quinta-feira , 28 março 2024
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Usina que industrializa e fabrica álcool e açúcar pode terceirizar o preparo do solo e o transporte da cana

“Em ação civil pública que, em sentença e no 2º grau, reconheceu-se ofensa aos princípios fundamentais da dignidade da pessoa e dos valores sociais do trabalho a terceirizados, com dano moral coletivo fixado em R$ 500.000,00, a usina que figurou como ré (e recorrente) foi absolvida de terceirização ilícita nas etapas de preparo do solo e transporte para cultura da cana-de-açúcar. Para o relator, desembargador Edison dos Santos Pelegrini, ‘a questão da cultura da cana merece maiores reflexões, uma vez que a atividade rural deixou de ser manual e passou por profundo processo de transformação – da era do machado, enxada, enxadão e podão para a era da mecanização em grande escala; do transporte da cana no lombo de burro/mula para a utilização de treminhões -; contribuindo sobremaneira com a melhoria das condições de trabalho e remuneração dos trabalhadores melhores qualificados e com o desenvolvimento do agronegócio, hoje responsável por boa parte do PIB do país, além da expressiva cota de exportação, assegurando a manutenção das reservas do país, mesmo num ambiente interno de redução econômica’.

Pelegrini anotou que ‘a pretexto de combater a intermediação ilegal da mão de obra rural, não se pode impor ônus desmedido ao empresário rural, sob pena de dificultar ou até mesmo inviabilizar a atividade agroeconômica, mormente num ambiente de competitividade e de redução de custos, a fim de que o produto tenha preço justo e possa abastecer o mercado interno e externo. No caso, estamos tratando de uma Usina que tem por atividade-fim a industrialização e fabricação de álcool e açúcar’. Assim, o relator entendeu que ‘ tendo em vista as especificidades das atividades para o preparo e sistematização do solo, bem como o enorme custo para aquisição da expertise e dos equipamentos necessários à realização das operações, o que poderia causar distorção nos custos de produção, em prejuízo à decantada produtividade e competitividade do setor sucroalcooleiro’.

Quanto ao transporte, o desembargador afirmou estar ‘convencido de que, no atual estágio do desenvolvimento econômico e social do País, o transporte dos produtos rurais em geral, inclusive a cana-de-açúcar pode ser transportada do campo até a Usina por terceiros, uma vez que se trata de um serviço especializado, com caminhões adequados percorrendo trechos em terra e por rodovias asfaltadas. Ademais, a atividade de transporte de cargas é regulamentada, tanto pelo Código Civil (arts. 730-756), quanto pela Lei nº 11.442/07. De sorte que, não vejo necessidade de impor à recorrente o ônus de transportar, com pessoal, caminhões e equipamentos próprios, a cana do campo para a sua Usina. Pois, como ela estima, haveria necessidade de altos investimentos só em caminhões/equipamentos (R$59 milhões), os quais também ficariam ociosos por vários meses no ano, no período da entressafra, refugindo ao princípio da razoabilidade, sob a ótica produtiva. Agora, esse serviço de transporte da cana deve ser prestado por empresa idônea e que cumpra com as obrigações trabalhistas. Do contrário, a recorrente será chamada a cumprir com as suas obrigações sociais’”.

(Processo 0000732-63.2011.5.15.0127, 10ª Câmara, DEJT 22/01/2016, votação por maioria)

Fonte: TRT15, 30/03/2016 (por João Augusto Germer Britto).


 

Confira a íntegra da decisão:

ACÓRDÃO

TRT – 15ª REGIÃO – 5ª TURMA – 10ª CÃMARA

RECURSO ORDINÁRIO

PROCESSO TRT N°. 0000732-63.2011.5.15.0127

RECORRENTES:

1º) USINA CONQUISTA DO PONTAL S.A.

  2º) MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO –   PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª

       REGIÃO

ORIGEM: VARA DO TRABALHO DE TEODORO SAMPAIO

JUÍZES SENTENCIANTES: LUCIANA CAPLAN DE ARGENTON E QUEIROZ MAURICIO DE ALMEIDA

 

 

 

USINA. CULTURA DE CANA-DE-AÇÚCAR. ATIVIDADES TERCEIRIZADAS. PREPARO E SISTEMATIZAÇÃO DE SOLO. TRANSPORTE DA CANA DO CAMPO PARA A USINA. POSSIBILIDADE.

Afigura-se lícita a transferência para terceiros das atividades rurais de preparo e sistematização de solo e de transporte da cana do campo para a Usina, na medida em que se tratam de serviços especializados de execução sazonais na atividade agrária. Não sendo razoável impor que esses serviços sejam executados com pessoal, equipamentos e maquinários próprios da Usina, tendo em vista o alto custo dos investimentos, podendo comprometer os custos da produção, mormente num ambiente de competitividade e de crise do setor sucroalcooleiro. Contudo, a Usina é responsável pela garantia dos direitos e condições de trabalho dos trabalhadores terceirizados. Recurso da requerida provido parcialmente.

 

           

Inconformadas com a r. sentença de fls. 51235/1248, complementada às fls. 1279/1280, por força de embargos declaratórios, a qual julgou PROCEDENTE EM PARTE a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, recorrem as partes.

A requerida, Usina Conquista do Pontal – UCP, com as razões recursais de fls. 1284/1326, preliminarmente, argui que se faz necessário o reconhecimento da coisa julgada em razão do acordo celebrado em Ação Civil Pública com a mesma causa de pedir nos autos de nº 000446-51.2012.5.15.0127; requer o sobrestamento do feito até que sobrevenha decisão final sobre a matéria de ilicitude de terceirização, pelo STF; argui impossibilidade jurídica do pedido pela ausência de previsão legal que proíba a terceirização de mão de obra; suscita a incompetência da Justiça do trabalho para apreciar o pedido da inicial; que o Ministério Público do Trabalho é parte ilegítima para propor a presente ação e descabimento de Ação Cível Pública para direitos individuais não-homogêneos; aduz que há impossibilidade jurídica do pedido de cumulação de pretensões de obrigação de fazer com indenização. Alega que as atividades descritas pela Juíza Sentenciante não podem ser consideradas atividades-fim da recorrente. Tece um longo arrazoado sobre a licitude da terceirização às fls. 1294/1320. Postula o afastamento das astreintes e caso mantida, pugna pela redução do valor. Aduz que o dano coletivo não é passível de indenização quando não comprovado o dano efetivo ao patrimônio; afirma que é indevida a indenização por danos morais coletivos fixada pela r. sentença; se mantido, postula a redução do valor.

