“’A pequena propriedade rural familiar é impenhorável mesmo que seja dada como garantia hipotecária para financiamento da atividade produtiva’. Com este entendimento, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) negou, na última semana, um pedido de execução de penhora impetrado pela Fazenda Nacional contra uma família de agricultores do município de Aratiba, extremo norte gaúcho.
O casal, que tem dois filhos, adquiriu a propriedade de 14 hectares em 1957. Em dezembro de 2011, o pai faleceu deixando um débito relativo a um empréstimo rural obtido junto ao Banco do Brasil. Dois anos e meio depois, quando a Fazenda ingressou com a execução, a dívida já somava mais de R$ 77 mil.
A viúva e os filhos ajuizaram ação pedindo a suspensão da hipoteca, apontando que o imóvel é impenhorável por se tratar de pequena propriedade familiar. A Fazenda alegou não existir comprovação de que o bem esteja de fato enquadrado nas dimensões de módulo rural.
A Justiça Federal de Erechim (RS) julgou a ação procedente, levando a Fazenda a recorrer contra a sentença. No entanto, por unanimidade, a 4ª Turma do TRF4 resolveu manter a decisão.
De acordo com o relator do processo, desembargador federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é clara ao firmar que a pequena propriedade rural familiar não pode sofrer penhora.
Pequena propriedade rural
A Pequena propriedade é o imóvel rural explorado pelo agricultor e sua família. O tamanho pode variar entre um e quatro módulos fiscais. O módulo fiscal corresponde à área mínima necessária a uma propriedade rural para que sua exploração seja economicamente viável. Dependendo do município, um módulo fiscal varia de 5 a 110 hectares”.
Fonte: TRF4, 05/09/2016.
Confira a íntegra da decisão:
RELATOR
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LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
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APELANTE
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UNIÃO – FAZENDA NACIONAL
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APELADO
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IRMA MAGGI SIRTOLI
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ADVOGADO
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RODRIGO DO NASCIMENTO PETRY
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APELADO
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OS MESMOS
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APELADO
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CLAUDINO RAFAEL SIRTOLI
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ADVOGADO
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RODRIGO DO NASCIMENTO PETRY
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RELATÓRIO
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os presentes embargos à execução fiscal e determino o levantamento da penhora que recaiu sobre o imóvel lote nº 532, matriculado sob o nº 4.645 no Registro de Imóveis de Aratiba/RS, reconhecendo a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil.
Condeno a União ao pagamento dos honorários advocatícios em favor da parte embargante, os quais arbitro em R$ 3.000,00 (três mil reais), atualizados a partir desta data pelo IPCA-E.
Feito isento de custas, a teor do art. 7º, da Lei nº 9.289/96.
Sustenta o apelante, em síntese, que: a) não há lei específica definindo o que é pequena propriedade rural, para fins do art. 5º, XXVI, da CF/88; b) o imóvel penhorado foi dado em garantia da dívida pelo próprio devedor, o que afasta a proteção da impenhorabilidade absoluta do bem, nos termos da Lei nº 8.009/90; c) a parte embargante não trouxe aos autos elementos capazes de comprovar que a propriedade enquadra-se nas dimensões do módulo rural, nem que a subsistência da família provém da exploração do imóvel. Pede a reforma da sentença, para que “seja mantida a penhora sobre o imóvel registrado sob nº 4.645 junto ao CRI de Aratiba-RS”.
Apresentadas contrarrazões, vieram os autos.
É o relatório.
VOTO
A respeito do tema, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça tem manifestado o seguinte entendimento:
Alega a embargante que o imóvel penhorado (matriculado sob o nº 4.645 do Registro de Imóveis de Aratiba) se trata de pequena propriedade rural, sendo, portanto, impenhorável.
Acerca da impenhorabilidade, o legislador constituinte estabeleceu que não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes da atividade produtiva a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família (art. 5º, inciso XXVI).
A regra tem como escopo tutelar o agricultor que labora direta e pessoalmente no imóvel rural, empregando nele toda a sua força de trabalho e obtendo o sustento a partir dos frutos da sua labuta.
