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Concessionária de energia elétrica é condenada a indenizar piscicultor pelos prejuízos sofridos pela interrupção no fornecimento de energia necessária ao exercício da atividade agrária

“A 2ª Câmara de Direito Público do TJSC confirmou sentença da comarca de Trombudo Central, no Alto Vale do Itajaí, e condenou concessionária de energia elétrica ao pagamento de R$ 10,8 mil a um piscicultor pela morte de 22 mil peixes de sua criação. O fato foi registrado no dia 15 de fevereiro de 2015, após interrupção no fornecimento de energia necessária para o funcionamento de aeradores, o que resultou na falta de oxigênio nos viveiros.

A empresa alegou a ocorrência de caso fortuito e culpa exclusiva da vítima pelo aumento de carga instalada sem o devido aviso à concessionária. Também defendeu a desconsideração do laudo pericial apresentado pelo criador, além de questionar o valor levantado dos prejuízos apontados.

 O relator, desembargador Sérgio Baasch Luz, não acolheu os argumentos e destacou que o fornecimento de energia elétrica é serviço público de natureza essencial e deve ser prestado pelo Estado, diretamente ou mediante concessão. Neste último caso, a empresa concessionária assume a responsabilidade, passando a responder objetivamente pelos danos causados ao consumidor.

‘Destarte, não merece prosperar a alegação de que a queda de energia se deu por culpa exclusiva da vítima em razão da carga instalada – aeradores movidos a energia elétrica – sem atualização dos dados na ficha cadastral da Celesc. Não foi juntada aos autos ficha cadastral, tampouco relatório de carga instalada. Ademais, é de responsabilidade da apelante os melhoramentos da rede de fornecimento de energia, uma vez que se trata de área agrícola e diversos produtores exigem grande demanda de energia para o exercício das atividades comerciais naquela região’, concluiu Baasch Luz (Apelação Cível n. 2015.068178-9)”.

Fonte: TJSC, 28/03/2016 (Textos: Américo Wisbeck, Ângelo Medeiros, Daniela Pacheco Costa e Sandra de Araujo).


Nota de DireitoAgrário.com:

A matéria supracitada aborda uma situação fática que revela um problema muito comum vivenciado no meio rural: a falta de infraestrutura. Como sabemos, o Brasil é um país com vários problemas relacionados a infraestrutura, sendo que e o setor agrário é um dos mais prejudicados. Dentre esses problemas se enquadra a questão da energia elétrica, que tem um enorme potencial de causar danos ao setor ou de limitar as possibilidades de expansão.

Importante referir que incumbe ao poder público este tipo de serviço, sendo obrigatório o fornecimento adequado, conforme disposto no art. 175 da Constituição Federal. Justo detalhar aqui que a Lei nº 8.171/1991, que dispõe sobre a Política Agrícola, prevê como pressupostos para o processo de desenvolvimento agrícola do homem do campo o acesso aos serviços essenciais, dentre eles a eletrificação (art. 2º, inc. VI). Inclusive, o inc. II do parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.171/1991 destaca a prioridade na concessão de benefícios associados a programas de infraestrutura rural, notadamente de energização.

Por isso, a matéria apresentada é um ótimo exemplo dessa problemática, o serviço de energia prestado não teve a qualidade mínima aceitável para o funcionamento da atividade, gerando grande prejuízo ao piscicultor. O tribunal de justiça de Santa Catarina entendeu que a concessionária deveria ressarcir os prejuízos alegados.

Importante destacar que o produtor rural tem o direito de ser indenizado nos casos de prejuízos pela falta da qualidade deste serviço, como outros direitos também dispostos em lei. Não só pode-se pleitear o ressarcimento dos danos causados pelo corte no fornecimento de energia elétrica, como também requerer medidas para que a empresa efetue o correto e adequado serviço que lhe incumbe, prevenindo situações semelhantes e melhorando um gargalo fundamental em seu negócio.

Por isso, é importante que o produtor rural conte com bom assessoramento jurídico, tendo sempre em mãos documentos organizados para eventual demanda, que viabilizem a demonstração dos valores a serem ressarcidos, a funcionalidade dos equipamentos adquiridos, dentre outras alegações pertinentes, a exemplo do laudo técnico referido no caso analisado“.

Por Wiliam Mecca Martinelli, Advogado especialista em Direito Agrário e Ambiental pelo I-UMA/UNIP.


Confira a íntegra da decisão:

Apelação Cível n. 2015.068178-9, de Trombudo Central

Relator: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz

 

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. MORTE DE PEIXES EM VIVEIROS DE PISCICULTURA. CONCESSIONÁRIA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO - CELESC. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE INEXISTENTES. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2015.068178-9, da comarca de Trombudo Central (1ª Vara), em que é apelante Celesc Distribuição S/A, e apelado Jonas César Will:

A Segunda Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. João Henrique Blasi, que o presidiu, e Des. Cid Goulart. Funcionou como representante do Ministério Público o Dr. Guido Feuser.