O requerente, MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, recorre com as razões de fls. 1354/1371, alegando, em síntese, que a indenização pelo dano moral coletivo deve ser fixada em R$ 1.000.000,00, levando em conta a gravidade do dano, a capacidade econômica do ofensor e a função pedagógica da medida.

Por fim, requerem a reforma do julgado no tocante as matérias impugnadas.

Custas processuais, fl. 1329.

Depósito recursal, fl. 1328;

Contrarrazões pelo MPT, fls. 1372/1429 e fls.1674/1698.

É o relatório.

VOTO

 

Conheço dos recursos interpostos, uma vez que satisfeitos os pressupostos legais de admissibilidade recursal, objetivos e subjetivos.

Conheço dos documentos de fls. 1330/1335, considerando que se trata de subsídios jurisprudenciais já publicados.

Conheço dos documentos acostados aos autos pelo MPT com as contrarrazões, fls. 1430/1670, em conformidade com a Súmula nº 08 do C. TST.

 

DO RECURSO DA UCP

 

DAS PRELIMINARES

DA COISA JULGADA – ACORDO CELEBRADO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 000446-51.2012.5.15.0127

        

Argui, em preliminar, que o objeto da demanda do processo supra e da presente são incompatíveis, embora tenham a mesma causa de pedir, sendo que o MPT formulou duas pretensões opostas.

A preliminar não merece acolhimento.

Com efeito. Naquela ação, o MPT objetivou garantir aos trabalhadores das empresas contratadas pela requerente as mesmas condições de higiene, conforto e alimentação oferecidas aos próprios empregados da empresa tomadora, assegurando um tratamento isonômico entre os trabalhadores terceirizados e os empregados contratados pela recorrente. Enquanto que na presente objetiva que a recorrente se abstenha de terceirizar trabalho voltado para a sua atividade-fim.

Portanto, é de clareza solar que os pedidos não são incompatíveis como a recorrente quer fazer parecer, o que dispensa maiores comentários.

Desta forma, não há se falar em coisa julgada que exige a tríplice identidade, de partes, causa de pedir e pedidos, e conforme demonstrado não se acham presentes nos  autos.

Rejeito.

 

DO SOBRESTAMENTO DO FEITO

           

A r. sentença, ora atacada, determinou que a empresa se abstenha de realizar novas contratações de empresas para intermediação de mão de obra para executar trabalhos inseridos em sua atividade-fim, mas não determinou que se reconheça o vínculo de emprego com os trabalhadores já contratados. Logo não há alegada violação à garantia da livre iniciativa estabelecida no artigo 170, I, da CF.

Por outro lado, o feito indicado de repercussão geral refere-se a terceirização de “call center” em empresas de telefonia, nas quais as atividades se confundem, necessitando da intervenção do STF para dirimir a celeuma acerca do assunto, o que não se aplica à hipótese dos autos, que trata do processo produtivo da cana-de-açúcar até a entrega na Usina. Enfim, são situações jurídicas completamente diversas.

Ademais, a repercussão geral é tema a ser tratado em Recurso Extraordinário e não em sede de Recurso Ordinário.

Rejeito a preliminar arguida.

 

 DA IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO

 

Argui a requerida que não há em nosso ordenamento jurídico legislação vigente que a impeça de contratar empresas prestadoras de serviços para terceirização de suas atividades-meio.

Pois Bem!

Creio ocorrer aqui equívoco por parte da requerida.

A r. sentença foi clara em determinar que a requerida se abstenha de terceirizar sua atividade-fim, assim considerada o preparo, plantio, tratos culturais, colheita e o transporte da cana-de-açúcar das fazendas até a usina da demandada; excetuando as atividades de pulverização aérea, transportes de empregados até o local de trabalho, ou atividades esporádicas e, ainda, aquelas que não se relacionem direta ou indiretamente com as atividades-fim.

Portanto, não houve proibição de terceirização de serviços enquadrados nas atividades-meio, o que encontra amparo na Súmula 331 do C. TST.

Destarte, afasto as argumentações suscitadas pela UCP.

 

 DA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

           

Suscita a UCP a incompetência desta Justiça Especializada, considerando que os contratos de terceirização têm natureza civil.

Ora, a r. sentença com propriedade afastou a preliminar, asseverando que a avença possui caráter civil entre os contratantes, contudo em relação aos trabalhadores e aos seus direitos, tanto individuais como difusos e coletivos, quando demandados são de competência da Justiça do Trabalho, por força do art. 114 da CF.

Rejeita-se.

DA LEGITIMIDADE ATIVA – DIREITOS INDIVIDUAIS NÃO HOMOGÊNEOS

           

A ação civil pública, como espécie das ações coletivas, tem por finalidade proteger os direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, de ameaças e lesões.

A legitimação do Ministério Público do Trabalho para a tutela dos direitos difusos e coletivos está consagrada na Constituição Federal (artigos 127 e 129, incisos III e IX, e § 1º), além da LC nº 75/93 (art. 83, inciso III) e Lei nº 7.347/85 (art. 5º, I).

