos à apuração dos prejuízos.
Por sua vez, o Decreto nº 77.120/76 dispõe que:
Art. 1º Fica criada, no Ministério da Agricultura, a Comissão Especial de Recursos – CER, conforme preceitua o artigo 6º, da Lei nº 5.969, de 11 de dezembro de 1973, com as atribuições de julgar os recursos interpostos ao Programa de Garantia da Atividade Agropecuária – PROAGRO, relativos à apuração de prejuízos e respectivas indenizações, a que se referem as normas regulamentares do Programa.
[…]
Art. 5º As decisões da CER, irrecorríveis na esfera administrativa, serão executadas pelo Banco Central do Brasil.
Nesse contexto, a sistemática do seguro PROAGRO fica assim resumida: o mutuário realiza empréstimo com uma instituição financeira, declarando a área e a cultura que pretende cultivar, discriminando os valores necessários a esta (como adubos, fertilizantes e afins), pagando uma taxa extra para ver-se sob o manto do seguro agrícola. Na ocorrência do sinistro, deverá ser informado ao banco, mediante preenchimento de formulário, com a solicitação de perícia. Os peritos do PROAGRO realizam vistoria na propriedade e emitem parecer, favorável ou não à concessão do benefício, além da porcentagem das perdas. Se os agentes do PROAGRO entenderem pelo deferimento, este ainda permanece sujeito à análise e fiscalização do Banco Central do Brasil, sendo que a decisão final (e irrecorrível administrativamente) incumbe à Comissão Especial de Recursos – CER.
Tecidas algumas ponderações iniciais sobre a sistemática e finalidade do PROAGRO, passo à análise do caso concreto.
2.2. Caso Concreto
Como se observa dos termos da contestação ofertada pelo BACEN e demais documentos referentes à operação creditícia em questão, a controvérsia reside no fato de o autor ter apresentado notas fiscais pertinentes à aquisição dos insumos agrícolas em 3ª via.
Colhe-se do teor do parecer da Comissão Especial de Recursos – CER as seguintes informações acerca do indeferimento da cobertura securitária (OUT5, p. 4, evento 8):
(…) (na sentença se encontra colacionada cópia de documento – parecer da Comissão Especial de Recursos, CER – nesse trecho)
Como visto, a ausência de apresentação de notas fiscais nos termos do Manual de Crédito Rural (MCR) 16.1.9, 16.5.10 e 16.5.11, ensejou a glosa de insumos, acarretando, por consequência, o indeferimento da cobertura securitária (OUT4, p. 11, evento 8):
(…) (na sentença se encontra colacionada cópia de documento – demonstrativo de recursos aplicados/não aplicados – nesse trecho)
Nesse contexto, foi glosado o valor líquido total de R$ 30.831,75 (trinta mil oitocentos e trinta e um reais e setenta e cinco centavos) – referentes à não comprovação de aquisição de insumos (preparo do solo/sementes e tratos culturais). A este montante somou-se a receita obtida com a produção, R$ 39.009,60. Após esta operação, o agente do PROAGRO considerou o valor do mútuo – base de cálculo da cobertura, acrescido dos encargos financeiros até 30/06/2010 (R$ 55.434,65 + 39.082,33), que importou em R$ 94.516,98, e abateu dos valores glosados e das receitas, redundando um valor negativo de R$ 15.753,06, limite de cobertura zero. Por consequência, sobreveio o indeferimento do seguro agrícola.
Inobstante a glosa procedida pelo agente do PROAGRO, observa-se que houve a comprovação de aquisição dos insumos utilizados. Vejamos:
O responsável técnico que procedeu à vistoria do empreendimento durante o cultivo da lavoura, respectivamente em 20/12/2005, 23/01/2006 e 23/03/2006, certificou a dessecação, semeadura, adubação de base, controle de invasoras e adubação de cobertura. Não houve à época, outrossim, qualquer observação quanto a não aplicação de insumos, consoante se observa do item 2.4 dos relatórios de vistoria (OUT3, evento24).