Florianópolis, 15 de março de 2016.

Sérgio Roberto Baasch Luz

RELATOR

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por Celesc Distribuição S/A, contra sentença que, na ação de reparação de danos ajuizada pelo apelado em face da concessionária de serviço público, julgou procedente o pedido veiculado na exordial, para condenar “a ré ao pagamento de R$10.890,00 em favor do autor, sobre o qual devem incidir correção monetária pelos índices divulgados pela Egrégia Corregedoria-Geral da Justiça a contar da confecção do laudo de fls. 15/18 (13-02-2015) e juros de mora de 1% ao mês a partir da citação válida (01-06-2015, fl. 49)”. Por fim, condenou a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitrou em 15% sobre o valor atualizado da condenação. (fl.67 – autos digitais).

A apelante, Celesc Distribuição S/A, inconformada com a sentença a quo, aduziu o respeito às exigências da ANEEL, a ocorrência de caso fortuito, o aumento de carga instalada sem devido aviso à Celesc, bem como requerendo a inversão do ônus da prova e a desconsideração do laudo pericial apresentado, uma vez que confeccionado de forma unilateral.

Nesse contexto, pugna pela reforma do aresto vergastado no que tange ao valor fixado a título de danos materiais haja vista não haver demonstração válida de como chegou ao valor pretendido a título de danos materiais, devendo ser provida a apelação para que seja julgada improcedente a demanda.

Contrarrazões às fls. 96/111 – autos digitais.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Dr. André Carvalho, não se manifestando quanto ao meritum causae (fl. 07 – autos físicos).

É o relatório.

VOTO

Pretende a recorrente a reforma da sentença que a condenou ao pagamento de indenização por danos materiais decorrente da interrupção do fornecimento de energia elétrica que culminou na morte de 22.000 peixes em viveiro de piscicultura de propriedade do autor Jonas César Will.

O art. 186 do Código Civil, ao definir o ato ilícito, conceitua-o in verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Ocorrendo o ato ilícito, exsurge ao causador do dano a responsabilidade civil, a qual é classificada em subjetiva, fundada na teoria da culpa, nas hipóteses de imprudência, negligência e imperícia e na objetiva, respaldada pela teoria do risco.

Oportuna é a lição de Sérgio Cavalieri Filho: ‘“A responsabilidade fundada no risco de atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade.” (Cavalieri, Sérgio Filho. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros. p.171).

Convém destacar que o fornecimento de energia elétrica é serviço público de natureza essencial, e assim sendo, deve ser prestado pelo Estado, que o faz diretamente ou mediante concessão. No último caso, a empresa concessionária assume a responsabilidade, passando a responder objetivamente pelos danos causados ao consumidor.

Destarte, de acordo com o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, adotou-se a teoria do risco administrativo quanto à responsabilidade civil objetiva do Estado. Ou seja, o ente público deve indenizar os danos causados a terceiros, independentemente de demonstração da culpa, diante da comprovação do nexo de causalidade entre o fato e o dano.

Segundo Hely Lopes Meirelles:

O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão (Direito Administrativo Brasileiro, 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 622).

Ademais, no que tange ao pedido de inversão do ônus da prova, não merece prosperar. O apelado é consumidor do produto disponibilizado pela apelante, por meio da atividade de prestação de serviço público de energia elétrica, devendo incidir o disposto nos arts. 14 e 22 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Art. 22 – Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias ou permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, a forma prevista neste Código.

Dando continuidade ao raciocínio, sabe-se que, para a configuração da responsabilidade objetiva, devem estar preenchidos os seguintes requisitos: existência do dano, a ocorrência da ação, o nexo causal, e a falta de causa excludente de responsabilidade.

Nesse passo, a interrupção no fornecimento de energia elétrica ocorreu, conforme se verifica dos depoimentos coligidos na fase instrutória, na data de 11 de fevereiro de 2015, e, em que pese queira fazer crer a apelante o contrário, não houve respeito aos princípios da ANEEL na data supracitada. O dano e o nexo causal restaram claramente evidenciados através do laudo técnico de fls. 15/18, acostado aos autos, o qual indica a interrupção fornecimento de energia elétrica e o consequente prejuízo financeiro sofrido pelo apelado, uma vez que a morte dos peixes proveio da falta da prestação do serviço de responsabilidade da concessionária.

Outrossim, como causas excludentes de responsabilidade objetiva, a jurisprudência e doutrina pátria também assinalam como sendo: a) a inexistência de causalidade entre a conduta da administração e o dano ocorrido, b) a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro e c) o caso fortuito ou a força maior.