Aliás, o STF já se manifestou positivamente pela legitimação do Ministério Público do Trabalho para tutela de interesses individuais homogêneos, conforme ementa a seguir transcrita:

RECURSO DE REVISTA. 1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. LEGITIMIDADE ATIVA. DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. Consoante os fundamentos adotados pelo Regional, a presente ação civil pública objetiva a condenação da ré a: ‘a) abster-se de prorrogar a jornada normal de trabalho além do limite legalmente autorizado de 2 horas diárias, salvo na hipótese de necessidade imperiosa (fatos imprevisíveis), b) conceder o período mínimo de 11 horas consecutivas para descanso entre duas jornadas de trabalho; c) conceder o período mínimo de um dia de descanso semanal de 24 horas consecutivas, preferencialmente aos domingos; d) pagar indenização por dano moral coletivo; e) divulgar a sentença’. Assim, a presente ação não busca o benefício individual de cada trabalhador, mas da coletividade como entidade homogênea, o que torna evidente o direito coletivo da pretensão e a indubitável legitimidade ativa ad causam do parquet, mormente diante da diretiva do art. 83, III, da Lei Complementar n° 75/93, no sentido de que compete ao Ministério Público do Trabalho promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos. Recurso de revista não conhecido. (…).” (TST-RR-1350-75.2011.5.15.0040, Rel. Min. Dora Maria da Costa, 8ª Turma, DEJT de 6/3/2015)

 

O fim precípuo desta Ação Civil Pública é a determinação para que a Usina deixe de terceirizar serviços relacionados com as atividades-fim da empresa.

Ora, no caso, o interesse de agir do Parquet decorre da necessidade de se buscar a tutela jurisdicional na defesa da dignidade da pessoa, uma vez que os direitos dos trabalhadores, hipoteticamente, não estariam sendo respeitado; demonstrando, assim, o autor a necessidade do provimento jurisdicional invocado para a preservação da integridade psicofísica dos trabalhadores terceirizados em questão. Portanto, resta claro o interesse processual do MPT.

Saliente-se que o provimento jurisdicional perseguido não é típico, uma vez que a tutela pretendida é de caráter inibitório (obrigação de fazer ou não fazer), em que se busca a cessação da prática de uma conduta supostamente ilícita da requerida, com reflexos sobre os trabalhadores terceirizados, visando, como já dito alhures, a proteger os direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos ameaças.

Ademais, do pedido constante na exordial, não se verifica pedidos de interesse individual, mas claramente restou postulado direitos de um grupo de trabalhadores, ou seja, aqueles que prestam serviços de forma terceirizada e que, hipoteticamente, têm seus direitos trabalhistas violados.

Aliás, o caso em apreço, está consonância com o artigo 81 do CDC, por aplicação supletiva, que assim dispõe sobre direitos individuais homogêneos:

“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

(…)

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.” (grifei).

Destarte, patente a legitimação e o interesse de agir do Ministério Público do Trabalho na propositura da presente ação. Pois, como já assentado, o fim precípuo desta Ação Civil Pública é a determinação para que a Usina deixe de terceirizar as atividades-fim da empresa.

Agora, se a demanda é procedente ou não, isso se trata de matéria de fundo e, portanto, será apreciada com o mérito da ação.

Rejeita-se a preliminar em epígrafe.

 

DA CUMULAÇÃO DE PEDIDOS

 

 Não procede a alegação da recorrente de não caber a cumulação de pedidos de condenação em dinheiro e de cumprimento de obrigação de fazer e não fazer, sob argumento de que a Lei n° 7.347/85, em seu artigo 3º, afasta a possibilidade de acúmulo dos dois tipos de pedidos.

Ora, a cumulação dos pedidos atende aos princípios da economia e da celeridade processual, este último elevado á categoria de princípio constitucional (art. 5º, inc. LXXVIII, da Carta Magna). Portanto, não há se falar, na hipótese, em impedimento para a acumulação de pedidos.

Mantém-se.

 

DO MÉRITO

 

DA TERCEIRIZAÇÃO LÍCITA – ATIVIDADE RURAL

DO PREPARO DO SOLO E TRANSPORTE DE CANA-DE-AÇÚCAR

 

Aduz a requerida, em extensa argumentação, que a mão de obra empregada recebeu a devida valoração e que as empresas prestadoras de serviços não cometeram irregularidades a ensejar atuação do MPT. Argumenta sobre as atividades-fim e meio no processo produtivo da usina. Colaciona diversos arestos neste sentido. Afirma, categoricamente, que a luz do Decreto nº 73.626/71, que regulamentou a Lei 5.889/73, não terceiriza suas atividades-fim.

Ao contrário do alegado, compulsando os autos, mormente às fls. 377/384, foram constatadas várias irregularidades em relação aos trabalhadores das empresas contratadas, não recebendo essas pessoas o mesmo tratamento dos empregados da requerida, quanto às condições de higiene, conforto e alimentação, mormente em relação a duas empresas contratadas: Neves da Silva e Cia e Ouro Verde Transportes (fl. 381).

O MPT carreou aos autos com as contrarrazões documentos que revelam o descumprimento de normas trabalhistas pela empresa Ouro Verde Transportes.

No entanto, o foco central deste processo, com nove volumes, pode ser resumido no tópico da precarização da mão de obra, ou seja, trabalhadores terceirizados inseridos na atividade rural da empresa, sem a observância dos direitos mínimos, havendo tratamento diferenciado em relação aos empregados da requerida. O que evidentemente não pode passar desapercebido.

Para maior compreensão da questão, peço vênia, para transcrever os fundamentos adotados na r. sentença (fls. 1241/1243):

Isso porque no conceito de atividade-fim, a expressão “fim” não se refere ao final do processo, ou seja às últimas etapas da cadeia de produção. A correta compreensão desse termo revela que não podem ser intermediados os serviços inerentes à consecução dos objetivos econômicos da empresa.

A produção, principalmente no setor agroindustrial, consiste em uma cadeia de procedimentos, que envolve diversas etapas na transformação da matéria-prima até o seu resultado final.

Logo não se pode acolher a afirmação da UCP de que a sua atividade-fim consiste unicamente na industrialização e fabricação de álcool. Ora, retirado o processo de plantio, cultivo, colheita e transporte da cana, ela pode atingir a sua finalidade? A resposta é evidentemente negativa.