Por sua vez, perícia de comprovação de perdas do empreendimento agrícola (OUT3, p. 27, evento 8), executada pela AGROFER – AGROTÉCNICA FERRETO LTDA., destacou a aplicação irregular de insumos no valor total de R$ 5.028,42, muito inferior a importância líquida total aferida pelo agente financeiro (respectivamente, R$ 30.831,75):
(…) (na sentença se encontra colacionada cópia de documento – página de laudo técnico da AGROFER – nesse trecho)
Em sua defesa, afirmam os autores ter entregue todas as notas fiscais (1ª via) ao agente financeiro, por ele extraviadas, sob sua inteira responsabilidade (INIC1, evento 1), motivo pelo qual detinham sob sua posse apenas as 3ªs vias.
Sendo esse o contexto, passo ao exame da legalidade/proporcionalidade dos motivos que levaram ao indeferimento da cobertura securitária.
Ao que se infere dos autos, no momento da contratação e plantio da cultura financiada foram aceitos os documentos apresentados pelos autores, certificando-se a utilização dos insumos necessários ao cultivo da lavoura de soja, tanto que a fiscalização, em todas as vitorias realizadas, não efetuou qualquer ressalva às técnicas utilizadas pelos demandantes, manifestando-se favoravelmente a liberação das parcelas do financiamento (OUT3, evento 24). No caso, verifica-se que, somente após o infortúnio que atingiu a lavoura financiada, é que foram suscitadas, para a cobertura securitária, exigências de ordem formal – referente à apresentação de primeira via de nota fiscal de aquisição de insumos.
O próprio relatório de comprovação de perdas, realizado a pedido do agente do PROAGRO, não controvertido pelo requerido, ressalvado o valor glosado de R$ 5.028,42, confirma que o empreendimento foi bem conduzido, sendo as chuvas ocorridas na fase de floração e formação de grãos o evento causador da perda da produção (OUT3, p. 27, evento 8).
Como se denota do citado documento, a produção esperada antes do evento causador chuva era de 232.000,00 kg de soja; após a ocorrência do fenômeno natural, a produção final estimada foi de 108.360,00 kg.
Tecidas tais considerações, tenho como irrazoável a razão que ensejou o indeferimento da cobertura securitária, amparada em exigência estritamente formal, a qual desconsiderou uma situação fática incontroversa: a de que o empreendimento foi bem conduzido e a perda da produção foi ocasionada por fenômeno natural.
De ser levado em consideração os documentos apresentados (3ªs vias das notas fiscais acostadas aos autos do procedimento administrativo – OFIC1, evento 22, fls. 21/33), porquanto, embora não sejam as primeiras vias, resta claro que foram despendidos pelos autores os valores ali apontados, destinados à aquisição de insumos para o plantio da soja relativa à safra de 2006. Além disso, não há motivos que façam presumir que os produtos ali descritos não foram efetivamente entregues, tampouco há qualquer objeção neste exato sentido.
Nesse ponto, a exigência formal de apresentação da primeira via das notas de aquisição dos insumos revela-se irrazoável para obstar a obtenção da garantia securitária. Sobre o tema, em situação análoga à presente já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
ADMINISTRATIVO. PROAGRO. COBERTURA SECURITÁRIA. DOCUMENTOS RELATIVOS À AQUISIÇÃO DE INSUMOS. COMPROVAÇÃO. 1. As notas fiscais não foram aceitas para fins de comprovação das despesas pelo agente financeiro pela simples condição de não terem sido apresentadas as primeiras vias originais, exigência legítima do ponto de vista legal. Todavia, inexistindo qualquer impugnação à sua legitimidade, sua regularidade, nem qualquer apontamento de incorreção em seu lastro, seja em sede administrativa seja na via judicial, não há motivo para recusá-las como parte dos requisitos necessários à concessão do seguro pleiteado. 2. Devem ser indenizados pelo PROAGRO os valores despendidos pelo autor e comprovados através das notas fiscais nºs 125.264, 125.265 e 125.760, para fins de cobertura do Contrato de Abertura de Crédito Rural Fixo nº 169.704.570, os quais foram objetos de glosa na via administrativa. (TRF4, AC 5003555-30.2011.404.7105, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, D.E. 19/11/2012)
AGRAVO EM APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. COBERTURA SECURITÁRIA DO PROAGRO.1. A Lei n° 8.171/1991 assegura ao produtor rural a indenização dos recursos próprios utilizados, quando a liquidação do contrato de financiamento rural seja dificultada pela ocorrência de fenômenos naturais (no caso dos autos a seca) que atinja às plantações.A ausência da primeira via das notas fiscais não invalida outras formas de comprovação de aquisição de insumos, admitida na MCR.A jurisprudência da corte reconhece a possibilidade de comprovação de compra de insumos através da 2ª via da NF, entendendo-se o mesmo efeito aos espelhos das notas fiscais. 2. Mantida a decisão agravada. (TRF4 5002070-85.2013.404.7117, TERCEIRA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, juntado aos autos em 30/01/2014)
Ademais, uma formalidade como essa não pode ser acolhida em detrimento do agricultor, pessoa hipossuficiente na relação contratual, que deveria no mínimo ser adequadamente orientada e esclarecida sobre os termos do contrato a que estava aderindo, especificadamente quanto às regras constantes no Manual de Crédito Rural – MCR, que, ao que consta, não acompanhou a Cédula de Crédito Rural firmada.