Destarte, não merece prosperar a alegação de que a queda de energia se deu por culpa exclusiva da vítima em razão da carga instalada – aeradores movidos a energia elétrica – sem atualização dos dados na ficha cadastral da Celesc. Não foi juntado aos autos ficha cadastral, tampouco relatório de carga instalada. Ademais, é de responsabilidade da apelante os melhoramentos da rede de fornecimento de energia, uma vez que se trata de área agrícola e diversos produtores exigem grande demanda de energia para o exercício das atividades comerciais naquela região.

Não obstante, a apelante quis fazer crer a incidência de animais na rede elétrica para caracterização de caso fortuito ou força maior, entretanto, não há qualquer prova neste sentido acostada ao autos, apenas verifica-se “causa não identificada” (fl. 39 – autos digitais). Outrossim, já se utilizou de outros subterfúgios em sede de contestação para caracterização do caso fortuito – descarga atmosférica (fl. 26 – autos digitais), onde aponta como prova a NR 008998711 (fl. 40 – autos digitais), contudo, a mesma afirma novamente e apenas que a causa é “não identificada”. Flagrante contradição com intuito único e exclusivo de esquivar-se de sua responsabilidade sem qualquer prova das alegações realizadas. De qualquer sorte, as referidas situações não se prestam a caracterizar o caso fortuito ou força maior, uma vez que são previsíveis.

De mesmo modo, repisa-se a afirmação da testemunha Carlos Eduardo Oda, engenheiro agrônomo, de que a produção de peixes por metro quadrado era realizada em quantidade adequada, não havendo, deste modo, qualquer negligência do autor na criação e cultivo dos viveiros.

Descartada a presença de qualquer excludente de responsabilidade civil – relembrando-se que, por se tratar da aplicação da teoria do risco administrativo a culpa será sempre presumida -, é de se reconhecer o dever de indenizar da Celesc, em virtude do nexo de causalidade entre a morte dos peixes de propriedade do autor e a interrupção no fornecimento de energia elétrica.

Nesse sentido:

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. MORTE DE AVES EM AVIÁRIO. CONCESSIONÁRIA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO – CELESC. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE INEXISTENTES. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. AUSÊNCIA DE PROVAS HÁBEIS A DERRUIR AS CONCLUSÕES OBTIDAS NO LAUDO APRESENTADO. SENTENÇA MANTIDA. DANOS MATERIAIS DEVIDOS. RECURSO DESPROVIDO.

Por força da responsabilidade civil objetiva consagrada pelo art. 37, § 6º, da CF/88, a fazenda pública e os concessionários de serviços públicos estão obrigados a indenizar os danos causados em virtude de seus atos, e somente se desoneram se provarem que o ato ilícito se deu por culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, caso fortuito ou força maior. Comprovado que o autor sofreu prejuízos ante a diminuição de qualidade da sua produção de fumo por conta da queda de energia que paralisou a secagem na estufa, não solucionada no tempo devido, faz jus à indenização dos danos materiais a ser paga pela concessionária de energia elétrica. (TJSC, Apelação Cível n. 2013.046429-7, de Ituporanga, rel. Des. Jaime Ramos, j. 05-09-2013). (Apelação Cível 2014.025930-7, Rel. Des. Júlio César Knoll, de Mafra, Quarta Câmara de Direito Público, j. em 14/08/2014).

Ademais, no concernente aos danos materiais, almeja a recorrente a improcedência, sob o argumento de que não há comprovação válida nos autos do prejuízo material efetivamente suportado pelo requerente, posto que deve ser desconsiderado o laudo pericial apresentado.

A sentença objurgada, no entanto, não merece qualquer reparo neste ponto.

Referida insurgência já restou apresentada pela requerida em sede de primeiro grau e foi tratada acertadamente pelo togado monocrático, firme nos elementos que acompanham os autos. Nas palavras do magistrado a quo:

Sendo ainda o laudo de fls. 15/18 suficiente à comprovação dos danos aventados, pois elaborado por técnico com inscrição no CREA que indicou em minúcias a quantidade de peixe perdida, e ainda o valor dos danos sofridos, o que impõe, por conseguinte, a condenação da requerida.

Aliás, é cediço que “O magistrado deve levar em conta a prova documental acostada aos autos a fim de fixar o valor dos respectivos danos materiais.” (AC n. 2012.010249-7, da Capital, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, j. 02.07.2013)

Mantém-se intacto, portanto, o aresto no concernente aos danos materiais e o valor a este atribuído.

Desse modo, não comportam acolhimento as insurgências recursais aviadas pela recorrente, devendo ser mantida in totum a sentença de primeiro grau. Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.

É o voto.

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