Veja-se que a UCP poderia comprar a cana-de-açúcar de produtores rurais e se concentrar unicamente na sua atividade industrial. Mas, ao contrário, a demandada

decidiu cuidar também das atividades rurais em suas terras – e naquelas arrendadas – para poder ter controle sobre a produção, tanto que ela emprega centenas de trabalhadores rurais.

Assim, a ré internalizou na sua cadeia produtiva as etapas rurais e industriais de produção, não se podendo furtar, agora, da responsabilidade de contratar diretamente todos os empregados que laborem ao longo do processo.

É impossível acolher a tese de que o preparo do solo e o transporte da cana-de-açúcar (não de empregados até o local de trabalho) é atividade não ligada à finalidade empresarial.

Com efeito, a atividade-meio não se trata das etapas intermediárias da cadeia produtiva, como se imaginássemos uma linha do tempo na qual se fixa um marco até o qual a atividade é meio e a partir do qual é fim, tratando-se, em verdade, daquela que a empresa precisa para viabilizar o seu melhor funcionamento, mas que não toca na sua atividade econômica.

São exemplos os serviços de limpeza, de vigilância, de alimentação e transporte dos funcionários, enfim, todos aqueles que, se retirados, não impedem a continuidade do processo produtivo, de uma maneira direta.

De outro lado, também não convence o Juízo a alegação da demandada no concernente à especialização dos serviços terceirizados.

Ora, uma das atividades transferidas consiste no transporte da cana das fazendas até a usina, que foi transferido para empresa Ouro Verde. Com todo respeito aos profissionais envolvidos, tal atividade não exige uma “expertise” tal que justifique a

contratação de uma empresa especializada.

O parecer de fl. 1087/1101 da lavra do Professor Sérgio Lazzarini, embora muito bem fundamentado, tem por objeto uma análise administrativa e financeira das atividades terceirizadas, não servindo, a meu juízo, de prova da especialização das atividades, mesmo porque não há nenhuma dúvida de que a ré está economizando com a transferência dos serviços de preparo do solo, pulverização aérea e transporte da cana.

A ilicitude da transferência, ou seja, a violação ao ordenamento jurídico surge do fato de que tais atividades são essenciais ao fim da ré, que é a fabricação de álcool.

Aliás, a precarização da mão de obra decorre precisamente da sede das empresas de reduzirem ao máximo suas despesas, maximizando os lucros, ainda que às custas dos direitos dos empregados.

Além do transporte da cana (que como dito é atividade que pode ser absorvida pela empresa sem maior dificuldade), também o preparo do solo e toda a conjunção de serviços que compreendem a fase rural da produção estão inseridos na atividade-fim da reclamada.

Aqui se pode excetuar a pulverização aérea, atividade, essa sim, específica, que exige alta qualificação técnica e maquinário, que, inclusive, não foi abordada na exordial, e foi expressamente afastada na réplica (fl. 1054).

É importante destacar que a ré poderia, simplesmente, contratar empresas de trabalho temporário, firmar contratos por prazo determinado com seus empregados, ou ainda contratos por safra para a execução dos serviços mais esporádicos.

Também poderia a reclamada arrendar o maquinário necessário, ou buscar financiamentos que permitissem a viabilização da sua atividade, obrigações essas que incumbem, aliás, a qualquer empresário no momento em que busca iniciar sua atividade.

Com isso se quer dizer que a ré possui mecanismos jurídicos e econômicos que permitem a exploração da atividade empresarial, sem a precarização da mão de obra.

No entanto, ao optar por plantar, cultivar e colher a matéria-prima em suas terras (ou naquelas arrendadas) ela assume todas as consequências daí advindas, inclusive e especialmente, a contratação direta dos empregados que ai atuarão.

(…)

Por todas essas razões, reconheço a ilicitude da transferência a empresas interpostas dos serviços de preparação do solo, plantio, cultivo, colheita e transporte da cana-de-açúcar das fazendas até a usina da demandada, bem assim quaisquer outros correlatos, por constituírem fases inseridas na sua atividade-fim.

Ficam excetuadas as atividades de pulverização aérea, transportes de empregados até o local de trabalho, bem assim, todas aquelas atividades esporádicas, assim compreendidas as que são realizadas em intervalos superiores a 05 anos (como a abertura de estradas rurais), e, ainda, aquelas que não se relacionem direta ou indiretamente com o que se estabeleceu no parágrafo anterior.

É certo que não se pode impedir mudanças nas atividades empresariais urbanas e rurais, sobretudo no atual contexto socioeconômico, contudo, pode-se impedir a desvalorização do ser humano, pois o trabalho ainda é o meio de realização do ser humano, que não pode ser “sucateado”, relegado a segundo plano na cadeia produtiva. Pois, afora o seu aspecto Bíblico e Divino, é bom lembrar e frisar que a nossa Carta Mãe de 1988 tem como fundamento da República brasileira a cidadania, a dignidade da pessoa do trabalhador e os valores sociais do trabalho (Art. 1º da CF).

Conquanto a terceirização seja tema atual e muito discutido, inclusive no Congresso Nacional, não temos ainda lei própria regulando o assunto. No plano jurisprudencial, é a Súmula 331 do C. TST que dá os contornos e limites da terceirização:

SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Nas atividades empresariais urbanas, a jurisprudência tem se consolidado pela permissão da terceirização nas chamadas atividades-meio, de regra, negando licitude para a terceirização das atividades-fim, embora isso tenha sido recorrente no meio empresarial.