De outra parte, a conduta contraditória do réu, verificada nestes autos, fere a boa-fé objetiva que deve reger as relações negociais (venire contra factum proprium), assim como a função social do contrato: pois, ao mesmo tempo em que não controverte as conclusões realizadas por ocasião das três vistorias que acompanharam a cultura da lavoura e o relatório de perdas, no sentido da adequada utilização das técnicas recomendadas e utilização dos insumos, desconsidera que estes tenham ocorrido, amparando-se em uma exigência estritamente formal.
Aliás, a única ressalva efetuada quanto à correta aplicação dos insumos consta expressamente referida no laudo pericial de comprovação das perdas e diz respeito ao valor de R$ 5.028,42, que não foi utilizado de forma correta. A respeito, não houve impugnação específica por parte dos autores (em ônus processual que lhes competia), muito embora tenham tido vista dos autos, razão pela qual reputo devida a glosa efetuada pelo agente financeiro quanto a tal importância. No que pertine as demais importâncias, porém, não há razões que justifiquem as glosas efetuadas pelo agente financeiro, porquanto afora a questão atinente a exigência da 1ª via das notas fiscais (já enfrentada), não há qualquer elemento que demonstre inconsistência dos insumos utilizados.
Ante a essas considerações, tenho por adequada a glosa apenas da importância de R$ 5.028,42(cinco mil vinte e oito reais e quarenta e dois centavos), que deverá ser considerada no pagamento da cobertura securitária, que ora defiro.
2.3. Valor da cobertura
Na Cédula Rural Pignoratícia nº 40/01661-7, firmada entre os autores e o Banco do Brasil S/A, há previsão de cobertura pelo PROAGRO, sendo que o valor do financiamento especificado é de R$ 55.434,65 (cinquenta e cinco mil quatrocentos e trinta e quatro reais e sessenta e cinco centavos) (OUT6 – evento1).
Assim, tenho que deve ser condenado o BACEN a pagar o valor dos empréstimos obtidos junto ao Banco, somado aos recursos próprios utilizados, deduzido o montante corresponde às receitas consideradas, ou seja, a colheita efetivamente obtida (R$ 39.082,23), e a glosa de R$ 5.028,42, tida por adequada na presente sentença, nos seguintes termos:
‘[…] Constituem a base de cálculo da cobertura, segundo o MCR (na forma da Resolução CMN nº 3.224/04, item 16-5-9), o valor enquadrado no programa, representado pela soma do financiamento de custeio rural e dos recursos próprios sobre os quais incide a cobrança do adicional (prêmio), os encargos financeiros incidentes sobre as parcelas do financiamento e os recursos próprios do beneficiário, quando utilizados em substituição de parcela de crédito enquadrado e não liberado.
Somente a partir da base de cálculo é que se apura o limite de cobertura do PROAGRO, o qual, por sua vez, servirá de norte para o cálculo da cobertura, correspondente a no mínimo 70% e no máximo 100% do limite de cobertura (Resolução 3.224/04- item 16-5-22).
Finalmente, o limite de cobertura é obtido diminuindo-se da base de cálculo as perdas não amparadas, as parcelas não liberadas do crédito enquadrado, os recursos liberados e não aplicados e as receitas obtidas com o empreendimento (Resolução 3.224/04- item 16-5-11):
16-5-11- Apura-se o limite de cobertura deduzindo-se da base de cálculo:
a) o valor total das perdas por causa não amparada;
b) os recursos não aplicados no empreendimento, inclusive os correspondentes à área onde não houve transplantio ou emergência da planta no local definitivo, acrescentando-se às parcelas de crédito a remuneração prevista na seção 16-1;
c) valor total das receitas produzidas pelo empreendimento.’