Nessa linha, a jurisprudência tem afastado a penhora sobre a pequena propriedade rural trabalhada pela família, mormente quando inexistente outro(s) bem(ns) de sua propriedade, sem qualquer consideração, note-se, acerca do vínculo de pertinência entre a dívida e a atividade produtiva desenvolvida.
Nesse sentido:
IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL RURAL. É assente o entendimento do STJ no sentido de afastar a penhora sobre a pequena propriedade rural trabalhada pela família, ainda quando sujeita a garantia real, uma vez que a pequena propriedade é aquela que possibilita a manutenção de condições mínimas de sobrevivência ao pequeno produtor e à sua família. Aplicação dos artigos 5º, XXVI, da Constituição da República, 4º, § 2º, da Lei nº 8.009/90 e 649, VIII, do CPC. Apelação improvida.
Lançada essa premissa, é momento de se adentrar na conceituação de pequena propriedade rural.
Em face da ausência de lei específica definindo o que é pequena propriedade rural, segundo a jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, os parâmetros objetivos para essa definição estão reunidos na Lei n.º 8.629/1993 (REsp 1284708/PR, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/11/2011, DJe 09/12/2011).
Segundo o art. 4º da Lei n.º 8.629/1993, inciso II, alínea “a” da Lei nº 8.629/93, por “pequena propriedade” entende-se o imóvel rural (o prédio rústico de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agro-industrial) de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais.
O imóvel em questão consiste em parte do no lote nº 532, da antiga colônia Dourado Rio Novo, atual Linha Gruta, interior do Município de Aratiba, matriculado sob o nº 4.645 no Registro de Imóveis daquela cidade (evento 1, OUT10, fl. 6).
Em Aratiba/RS, o módulo fiscal é de 20 hectares, sendo que, até 80 hectares, considera-se pequena propriedade rural. Na hipótese dos autos, foi penhorado imóvel rural com área total de 14,46 hectares, o que sequer supera 01 módulo fiscal, conforme se vê da Declaração prestada pelo Município (evento 32, DECL1, fl. 1.)
Todavia, para que reste caracterizada a impenhorabilidade do bem faz-se necessário também comprovar que a propriedade é explorada pela entidade familiar e que dela a família retire seu sustento. Nesse sentido, colaciono o seguinte precedente:
EMBARGOS DE TERCEIRO. PEQUENA PROPRIEDADE RURAL. IMPENHORABILIDADE. 1. A pequena propriedade rural trabalhada pela família não será objeto de penhora, nos termos do art. 5º, XXVI, da Constituição. 2. Hipótese em que restou demonstrado que o imóvel penhorado, com dimensão inferior à área regionalmente definida como módulo rural, constitui pequena propriedade rural, utilizada como residência da família. Impenhorabilidade reconhecida. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0004287-81.2010.404.9999, 4ª Turma, Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, POR UNANIMIDADE, D.E. 25/10/2010)
In casu, tenho que a certidão lavrada pelo Oficial de Justiça no evento 48 (CERT1, fl. 1) faz prova de que o imóvel rural penhorado consiste em pequena propriedade rural, que se destina ao sustento da família, devendo recair sobre ele a impenhorabilidade excepcionada, conforme acima citado.
De mais a mais, é assente o entendimento do E. STJ no sentido de afastar a penhora sobre a pequena propriedade rural trabalhada pela família, ainda quando sujeita a garantia real, uma vez que a pequena propriedade é aquela que possibilita a manutenção de condições mínimas de sobrevivência ao pequeno produtor e a sua família:
Logo, a procedência da ação é medida que se impõe.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
RELATOR
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LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
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APELANTE
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UNIÃO – FAZENDA NACIONAL
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APELADO
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IRMA MAGGI SIRTOLI
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ADVOGADO
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RODRIGO DO NASCIMENTO PETRY
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APELADO
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OS MESMOS
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APELADO
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CLAUDINO RAFAEL SIRTOLI
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ADVOGADO
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:
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RODRIGO DO NASCIMENTO PETRY
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