Complementado esta linha de raciocínio, colaciono julgado do C. TST:

 

            (…) RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. 1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. 2. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. 3. LITISCONSORTE NECESSÁRIO. 4. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. FRAUDE NA INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA. No caso concreto, o acórdão recorrido reconheceu, em síntese, a fraude cometida pela Reclamada em virtude de terceirização de sua atividade-fim. O fenômeno da terceirização traz graves desajustes em contraponto aos clássicos objetivos tutelares e redistributivos que sempre caracterizaram o Direito do Trabalho. Nesse sentido, cabe aos operadores do ramo justrabalhista submeter o processo sociojurídico da terceirização às direções essenciais do Direito do Trabalho, de modo a não propiciar que ele se transforme na antítese dos princípios, institutos e regras que sempre foram a marca civilizatória e distintiva desse ramo jurídico no contexto da cultura ocidental. Destaque-se que a Constituição Federal de 1988 traz limites claros ao processo de terceirização laborativa na economia e na sociedade, embora não faça, evidentemente – como não caberia -, regulação específica do fenômeno. Os limites da Carta Magna ao processo terceirizante situam-se no sentido de seu conjunto normativo, quer nos princípios, quer nas regras assecuratórios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da valorização do trabalho e especialmente do emprego (art. 1º, III, combinado com art. 170, caput), da busca da construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), do objetivo de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais (art. 3º, III), da busca da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV). Note-se que, na audiência pública sobre o tema, realizada no TST na primeira semana de outubro de 2011, ficou claro que a terceirização, se realizada sem limitações, provoca inevitável rebaixamento nas condições de trabalho, quer economicamente, quer no tocante ao meio ambiente do trabalho, devendo ser acentuado o acerto da Súmula 331, I e III, do TST. Tais fundamentos (art. 1º, caput) e também objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, caput), encouraçados em princípios e regras constitucionais, todos com inquestionável natureza e força normativa, contingenciam fórmulas surgidas na economia e na sociedade de exercício de poder sobre pessoas humanas e de utilização de sua potencialidade laborativa. A partir desse decidido contexto principiológico e normativo é que a Constituição estabelece os princípios gerais da atividade econômica (Capítulo I do Título VII), fundando-a na valorização do trabalho e da livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (caput do art. 170). Por essa razão é que, entre esses princípios, destacam-se a função social da propriedade (art. 170, III), a redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, VII), a busca do pleno emprego (art. 170, VIII). Na mesma linha de coerência, a Carta Máxima estabelece a disposição geral da ordem social (Capítulo I do Título VIII), enfatizando que esta tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193). Nessa moldura lógica e sistemática da Constituição, não cabem fórmulas de utilização do trabalho que esgarcem o patamar civilizatório mínimo instituído pela ordem jurídica constitucional e legal do país, reduzindo a valorização do trabalho e do emprego, exacerbando a desigualdade social entre os trabalhadores e entre este e os detentores da livre iniciativa, instituindo formas novas e incontroláveis de discriminação, frustrando o objetivo cardeal de busca do bem-estar e justiça sociais. Para a Constituição, em consequência, a terceirização sem peias, sem limites, não é compatível com a ordem jurídica brasileira. As fronteiras encontradas pela experiência jurisprudencial cuidadosa e equilibrada para a prática empresarial terceirizante, mantendo esse processo disruptivo dentro de situações manifestamente delimitadas, atende ao piso intransponível do comando normativo constitucional. Nessa linha, posiciona-se a Súmula 331 do TST, não considerando válidas práticas terceirizantes fora de quatro hipóteses: trabalho temporário (Lei n. 6.010/1974); serviços de vigilância especializada (Lei n. 7.102/1983); serviços de conservação e limpeza (Súmula 331, III); serviços ligados à atividade-meio do tomador (Súmula 331, III). Portanto, a utilização da terceirização ilícita implica afronta aos princípios e regras essenciais que regem a utilização da força do trabalho no País. Nesse sentido, o fenômeno extrapola o universo dos trabalhadores diretamente contratados de forma irregular para produzir impacto no universo social mais amplo, atingindo uma gama expressiva de pessoas e comunidades circundantes à vida e espaço laborativos. Recurso de revista não conhecido.

(RR – 130300-89.2003.5.02.0058 , Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 04/06/2014, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13/06/2014) (g.n

No agronegócio, também não temos legislação sobre a terceirização e a jurisprudência, da mesma forma do que ocorre no ambiente urbano, tem admitido a terceirização das atividades-meio.

Sobre o tema, veja-se o recente acórdão da lavra do Excelentíssimo Juiz Marcelo Bueno Pallone, nos autos do Processo de nº 000994-89.2013.5.15.0079, que discorre sobre a terceirização nas Usinas de cana-de-açúcar, que ora cito a ementa:

 

TERCEIRIZAÇÃO DA ATIVIDADE-FIM COM ÚNICO OBJETIVO DE REDUÇÃO DE CUSTOS. TRANSFORMAÇÃO DO TRABALHO E DO PRÓPRIO TRABALHADOR EM MERCADORIA. VEDAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT – (DECLARAÇÃO DE FILADÉLFIA) E SEU ANEXO E PELOS ARTIGOS 1º, IV, 3º, 6º e 7º e 170 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Quando é nítida a intenção de uma empresa em procurar no mercado outra que lhe ofereça mão de obra a menores preços, de modo que a contratante substitua os trabalhadores que contrata para as suas atividades essenciais pelos serviços prestados por interposta pessoa, sem que a primeira fiscalize e se responsabilize solidariamente pelos direitos sociais e trabalhistas dos empregados da contratada ou “empresa terceirizada” que lhe prestam serviços, garantindo-lhes inclusive os mesmos direitos hauridos pelos empregados da contratante em negociação coletiva, dentre tais o piso salarial ou normativo, não permitindo que se submetam a condições de trabalho degradantes e sem observância das medidas de segurança e proteção do trabalhador, dúvida não resta de que não estamos diante da simples transferência de parte do processo produtivo para fins tão somente de alcançar a especialização técnica, mas de pura mercantilização não só do trabalho, mas do trabalhador inclusive, o que é vedado pela Constituição da Organização Internacional do Trabalho – OIT – (Declaração de Filadélfia) e seu anexo e pelos artigos 1º, iv, 3º, 6º e 7º e 170 da Constituição Federal.

No caso vertente, a r. sentença reconheceu a ilicitude da transferência a empresas interpostas dos serviços de preparação do solo, plantio, cultivo, colheita e transporte da cana-de-açúcar das fazendas até a usina da demandada, por estarem inseridas nas atividades-fim, e condenou a requerida na obrigação de abster-se de realizar novas contratações de empresas para intermediação da mão de obra, mas não determinou que se reconheça o vínculo de emprego com os trabalhadores já contratados.