Na hipótese, o percentual de cobertura é de 100% (cem por cento), porquanto os demandantes aderiram a técnica de plantio direito, nos termos expressos na Cédula Rural Pignoratícia nº 40/01661-7.
Sobrelevo, outrossim, ao contrário do sustentado pelo BACEN, que o encontro de contas deve ocorrer em 20/10/2006, data do vencimento da Cédula Rural Pignoratícia (OUT6, evento 1).
Assim, ao apurar o valor da quitação da dívida oriunda da Cédula Rural Pignoratícia nº 40/01661-7, deverá o BACEN observar a dívida originária e eventuais encargos dela decorrentes, abstendo-se de cobrar qualquer encargo moratório ou remuneratório existente entre a data em que deveria ter deferido o pagamento e a data efetiva deste, sob pena de indevido prejuízo aos demandantes.
Somente a partir daí (20/10/2006), e caso haja saldo devedor por parte dos autores, este deverá ser abatido nos pagamentos por eles efetuados a título de amortização da Cédula Rural Pignoratícia nº 40/01661-7.
Noutro vértice, inexistindo saldo devedor por parte dos autores ou verificada cobrança em excesso, uma vez que estes obrigaram-se a repactuar a dívida diante da indevida negativa da cobertura securitária, deverá o BACEN alcançar-lhes o valor das prestações adicionais por eles adimplidas, acrescidas dos encargos moratórios e remuneratórios cobrados. Nessa excepcional hipótese, o valor da quitação, com as devidas deduções, deverá ser apurado diretamente na via administrativa, devendo ser adotado como índice de atualização o mesmo utilizado na avença pactuada.
Isso porque, como exposto acima, a cobertura pelo PROAGRO, quanto às obrigações financeiras relativas à operação de crédito rural de custeio, limita-se a exonerar o mutuário do cumprimento do mútuo junto à instituição financeira. Não é um seguro para safra, mas uma proteção para eventualidade de o produtor rural não conseguir honrar o financiamento agrícola celebrado em razão da ocorrência de fenômenos naturais.
Enfatizo, ademais, que tal determinação não implica a aposição de condicionante incerta ao provimento judicial, vedada pelo art. 492, parágrafo único, do CPC. O que se tem é a certificação de um direito da parte, o qual, para ser eficaz, depende de condicionante ressalvada expressamente para a fase de liquidação e execução. Não há, pois, afronta à necessidade de que a sentença seja certa.
Por fim, quanto à cobertura do PROAGRO, vale lembrar que o referido pagamento deve ser feito pelo BACEN ao Banco financiador, verbis:
ADMINISTRATIVO. PROAGRO. INDENIZAÇÃO. LEI Nº 8.171/91. DIREITO À INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. 1. Conforme dispõe o artigo 1º da Lei 5.969/73, o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (PROAGRO), é uma forma de seguro agrícola que visa ‘exonerar o produtor rural, na forma que for estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, de obrigações financeiras relativas a operações de crédito, cuja liquidação seja dificultada pela ocorrência de fenômenos naturais, pragas e doenças que atinjam bens, rebanhos, e plantações’. 2. É custeado por recursos provenientes da participação dos tomadores de créditos rurais, na forma estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, bem como por verbas do Orçamento da União e outros recursos alocados pelo Conselho Monetário Nacional (art. 2º da Lei n. 5.969/73) e cobre ‘até cem por cento do financiamento de custeio ou investimento concedido por instituição financeira, e da parcela de recursos próprios do produtor, prevista no instrumento de crédito, segundo critérios a serem aprovados pelo Conselho Monetário Nacional’ (art. 4º). 3. Se aplica ao BACEN a inversão do ônus da prova de que trata o Código de Defesa do Consumidor. 4. A declaração apresentada no momento da contratação, de inscrição para produção de sementes para uso próprio – safra 2006/2007 – deve ser considerada para efeitos de cobertura do proagro porque se utilizou de sementes próprias, produzidas em suas terras anteriormente. 5. O produtor apresentou o laudo de análise de solo realizado pelo Laboratório de Análises de Solo da Faculdade de Agronomia da UFRGS. 6. Deixo de examinar o pedido alternativo de aplicação do disposto no MCR 16-5-22, com o objetivo de reduzir o valor ao percentual mínimo de cobertura o beneficiário em razão do histórico dos 36 (trinta e seis) meses anteriores à data de adesão ao proagro, posto que a matéria não foi trazida na contestação nem examinada na sentença. 