Pois Bem!

Em que pesem as razões de decidir da r. sentença, bem como do mencionado acórdão do Processo de nº 000994-89.2013.5.15.0079, deste Regional, tenho que a questão da cultura da cana merece maiores reflexões, uma vez que a atividade rural deixou de ser manual e passou por profundo processo de transformação – da era do machado, enxada, enxadão e podão para a era da mecanização em grande escala; do transporte da cana no lombo de burro/mula para a utilização de treminhões -; contribuindo sobremaneira com a melhoria das condições de trabalho e remuneração dos trabalhadores melhores qualificados e com o desenvolvimento do agronegócio, hoje responsável por boa parte do PIB do país, além da expressiva cota de exportação, assegurando a manutenção das reservas do país, mesmo num ambiente interno de redução econômica.

A intermediação de mão de obra rural não é novidade e vem de longa data, diante do permissivo dos arts. 3º e 4º da Lei 5.889/73:

Art. 3º Considera-se empregador rural, para os efeitos desta Lei, a pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade agroeconômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de empregados.

§1º Inclui-se na atividade econômica referida no caput deste artigo, além da exploração industrial em estabelecimento agrário não compreendido na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a exploração do turismo rural ancilar à exploração agroeconômica. Alterado pela LEI Nº 13.171, DE 21 DE OUTUBRO DE 2015 – DOU DE 22/10/2015

§2º Sempre que uma ou mais empresas, embora tendo cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico ou financeiro rural, serão responsáveis solidariamente nas obrigações decorrentes da relação de emprego.

Art. 4º Equipara-se ao empregador rural, a pessoa física ou jurídica que, habitualmente, em caráter profissional, e por conta de terceiros execute serviços de natureza agrária, mediante utilização do trabalho e outrem.

 

Com base nos arts. 3º e 4º da Lei do Rural, o empreendedor rural está autorizado a contratar com terceiros, pessoa física ou jurídica, a execução de serviços de natureza agrária, ou seja, por meio de empreiteiros ou empresários que executam algum tipo de serviço especializado ou sazonal para atender as necessidades da exploração de culturas, sem excluir eventual responsabilidade do proprietário rural pelas obrigações trabalhistas dos trabalhadores que prestaram serviços na propriedade rural. Cite-se, por exemplo, alguns serviços prestados por terceiros ao empresário rural: terraplenagem, pulverização aérea, segurança/vigilância, transporte de pessoal, advocacia etc.

É verdade que a doutrina e a jurisprudência sempre combateram e continuam firmes no propósito de acabar com a exploração da mão de obra rural, decorrente da intermediação fraudulenta, causadora da precarização das condições de trabalho. Isso realmente deve ser extirpado do meio rural.

Contudo, a pretexto de combater a intermediação ilegal da mão de obra rural, não se pode impor ônus desmedido ao empresário rural, sob pena de dificultar ou até mesmo inviabilizar a atividade agroeconômica, mormente num ambiente de competitividade e de redução de custos, a fim de que o produto tenha preço justo e possa abastecer o mercado interno e externo.

No caso, estamos tratando de uma Usina que tem por atividade-fim a industrialização e fabricação de álcool e açúcar. E quanto a sua atividade econômica não há dúvida que é indústria urbana. O seu pessoal que atua na área da indústria é industriário para efeito de enquadramento sindical. Aliás, quanto a esse ponto não há discussão.

No entanto, além da industrialização e fabricação de álcool e açúcar, a requerida também explora atividade agroeconômica em caráter permanente, em terras próprias, arrendas ou de terceiros. Nessas condições, é empregadora rural, sob a égide da Lei nº 5.889/73, logo, os trabalhadores que prestam serviços de natureza não eventual nas propriedades rurais próprias ou arrendadas, são empregados rurais para todos os efeitos.

É certo também que para a consecução de seus fins industriais, necessita de matéria-prima, ou seja, a cana-de-açúcar. Informa a requerida que cerca de 50% da produção da cana-de-açúcar é adquirida de terceiros os quais entregam o produto na usina.  A outra metade é de produção própria, predominantemente mecanizada, contando com aproximadamente 1.500 empregados. É essa produção própria de cana-de-açúcar que é objeto desta Ação Civil Pública.

A r. sentença de fl. 1247, julgando procedente em parte o pedido do MPT determinou à requerida: “abster-se de realizar novas contratações de empresas para intermediação da mão de obra, nos serviços de preparação do solo, plantio, cultivo, colheita e transporte da cana-de-açúcar das fazendas até a usina da demandada, por constituírem fases inseridas na sua atividade-fim”.

Sustenta a recorrente que a terceirização em debate ocorre somente nos serviços especializados de preparo do solo e transporte de cana-de-açúcar.

            Vejamos a questão do preparo do solo:       

Esclarece a requerida que a atividade de preparo e sistematização do solo, compreende diversos serviços técnicos, a saber (fl. 1299):

1º Passo: a análise do solo por laboratório especializado;

2º Passo: retirada autorizada de árvores da área destinada à plantação de cana-          de-açúcar, com obtenção de licenças para tanto;

3º Passo: realização de “aragem” do solo;

4º Passo: abertura de estradas;

5º Passo: criação de curvas de nível;

6º Passo: padronização e preparação do solo, para deixá-lo fofo e nivelado;

7º Passo: realização de catação de tocos e raízes de árvores e plantas; e

8º Passo: reparação e correção química do solo (aplicação de calcário, gesso e fertilizantes).

Por se tratar de serviços sazonais, realizados quando da primeira plantação na área, para o desbravamento da terra, contrata serviços de terceiros, dada a especificidade dos serviços. Salienta que se fosse obrigada a executar com pessoal e maquinário próprios teria que efetuar investimentos de mais de 30 milhões de reais (pessoal e equipamentos: escavadeiras, pá carregadeiras, motoniveladoras, carro de apoio, caminhão oficina, caminhão comboio, micro-ônibus, rádios de comunicação, caminhão munque, ônibus de transporte, tratores com carretas e motosserras, fl.1299-v). Além disso, a maior parte do maquinário ficaria ocioso a maior parte do tempo, pois seria utilizado quando do primeiro plantio e depois a cada cinco anos para refazimento de alguma área. Aliás, hodiernamente, a cada período necessário para a replantação, aração e gradeamento já faz com maquinário e pessoal próprios.

Insta salientar que atualmente a requerida já realiza com pessoal e maquinários próprios, a plantação da cana-de-açúcar, o cultivo (tratos culturais, adubação do solo, combate a pragas, etc.; menos a pulverização por aeronave) e a colheita. Terceirizando o transporte do campo até a usina, o que será objeto de análise abaixo.

Acerca do preparo e sistematização do solo, interessante citarmos o parecer de José Luciano de Castilho Pereira e Vantuil Abdala, advogados, ministros aposentados do TST (fl. 1344):

 

“É uma atividade que envolve tão alta tecnologia que, modernamente, a sistematização de solo se realiza até por meio de “Raio Laser: um método moderno e mais rápido para proceder a sistematização. É de grande eficiência, porém exige grande experiência dos operadores”, como ainda esclarece aquele mesmo Órgão (Embrapa).

Vê-se, pois, que é um serviço que se realiza uma vez só, e não a cada ano ou a cada plantação. Como é óbvio, nivelado o terreno, assim permanece indefinidamente. Retiradas as grandes pedras e arrancados tocos de árvores, mais não se repete. Mesmo abertura de estradas internas e a construção de curvas de nível são definitivos, e só demandam pequenos reparos após cinco ou seis anos”.

De fato, não se afigura razoável impor tal obrigação ao proprietário ou arrendatário rural, em nenhuma cultura, inclusive da cana-de-açúcar, tendo em vista as especificidades das atividades para o preparo e sistematização do solo, bem como o enorme custo para aquisição da expertise e dos equipamentos necessários à realização das operações, o que poderia causar distorção nos custos de produção, em prejuízo à decantada produtividade e competitividade do setor sucroalcooleiro, sem que isso signifique melhoria das condições de trabalho dos rurícolas.

Portanto, estou convencido de que os serviços de preparo e sistematização do solo para a cultura da cana-de-açúcar, são atividades especializadas e esporádicas que podem ser realizadas por terceiros detentores de tecnologias e maquinários pesados de alto valor, necessários à execução dos serviços.

Com efeito, dou provimento ao recurso da requerida para excluir da condenação os serviços de preparo e sistematização do solo.

            Analisa-se agora a questão sobre o transporte da cana-de-açúcar:

Emerge dos autos que a requerida planta, cultiva e colhe a cana, com pessoal e maquinários próprios. Ao fazer o corte da cana, também faz o chamado transbordo, isto é, coloca a cana cortada nas carrocerias dos caminhões (reboque). Isso é feito de forma mecanizada. O cavalo mecânico com equipamento “rodotrem” é acoplado à carroceria e julieta e a cana é transportada para a Usina, cujo descarregamento é automatizado. A chamada terceirização ocorre no processo do transporte da cana das frentes de trabalho no campo até a usina. Os cavalos mecânicos com equipamento rodotrem, caminhões plataforma com carroceria e julieta de cana e os conjuntos de reboque e semirreboques, bem como os motoristas pertencem à empresa contratada para a prestação desse serviço de transporte de cana.

Inegavelmente, tudo que é produzido no campo tem que ser transportado para algum lugar, seja para silagem, armazenamento, seja para beneficiamento, seja para industrialização, seja para os centros de distribuição etc. Até chegar à mesa do consumidor.

Com a cana não é diferente! Uma vez colhida deve ser transportada para a usina, pois é a matéria-prima para a industrialização do álcool e açúcar. E quem deve transportar a cana da roça até a usina? A própria usina interessada na matéria-prima? O produtor rural que plantou a cana e colheu? Um terceiro que tenha condições de executar o serviço a contento, seja pela eficiência na prestação dos serviços, seja garantindo os direitos dos trabalhadores envolvidos no processo de transporte?

Realmente, não é uma resposta fácil! Mas estou convencido de que, no atual estágio do desenvolvimento econômico e social do País, o transporte dos produtos rurais em geral, inclusive a cana-de-açúcar pode ser transportada do campo até a Usina por terceiros, uma vez que se trata de um serviço especializado, com caminhões adequados percorrendo trechos em terra e por rodovias asfaltadas. Ademais, a atividade de transporte de cargas é regulamentada, tanto pelo Código Civil (arts. 730-756), quanto pela Lei nº 11.442/07.

De sorte que, não vejo necessidade de impor à recorrente o ônus de transportar, com pessoal, caminhões e equipamentos próprios, a cana do campo para a sua Usina. Pois, como ela estima, haveria necessidade de altos investimentos só em caminhões/equipamentos (R$59 milhões), os quais também ficariam ociosos por vários meses no ano, no período da entressafra, refugindo ao princípio da razoabilidade, sob a ótica produtiva.

Agora, esse serviço de transporte da cana deve ser prestado por empresa idônea e que cumpra com as obrigações trabalhistas. Do contrário, a recorrente será chamada a cumprir com as suas obrigações sociais.

É fato que a recorrente tem se preocupado na contratação de empresas especializadas e consideradas idôneas. No entanto, a contratada constante dos autos não tem cumprido com todas as obrigações trabalhistas do seu pessoal, mormente no tocante à jornada de trabalho, conforme se infere dos Autos de Infração do MTE, de fls. 1430/1670.

Frise-se que a recorrente havia se comprometido por meio de acordo judicial firmado com o MPT, nos autos da ACP nº 446-51.2012.5.15.0127, a garantir aos empregados das empresas contratadas para realização da atividade de transporte as mesmas condições de higiene, conforto e alimentação oferecidas aos seus próprios empregados.