7. Quanto ao valor da condenação, o BACEN deve a pagar o valor dos empréstimos obtidos junto ao Banco, somado aos recursos próprios utilizados, deduzido o montante corresponde às receitas consideradas, ou seja, a colheita efetivamente obtida. Assim, não razões para acolher o cálculo do BACEN de que o valor máximo a ser pago a título de indenização ao mutuário é de R$ 5.520,68, na data base de 14/08/2009. 8. Deve ser indeferido o pedido de pagamento do valor remanescente diretamente ao autor ou utilizado para quitação de outros financiamentos agrícolas junto ao Banco do Brasil. 9. A contratação do PROAGRO é para exonerar o produtor das obrigações financeiras decorrentes do mútuo entabulado com a instituição financeira, e para reembolso dos recursos próprios utilizados no custeio da safra. Assim, resta evidente que a cobertura pelo PROAGRO quanto às obrigações financeiras relativas a operação de crédito rural de custeio, limita-se a exonerar o mutuário do cumprimento do mútuo junto à instituição financeira. Vale dizer, o BACEN liquidará a dívida, via PROAGRO, do produtor rural no banco financiador, no caso, o Banco do Brasil S/A, não havendo, por consequência, pagamento deste valor do seguro ao próprio mutuário, mas sim diretamente à instituição financeira. Frise-se, porém, que somente no que pertine às despesas de custeio – recursos próprios (inciso II, artigo 59, Lei 8.171/1991) haverá reembolso direto ao produtor rural tomador do empréstimo, valor que será depositado na conta mantida com a instituição financeira. 10. Apelação e recurso adesivo improvidos. (TRF4, APELREEX 5000687-09.2012.404.7117, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 28/02/2013)
PROAGRO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. REPASSE DOS RECURSOS DO PROAGRO PARA A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. 1. Devendo o Banco Central do Brasil, administrador do PROAGRO, fazer o repasse dos recursos relativos à dívida do autor da ação diretamente à instituição financeira, não há falar em execução por quantia certa, coberta pelo art. 730 do Código de Processo Civil. 2. No sistema de securitização, há um repasse de recursos diretamente do PROAGRO à instituição financeira, que não está vinculado a nenhuma forma de execução contra a Fazenda Pública. E não está porque seria um contra-senso que ficasse o agricultor e o agente financeiro na dependência dos precatórios para que o repasse dos recursos do PROAGRO relativos ao seguro fosse efetuado. 3. Tendo em conta o aspecto atinente à securitização, quando o que existe é apenas o deslocamento de verba do Tesouro para bancos privados, a fim de que possa atender aos agricultores de forma benéfica – e esse é de interesse do Estado, é a política governamental -, não haveria como se cumprir alguma obrigação de dar dinheiro, de entregar dinheiro. O que há são verbas do Tesouro Nacional disponíveis e que hão de ser transferidas para o banco gestor. 4. Embargos de declaração rejeitados. (TRF4 5002498-55.2012.404.7003, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 16/05/2013)
2.4. Dano moral
É certo que o mero indeferimento de pedido na esfera administrativa não é fato ensejador dedano moral, mesmo naqueles casos em que o indeferimento seja indevido, conforme reiteradamente tem reconhecido a jurisprudência de nossa Corte Regional.
Isso porque, meros transtornos na rotina não são o bastante para dar ensejo à ocorrência de dano moral, o qual demanda, para sua configuração, a existência de fato dotado de gravidade capaz de gerar abalo profundo, no plano social, objetivo, externo, de modo a que se configurem situações de constrangimento, humilhação ou degradação e não apenas dissabor decorrente de intercorrências do cotidiano.
No caso concreto, porém, pode-se concluir pela responsabilidade do requerido pela inclusão do nome dos autores em cadastros de inadimplentes.
Isso porque, a cognição exauriente do feito demonstrou que houve equívoco da instituição financeira ao indeferir a cobertura securitária, a qual culminou com a indevida inscrição do nome dos autores em cadastros desabonadores ao crédito, conforme comprovam as informações acostadas ao evento 23 (OFIC1). Nesse passo, é devida a indenização por dano moral.
Com efeito, é pacífica a jurisprudência no sentido de que o dano moral decorrente da indevida inscrição em órgãos de proteção ao crédito é considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A inscrição indevida em cadastro restritivo de crédito enseja o pagamento de indenização por danos morais, todavia, em valor razoável, que observe o caráter pedagógico da condenação, mas não acarrete enriquecimento indevido. 2. No que tange à fixação do quantum indenizatório, observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, deve atender à finalidade de ressarcimento e prevenção: ressarcir a parte afetada dos danos sofridos e evitar pedagogicamente que atos semelhantes venham a ocorrer novamente. 3. Mantidos os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da condenação, em favor da parte autora. (TRF4, AC 5014263-91.2010.404.7100, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão João Pedro Gebran Neto, D.E. 12/04/2012)
DANO MORAL. MANUTENÇÃO INDEVIDA EM CADASTROS DE INADIMPLENTES. COMPROVAÇÃO DO DANO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. O dano moral é presumido, prescindindo de qualquer prova, uma vez que proveniente direto do próprio evento – manutenção indevida em cadastros de inadimplentes. Indenização fixada em conformidade com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. (TRF4, AC 2008.71.00.018999-9, Quarta Turma, Relator Jorge Antonio Maurique, D.E. 27/08/2010)
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO EM CADASTRO E INADIMPLENTES. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. . A responsabilidade civil da Caixa Econômica Federal é objetiva em razão do risco inerente à atividade bancária que exerce (art. 927, parágrafo único, do Código Civil). . À luz da melhor doutrina e com fundamento na Constituição Federal, art. 5º, V e X, restando provado o fato que gerou a ofensa aos valores atingidos, é de ser reconhecido o direito à indenização. . Presença de nexo causal verificada entre a conduta da CEF e o prejuízo sofrido pelo autor, que teve o seu nome indevidamente incluído em cadastro restritivo de crédito. . Indenização majorada segundo a situação econômica do ofensor, prudente arbítrio e critérios viabilizados pelo próprio sistema jurídico, que afastam a subjetividade, dentro dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade à ofensa e ao dano a ser reparado, porque a mesma detém dupla função, qual seja, compensar o dano sofrido e punir o réu. . Sucumbência recíproca afastada com base na Súmula 326 do STJ e honorários fixados na esteira do entendimento da Turma. . Apelação improvida e recurso adesivo parcialmente provido. (TRF4, AC 5000140-27.2011.404.7012, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Silvia Goraieb, D.E. 13/12/2011)
Assim, comprovada a indevida inscrição do nome da parte autora perante órgãos restritivos ao crédito, conclui-se pelo cabimento de indenização.
Sobrelevo, no ponto, que mesmo que o procedimento interno de apuração do sinistro seja responsabilidade da instituição financeira; externamente, quem responde pelo PROAGRO é o Banco Central do Brasil.
Destarte, como a inscrição nos órgãos de restrição de crédito se originou da operação de financiamento de safra nº 40/01661-7, assegurada pelo PROAGRO (OUT6, evento 1), e como se discute justamente a forma de como se deu esta cobertura, responde o BACEN também quanto aos efeitos dessa inscrição indevida (Precedente: TRF4, APELREEX 5064017-31.2012.404.7100, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 17/09/2015)
2.5. Quantificação do dano moral
Acerca do valor indenizatório, a jurisprudência do STJ já firmou o entendimento de que ‘a indenização por dano moral deve se revestir de caráter indenizatório e sancionatório de modo a compensar o constrangimento suportado pelo correntista, sem que caracterize enriquecimento ilícito e adstrito ao princípio da razoabilidade.’ (Resp 666698/RN)
Nesta linha, também tem se manifestado o TRF4:
ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR. PARÂMETROS. 1. A manutenção da restrição cadastral, quando já comprovada a inexistência do débito, dá ensejo à indenização por dano moral. 2. Para fixação do quantum devido a título de reparação de dano moral, faz-se uso de critérios estabelecidos pela doutrina e jurisprudência, considerando: a) o bem jurídico atingido; b) a situação patrimonial do lesado e a da ofensora, assim como a repercussão da lesão sofrida; c) o elemento intencional do autor do dano, e d) o aspecto pedagógico-punitivo que a reparação em ações dessa natureza exigem. (TRF4, AC 5000038-54.2010.404.7104, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Jorge Antonio Maurique, D.E. 20/06/2012, sem grifos no original)
Assim, o valor compensatório deve obedecer aos padrões acima referidos.