Assim, a recorrente deve implementar medidas efetivas para que, de fato, os empregados das empresas prestadoras de serviços tenham as mesmas condições de trabalho acordadas, inclusive no tocante ao cumprimento da jornada de trabalho.

Com efeito, dou provimento ao recurso da requerida para excluir da condenação os serviços de transporte da cana da lavoura até a Usina.

DAS “ASTREINTES”

Postula a requerida o afastamento das “astreintes” no descumprimento da obrigação de fazer correspondente à importância de R$ 100.000,00, para cada contrato firmado, acrescido de R$ 1.000,00 por empregado intermediado, por dia de vigência da pactuação; aduz ainda que a legislação trabalhista já tem previsão para imposição de multa administrativa caso a fiscalização encontre trabalhador sem registro em CTPS.

Com efeito, o Juízo sentenciante zelou pela efetividade da sua decisão, utilizando-se da prerrogativa contida no art. 461, §§ 4º e 5º, do CPC, impondo astreintes para o caso de inobservância da sua ordem de a requerida se abster de realizar novas contratações de empresas para intermediação da mão de obra, naquelas atividades em que se reconheceu a terceirização ilícita, cuja execução não é imediata, uma vez que deve ser aguardado o trânsito em julgado da decisão e aferir se houve ou não descumprimento da determinação do juiz.

Todavia, a questão referente a contratação de empresas para prestação de serviços terceirizados, restou prejudicada, haja vista o quanto decidido alhures.

No entanto, subsiste a obrigação da recorrente em assegurar condições de trabalho dignas, mormente o cumprimento das obrigações trabalhistas pelas prestadoras de serviços, seja no tocante ao registro do pessoal, seja para garantir condições de higiene, conforto e alimentação, seja no cumprimento da jornada de trabalho.

Assim, altero a penalidade estipulada para fixar “astreintes” de R$1.000,00, para cada trabalhador terceirizado encontrado em situação irregular. Cujo valor deverá ser revertido em prol do próprio trabalhador, sem prejuízo de outras penalidades cabíveis.

 

 DO DANO MORAL COLETIVO

           

Como visto alhures, no caso sob exame houve clara ofensa aos princípios da dignidade da pessoa por conta da situação irregular de trabalhadores terceirizados em relação às condições de trabalho e regime de sobrejornada, causando prejuízos aos trabalhadores terceirizados, violando os princípios e regras essenciais fundamentais do Direito do Trabalho.

Ora, a ocorrência de violação ao princípio da dignidade da pessoa, à integridade psicofísica e à saúde dos trabalhadores terceirizados configuram dano moral coletivo e impõe sua correspondente reparação.

Saliente-se que o efeito punitivo da reparação decorre não somente da violação de direito difuso ou coletivo, mas de toda violação legal cuja gravidade faça transbordar efeitos para além das fronteiras do individualismo, causando repulsa social. Trata-se de aplicação do disposto no artigo 5º, incisos V e X, c/c art. 6º e incisos VI e VII da Lei nº 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor) e artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002.

Contudo, a destinação do valor do dano moral coletivo não deve ser revertida em favor do FAT. É mais lógico e razoável que seja destinado à comunidade local, ou seja, em medidas e ações a serem implementadas pela própria requerida para melhorias das condições de trabalho dos seus empregados e demais trabalhadores que atuam em suas atividades. Para tanto, a reclamada deverá apresentar projetos para análise e aprovação do MPT, submetendo-se à chancela do Juízo da respectiva Vara, a quem compete, ainda, ouvindo o MPT, definir os critérios de aplicação, acompanhamento e fiscalização dos projetos, a fim de assegurar a efetiva destinação dos recursos e a implantação das medidas aprovadas.

Reforma-se, parcialmente, a r. sentença no tópico.

    

DO RECURSO DO MPT

DO QUANTUM DEBEATUR

No tocante ao valor da indenização devida pela UCP pelo dano moral coletivo, considerando a extensão da lesão, a sua gravidade – pois houve ofensa aos princípios fundamentais da dignidade da pessoa e dos valores sociais do trabalho, previstos na Constituição Federal (art. 1º, III e IV), além de colocar em risco a saúde e a integridade psicofísica de trabalhadores terceirizados –, e o poderio econômico da Usina, resolvo manter o valor da indenização por danos morais coletivos, devida pela UCP, de R$ 500.000,00, inclusive levando-se em conta o caráter preventivo, punitivo e pedagógico da medida, para servir de freio a atos ilícitos advindos do empregador e de outros responsáveis, notadamente em se tratando de flagrante desrespeito aos direitos dos trabalhadores terceirizados, ferindo o princípio da dignidade da pessoa. Destarte, considerando que o valor da condenação está adequado à infração, mantém-se.

DO PREQUESTIONAMENTO RECURSAL

          

Por oportuno, frise-se que, para efeito recursal, fica prequestionada a matéria ou questão impugnada constante das razões recursais das partes recorrentes, a teor da Súmula 297 do C. TST. Advertindo-se que eventual embargos declaratórios para fins de prequestionamento poderão ser entendidos por meramente protelatórios, ensejando as penalidades legais cabíveis.

 

DIANTE DO EXPOSTO, decido conhecer dos recursos interpostos pelas partes; rejeitar todas as preliminares suscitadas; PROVER PARCIALMENTE o apelo da requerida, para excluir da condenação as restrições em relação aos serviços de preparo e sistematização do solo e de transporte da cana do campo para a Usina; fixar astreintes de R$1.000,00, para cada trabalhador terceirizado encontrado em situação irregular, cujo valor deverá ser revertido em prol do próprio trabalhador, sem prejuízo de outras penalidades cabíveis; reverter a indenização por danos morais coletivos para execução de medidas destinadas à melhoria das condições de trabalho dos empregados e demais trabalhadores que atuam nas atividades da requerida, com a participação do MPT e do Juízo da Vara; e NEGAR PROVIMENTO ao recurso do MPT. Tudo nos termos da fundamentação. Para fins recursais, mantém-se o valor da condenação estipulado pela Origem.

EDISON DOS SANTOS PELEGRINI

Desembargador Relator

 

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