Adequando tal entendimento aos contornos do caso concreto, cabe condenar o réu ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada um dos autores, atualizados a contar da sentença, com juros de mora a partir do evento danoso, qual seja, desde 09/12/2014, quando o nome dos demandantes foi inscrito no SERASA, conforme prova juntada ao evento 23.
A correção monetária deve dar-se com base no Manual de Cálculos da Justiça Federal, considerando-se o índice previsto anteriormente à edição da Lei 11.960/09, em observância ao regulado no recurso repetitivo ERESP 1.207.197/RS.
Sobre o quantum indenizatório incidem juros de mora de 1% ao mês (conforme o art. 406 do Código Civil/2002) desde a data do evento danoso (Súmula 54 do STJ e art. 398 do novo Código Civil), e, a partir da vigência da Lei nº 11.960/09 (30-06-2009), devem ser aplicados os índices oficiais de remuneração básica e juros da caderneta de poupança para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora (ERESP 1.207.197/RS).‘
Analisando-se a documentação juntada aos autos e fundamentação da sentença, em confronto com as razões recursais de ambas as partes, não vejo motivos para alterá-la, devendo essa, a fim de se evitar indevida tautologia, ser mantida por seus próprios fundamentos, razão pela qual adoto esses como parte integrante das presentes razões de decidir.
Rejeita-se, dessa forma, as demais alegações das partes quanto aos méritos recursais.
Honorários advocatícios sucumbenciais
Quanto aos honorários advocatícios sucumbenciais, apreciando a irresignação do patrono dos autores no ponto, entendo que efetivamente sua base de cálculo deve considerar, além da importância da cobertura securitária devida, o valor da condenação do BACEN à indenização a título de danos morais aos autores (total de R$ 10.000,00), considerando o que dispõe o art. 85, § 2º, do CPC de 2015. Reitero que, como indicado na decisão impugnada, deverá ser adicionado o valor posteriormente apurado em liquidação de sentença da importância da cobertura securitária devida. A atualização da verba honorária se dará nos termos da sentença também.
No ponto, ainda, cumpre destacar que é desprovido de sentido o pedido do patrono dos recorrentes para haja atualização monetária da verba honorária também no período de 20/10/2006 a 27/10/2016, não havendo sequer embasamento fático ou jurídico para que a verba sucumbencial – que não se confunde, evidentemente, com o valor da condenação destinado aos autores – comece a ser atualizada monetariamente a partir de 20/10/2006 (data do vencimento da cédula rural pignoratícia nº 40/01661-7).
Quanto ao percentual a título de honorários sobre o valor da condenação (de 10%), entendo que está adequado o que foi fixado na sentença, em vista do que, novamente, dispõe o art. 85, §2º, do CPC de 2015. Conquanto a questão debatida na ação seja relativamente complexa, o trâmite da ação foi relativamente curto e não houve muito trabalho desenvolvido pelo patrono dos autores.
Recurso parcialmente provido no ponto portanto.
Dispositivo.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso de apelação do BACEN, dar parcial provimento ao recurso de apelação dos autores e negar provimento à remessa oficial, nos termos da fundamentação.
Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Relatora
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. LEGITIMIDADE PASSIVA DO BACEN. PROGRAMA DE GARANTIA DA ATIVIDADE AGROPECUÁRIA – PROAGRO. QUEBRA DE SAFRA. CHUVAS. COMPROVAÇÃO. NEGATIVA DE COBERTURA INDEVIDA. DANOS MORAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Em vista de ser o administrador do PROAGRO, além de se considerar que eventos subsequentes à negativa de cobertura do PROAGRO causaram danos aos autores em vista disso, como a inscrição de seus nomes junto ao SERASA, o BACEN é parte legítima para figurar no polo passivo da presente ação.
2. Comprovado que os autores efetivamente possuíam direito à cobertura do PROAGRO, a negativa de seu amparo foi indevida.
3. Fazem jus os autores à indenização por danos morais, nos termos da sentença.
4. A base de cálculo dos honorários advocatícios deve considerar o montante indenizatório a título de danos morais.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, voto por negar provimento ao recurso de apelação do BACEN, dar parcial provimento ao recurso de apelação dos autores e negar provimento à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de outubro de 2016.
Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Relatora